culto biblicamente relevantes

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CULTOS BIBLICAMENTE RELEVANTES
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
O que significa, exatamente, cultos biblicamente relevantes?
Não estamos falando apenas de cultos relevantes, mas “biblicamente relevantes”.
O “biblicamente” faz diferença. A relevância de muitos cultos tem sido buscada no seu
significado para as pessoas. Vivemos numa época antropocêntrica em que o homem
passa a ser o referencial e o fio de prumo de quase tudo. Até mesmo o culto é medido
pelo impacto que causou nas pessoas, se lhes foi agradável e se elas se sentiram bem.
Tudo é planejado para que as pessoas queiram voltar. Estas coisas são boas, mas não são
o cerne do culto. Sua relevância não pode se medir por como as pessoas se sentiram.
Pessoas de coração duro, sem desejo de compromisso com Deus, querendo apenas
promessas, podem se sentir bem em um culto que apazigúe seus corações. Mas talvez
estejam precisando ser incomodadas! Se uma pessoa está longe de Deus ou em desacordo
com sua vontade e se sente bem em um culto, este pode ter sido significativo para ela.
Até mesmo relevante porque a fez sentir-se bem, confirmando seu estilo de vida. Mas foi
biblicamente relevante?
Sabemos que o culto tem uma dimensão horizontal, ou seja, deve alcançar as
pessoas. Mas a questão deve ser enfocada a partir daqui: para quem é o culto? Depois,
qual o propósito do culto? Em terceiro: quais os elementos constituintes do culto
biblicamente relevante? E por fim: qual a estrutura do culto biblicamente relevante?
Estas perguntas nos nortearão na busca das respostas às perguntas: “O que são
cultos biblicamente relevantes? Como ter cultos biblicamente relevantes?”. Comecemos
pela primeira resposta: para quem é o culto? Mas antes definamos o que é culto. Por
dedução, consideremos culto a partir de uma definição de “cultuar” encontrada em um
documento da Convenção Batista Brasileira:
Os batistas brasileiros, em resumo, acreditam que cultuar é vivificar a
consciência pela Santidade de Deus; nutrir a mente com a verdade de Deus;
purificar a imaginação pela beleza de Deus; abrir o coração ao amor de Deus;
e dedicar a vontade ao propósito de Deus. 1
Troque o verbo “cultuar” pelo substantivo “culto” e os verbos vivificar, nutrir,
purificar, abrir e dedicar por substantivos deles derivados. Aí estará uma definição de
culto da Convenção Batista Brasileira. Não a única definição, mas uma definição bem
expressiva.
SANTOS, Jane Borges. “Repensando ... a liturgia batista à luz do desenvolvimento eclesiológico e
teológico” in FERREIRA, Ebenézer. Repensando a denominação batista. Rio de Janeiro: ABIBET, 1998.
Jane Borges Santos está citando o “Livro do Mensageiro – 77ª. Assembléia da Convenção Batista
Brasileira, 1996”, às páginas 68-69.
1
1. PARA QUEM É O CULTO?
Sabemos que o culto tem uma dimensão horizontal que não pode ser negada. Mas
sua primeira dimensão é vertical. O culto é para Deus. Tal afirmação é óbvia, acaciana
até. Mas tem sido olvidada e não pode sê-lo. A observação de Paul Plew precisa ser
ponderada:
Temos sido influenciados por uma cultura pop que dita nossa atitude até no
culto, onde prevalecem o entretenimento e a auto-satisfação individual, e onde
termina havendo um mal-entendido sobre qual é o verdadeiro significado da
adoração, quem está envolvido, quem é a platéia, quais responsabilidades
existem e quem recebe a glória. 2
A maior relevância do culto, biblicamente falando, está no seu destinatário correto:
Deus. Nossos cultos devem visar Deus, sua glória, exaltar seu nome, agradecer pelo seu
amor e proteção, proclamar seus feitos, anunciar suas grandezas. Vários salmos podem
ser aduzidos aqui. Mas o Salmo 145 é uma feliz síntese de todos os demais salmos no
tocante às motivações para louvar a Deus, cultuando seu nome. Eis seu texto, na Nova
Versão Internacional:
“Um cântico de louvor. Davídico. Eu te exaltarei, meu Deus e meu rei; bendirei o
teu nome para todo o sempre! Todos os dias te bendirei e louvarei o teu nome para todo o
sempre! Grande é o SENHOR e digno de ser louvado; sua grandeza não tem limites.
Uma geração contará à outra a grandiosidade dos teus feitos; eles anunciarão os teus atos
poderosos. Proclamarão o glorioso esplendor da tua majestade, e meditarei nas
maravilhas que fazes. Anunciarão o poder dos teus feitos temíveis, e eu falarei das tuas
grandes obras. Comemorarão a tua imensa bondade e celebrarão a tua justiça. O
SENHOR é misericordioso e compassivo, paciente e transbordante de amor. O SENHOR
é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas. Rendam-te graças
todas as tuas criaturas, SENHOR, e os teus fiéis te bendigam. Eles anunciarão a glória do
teu reino e falarão do teu poder, para que todos saibam dos teus feitos poderosos e do
glorioso esplendor do teu reino. O teu reino é reino eterno, e o teu domínio permanece de
geração em geração. O SENHOR é fiel em todas as suas promessas e é bondoso em tudo
o que faz. O SENHOR ampara todos os que caem e levanta todos os que estão prostrados.
Os olhos de todos estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no devido tempo. Abres
a tua mão e satisfazes os desejos de todos os seres vivos. O SENHOR é justo em todos os
seus caminhos e é bondoso em tudo o que faz. O SENHOR está perto de todos os que o
invocam, de todos os que o invocam com sinceridade. Ele realiza os desejos daqueles que
o temem; ouve-os gritar por socorro e os salva. O SENHOR cuida de todos os que o
amam, mas a todos os ímpios destruirá. Com meus lábios louvarei o SENHOR. Que todo
ser vivo bendiga o seu santo nome para todo o sempre!”.
A primeira preocupação do salmista é com Deus. Depois, com os participantes do
culto. Quando preparamos uma ordem de culto ou até mesmo um sermão, qual nosso
PEW, Paul. “Desfrutando música e adoração espiritual” in MACARTHUR JR. (ed.) Pense biblicamente:
recuperando a visão cristã de mundo. S. Paulo: Hagnos, 2005, p. 283.
2
primeiro foco? Como as pessoas reagirão ou como Deus reagirá? Mesmo sabendo,
reafirmo, da dimensão horizontal do culto, que ele é usado para proclamar o evangelho de
Jesus, o nosso primeiro olhar no culto deve ser na direção de Deus. Se Deus for
glorificado as pessoas serão alcançadas pelo poder de Deus. A vida de Isaías foi
impactada porque ele viu a glória de Deus (Is 6.1-4).
O culto biblicamente relevante põe o foco em Deus. É justo querer alcançar as
pessoas com o culto. Queremos a consolação e a edificação do povo de Deus. Queremos
a conversão de pecadores. Mas devemos, primeiro, honrar e glorificar a Deus. Isto não é
retórica. É questão de prioridade e de método. Deus abençoa o que o glorifica. Devemos
evitar a tentação em que muitos incorrem de desejar fazer o papel do Espírito Santo, isto
é, produzir emoções nas pessoas.
Que o culto seja voltado para a glória de Deus, que o honre, que o exalte, que
levante bem alto o nome de Jesus. Este é o culto em espírito e em verdade, o que parte do
íntimo do adorador e que independe de geografia (em que monte?) bem como de
manipuladores. O Espírito Santo aplica este culto aos corações presentes.
2. QUAL O PROPÓSITO DO CULTO?
No Salmo 145 vimos que o propósito primeiro do culto é glorificar a Deus. Esta
linha surge em vários salmos. Um propósito segundo é proclamar Deus aos homens. Esta
verdade também aparece em vários salmos, em momentos que o salmista, após louvar a
Deus, se dirige aos fiéis. Isto também se vê no Salmo 145, onde após focar o alvo em
Deus, lentamente o salmista começa a falar de outras pessoas. E conclui com esta frase:
“Que todo ser vivo bendiga o seu santo nome para todo o sempre”.
O culto também proclama o evangelho. O primeiro culto público da igreja
primitiva terminou com a conversão de 3.000 pessoas (At 2.37-41). Não se pode pensar
num culto intimista voltado unicamente para a igreja. Nas instruções sobre o culto, Paulo
deixa claro que ele serve também para a conversão de incrédulos (1Co 14.22-25). Paulo
mesmo realizou cultos que redundaram em conversões e batismos (At 18.7-8).
O culto também edifica. Isto se vê em Atos 14.21-27. A idéia de cultos públicos
não está implicitamente declarada, mas é obviamente pressuposta. Do ponto de vista
prático, poucas coisas edificam mais uma igreja do que ver conversões, pessoas indo à
frente aceitando Jesus como Salvador e depois descendo às águas batismais. Isto fortalece
em muito a vida de uma igreja. Ou seja, a conversão de perdidos glorifica a Deus e
edifica a fé dos crentes.
Neste sentido, o culto tem o que chamamos de dimensão horizontal. Ele edifica a
igreja e é instrumento usado pelo Espírito Santo para a conversão de pecadores. O
propósito do culto tem um tríplice aspecto. Glorifica a Deus, edifica os crentes e serve de
anúncio da salvação aos perdidos.
Mas esta dimensão horizontal precisa ser bem explicitada. Não podemos
confundir o ato de culto, a celebração, com entretenimento. Entretenimento é diversão,
serve para afastar tédio e alegrar a pessoa. Eis uma boa observação do Rev. Arival
Casimiro:
O “tédio religioso” sempre foi um dos maiores inimigos do cristão, no que se
refere ‘à sua vida espiritual. O tédio é um estado mental resultante do esforço
para manter interesse por uma coisa pela qual não temos o mínimo interesse.
Por exemplo: participar de uma escola dominical, quando nosso desejo era
estar na praia. Este fato tem levado a Igreja, em nossos dias, a oferecer certos
atrativos ao povo, no que tange ao culto. “Em muitos lugares raramente é
possível ir a uma reunião cuja única atração seja Deus. Só se pode concluir
que os filhos de Deus estão entediados dele, pois é preciso mimá-los com
pirulitos e balinhas na forma de filmes religiosos, jogos e refrescos” (A. W.
Tozer). 3
Nesta mesma linha eis um oportuno comentário de Leila Gusmão e Westh Ney,
no excelente Culto cristão – contemplação e comunhão:
Culto é a celebração do acontecimento mais dramático da humanidade! Como
alguém tão justo, digno, puro e sem mancha pôde ser imolado por nós,
pecadores? Como pôde sofrer morte aviltante, escárnio e dor? Sua história é
uma história de amor e dificílima de ser compreendida por ser ele o Cordeiro
de Deus, que por sua imensurável graça e amor se doou por nós e por todos
que ainda virão. O drama do Calvário não pode ser esquecido. Cada culto é
um trazer à memória o que nos traz vida e esperança. 4
O culto deve nos relembrar o amor de Deus, a graça de Jesus e o poder do Espírito
Santo. Culto não é catarse, o ato de por emoções para fora. Leila e Westh Ney foram
felicíssimas: “Culto é a celebração do acontecimento mais dramático da humanidade”.
Relembra-nos os atos de Deus e faz-nos refletir sobre seus efeitos em nossa vida. O foco
do culto é a Divindade. E cada culto deve rememorar o Calvário!
3. QUAIS OS ELEMENTOS CONSTITUINTES DO CULTO BIBLICAMENTE
RELEVANTE?
Os elementos constituintes do culto biblicamente relevante podem variar
conforme o lugar, a cultura da igreja, suas possibilidades, etc. Mas olhemos o ensino
bíblico que deve nortear a vida da igreja. Em Atos 2.42 lemos: “E perseveravam na
doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”. Eis um excelente
comentário sobre o texto:
Este é o resumo dos elementos essenciais no discipulado cristão. Eram
elementos que os apóstolos haviam aprendido de sua experiência com Jesus:
seu ensinamento a respeito de sua pessoa e obra (Mt 16.18-19; Lc 24.26) e
CASIMIRO, Arival. “A necessidade de essência do culto” in CASIMIRO (ed.) Adoração e louvor. S.
Bárbara d’Oeste: SOCEP, s/d., vol. 1, p. 9.
4
SANTOS, Leila Gusmão e LUZ, Westh Ney. Culto cristão – contemplação e comunhão. Rio de Janeiro:
JUERP, 2003, p. 47.
3
sobre a responsabilidade deles como seus seguidores (Mt 5-7), a comunhão de
Cristo com seus discípulos (Jo 13), a Ceia do Senhor – o partir do pão (Mt
26.17-30) – e sua vida de oração pelos discípulos e com eles (Mt 6.5-13; Lc
11.1-13; Jo 17).5
Tendo Cristo como o tema central, o culto se constituía de orações, pregação e
celebração da ceia. Os cânticos não eram estranhos à prática dos cristãos até mesmo
porque o Salvador cantou um hino com os discípulos (Mt 26.30), que tem sido
identificado com o Hillel (Salmos 113-118), cantado por ocasião da ceia de páscoa. Os
textos de Efésios 5.19 e Colossenses 3.16 mostram que o cântico de hinos, cânticos e
salmos faziam parte da liturgia cristã. A prática de louvar a Deus com cânticos está tão
enraizada na experiência do povo de Deus que o Apocalipse traz vários cânticos do povo
de Deus na glória, bem como de entidades espirituais. Hinos fazem parte dos elementos
constituintes do culto cristão. E hinos de bom conteúdo comunicam a teologia da igreja,
que é seu suporte espiritual.
A pregação é central no culto. O pessoal da música fica melindrado quando
alguém diz que na hora da pregação se chegou ao momento mais importante do culto.
Sente-se como se tivesse sido atacado e alega que tal declaração soa como se nada que foi
feito antes tivesse valor. Não é o que se diz quando se pronuncia tal frase, aliás,
desnecessária. Mas a pregação é mesmo o elemento central do culto. Jesus não disse “Ide
e louvai” nem “Ide e cantai”. Disse “Ide e pregai”. E embora saibamos que o evangelho
pode ser pregado pela música, o que está em foco é a pregação como pregação. Basta
entender o conceito cultural daquela época para se saber que “pregar” tem o sentido de
proclamação verbal da Palavra. E o verbo grego empregado em Marcos 16.15 tem o
sentido de uma proclamação verbal, como um arauto. Qualquer outra interpretação é um
valor que atribuímos ao significado que a palavra tinha quando empregada na ocasião.
Desta maneira a pregação bíblica faz parte do culto biblicamente relevante. E o
ensino da Palavra deve ser central no culto. Gostem ou não as pessoas de outras áreas, é
este o momento climáxico do culto. Toda a autoridade do culto vem do Espírito Santo,
autor último da Palavra (2Pe 1.21). E o ensino bíblico é que dá ao culto um caráter de
comunicação divina, porque Deus revelou suas palavras na Bíblia e nos ensina através da
Bíblia. É muito significativa esta observação de Swindol:
Quantas vezes temos ouvido Billy Graham dizer: “A Bíblia diz..., a Bíblia
diz..., a Bíblia diz”. Por todo o mundo ele tem estado a anunciar: “A Bíblia
diz”. E é aí que se encontra a autoridade do evangelista.6
Mas não é apenas a autoridade do evangelista. É também a autoridade do culto.
Ele não pode ser um blábláblá humano, mas sim a proclamação dos atos de Deus e o
anúncio da Palavra de Deus. No culto biblicamente relevante a Palavra de Deus é
ensinada. Infelizmente, insights humanos, pseudas revelações, tagarelice humana,
algazarra sonora, tudo isto tem se constituído como o arcabouço do culto contemporâneo.
5
6
Bíblia de Genebra, rodapé in loco
SWINDOL, Charles. A noiva de Cristo. S. Paulo: Editora Vida, 1996, p. 85.
Muito culto é apenas, com perdão pela palavra pouco elegante, “enrolação” espiritual.
Um monte de partes sem nexo, em que pessoas se agitam e se exibem, mas quando se
busca compreender o que foi dito ou ensinado, fica-se em dúvida. O foco do culto deve
ser Deus e sua Palavra. Todo o culto deve ser construído sobre os pressupostos de que
Deus deve ser glorificado, seus atos devem ser proclamados e sua Palavra ensinada.
Cultos em que o homem aparece mais que Deus, no deprimente culto à personalidade que
se vê hoje em dia, se constituem em blasfêmia. O culto biblicamente relevante não tem o
homem eminente, e sim Deus. “Esconde o teu servo atrás da cruz de Cristo”, uma antiga
oração dos crentes quando intercediam pelo pregador, deve ser restaurada. Cânticos,
leituras, pregação, bem como qualquer apresentação devem glorificar a Deus. E isto não
pode ser uma oraçãozinha pró-forma, pronunciada mais para desculpar e dar a impressão
de que o homem não quer aparecer, mas no final tudo exalta o homem.
Conforme a cultura local, haverá mais elementos além de cânticos (individuais,
comunitários ou por grupo), leituras e pregação. Mas um cuidado deve ser tomado.
Vivemos num mundo sensual (dos sentidos), mais que da reflexão. Assim o culto tem
apelado muito para a movimentação corpórea, bem mais que para o espiritual. Há cultos
com “trenzinhos”, com pessoas fazendo fila, segurando-se na cintura da outra e dançando,
etc. A coreografia virou moda. A este autor, particularmente, não agrada e não lhe parece
um ato de culto. Não está disposto a discutir a questão, porque não abre mão de seu ponto
de vista. Mas os que gostam, tomem cuidado. Muita coreografia, e isto é dito sem
maldade e sem exagero, se assemelha à dança do ventre. Já preguei em cultos em que
durante a coreografia não sabia como me portar, pela profusão de umbigos à mostra.
Cabem aqui as palavras de Paulo, em 1Coríntios 14.40: “Mas tudo deve ser feito com
decência e ordem”.
Carecemos de muita cautela nesta questão. O copismo é muito forte em nosso
meio. Alguém começa a fazer algo e logo outros imitam, sem qualquer senso crítico. A
questão não é se outros estão fazendo, se é bonito, ou se nos agrada. A questão é:
realmente glorifica a Deus? Realmente promove seu reino? E, já que o aspecto humano
está sendo considerado: une a igreja no momento do culto ou apenas satisfaz à
necessidade de novidades em nosso meio? Porque o culto não pode fracionar o povo de
Deus, e sim reuni-lo em torno da Palavra e da cruz. O orgulho humano nos cultos tem
machucado e dividido algumas comunidades porque as pessoas querem louvar a Deus do
seu jeito. O culto público é da igreja como um todo, não de uma parte ou de um grupo de
artistas, por isso o elemento constituinte mais forte do culto é o amor cristão, que deve se
evidenciar no respeito aos demais. Muitas práticas litúrgicas desunem mais que unem,
mas o “clero litúrgico” decidiu que Deus deu aquela visão que é assim é empurrada sobre
os outros. A igreja se divide e muitos se afastam, mas a vontade de alguns prevaleceu. O
amor é a argamassa que une todo o culto. Ele é para Deus, primeiro, e para alimentar o
povo de Deus, secundariamente. Depois, deve proclamar ao mundo. Mas uma igreja
dividida e machucada pelo culto não pode proclamar nada. Por isso, repito: entre todos os
elementos do culto biblicamente relevante, o amor é o mais forte.
4. QUAL A ESTRUTURA DO CULTO BIBLICAMENTE RELEVANTE?
Surpreende-me que algumas pessoas vejam a confecção de uma ordem de culto
como mundanismo ou engessamento do Espírito Santo. Um obreiro, obviamente bem
intencionado, mas bastante confuso, escreveu-me dizendo que em sua igreja não havia
“esse negócio de ordem de culto”, porque isso limitava o Espírito Santo. Na igreja dele, o
Espírito era livre para conduzir o culto como quisesse. Eu disse que na minha o Espírito
era livre para agir antes do culto, trabalhando em nossas vidas e orientando-nos para
confeccionar uma ordem de culto com nexo. Não o limitávamos ao momento do culto,
mas à toda a vida da igreja. Ele agia antes do culto também, e não apenas no momento do
culto.
Será que o Espírito só age no meio do improviso? Será que ele não age na mente
de pessoas submissas que o buscam em oração, quando preparam uma ordem de culto?
Muita gente confunde inspiração do Espírito com possessão. Como se a pessoa ficasse
possessa pelo Espírito e aí não soubesse o que diz nem o que fala. Isto é uma
superespiritualidade que resvala para a ingenuidade e vê a razão com desconfiança.
Parece-me mais usado por pessoas com dificuldades de usar o raciocínio ou com medo
dele. O culto biblicamente relevante precisa de uma estrutura. Que pode ser simples, mas
oriente a congregação: o que está sendo dito? Que ensino bíblico se deseja transmitir?
Com uma estrutura, mínima que seja, bem elaborada, evita-se o que se vê em muitos
lugares: canta-se um hino de páscoa, faz-se um solo sobre o natal, recita-se uma poesia
sobre a parábola das virgens e um quarteto canta sobre a volta de Jesus. Aí o pregador
prega sobre o dia das mães. Se o culto é um todo, o que se ensinou? Deus pode tê-lo
aceitado. Mas em sua dimensão horizontal, o que transmitiu?
Uma ordem de culto com sentido e um com um fio condutor unindo todas as
partes é um poderoso instrumento de comunicação da verdade divina. Não apenas porque
todas as partes têm sentido, mas porque o culto passa a ser uma obra só. Ele registra uma
mensagem maior, mostrando mensagens cantadas e pregada, mas ele é uma mensagem.
Sua forma traz um ensino. Ele ensina com o conteúdo e com a estrutura.
Do ponto de vista estrutural, o culto deve se mover para frente, de forma dinâmica.
As partes devem se ajuntar e caminhar numa progressão, evitando-se aquela impressão de
colcha de retalhos. É muito desagradável quando se anuncia um solo, e o solista está lá no
último banco, deixa passar alguns segundos, aí se levanta, vem caminhando lentamente,
procura o pianista ou alguém do som para lhe entregar um playback, e aí é que vai se
acertar o que será cantado. E o que dizer dos instrumentistas que na hora da execução da
música vão afinar ou ajustar os instrumentos? Isto “mata” qualquer culto, dando uma
impressão de desleixo e de falta de preparo. Além de quebrar um espírito no culto que o
Espírito vinha criando.
No livro Uma igreja com propósitos, Warren diz que no culto de sua igreja não há
espaço entre uma parte e outra. Elas vão se sucedendo sem deixar hiatos. Diz ele:
Existe muita “hora morta” entre os diferentes elementos da reunião. Quando
um ministro de música termina o louvor, ele anda e senta. Quinze segundos
depois, o pastor começa a pensar em levantar-se. Finalmente, ele lentamente
vai ao púlpito e dá as boas-vindas ao povo. Enquanto isto acontece, os nãocrentes já caíram no sono. Trabalhe bastante para minimizar os tempos de
transição. Assim que um período de culto acabar, outro deve começar
lentamente. 7
Tenho procurado fazer isto. As partes vão se sucedendo, levando o culto para
frente, num movimento de progresso e de proveito, sem lacunas nas quais a atenção dos
participantes se perca.
A elaboração de uma estrutura permite ver se a congregação está participando do
culto ou apenas assistindo a exibição de artistas espirituais. Se a estrutura foi impressa
como ordem de culto, orienta as pessoas para que saibam em que momento do culto estão,
o que foi feito, o que virá. E ajuda as pessoas a saberem que hino será cantado. Nem
sempre se ouve bem e alguém fica perguntando.
As partes de culto devem ser anunciadas com clareza para que todos saibam o que
vai acontecer. Por isso devemos tomar cuidado na enunciação dos itens do culto, evitando
palavras mastigadas, que ninguém entende, e o triste hábito do gerundismo: “Vamos estar
cantando”, “vamos estar ouvindo”, “vamos estar lendo”. Isto dói e incomoda. É horrível
ouvir uma pessoa que fala assim o tempo todo. Evite-se também o “possamos”. “Que
possamos estar”, “Que Deus possa nos abençoar” e outros usos do verbo “poder” que
evidenciam a dificuldade no uso dos verbos. São expressões erradas que devem ser
evitadas. Quem vai dirigir um culto e deseja que ele seja relevante deve se expressar bem.
Se não consegue fazê-lo, que estude. Assim como estudamos canto, estudamos
instrumentos, estudamos pregação e estudamos a Bíblia, que estudemos nossa ferramenta
de comunicação, nosso idioma. Alguém dirá que é ser pernóstico notar estas coisas e que
quem vai a um culto deve estar com o coração posto em outros aspectos. Não é correta
esta observação. Falar direito não é ser pernóstico. Não querer aprender é que é ser
pernóstico. É sinal de desleixo e auto-suficiência. Dirá alguém que isto nada tem a ver
com “biblicamente relevante”. Tem. Os tradutores bíblicos nos legaram uma obra bem
feita, literariamente, a Bíblia em nosso idioma. O ensino bíblico (e o culto é ensino
bíblico) deve ser feito de maneira eficiente. E quem tem atividade de comunicação deve
saber fazê-lo. E precisa de humildade para aprender a se aperfeiçoar. Que a preguiça dos
crentes não prejudique a condução dos cultos.
CONCLUSÃO
O culto biblicamente relevante é teocêntrico, tem a glorificação de Cristo como
alvo, a Bíblia como suporte, comunica o amor e o perdão divinos, exorta os crentes a
viverem acertadamente e a testemunharem de sua fé. É o culto que, encerrado, as pessoas
dizem: “Estive na presença de Deus!”, e não “Foi legal! Me soltei!”. É para Deus,
primeiro e acima de tudo.
O culto biblicamente relevante é aquele em que as pessoas dão o melhor de si. Em
que os dirigentes buscam aperfeiçoar dons e talentos. É aquele que exerce impacto em
7
WARREN, Rick. Uma igreja com propósitos. S. Paulo: Editora Vida, 3ª. ed., 1998, p. 308.
nossa vida e é elemento causador de mudanças. Heráclito de Éfeso (540-480 a.C.) foi o
filósofo das constantes transformações. Para ele, tudo estava em constante movimento.
Dizia ele que não podemos tomar banho duas vezes no mesmo rio. Banhamo-nos, saímos
e quando voltamos, o rio já é outro. E nós mesmos já somos outros. O culto biblicamente
relevante deve ser assim. Nunca deveríamos ter as mesmas pessoas em dois cultos
seguintes. Cada culto deveria efetuar transformações na vida dos participantes de tal
maneira que no culto seguinte as pessoas presentes não fossem as mesmas pessoas de
antes. Elas teriam sido transformadas. É o progresso espiritual até o “pleno conhecimento
do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo”
(Ef. 413). O culto biblicamente relevante contribui para isso.
O culto biblicamente relevante é para a glória de Deus e para a transformação de
vidas.
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