2.2 Formação da ética: liberdade, igualdade e

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ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL
MÓDULO 3
Índice
1. O conceito de valor................................................... 3
2. A história da ética .................................................... 3
2.1 Gênese da ética: a noção de justiça e bem comum ........... 3
2.2 Formação da ética: liberdade, igualdade e fraternidade ..... 5
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Ética Geral e Profissional - Módulo 3
1. O CONCEITO DE VALOR
Como ao tratar de ética sempre nos referimos ao conceito de valor, é
importante um olhar, ainda que breve, sobre esse conceito. Ele aparece pela
primeira vez no sentido que hoje damos nos primeiros trabalhos sobre
economia. A ciência econômica moderna difere das demais ciências sociais
pela capacidade de quantificar, senão a atividade econômica, pelo menos
seus frutos, ou seja, o produto social. Está estruturada em leis universais
tais como: lei da oferta e da procura, a lei do valor da moeda, entre ourtas.
O que torna possível de medição e avaliação das relações econômicas, como
acontecem e em que medidas acontecem, é o conceito de valor, cuja ideia
essencial foi, segundo Weber, retirada da ética protestante cristã.
A utilização da ideia de valor como conceito de “algo” que é
incorporado à mercadoria foi instituído pelos fundadores da Ciência
Econômica: Adam Smith e David Ricardo. Tal conceito foi transportado
puramente da filosofia moral para o âmbito econômico. A axiologia ou
“teoria do valor” tem suas raízes no solo econômico e somente nos séc. XIX
e XX vai expandir-se como expressão infinita daquilo que “deve ser”,
abrangendo todas as criações do espírito humano.
É o conceito de valor que permite atualização de uma unidade de
medição essencial para praticamente todos os fenômenos do mundo
econômico. Há duas maneiras de definir valor, uma delas retira o valor da
relação do ser humano com a natureza e parte do pressuposto de que as
pessoas têm uma série de necessidades materiais básicas e procura
satisfação dessas necessidades na produção de produtos que possam
satisfazê-las. Essa é a atividade econômica básica à natureza humana. Ao
transformar um objeto qualquer da natureza em algo que possa melhorar de
algum modo sua vida, o ser humano incorpora nessa transformação o valor
essencialmente humano: o valor-trabalho e, dialeticamente, transforma o
objeto em valor-utilidade, também chamado de valor de uso. Essa é a teoria
do valor do trabalho.
A outra maneira de compreender valor é como os pensadores que
buscam refletir sobre a ética entendem o conceito. Para eles, valor é sempre
coletivo, uma vez que valores são construções mentais elaboradas pela
visão de mundo de nossa cultura, podem ser ensinados e formam nossos
juízos de bem, mal, justo, injusto, belo e feio.
2. A HISTÓRIA DA ÉTICA
2.1 GÊNESE DA ÉTICA: A NOÇÃO DE JUSTIÇA E BEM COMUM
Para muitos autores a experiência ética fundamental ocorre quando
sentimos que o agir das pessoas está desconectado dos valores caros à
civilização. É a experiência de ‘estranhamento’ frente à realidade, de sentirse estranho (fora da normalidade) diante do modo como funciona a
sociedade, ou até mesmo em relação ao modo de ser e agir de outrem.
Cada vez que a sede de justiça, o que deveria ser ou o que se deveria fazer
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para buscar o funcionamento justo da sociedade, se estabelece, há um
avanço da ética.
A história da ética, portanto, se confunde com o próprio processo
civilizatório. É a própria história das ideias morais da humanidade, desde os
tempos pré-históricos até nossos dias, isto é, a história da reflexão humana
de como instituir normas que regulem a conduta social, na busca da
felicidade individual e ao mesmo tempo o bem comum, e, portanto,
instaurem a diminuição da violência. Os filósofos faziam a crítica da
realidade social de sua época e a partir dessa crítica ofereciam saídas de
como teria de ser a conduta das pessoas para evitar os infortúnios que
levariam ao desaparecimento do ethos comum. A sociedade, então,
considerando aquelas ideias úteis, passou a educar as novas gerações para
aqueles valores. Muitas vezes, por ser um novo dever, o Estado
transformava tais normas em leis até que tais condutas fossem incorporadas
às consciências individuais e, assim, lentamente, foram estruturados os
valores que hoje consideramos essenciais. Nesse sentido, a ética não é
imutável, mas, ao contrário, a humanidade vai abandonando valores e
adquirindo outros que antes não pensava serem essenciais.
Antes de Sócrates não houve, ao menos que se saiba, uma reflexão
metódica sobre a ética e o “homem moral”, por isso é que se diz que ele é o
“pai da ética”. Contudo, é preciso ponderar que desde períodos mais antigos
havia uma identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual tão
arraigada na mente grega que talvez tal reflexão não fosse necessária ou
sequer capaz de ser concebida. Só a dissociação entre bem comum e bem
individual (o público e o privado), que começa a ocorrer durante o período
da decadência grega, é que justifica a necessidade de alguma teoria que
explicasse esta dualidade.
Nossa visão de ética, hoje, deve muito, também, a Platão. Na
verdade, como Sócrates nada escreveu, é em seus textos que aparece pela
primeira vez o conceito de ética. Platão constrói idealmente a “Cidade
Perfeita”; nela tudo e todos são guiados por uma ética muito semelhante ao
ideal de perfeição social de hoje.
A ética de Platão está relacionada intimamente com sua filosofia
política, porque, para ele, a pólis (cidade-estado) é o terreno próprio para a
vida moral. Assim, buscou um Estado ideal, um estado-modelo, utópico,
cujo modelo seria o corpo do ser humano. Daí vem o costume de dizermos
até hoje o “corpo social”, como sinônimo de sociedade. Assim como o corpo
possui cabeça, peito e baixo-ventre, também o Estado deveria possuir,
respectivamente, governantes, sentinelas e trabalhadores. O bom Estado é
sempre dirigido pela razão em busca da prática da justiça, que seria o
equilíbrio entre os direitos e os deveres dos cidadãos na construção de uma
pólis virtuosa. Portanto, é necessária a prática das virtudes. As virtudes são
funções da alma humana, determinadas pela sua natureza e pela divisão de
suas partes. Tais virtudes seriam todas aquelas que produzem a beleza, o
bem e a verdade absoluta. Para tal prática seria necessário, à vontade, o
ânimo, o que para Platão significava o domínio das paixões pela razão.
Pela razão, faculdade superior característica do homem, a alma
elevar-se-ia, mediante a contemplação, ao mundo das ideias. O fim último
da razão seria purificar-se ou libertar-se da matéria para contemplar o que
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realmente é, acima de tudo, a ideia do bem. Para alcançar a purificação
seria necessário praticar as várias virtudes que cada alma possui. Platão
julgava que as partes da alma possuiam um ideal ou uma virtude que
deveriam ser desenvolvidos para seu funcionamento perfeito. A razão
deveria aspirar à sabedoria, a vontade deveria aspirar à coragem e os
desejos deveriam ser controlados para atingir a temperança. Cada uma das
partes da alma, com suas respectivas virtudes, estaria relacionada com uma
parte do corpo. A razão manifestaria-se na cabeça, a vontade, no peito, e o
desejo, no baixo-ventre. Somente quando as três partes do homem
pudessem agir como um todo é que teríamos o indivíduo harmônico. A
harmonia entre essas virtudes constituiria uma quarta virtude, a justiça.
Devido ao fato de ter sua teoria adotada como parcialmente
verdadeira pela Igreja Católica, a ética de Aristóteles finca vínculos
indeléveis em nossa compreensão de ética. Sua concepção ética privilegia as
virtudes (justiça, coragem, fortaleza e sinceridade, a felicidade pessoal e o
bem comum), tidas como propensas tanto a provocar um sentimento de
realização pessoal àquele que age, quanto simultaneamente beneficiar a
sociedade em que vive. Portanto, a felicidade pessoal só é possível onde o
bem comum também o é. A ética aristotélica compreende a humanidade
como parte da ordem natural do mundo, por isso é denominada: ética
naturalista.
Segundo Aristóteles, toda atividade humana, em qualquer campo,
tende à busca do bem supremo ou sumo bem, que seria resultado do
exercício perfeito da razão, função própria do homem. Assim, o homem
virtuoso é aquele capaz de deliberar e escolher o que é mais adequado para
si e para os outros, movido por uma sabedoria prática em busca do
equilíbrio entre o excesso e a escassez.
Na antiguidade o conceito de sábio era entendido como um homem
virtuoso ou que busca uma vida virtuosa, e que assim consegue estabelecer,
em sua vida, a ordem, a harmonia e o equilíbrio que todos desejam. Essa
harmonia é conseguida se vivermos de acordo com a natureza – o cosmos
para os gregos - , e o justo é viver de acordo com o seu lugar na natureza,
uma vez que compreendiam que o cosmos, por si só, é sempre justo e bom.
Uma das finalidades da vida humana seria encontrar seu lugar no seio dessa
ordem cósmica, tal viver seria a vida ética. Assim, a prática da justiça, a
virtude geral, de onde se originam todas as demais, nos tornaria
semelhantes ao divino, àquilo que transcende o próprio homem, ao imortal e
sábio que está no próprio homem.
2.2 FORMAÇÃO DA ÉTICA: LIBERDADE, IGUALDADE E
FRATERNIDADE
Os principais filósofos organizadores da ética cristã são: Santo
Agostinho em A cidade de Deus e Confissões, e São Tomás de Aquino em
Suma teológica. Durante a Idade Média, o cristianismo se estabelece como
teoria no campo filosófico; a representação ocidental do “divino” não é mais
a natureza e passa a encarnar uma pessoa: Jesus Cristo. Essa nova visão do
logos provoca mudanças profundas na compreensão do que é o bem e,
portanto, da ética. O cristianismo traz uma concepção revolucionária que
cristaliza até nossos dias: a nova concepção de amor. A moral passa a ser
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entendida como a busca da perfeição “à imitação de Cristo” como
característica de cada ser humano.
Essa nova concepção da pessoa humana, do indivíduo, é o próprio
cerne do processo civilizador ocidental, resultando em todos os direitos da
pessoa humana; contudo, é na compreensão do que é a liberdade que o
cristianismo vai promover uma revolução, se comparada ao conceito da
Antiguidade Clássica.
Enquanto que para os antigos a liberdade só se realizava no campo
político e era entendida como sinônimo de cidadania, no cristianismo ela é
deslocada para o interior de cada ser humano. A ética cristã articula
liberdade e vontade; apresenta essa última como essencialmente dividida
entre o bem e o mal. Foi o cristianismo que subordinou o ideal de virtude à
ideia de dever e de obrigação. Fez da humildade uma virtude essencial, o
que era desconhecido pelos antigos. Mais do que isso, o cristianismo
também exigiu a submissão da vontade humana à vontade divina, tornando
problemática e quase impossível a finalidade ética dos antigos, isto é, a
autonomia, a capacidade de escolha por si só dos valores que norteiam as
ações humanas. Se para os gregos antigos a virtude era um talento natural,
para o cristianismo o que é moral ou não é o uso que se faz desses dons
naturais; essa liberdade de escolha vai ser chamada pelos filósofos de “livrearbítrio”. Aparece aqui a ideia do “mérito”, tão cara ao capitalismo. Não
importa mais os talentos que recebemos da natureza, mas o que faremos
com esses talentos; por meio deles podemos sair do estado de desigualdade
natural para entrar na igualdade por nós construída. Portanto, a liberdade
torna-se fundamento da moral.
Uma vez que todos são livres e iguais porque filhos do mesmo Deus e
com direito à salvação vinda de Cristo, logo, toda a humanidade é composta
por irmãos, fraternos entre si. Essa nova noção de fraternidade era
desconhecida pelos antigos. No cristianismo a noção de responsabilidade
individual é ao mesmo tempo universal e faz surgir uma virtude também
desconhecida pelos antigos que é a caridade, ou seja, a responsabilidade
pela salvação do outro, material e espiritual, seja o outro quem for. O amor
passa de uma noção pessoal e carnal, o amor paixão, para um amor de
compaixão, o amor ao próximo, sendo o próximo o outro em geral, já que
todos são irmãos. A compaixão, a benevolência, a solicitude, para com os
outros, até mesmo com outras formas de vida, passam a ser regras de
comportamento ético.
Ser virtuoso, portanto ético, passa a ser agir em conformidade com a
vontade de Deus, e esse agir é um dever, e, como Deus se manifesta na
pessoa humana, a responsabilidade com o outro passa a ser um valor ético.
Portanto, a autonomia tão cara aos gregos antigos dá lugar ao conceito de
dever, como limite da liberdade.
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