PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE MANDAGUARI - ESTADO DO PARANÁ. A Representante do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, Promotora de Justiça que adiante assina, em exercício junto à Promotoria de Justiça desta comarca de 1 Mandaguari, situada na Praça dos PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Três Poderes, nº 280, onde pode ser pessoalmente intimada, agindo no interesse da criança THAÍS DE LUCCA LAVORATTO, brasileira, solteira, nascida nesta cidade no dia 23/02/1999, representada por seu pai CLAUDINEI LAVORATTO brasileiro, casado, cabeleireiro, portador da cédula de identidade RG n°5.002.389-3/SSP/PR, filho de João Lavoratto e Cecília Olivetti Lavoratto, residente na Rua Pedro José de Andrade, nº 2311, Jardim Cristina, nesta cidade e Comarca de Mandaguari - PR, vem à presença de Vossa Excelência impetrar MANDADO DE SEGURANÇA - COM PEDIDO LIMINAR – Fazendo-o com fundamento nos artigos 1º, inciso III, 5°, caput e incisos XXXV, LXIX; 6°, caput; 196, caput; 197, caput, da Constituição Federal; 120, inciso II, da Constituição do Estado do Paraná; 1º, 27 e 32, inciso I, da Lei Federal nº 8.625/93; 1º e 67, § 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 85/99; 1º, 2º, 5º, 12, inciso XVIII, 38, inciso IV, da Lei Estadual nº 13.331/01; 2°, 4°, 5°, 6º, inciso I, alínea ‘d’, 7°, 15, 43 da Lei Federal n° 8.080/90, 2º, parágrafo único, alínea ‘d’, da Lei Federal nº 8.212/91, e nos dispositivos pertinentes das Leis Federais n° 1.533/51 e 4.348/64, Contra ato ilegal do senhor AMAURY RODRIGUES BRIANEZ, brasileiro, casado, farmacêutico, Secretário de Saúde do Município de Mandaguari - PR, como gestor local do Sistema Único de Saúde, enquanto autoridade responsável pela negativa em fornecer os equipamentos para controle glicêmico diário, quais sejam, fitas para dosagem, agulhas e seringas, essenciais à saúde e à manutenção da vida da criança THAIS LUCCA LAVORATTO, pelas razões que passa a enunciar. 2 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI I - A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de atuação do Ministério Público, atribuiu-lhe a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput), ao mesmo tempo em que, dentre outras funções institucionais, confiou-lhe o zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos nela assegurados, promovendo as medidas necessárias à sua garantia (art. 129, inciso II). No mesmo sentido é o art. 120, inciso II, da Constituição Estadual. Ora, a saúde é o único bem dito de relevância pública expresso na Carta Magna (v. art. 197 da CF). Para melhor elucidação, faz-se pertinente a consideração dos ensinamentos de Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz e Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin (in O Conceito Constitucional de Relevância Pública, série Direito e Saúde nº 1, Organização Panamericana da Saúde e Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde, representação do Brasil – Brasília 1992, Organização: Profª Sueli Gandolfi Dallari, pág. 36), a respeito do significado da expressão supra: a) “A qualidade de “função pública”, como verdadeiro dever-poder, que regra a garantia da saúde pelo Estado; b) a natureza jurídica de direito público subjetivo da saúde, criando uma série de interesses na sua realização – públicos, difusos, coletivos e individuais homogêneos; c) limite da indisponibilidade, tanto pelo prisma do Estado como do próprio indivíduo, do direito à saúde; 3 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI d) a idéia de que, em sede do art. 197, o interesse primário do Estado corresponde à garantia plena do direito à saúde e as suas ações e serviços, sempre secundários, só serão legítimas quando imbuídas de tal espírito; e) o traço de essencialidade que marca as ações e serviços de saúde.” Tais observações convergem para um mesmo ponto, qual seja, o de considerar o direito à saúde como um direito subjetivo público e indisponível. Diante desse contexto constitucional, extrai-se que o parquet, de modo genérico, pode e deve promover todas as medidas necessárias – administrativas e/ou jurídicas - para a restauração do respeito dos poderes públicos aos direitos constitucionalmente assegurados aos cidadãos – mormente os direitos fundamentais – mesmo que no plano individual, desde que se trate de direito indisponível. A vida e a saúde são os direitos mais elementares do ser humano, pressupostos de existência dos demais direitos, adequando-se na categoria de direitos individuais indisponíveis, razão pela qual merece especial cuidado, sobretudo no caso sub judice – quando se trata de recusa de fornecimento de equipamentos e medicamentos - que atinge diretamente a saúde da favorecida, uma criança de apenas 08 anos de idade. Quanto à legitimidade para impetração de mandado de 4 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI segurança, José da Silva Pacheco, O Mandado de Segurança e outras ações constitucionais típicas – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, pág. 175.3, comentando as funções específicas conferidas ao Ministério Público pela Constituição Federal, destaca: “... zelar pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias para a sua garantia, inclusive o mandado de segurança, quando for o caso... Pode assim, quando for o caso, impetrar mandado de segurança em nome próprio, ou em nome daqueles cujos interesses, por força da função que exerce, lhe cumpre defender”. De outro lado, a legitimidade do Ministério Público para impetrar mandado de segurança decorre de suas funções institucionais inseridas na Constituição Federal, justamente para isso a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93, art. 6º, inc. VI), a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (nº 8.625, artigo 32, inc. I), bem como a Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná (Lei Complementar nº 85/99, art.67, § 1º, inc. I), permitiram expressamente ao parquet, tanto na esfera estadual como na federal, a sua impetração, senão vejamos, respectivamente: Art. 6º: “Compete ao Ministério Público da União: VI – impetrar habeas corpus e mandado de segurança;” Art. 32: “Além de 5 outras funções cometidas nas PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e demais leis, compete aos Promotores de Justiça, dentro de suas esferas de atribuições: I – impetrar habeas corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes;” Art. 67: “Ao Promotor de Justiça incumbe exercer: § 1º - Dentro das esferas de suas atribuições, cabe aos Promotores de Justiça: I – impetrar habeas corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes;” Conseqüentemente, resta inconteste a legitimidade ad causam do Ministério Público, como substituto processual, no ajuizamento de mandado de segurança para exercício da função institucional do art. 129, inc. II, da Constituição Federal, naqueles casos em que o poder público seja o patrocinador de lesão a direito líquido e certo, como na espécie, onde o Sr. Secretário Municipal de Saúde recusou o fornecimento de insumos necessários à vida da criança Thaís Lucca Lavoretto. II – OS FATOS 1) No dia 30 do mês de março do corrente ano, durante a realização do atendimento ao público, o Sr. CLAUDINEI LAVORATTO compareceu no Gabinete desta Promotoria alegando que a Secretaria de 6 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Saúde do Município não fornecia os insumos necessários ao controle da doença – diabete melito tipo 1 - de que padece sua filha, a infante Thais de Lucca Lavoratto, conforme registro de nº 95, às fls. 34 do livro de registro de atendimento ao público. Conforme relatou o pai da infante, há aproximadamente dois meses foi detectado que sua filha, a criança Thaís Lucca Lavoratto é portadora da doença Diabete Melito tipo 1 (DM-1), necessitando, então, em receber alguns cuidados especiais, tais como fazer uso diário de insulina. Para tanto, faz-se necessária a dosagem diária do medicamento que a criança deve receber, bem como que a criança necessita ter à sua disposição fitas para dosagem, agulhas e seringas. Tais insumos, segundo informações funcionárias lotadas na Secretaria Municipal de prestadas por pelo Município ao pai da infante, não seriam fornecidos, conforme bilhetes ora anexados. À vista daquele relato, oficiamos ao Impetrado, Sr. Amaury Rodrigues Brianez, solicitando que o Município de Mandaguari, através da Secretaria de Saúde, ofertasse a infante aqueles insumos, conforme ofício nº 49/2007. Todavia, daquela Secretaria, sob a responsabilidade do impetrado AMAURY RODRIGUES BRIANEZ, veio a resposta em 02 dde abril de 2007, através do ofício nº 76/2007, de que os equipamentos estariam sendo disponibilizados a criança nos postos de saúde e pronto atendimento municipal. Tal alternativa apresentada pelo Sr. Secretário Municipal de Saúde não atende as necessidades da criança, que necessita receber 7 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI monitoramento diário, em horários não pré-estabelecidos, razão pela qual foi atestado pela médica que atende a criança que ela necessita ter à sua disposição aqueles insumos para dosagem glicêmica. À vista daquela negativa da Secretaria Municipal de Saúde, de flagrante afronta ao direito líquido e certo de Thais Lucca Lavoratto, perpetrada pelo Sr. Secretário Municipal de Saúde, a impetração do presente writ se fez necessária. 2) De acordo com a literatura médica, a doença de que padece a criança Thaís de Lucca Lavoratto, Diabete Melito 1 (DM-1), é um distúrbio crônico caracterizado pelo comprometimento do metabolismo da glicose e de outras substâncias produtoras de energia devido um defeito hormonal, a deficiência de insulina. O não tratamento da doença pode acarretar complicações vasculares e neuropáticas, sendo a principal causa de cegueira, doença renal e de amputações de membros não-traumática. Existe, ainda, o risco de doença cardíaca cerebral e vascular periférica em 2 a 7 vezes. Os pacientes portadores de tal doença têm pouca ou nenhuma secreção de insulina, necessitando assim da administração de insulina exógena, para evitar a ocorrência de descompensação metabólica (cetoacidose) e morte. 3) No Estado do Paraná foi firmado PROTOCOLO CLÍNICO PARA DISPENSAÇÃO DE ANÁLOGOS DE INSULINAS DE LONGA DURAÇÃO (GLARGINA) E DE CURTA DURAÇÃO (LISPRO E ASPART) PARA ATENDIMENTO DO PACIENTE DIABÉTICO NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE, assim dispondo na parte introdutória: 8 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI A diabetes mellitus é uma enfermidade metabólica caracterizada por hiperglicemia em decorrência da ausência absoluta ou parcial na produção de insulina pelo pancreas, associado a graus variáveis de resistência insulínica. A diabetes pode ser dividida em: Tipo 1 ou diabetes insulinodependente, caracteriza pela ausência absoluta de insulina por destruição das células beta pancreáticas e tendência a evoluir para cetoacidose diabética. Sabe-se atualmente que pode acometer pacientes de qualquer idade. Tipo 2 ou diabetes não-insulinodependente, ocorre geralmente em pessoas obesas, de crianças a idosos, com forte história familiar e costuma estar associado à síndrome metabólica (hipertensão arterial, dislipidemia, hiperuricemia e acúmulo de gordura abdominal). É considerada uma doença com alta morbi-mortalidade, sendo uma das principais causas de acidente vascular encefálico, infarto do miocárdio, insuficiência renal crônica, cegueira e amputações de membros inferiores. Vários estudos demonstram que o tratamento intensivo do diabetes diminui significativamente suas complicações e sua mortalidade, principalmente quando a hemoglobina glicada situa-se abaixo de 7%. Na parte conclusiva daquele protocolo, assim está disposto: “A partir da implantação deste protocolo espera-se, no cumprimento das leis já citadas, obter e monitorar a melhora no controle glicêmico de portadores de Diabetes Mellitus do tipo 1 no Paraná, visando a longo prazo a prevenção das complicações crônicas da doença e a curto e médio prazo uma melhor qualidade de vida para estes pacientes.” Ainda, naquele protocolo, cópia anexa, vem expressamente prevista a dispensação de insumos, ao paciente portador de diabetes, assim compreendidos: fitas, lancetas, glicosimetro, seringas, agulhas e caneta aplicação.” Assim, de pouca valia a circunstância da Secretaria 9 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Municipal de Saúde em fornecer a insulina, senão fornecer, também, os equipamentos necessários para dosagem glicêmica, restando inviliabilizado o deslocamento da infante aos postos de saúde do Município para receber o monitoramento, uma vez serem imprevisíveis as ocasiões em que a criança necessitará fazer uso do medicamento, não se olvidando que a aquela criança, dentro de suas limitações, necessita levar uma vida normal. III – O MODERNO CONCEITO DE SAÚDE E SUA INCORPORAÇÃO AO SISTEMA JURÍDICO NACIONAL O referencial teórico e hodierno acerca do conceito de saúde surgiu no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão da ONU, em 26 de julho de 1946, no qual restou estabelecido que: “A saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças” Pode-se extrair da determinação supra que a OMS ampliou o entendimento, até então preponderante, de enfocar a saúde apenas como uma conseqüência natural de ausência de doenças, seja no plano preventivo, seja no plano curativo. Abarca o conceito, atualmente, o que se chama de “promoção da saúde”, referindo-se ao completo bem-estar físico, mental e social do indivíduo. Assim, absorvido no conceito pela nossa Constituição Federal, preocupou-se ela (inovadoramente) com o tema, em seu artigo 196, dizendo ser “a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de 10 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Doutrinariamente, nas observações de Germano Schwartz, In Direito à Saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica – Porto Alegre – 2001, Editora Livraria do Advogado, pág. 43.4 compreende-se a saúde, em consonância com o citado artigo 196, como sendo: “um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar”. No mesmo diapasão, o conteúdo do artigo 3º, parágrafo único, da Lei Orgânica da Saúde. “Artigo 3º: “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.”. IV – A SAÚDE E A DIGNIDADE HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL A Constituição Federal buscou dar ampla proteção ao direito à saúde, tanto que, logo no artigo 1º, elege como fundamento da 11 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e, no artigo 3º, institui como objetivo do País a promoção do bem de todos. O princípio da dignidade humana está evidenciado pela expressão de valor da pessoa humana, o qual impõe o dever de ser reconhecida a intangibilidade da vida, sem a possibilidade de concessões por parte de seu titular, dado se tratar de preceito absoluto e fundamental de todo indivíduo. A dignidade revela-se, portanto, como uma qualidade integrante e irrenunciável de toda pessoa, expressando seu valor absoluto. Com efeito, engloba, necessariamente, o respeito e proteção de sua integridade física e emocional (psíquica) tanto por parte do Poder Público como dos particulares. Diante disso, não há dificuldade em se detectar a afronta a este princípio com a negativa infundada do Poder Público, através do Impetrado, em fornecer os equipamentos para controle glicêmico à criança Thaís Lucca Lavoratto. A mera leitura de dispositivos a respeito na Carta de 88 apresenta forte contraste com a hipótese dos autos, revelando de pronto a lesão em causa. Art. 1.° A República Federativa do Brasil ... constitui-se em 12 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Estado democrático de direito e tem como fundamentos: ... (omissis) II- a dignidade da pessoa humana. Art. 5.° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida. Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197 – São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, 13 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera do governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade”. Ademais, a Constituição Estadual, em disposições abaixo descritas, reproduz, a seu modo, os conteúdos da Carta Maior: Art. 1º: “O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais, do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e tem por princípios e objetivos: I – o respeito à unidade da Federação, a esta Constituição, à Constituição Federal e à inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais por ela estabelecidos; ... (omissis) 14 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI IX – a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida.” Art. 167: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à prevenção, redução e eliminação de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para a sua promoção, proteção e recuperação.” Art. 168: “As ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita, preferencialmente, através de serviços de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.” Art. 169: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema estadual de saúde, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – municipalização dos recursos, serviços e ações, com posterior regionalização dos mesmos, de forma a apoiar os Municípios; II – integralidade na prestação das ações, preventivas e curativas, adequadas às realidades epidemiológicas; III – integração da comunidade, através da constituição do Conselho Estadual de Saúde, com caráter deliberativo, garantida a participação dos usuários, prestadores de serviços e gestores, na forma da lei.” V – ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO À SAÚDE NA 15 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA EM FACE DA ESPÉCIE A Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal n° 8.080, de l9 de setembro de 1990) estabelece: Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Art. 6°. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde - SUS: I - a execução de ações: ... (omissis) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Art. 7°. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde - SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes 16 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos serviços públicos e privados contratados, ressalvando-se as cláusulas ou convênios estabelecidos com as entidades privadas. Logo, sendo a saúde um direito público subjetivo do cidadão e dever do Estado, cuja efetivação constitui interesse primário, há de ser ele satisfeito de modo integral, resolutivo e gratuito (artigos 198, inciso II, da Constituição Federal, artigos 7º, inc. XII e 43, ambos da Lei Orgânica da Saúde), inclusive com a adequada assistência farmacêutica - artigo 6º, inciso I, alínea ‘d’, da LOS. A “integralidade da assistência terapêutica, inclusive farmacêutica” abarca como se sabe, de forma harmônica e igualitária, as ações e serviços de saúde preventivos e curativos (ou assistenciais), implicando em 17 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI atenção individualizada, para cada caso, segundo as suas exigências, em todos os níveis de complexidade do sistema (federal, estadual, e municipal). Diz-se assistência farmacêutica na lei, pois é evidentemente impossível ao Estado dar saúde diretamente aos seus cidadãos, cabendo-lhe, assim, fornecer-lhes todos os insumos medicamentosos para que seja ela recuperada. Deste princípio, é possível confirmar-se, uma vez mais, o direito da favorecida Thaís Lucca Lavoretto na obtenção dos equipamentos para controle glicêmico diário, adequado à preservação de sua saúde, que encontra guarida, inclusive, na Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei Federal nº 8.212/1991): Art. 2º: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes: d) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas;” O artigo 7º, inciso XII, da LOS, prevê expressamente o princípio resolutivo, conforme se vislumbra da transcrição abaixo: 18 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Art. 7: “As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência.” Nas lições de Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos6 in Comentários à Lei Orgânica de Saúde, 2ª edição, atualizada e ampliada. Editora Hucitec - São Paulo, 1995, pág.88. “O ”princípio resolutivo” das ações e serviços de saúde “é aquele que resolve o problema trazido ou apresentado pelo paciente, seja mediante a aplicação, no ato, de um medicamento resolutivo, seja mediante a prescrição terapêutica que vai resolver, gradualmente, o problema, ou seja ainda mediante a indicação de uma cirurgia, a recomendação de uma órtese ou de mudança de estilo de vida”. Vale repisar, portanto, que a saúde não é apenas uma contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim um direito fundamental do ser humano, devendo, por isso mesmo, ser universal, igualitário e integral, não se podendo prestar soluções parciais, como pretende o impetrado, sem com isso negar o direito à saúde. 19 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Frise-se, assim, que o direito do infante, aqui defendida, não se limita simplesmente à obtenção de qualquer remédio. É necessário, portanto, que seja exatamente aquele que venha a solucionar a enfermidade apresentada, ou mesmo a estabilizá-la, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida. Ora, em se assim é, resta evidente que a não concessão dos insumos, para controle da diabete, configura verdadeira violação de direito líquido e certo, face a ilegalidade perpetrada pelo Sr. Secretário Municipal de Saúde. Referida ilegalidade há de ser cessada, apresentando-se o mandado de segurança, portanto, como o remédio constitucional apto a fazê-lo, nos termos do que prevê o artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal – “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas corpus’ ou ‘habeas data’, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; Ainda, o artigo 1º, “caput”, da Lei nº 1.533 “Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofre-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” Destaca-se, também, o artigo 196 da Constituição Federal que, somado a todos os demais dispositivos supra referidos, conferiu ao 20 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI direito à saúde a natureza jurídica de verdadeiro direito público subjetivo, exigindo do Estado uma prestação imediata e efetiva, sob pena de incorrer o Poder Público em ilegalidade. Neste sentido, bem nos auxilia a lição de Canotilho e Moreira que, ao comentarem similar dispositivo previsto na Constituição portuguesa, enfatizam que: “somente em alguns casos é que os direitos sociais conferem aos cidadãos (a todos e a cada um) um direito imediato a uma prestação efetiva, sendo necessário que tal decorra expressamente do texto constitucional. É o que sucede designadamente no caso do direito à saúde” (Fundamentos da Constituição, J. J. Gomes Canotilho e V. Moreira, Coimbra Editora, 1991, p.130 (gn).32. Não se está, portanto, diante de descumprimento de meras normas programáticas, mas de normas dotadas de eficácia jurídica imediata. Até porque, decorridos mais de 18 anos da promulgação da Carta, difícil conceber a existência de normas tão-só programáticas, sem eficácia jurídica, mormente àquelas referentes à saúde pública. Neste sentido, inclusive a respeito do artigo 196 da Carta, já se manifestou nossa Corte Maior nos seguintes termos: “O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política que tem por destinatários todos os entes políticos que compõe, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (...) não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”33 RE 271286 AgR / RS, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª 21 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Turma, DJ 24/11/2000). Desta forma, não só pelo fato dos parcos recursos financeiros do pai da criança para que possa arcar com tais despesas, e mesmo que contrária fosse sua situação, se trata de um direito líquido e certo que está sendo violado, expondo a risco de vida a criança THAÍS LUCCA LAVORATO, pela evolução da doença Diabete Melito tipo 1 (DM-1), razão da busca a garantia da devida prestação por parte do Município, obrigação esta definida no Sistema Único de Saúde, consoante prevê a NOAS – SUS nº 01/2002, nº 55, ‘g’ (responsabilidades) e reforçada pelo parágrafo único do artigo 2º do Código de Saúde do Estado (Lei Estadual nº 13.331/01), respectivamente. 55. “Os municípios, para se habilitarem à Gestão Plena do Sistema Municipal, deverão assumir as responsabilidades, cumprir os requisitos e gozar das prerrogativas definidas a seguir: Responsabilidades g. Garantia do atendimento em seu território para sua população e para a população referenciada por outros municípios, disponibilizando serviços necessários, conforme definido na PPI, ...” Parágrafo único do art. 2º: “O dever do Estado de prover as condições e as garantias para o exercício do direito à saúde não exclui o 22 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI dos municípios, das pessoas, da família, das empresas e da sociedade”. Recorde-se, por fim, que o direito à saúde, hoje, encontra-se fundamentais incluído entre a todo ser os direitos humano, de com personalidade, proteção inerentes e constitucional e infraconstitucional. Diante disso, a disponibilização de fitas para a dosagem, agulhas e seringas, além dos medicamentos INSULINA NPH e INSULINA REGULAR deve se dar de modo imediato, sem que seja admitida qualquer espécie de escusa ou justificativa. A LEGISLAÇÃO ESTADUAL O direito da favorecida, em receber os insumos necessários ao controle de sua doença, vem previsto, ainda, nas leis estaduais nº 13438 de 11/01/2002 e 13380, de 12/12/2001, assim estando disposto no artigo 1º desse último diploma legal. “Art. 1º. Fica assegurado a distribuição gratuita de medicamentos e insumos destinados ao tratamento e controle de diabetes, aos diabéticos residentes no Estado do Paraná.” Não discrepando, ao contrário, assim está disposto na Lei 13348 que dispõe que o SUS - Sistema Único de Saúde - prestará atenção integral à pessoa portadora de diabetes em todas as suas formas, conforme especifica e adota outras providências: Assim vem disposto no artigo 1º, inciso V, daquela lei: “Art. 1º. O Sistema Único de Saúde – SUS prestará atenção integral à pessoa portadora de Diabetes em todas as suas 23 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI formas, assim como dos problemas de saúde a ele relacionados, tendo como diretrizes: I a IV – omissis; V – o direito à medicação e aos instrumentos e de autoaplicação e autocontrole, visando a maior autonomia possível, por parte do usuário. VI - O DIREITO LÍQUIDO E CERTO NA ESPÉCIE. O direito líquido e certo é aquele que pode ser comprovado de plano pela apresentação de documentos ou outros elementos objetivos, caracterizando-se tais dados materiais em prova preconstituída de violação da regra legal. Segundo o eminente Hely Lopes Meirelles, in Mandado de segurança, ação popular e ação civil pública, mandado de injunção e habeas data. - 14ª ed. ampl. e atual. pela Constituição de 1988. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1.992. - p. 23/24: Direito líquido e certo “... é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante.” A liquidez e certeza, no quadro ora exposto, estão firmadas a partir dos documentos ora anexados que comprovam que Thaís 24 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Lucca Lavoretto é portadora da Diabete Melito 1 (DM-1) conforme documentação médica anexa, e necessita dos equipamentos para auto controle glicêmico, isso aliado à negativa de seu fornecimento, ao argumento de que os mesmos estão à disposição nos postos de saúde do Município. Em face das regras citadas da Constituição Federal, quando determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, da Lei Federal n° 8.080/90, que prevêem a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, constitui no quadro onde é possível vislumbrar a total discrepância do fato apurado e o direito exaustivamente albergado pelo ordenamento jurídico. Em vários momentos o Tribunal de Justiça do Paraná, manifestou decisões favoráveis a pessoas em situações semelhantes: “MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO, COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL. FAVORECIDO CIDADÃO PORTADOR DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, DOENÇA CARDÍACA HIPERTENSIVA, ARRITMIA CARDÍACA E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA ESQUERDA. PACIENTE CARENTE E SEM RECURSOS ECONÔMICOS PARA ADQUIRIR OS REMÉDIOS INDISPENSÁVEIS À MANUTENÇÃO DE SUA VIDA. OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. SEGURANÇA CONCEDIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM GRAU DE REEXAME NECESSÁRIO” (TJ – Acórdão nº 9.521 – 6ª Câmara Cível – Rel. Ramos Braga – julg: 02/10/2002). “DIREITO CONSTITUCIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA – FORNECIMENTO DE REMÉDIO – SAÚDE – DIREITO – DEVER DO ESTADO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. A saúde é direito de todos os cidadãos e dever indeclinável do 25 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Estado, cuja responsabilidade é linear e comum a todos os entes da Federação. Apelos não providos e sentença mantida em grau de reexame necessário” (TJ – Acórdão nº 22617 – 2ª Câmara Cível – Rel. Vitor Roberto Silva – julg: 02/04/2003). Os Tribunais Superiores pátrios, de igual forma, já decidiram no mesmo sentido: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS: FORNECIMENTO A PACIENTES CARENTES: OBRIGAÇÃO DO ESTADO. I.- Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita: obrigação do Estado em fornecê-los. Precedentes do S.T.F. II.- Negativa de seguimento ao RE. Agravo não provido” (STF – RE 273042. AgR- Rio Grande do Sul – Ag. Reg. no Recurso Extraordinário- Rel. Min. Carlos Velloso – julg: 28.08.2001 – Segunda Turma). “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. OBJETIVO: RECONHECIMENTO DO DIREITO DE OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO DE RETARDO MENTAL, HEMIATROPIA, EPILEPSIA, TRICOTILOMANIA E TRANSTORNO ORGÂNICO DA PERSONALIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 6º E 196 DA CF). PROVIMENTO DO RECURSO E CONCESSÃO DA SEGURANÇA. I – É direito de todos e dever do Estado assegurar aos cidadãos a saúde, adotando políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e permitindo o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e 196 da CF). 26 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI II – Em obediência a tais princípios constitucionais, cumpre ao Estado, através do seu órgão competente, fornecer medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa portadora de retardo mental, hemiatropia, epilepsia, tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade. III – Recurso provido.” (STJ – ROMS 13452 – Rel. Min. Garcia Vieira – julg: 13.08.2002 – Primeira Turma). “CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA – ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ART. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA. 1 – A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida. 2 – É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196. 3 – Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, 27 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000). 4 – Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, Constituição Brasileira, de que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196). 5 – Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida. 6 – Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. 7 – Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente.” (STJ - AC ROMS 11183/PR; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1999/0083884-0, DJ 04/09/2000, PG: 00121, RSTJ vol. 00138, PG 00052, Rel. Min. José Delgado) Enfim, o obstáculo posto pelo Município, de que dispõe dos equipamentos nos Postos de Saúde, bem como no Pronto Atendimento Municipal, não resolve o problema da paciente, e ainda, não possui consistência capaz de entravar a pretensão buscada. 28 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI VII - O FUMUS BONI JURIS e O PERICULUM IN MORA Para a concessão de liminar devem concorrer dois requisitos legais, ou seja, o fumus boni juris e o periculum in mora (art. 7º, inc. II, da Lei 1.533/51). O fumus boni juris retrata a existência e ocorrência do direito substancial invocado por quem pretende a segurança, o que já foi vastamente demonstrado pelas razões de direito apresentadas. O periculum in mora configura-se na possibilidade da ocorrência de um dano irreparável ao direito fundamental de Thaís Lucca Lavoratto, evidenciado pela recusa da autoridade coatora ao fornecimento de insumos medicamentosos essenciais à sua saúde e à manutenção de sua vida, sendo que portadora da Doença Diabete Melito 1 (DM-1), necessita fazer uso contínuo de insulina, como também de ter à sua disposição, além dos medicamentos, fitas para dosagem, agulhas e seringas. Dos fatos ora em análise, nota-se a urgência da medida pela falta do monitoramento constante da doença que, como já mencionado, poderá resultar em seqüelas irreversíveis para a infante. Na espécie, acresça-se, nem se trata de considerar a ocorrência propriamente do periculum in mora, pois o dano físico à saúde já 29 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI está a ocorrer efetivamente com o seu quadro de saúde que pode se agravar pela ausência das dosagens e assim a não administração do medicamento, como se infere da literatura médica, indicada pela Dra. Fernanda Galdeano Dias, médica que atende a criança Tháis no Hospital Universitário da cidade de Maringá: “Diabete melito tipo 1 (DM-1) O diabete é um distúrbio crônico caracterizado pelo coprometimento do metabolismo da glicose e de outras substâncias produtoras de energia devido um defeito hormonal, a deficiência de insulina, bem como pelo desenvolvimento tardio de complicações vasculares e neuropáticas. Trata-se da principal causa de cegueira, doença renal terminal e de amputações de membros não-traumática. Ainda aumenta o risco de doença cardíaca, cerebral e vascular periférica em 2 a 7 vezes. Dados recentes indicam que a maioria das complicações, se não todas, pode ser evitada ou retardada pelo tratamento da hiperglicemia e de outros fatores de risco. Os pacientes com o DM-1 têm pouca ou nenhuma secreção de insulina e portanto necessitam de administração de insulina exógena, para evitar a ocorrência de descompensação metabólica (cetoacidose) e morte. Diagnóstico Pode ser feito através de manifestações como poliúria, polidipsia e perda de peso associada a uma maior glicemia maior a 200mg/dl. Pode também ser estabelecido quando nível de glicose em jejum for maior ou igual a 126mg/dl em duas medidas. Tratamento Os objetivos do tratamento a curto prazo: restaurar o controle metabólico o mais próximo do normal, aumentar a sensação de bem-estar. Os objetivos a longo prazo: minimizar o risco de complicações diabéticas como aterosclerose, retinopatia, nefroatia, neuropatia. Para a reposição de insulina existem no mercado diversas apresentações que diferem no momento do início da ação, e na duração da ação: insulina de ação rápida, de ação 30 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI intermediária, de ação prolongada. Automonitorização da Glicemia Tal procedimento revolucionou o tratamento do diabete, envolvendo o paciente, permitindo ajustes na dose da insulina mais rapidamente e reforçando a importância da dieta. Ainda proporciona ao paciente o autotratamento (ajuste de dose). Os novos medidores de glicose são pequenos, portáteis e acurados, fornecendo leitura digital. A automonitorização da glicemia, só será valiosa, se o paciente efetuar testes de modo regular, for capaz de medir os níveis de glicose e saber utilizar os resultados obtidos. O paciente tem que se familiarizar com os valores normais da glicose, as metas em termo de glicemia e modo como podem variar com a mudança da dieta, atividade e absorção da insulina. A maioria dos pacientes conseguem, facilmente, efetuar ajustes diários da insulina de ação curta, com base nos valores obtidos antes das refeições e numa escala móvel (outros horários). O paciente também precisa examinar os efeitos da insulina de ação mais prolongada e fazer pequenos ajustes, se os níveis de glicose não estiverem dentro da faixaalvo. No mínimo, o paciente também tem de ser capaz de ajustar padrões repetitivos de hipoglicemia ou de hiperglicemia. O êxito da insulinoterapia depende da frequência de automonitorização do paciente. Os pacientes com diabete melito tipo 1 devem ser incentivados a efetuar uma monitorização antes de cada refição e, às vezes, poderá ser necessário monitorar em outros momentos. Complicações agudas: Hiperglicemia: a descompensação da diabete se manifesta com hiperglicemia grave com ou sem cetoacidose. A síndrome hiperosmolar é mais comum no DM-2. Cetoacidose diabética: pode anunciar o início da DM-1 e a grande maioria ocorre em pacientes com diagnóstico, devido alguma doença (como uma infecção), diminuição da insulina ou omissão das injeções de insulina. Para prevenção o paciente deve ser orientado a monitorar a glicemia e observar quando ocorrer hieprglicemia grave ou doença. A cetoacidose diabética continua sendo uma importante causa de morte em criaças pequenas, principalmente quando associado a edema cerebral. Hipoglicemia: é a complicação mais frequente do DM-1. A hipoglicemia prolongada e intensa pode causar lesão cerebral irreversível, além de convulsões, lesão acidental, arritmias, isquemia cardiáca. Pode ser responsável por mortes. Os pacientes com DM-1 são muito mais 31 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI propensos a apresentar hipoglicemia, devido a uso de insulina. Complicações Crônicas: Retinopatia diabética: o diabete é a principal causa de cegueira em indivíduos de 20 a 74 anos. Dez a 15% dos pacientes com DM-1 se tornam cegos. As alterações nessa complicação são evolutivas. Atualmente a terapia clínica limita-se à otimização do controle da glicemia, o que retarda a evolução da retinopatia, e há pouca evidência que seja benéfica em estágios mais avançados. Os pacientes devem ser orientados a fazer exame oftalmológico anualmente. Nefropatia diabética: importante causa de morte, sobretudo no DM-1 que afeta 30-35% dos pacientes. De modo geral, é a principal causa de terapia de substituição renal. Neuropatia diabética: é potencialmente incapacitante e afeta quase 50% dos pacientes. A principal causa é a hiperglicemia, porém existem outros fatores associados. Atualmente, a terapia limita-se a melhorar o controle glicêmico. Pé diabético: úlcer plantares que cicatrizam lentamente após traumatismos. Nos casos graves exige manipulação. O tratamento é preventivo, envolvendo educação e avaliação regular dos pés dos pacientes. Os cuidados apropriados reduzem o risco de amputação. Resumo: Os objetivos, a longo prazo, do tratamento da diabete consistem em minimizar as complicações vasculares e nerológicas, bem como manter uma sensação de bem estar. A melhor maneira de atingir esses objetivos consiste na detecção e tratamento precoces da doença. Considerando a ampla lista de problemas potencias e sua natureza multifatorial, o tratamento deve ser abrangente, em vez de limitar-se ao controle da glicemia. Deve-se dedicar aos fatores de risco para as complicações. Como estas surgem lentamente e não são facilmente reversíveis, é de sua importância que o remédio siga uma abordagem prospectiva no seguimento do paciente. Referência: Godman, Lee; Bennett, J. Claude. CECIL Tratado de Medicina Interna. Editora Guanabara Koogan, 2001, páginas 1405-1431.” Logo, diante das conseqüências irreversíveis que podem 32 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI acometer a criança Thaís Lucca Lavoratto, caso não se inicie rapidamente o tratamento com a dosagem diária de sua glicemia, conforme inclusa prescrição médica, é que se pleiteia a concessão da liminar no sentido de determinar à autoridade impetrada, ao Sr. AMAURY RODRIGUES BRIANEZ, Secretário Municipal de Saúde, o fornecimento de fitas para dosagem, agulhas e seringas, necessários para dosagem glicêmica, para que, assim, possam os pais da paciente procederam ao monitoramento da doença, bem como realizarem o tratamento de que a criança necessita. Portanto, embora se faça presente o fumus boni juris no pleito em apreço, hábil à concessão de liminar, neste caso há não só a aparência, mas sobretudo a “evidência” do direito subjetivo e público da favorecida, demonstrada vastamente pelos princípios e dispositivos constitucionais e infraconstitucionais transcritos no curso da exposição. VIII – O PEDIDO Face ao exposto, pleiteia-se: a) a concessão de medida liminar, nos termos ora b) o benefício da Justiça Gratuita, por ser a favorecida propostos; pessoa carente, nos termos da Lei nº 1.060/50; c) a notificação da autoridade impetrada, conforme artigo 7º, inciso I, da Lei nº 1.533/51, para que preste, no prazo de lei, as 33 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI informações que entender pertinentes; d) a intimação do Ministério Público, de todos os e) seja, ao final, julgado procedente o writ, nos termos do processo; termos do pedido liminar, determinando-se que o Município de Mandaguari, através da necessários Secretaria Municipal de Saúde forneça os equipamentos para dosagem glicêmica, sendo fitas para dosagem, agulhas e seringas, enquanto a paciente Thaís Lucca Lavoratto estiver sob tratamento da diabete melito tipo 1. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais) apenas para efeitos de alçada. Nestes termos, Pede deferimento. Mandaguari, 03 de maio de 2007. Maria Sônia Freire Garcia 34 PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MANDAGUARI Promotora de Justiça 35