Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade Física Adaptada e Saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Dieta e exercícios no combate ao diabetes Refeições balanceadas e atividades físicas: mais saúde para o diabético. Novos Caminhos Novas academias de ginástica são abertas todos os dias. É cada vez maior o uso de adoçantes artificiais no lugar do açúcar comum. Cresce continuamente o consumo de alimentos que apresentam em seus rótulos as palavras "diet" ou "light". Assim como são maiores as opções de verduras e legumes nos bufês dos restaurantes. - Será que isso se deve a uma preocupação verdadeira com a nossa condição de saúde? - Ou estamos simplesmente vivendo mais um modismo? Qual a força que provoca essa mudança? - Até onde ela se deve à preocupação estética com a beleza das formas? - Até onde ela resulta de uma verdadeira postura de natureza preventiva com relação às doenças? - Por qual caminho estamos chegando a essa nova realidade? É evidente que o resultado seria mais amplo e melhor fundamentado se o caminho trilhado fosse dentro de um processo educativo bem orientado. No entanto, não importa muito o caminho, se o produto final for a melhoria da qualidade de vida e a incorporação de hábitos mais saudáveis. O importante é que aos poucos vai se modificando a postura de rejeição aos exercícios físicos e a crença de se considerar como castigo qualquer orientação de dieta que possa interferir com os nossos velhos e gostosos hábitos alimentares. A verdade é que, quanto maior for o número de pessoas adeptas dessa nova onda, menor será o número de diabéticos e de diabéticos que ficarão cegos, ou necessitarão de diálise para controle da insuficiência renal, ou que terão seus pés amputados, ou que morrerão de infarto do miocárdio. Como acontece o diabetes? A insulina é um hormônio que faz com que o açúcar, chamado glicose, entre nas células para ser utilizado como fonte de energia. Normalmente, a insulina produzida controla a glicose proveniente dos alimentos ingeridos, mantendo a glicemia entre 60 e 110 miligramas por decilitro (mg/dl). Esta é a faixa de açúcar no sangue considerada normal. O diabetes acontece quando existe um prejuízo na produção de insulina pelo pâncreas, ou quando o organismo opõe resistência à ação desse hormônio. Quando isso ocorre, a glicose não entra nas células como deveria, acumulando-se na corrente sanguínea. Esse aumento, conhecido como hiperglicemia (quando excede os 140 mg/dl no sangue colhido em jejum), acarreta o diagnóstico do diabetes melito. Em casos duvidosos, o teste da tolerância à glicose, conhecido como GTT, pode ser de auxílio diagnóstico. Tipos de Diabetes Como na hipertensão arterial, o diabetes melito pode se desenvolver durante muito tempo, sem chamar a atenção de seu portador. Nesta situação, o seu reconhecimento só se dará pelo achado em exame de sangue ou pela presença de suas complicações oculares, vasculares, renais, neurológicas e do coma diabético ou ainda do coma hipoglicêmico, potencialmente letais. O diabetes é responsável por 1/4 dos pacientes que que se encontram em diálise por insuficiência renal, 1/2 dos casos de amputação de membros inferiores, bem como é a principal causa de cegueira. A maioria das pessoas que desenvolvem o diabetes têm mais de 40 anos e apresentam freqüentemente excesso de peso. Os sintomas, quando presentes, são pouco característicos para o reconhecimento da doença, como o cansaço, a tontura, a dor de cabeça e a visão turva. Outros podem apresentar aumento do volume de urina, maior necessidade de ingerir líquidos ou ainda, em alguns casos, perda de peso. O seu controle deve se dar por mudança de hábitos alimentares que diminua a quantidade de calorias ingeridas para aqueles que têm excesso de peso (cerca de 90% deles); pode ser necessário o uso de medicamento por via oral que reduza o nível de glicose no sangue. Existe um outro tipo de diabetes, muito menos freqüente que o anterior, que depende do uso de insulina injetável; por isso mesmo, é conhecido como diabetes melito dependente de insulina, como diabetes juvenil ou ainda como diabetes tipo I. Para cada diabetes juvenil existe cerca de 10 diabetes do adulto ou tipo II. Diabetes - Juvenil - Sinônimo: Tipo I. - Freqüência: 3 em cada 1000 pessoas. - Idade de início usual: menor de 20 anos. - Não há excesso de peso. - Cetose comum. - Complicações freqüentes. - Dependência do uso de insulina injetável. Diabetes - Adulto - Sinônimo: Tipo II. - Freqüência: 30 em cada 1000 pessoas. - Idade de início usual: Maior de 40 anos. - Cetose: raro. - Complicações freqüentes. - Dependência de insulina injetável: quase nunca. As manifestações clínicas do diabetes juvenil são evidentes. Tem início súbito, entre os seis e os treze anos sendo pouco comum após os vinte anos de idade. Manifestase por aumento da ingestão de líquidos, aumento do volume de urina, aumento da ingestão de alimentos, perda de peso, cansaço, infecções repetidas e cetose, que pode ser reconhecida pelo hálito de acetona. O uso de insulina injetável é obrigatório. Existem evidências científicas que a administração por bomba de insulina, quando comparada a tratamento convencional de injeções subcutâneas, diminui a progressão e retarda o aparecimento das complicações. Outras situações específicas podem estar relacionadas com o diabetes, como a gestação e doenças endocrinológicas. Fatores de Risco Fator de Risco Risco Relativo Mortes Evitáveis Fumo 2,3 39.181 Hipertensão Arterial 1,8 29.919 Excesso de Peso 1,4 12.310 A condição de fumante e a pressão alta elevada são fatores de risco para o aparecimento do diabetes e para a mortalidade provocada pela doença. Como são fatores de risco controláveis, na ultima coluna estima-se que 39.181 pessoas deixariam de morrer pelo diabetes se não fumassem, da mesma forma que 29.919 e 12.310 mortes pelo diabetes seriam evitadas se a pressão alta e o excesso de peso, respectivamente, fossem controlados. A obesidade central avaliada pelo índice cintura/quadril, resultado da divisão da medida com fita métrica da cintura pela medida do quadril, está associada à anormalidade do metabolismo da glicose e aumenta o risco de desenvolvimento de diabetes do tipo II. O excesso de gordura visceral reflete maior resistência a insulina e também constitui fator de risco elevado para desenvolvimento de diabetes gestacional, sendo o dobro dos demais riscos vistos na tabela abaixo. Medida Risco Relativo Peso 2,23 Índice de massa corpórea 2,49 Insulina do soro em jejum 2,66 Índice cintura/quadril 4,17 Do ponto de vista preventivo, são absolutamente necessárias orientações dietéticas efetivas e atividade física regular para pessoas que não têm a doença, mas que pertençam a famílias de diabéticos ou que estejam entre os grupos de risco (constituídos pelos fumantes, hipertensos e obesos). Tanto homens como mulheres têm possibilidades semelhantes de desenvolver a doença. A herança genética é um fator de risco importante e não modificável. Se um dos pais é diabético, a probabilidade de um dos filhos ter a doença é próxima dos 5% para o diabetes tipo I e 15% para o diabetes tipo II. Alimentação - O eixo central do tratamento preventivo O tratamento dietético é reconhecido universalmente como a pedra fundamental na prevenção, controle e tratamento das complicações agudas e crônicas do diabetes. Uma alimentação adequada ao diabético reduz a glicemia de jejum, melhora o controle glicêmico, melhora a tolerância à glicose, diminui os níveis de colesterol e triglicérides plasmáticos, e reduz a necessidade de insulina. Os diabéticos podem comer qualquer alimento, desde que orientado pelo clínico, distribuindo-os pelas várias refeições, em quantidades adequadas e suficientes. Podem se servir de todos alimentos utilizados pela família, embora em quantidades diferentes, conforme seu teor em hidratos de carbono, proteínas e gordura. As recomendações para o tratamento dietético são, resumidamente, as seguintes: - Utilizar em cada refeição proporções adequadas de alimentos pertencentes ao grupo das proteínas ou construtores, dos carboidratos e gorduras ou energéticos e das vitaminas e sais minerais ou reguladores. - Procurar se alimentar 5 vezes ao dia em menor quantidade, e não comer somente 2 ou 3 vezes ao dia de forma exagerada, hábito comum entre nós. - Utilizar, sempre que possível, alimentos de boa procedência. - Evitar no cardápio diário a utilização de açúcar puro. - Evitar refrigerantes normais. Os do tipo "diet" são liberados, pois praticamente não contêm açúcar. - Nenhuma fruta faz mal ao diabético. Naturalmente, a ingestão demasiada em uma só refeição poderá causar aumento da glicemia, se acompanhada da ingestão de outros alimentos ricos em hidratos de carbono. - Consumir a quantidade normal de hidratos de carbono. Dar preferência aos cereais e seus derivados, e tubérculos, como batata, mandioca. - Consumir quantidade normal de proteínas, somente reduzir em caso de doença renal. - Utilizar cereais sem esmagar ou batê-los no liquidificador. O esmagamento ou liquefação dos alimentos favorece a entrada rápida de glicose no sangue no período pós-alimentar, dificultando o controle da glicemia. - As bebidas alcoólicas potencializam a ação da insulina e dos comprimidos hipoglicemiantes. Podem baixar a glicemia. Recomenda-se que o seu uso seja restrito, esporádico e sempre durante as refeições. - Aumentar o consumo de fibras, uma vez que elas tornam mais lenta a absorção de glicose e retardam a digestão do amido. - Consumir até 7,5 g por dia de sal, equivalente a duas colheres de café, quantidade que deverá ser ainda mais reduzida para os diabéticos hipertensos. - Pacientes com alterações metabólicas e complicações cardiovasculares devem controlar a ingestão de colesterol e gorduras saturadas como a gema de ovo, vísceras, leite integral, creme de leite, queijo rico em gordura. - Utilizar com moderação os adoçantes artificiais como o aspartame, ciclamato, sacarina, variando entre eles, de tempos em tempos. - Os diabéticos com excesso de peso devem reduzir a quantidade de caloria da dieta, às custas da restrição de carboidrato e gorduras, até que tenham seu peso normalizado. O diabetes que aparece na gestação merece atenção especial quanto ao conteúdo de alimentos grupos dos construtores e reguladores que garantam não só a nutrição da mãe, como também do feto. Esta mesma atenção se deve aos diabéticos juvenis em fase de crescimento. Como não existe uma única recomendação que possa ser seguida por todas as pessoas, a dieta e o exemplo de cardápio da tabela são direcionados a homens saudáveis na faixa etária de 25-50 anos, pesando em torno de 79 kg, com uma estatura de 1,76m, uma atividade física de leve a moderada, interessados em fazer a prevenção da maior parte das doenças crônicas, como o diabetes. O controle pelo exercício físico O exercício tem sido cada vez mais utilizado no controle dos níveis de glicemia dos diabéticos tipo I e tipo II. Os seus benefícios se dão através do aumento da capacidade do corpo em utilizar glicose com menores quantidades de insulina, conhecido como aumento da sensibilidade à insulina, que resulta em redução da dose de medicamentos. No diabetes tipo I, o exercício só pode ser praticado se a glicemia estiver controlada abaixo de 250 mg%, ou se a glicosúria estiver abaixo de duas cruzes na ausência de cetonúria, uma vez que a atividade física pode aumentar o nível de glicose e de corpos cetônicos no sangue de forma não desejável. Por outro lado, se a glicemia estiver menor que 130 mg%, podem ocorrer episódios de hipoglicemia no decorrer das 24 horas posteriores ao exercício. Com a finalidade de se evitar taxas muito elevadas ou muito baixas de glicose no sangue, é necessário que se relacione em um diário detalhado diversas medidas da glicemia com o tipo, o horário e a duração do exercício, como também, com o horário e o tipo de alimentação consumida. A atividade física pode influenciar na velocidade de absorção da insulina injetada, se aplicada imediatamente antes dela, como também pode ajudar a reduzir a glicemia, que costuma se elevar após as refeições. No entanto, deve-se evitar exercícios de grande intensidade próximos da digestão. No diabetes tipo II, a atividade física regular associada a uma dieta alimentar são geralmente suficientes para reduzir o peso e controlar a glicemia. Através dessa combinação, os indivíduos que fazem uso de medicação hipoglicemiantes podem reduzir a dose dos mesmos, ou até mesmo retirá-los da rotina diária. A principal vantagem do exercício é reduzir o nível de colesterol e triglicérides no sangue, contribuindo para a redução do risco de doença cardiovascular, uma das maiores ameaças à saúde do diabético. Também ajuda a gastar as calorias, contribuindo para a redução de peso, além da redução da dose de isnulina injetável. Os exercícios mais recomendados são os aeróbios, que requerem grande quantidade de oxigênios, e a utilização de grande grupos musculares. É indicado caminhar, andar de bicicleta, nadar, dançar, desde que sejam realizados em baixa intensidade durante tempo prolongado. É muito importante que se pratique aquilo que se gosta, para que o programa tenha continuidade. É muito importante, ainda, que se faça uma avaliação clínica, que inclua um teste de esforço para se estabelecer os limites do exercício a ser realizado entre 70 e 85% da freqüência cardíaca máxima obtida no teste. Antes de começar a sessão de atividades físicas, é necessário um aquecimento que inclua alongamento muscular e aquecimento das principais articulações. Ele deve ser cuidadoso e durar de 5 a 10 minutos. Já o exercício deve durar de 20 a 30 minutos, podendo chegar a 40 ou 50 minutos de forma gradativa. É aconselhável que se realize a atividade de três a quatro vezes por semana.Para as pessoas que gostam de se exercitar todos os dias, pode-se optar por modalidades que exijam musculaturas diferentes em dias alternados, como por exemplo natação e bicicleta. Antes de parar, é aconselhável que a intensidade do exercício diminua de forma gradativa, por aproximadamente 5 minutos, para que a freqüência cardíaca e a temperatura do corpo alcancem os níveis desejáveis. Por fim, alongamentos da musculatura trabalhada. Ao terminar a fase aeróbia do exercício, pode-se realizar exercícios abdominais e outros exercícios de resistência muscular localizada, de baixa intensidade, evitando-se velocidade maiores e sobrepesos com mais de 2 kg. Família, Educação e Diabetes Quando as medidas de tratamento ficam definidas, é comum que os pacientes deixem de participar das atividades sociais como a "macarronada de domingo" e de outras atividades familiares em torno da mesa. É constrangedor ter que enfrentar comentários do tipo "coma só mais um pouquinho", "não é isto que vai descompensar o seu diabetes". Outro fator complicador para a manutenção do convívio social é a relação com os amigos, que como os familiares tentam definir hábitos e mudar o comportamento do paciente. Não é fácil para o paciente, nem mesmo para seus familiares e amigos, aceitar as limitações impostas pelo diabetes. Ou todos mudam seus hábitos alimentares, o que é praticamente impossível, ou o paciente é forçosamente colocado em uma situação de isolamento. A aceitação da doença é uma etapa difícil para o doente e para a família, pela mudança que provoca nas regras alimentares, nos hábitos de higiene, na incorporação de uma nova rotina para ingestão da medicação. A criança diabética fica de uma hora para outra restringida de acompanhar as outras crianças e passa a ser merecedora de atenção especial. O planejamento do futuro fica nebuloso, o presente se confunde na rotina do cotidiano. Família, escola, trabalho, remédios, exames, dietas, cuidados com a atividade física, como incorporar a mudança necessária para o tratamento da doença e a prevenção de suas complicações? Pela cronicidade da doença e pela interação com o profissional da saúde ser pelo resto da vida, a questão básica é o processo educativo que leva à mudança de hábito. Muitas das decisões terapêuticas ficam nas mãos do próprio paciente e de seus familiares. O próprio paciente é o mais importante de seus médicos, e para isso é fundamental a educação sobre a doença, a motivação e o auto-controle emocional. O processo educativo deve contemplar as seguintes questões: - Noções sobre como a glicose, a insulina, a dieta, o exercício físico se interrelacionam no metabolismo do diabético. - Precisa-se dar tempo para adaptação do paciente à nova condição. - Dieta individualizada e explicada nos seus objetivos e regras, só assim a adesão pode ser conseguida. - Fugas ocasionais da dieta são aceitáveis, desde que o paciente utilize outras formas de compensação. - Reforço ao papel do exercício físico como meio terapêutico auxiliar. - Cuidados simples de como manter os dedos dos pés secos após o banho e o uso de sapatos largos e de solado macio podem evitar amputações por complicações neurovasculares do diabetes. - Outros cuidados de higiene relacionados ao meio ambiente que possam prevenir as infecções de pele, vias aéreas respiratórias e urinárias. - A pedra fundamental no controle do diabetes é o aprendizado dentro do processo de educação em saúde. Referências Bibliográficas: Center for Disease Control and Prevention MMWR 38(31): 543, 1989. OLEFSKY, J.M. Diabetes Melito. In: Wyngaarden J.B., Smith L.H. Bennet J.C., Cecil Textbook of Medicine. 19 ed, Saunders, 1992. MEYER, L. Família: dinâmica e terapia. 2 ed, Brasiliense, 1987. ACP J Club. Ann Intern Med 120 (suppl 1): A 12, 1994. ZXHANG S., Folsom A.R. Flack J.M., Liu K. Br Med. J. 311(713): 1139-40, 1995