ESCLARECIMENTOS A RESPEITO DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS NO PROCESSO SELETIVO DA UFPR EM RELAÇÃO À COBRANÇA DOS CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA Muito se tem dito a respeito de como a UFPR distribui e cobra, no seu vestibular, o conteúdo relacionado à disciplina de Língua Portuguesa. É natural que a comunidade fique atenta a essas decisões, já que, a partir da adoção do formato em duas fases, esse conteúdo passou a ter um peso expressivo na avaliação proposta. No entanto, alguns comentários divulgados na imprensa demonstram desconhecimento dos princípios que norteiam o nosso processo seletivo. É importante ressaltar que tais decisões não foram tomadas levianamente, mas resultaram de discussões e convicções da comunidade acadêmica que, após longo tempo de debate, foram aprovadas pelos colegiados superiores. Para esclarecer e tentar desfazer alguns equívocos, selecionamos algumas questões recorrentes nesse debate e, em seguida, apresentamos o entendimento que o Núcleo de Concurso da UFPR e a equipe de Língua Portuguesa têm a respeito do assunto. 1. As questões referentes ao conteúdo de língua portuguesa só cobram leitura? As questões diferenciam suficiência de proficiência de leitura? Não há questões de língua portuguesa na prova do vestibular? Nesse caso, de que adianta tudo o que a escola ensina na disciplina de Língua Portuguesa? Com isso, a universidade não está dizendo ao aluno que não precisa se dedicar à escola? Para nós, a distinção entre suficiência e proficiência não cabe para uma prova que avalia o conhecimento de língua materna. Preferimos falar em proficiência de leitura e escrita. Para nós, as questões da 1ª e da 2ª fase buscam selecionar o candidato que se apresenta como leitor competente (ou proficiente, se alguém preferir) e que demonstra a capacidade de escrever textos de características variadas, organizados de forma coerente, utilizando-se da linguagem padrão de forma adequada. Compreender e interpretar um texto é entender sua organização, suas intenções, seus implícitos e que tipo de inferências ele autoriza. As nossas questões, de modo geral, giram em torno da capacidade de perceber isso (na medida do possível, porque sabemos, também, de nossas limitações e do poder de traição das palavras). Ora, nesse sentido, todas elas são questões de língua e, por meio delas, deixamos claro qual o perfil do aluno que desejamos. Discordamos, portanto, de que não há questão de língua ou não há questão que cobre o conhecimento de recursos lingüísticos. A discussão que devemos fazer é como se chega a ser um leitor proficiente ou como se alcança a proficiência na escrita. Acreditamos que a escola tem um papel fundamental nessa aprendizagem. Dominar recursos da língua, refletir sobre estruturas sintáticas e semânticas, são pontos essenciais para se atingir melhores níveis de leitura e escrita e só a escola pode fazer isso. Negar esse papel da escola seria um comportamento altamente paradoxal da parte de quem tem por função primeira formar professores. Deve ficar claro, no entanto, que a prova do vestibular vai procurar aferir o produto e não o processo. Se as questões nos apontam os alunos que melhor sabem ler e 1 escrever, é isso que basta. Pode-se dizer que, para ser aprovado num exame desse tipo, basta, sim, saber ler e escrever, mas estamos colocando dentro disso todas as habilidades que pressupõe o letramento, e estamos usando esse termo com todo o importe teórico relacionado a ele. Jamais dissemos, pensamos ou sugerimos pelas nossas provas ou por qualquer outro meio que isso acontece por mágica. Como pesquisadores da língua, sabemos que ler e escrever são processos cognitivos altamente complexos e sabemos que a escola é crucial para conduzir essa aprendizagem. O modo como ela faz ou a eficácia que ela alcança ao desenvolver essa tarefa, é uma discussão que se dá internamente à escola (a UFPR respeita a autonomia das escolas e das instituições que a regem) e se dá nos cursos de formação de professores e não no vestibular ou a partir dele. Vale notar, no entanto, que são necessários anos de escolaridade para se atingir um resultado como esse que estamos cobrando. Essas habilidades que definem o perfil do candidato que a universidade quer jamais seriam alcançadas em um ou dois anos de ensino. 2. Se não há na prova questões de gramática, como fica a cobrança da língua padrão, ou a universidade não se importa se o aluno domina ou não a língua culta? Concordamos que conhecer e reconhecer recursos lingüísticos vários, tais como regência, concordância, correlação de tempos e modos verbais, recursos de coerência e coesão, formas de tratamento, etc. fazem parte da formação de qualquer profissional competente, e podemos afirmar que essas questões, se não são explicitamente cobradas nas questões de múltipla escolha, são determinantes nas questões discursivas: além de medir também a capacidade de leitura, as questões abertas revelam a maior ou menor intimidade que os candidatos têm com a língua escrita. O que a prova da UFPR não faz — e isso já acontece há muito tempo — é cobrar nomenclaturas e classificações, ou o conhecimento ou reconhecimento de estruturas que estão hoje no limite do padrão e não-padrão. Uma dessas áreas movediças é a regência. A gramática normativa condena algumas regências que já aparecem em textos escritos da imprensa, mesmo dos meios mais conservadores. Um jornal com a Folha de S.Paulo, por exemplo, em seu Manual de Redação, ainda alerta para o uso de assistir seguido da preposição a. Percebemos, ao ler o jornal, que os revisores seguem fielmente a orientação do Manual. No entanto, não é difícil encontrar no jornal estruturas como o jogo foi assistido por..., e isso escapa aos revisores. Ora, se o verbo assistir pode ser usado na passiva sem chamar atenção de profissionais da língua, significa que o seu uso como transitivo direto está consagrado. Se colocássemos um conteúdo desse tipo em questões de múltipla escolha, teríamos que assumir um posicionamento de “certo e errado” diante de manifestações como essa. Considerar correta uma estrutura que a gramática normativa preconiza como errada, geraria insegurança tanto da parte dos alunos como da parte dos professores. Continuar considerando expressões como essas erradas, iria contra a realidade dos fatos bem como feriria a nossa consciência de cientistas da língua. Já numa questão aberta, podemos assumir que o uso de assistir como transitivo direto já é bastante aceitável na língua escrita, sem fazer objeção ao uso dele como transitivo indireto. Ao mesmo tempo, podese considerar que o uso de uma expressão do tipo ele disse de que, por exemplo, como desvio do padrão, porque ainda não está autorizada ou consagrada pelas normas da 2 escrita. Nas questões abertas, essas decisões poderiam ser tomadas sem prejuízo nenhum de um ou outro candidato. Como já dissemos acima, o conhecimento gramatical (e entendemos aqui conhecimento gramatical como conhecimento da estruturação sintática e semântica da língua) é sempre um passo possível para uma reflexão lingüística mais adequada, desde que se tenha clareza de como as regras gramaticais (usamos gramática aqui num sentido mais amplo que o de gramática normativa) contribuem para uma reflexão lingüística mais eficiente. Na primeira fase, há sempre de 3 a 4 questões que procuram fazer uma reflexão lingüística, mas que não deixam de ser também questões de leitura. Gostaríamos de comentar duas que fizeram parte do vestibular de 2006: as questões 54 e 55. Na questão 54, o autor do texto faz menção a um uso do advérbio que não está contemplado nas gramáticas normativas: o advérbio voltado para o falante, ou seja, o advérbio que traduz um posicionamento do emissor, como infelizmente, finalmente, certamente (a sua classificação pode variar dependendo de sua posição sintática). A questão cobra a aplicação do conceito a outras estruturas da língua. O candidato deve, portanto, entender o conceito e mostrar que consegue aplicá-lo, refletindo sobre outras estruturas da língua (a aplicação e generalização de conceitos é também uma habilidade presente no perfil de aluno que a universidade busca). Se o ensino gramatical se resume em simplesmente reproduzir as afirmações da gramática normativa, jamais será permitido ao aluno operar com essas noções e, conseqüentemente, fazer inferências discursivas (observar que o advérbio aí não modifica o verbo, nem o adjetivo, nem o advérbio e nem por isso deixa de ser advérbio). A questão 55 está relacionada tanto à expectativa dos elaboradores sobre o conhecimento gramatical como à questão do padrão discutida no parágrafo anterior. É também uma questão de leitura, como as demais (inclusive a questão de pontuação é uma questão de leitura), mas pode ser uma questão muito interessante para, em sala de aula, se refletir sobre determinadas estruturas lingüísticas: o verbo custar não interfere no sentido da sentença ao se alterar a subordinada para a passiva como os verbos usados nas demais alternativas. Ora, o fato de o uso que se faz do verbo custar ferir as indicações das gramáticas normativas (voltamos novamente à questão do que é ou não é padrão – a respeito do uso desse verbo consultar o Guia de Uso do Português de Maria Helena de M. Neves, Editora Unesp) não está em jogo. A questão poderia trabalhar com a correspondência entre sentenças de registros diferentes, como já se fez em outras ocasiões. Podemos dizer que o uso do verbo custar da maneira como foi feito sinaliza para essa flexibilização do que se considera padrão, como discutimos acima – esse uso, aliás, já tem registro no português escrito do século 19. Como essa flexibilização não pode ser prevista (ninguém pode adivinhar que formas não aceitas pela gramática normativa serão aceitas pelos professores da universidade), preferimos sinalizar em situações em que isso não esteja sendo cobrado e avaliar esses usos nas questões abertas, espaço em que o conjunto de “transgressões” cometidas pelo aluno é que revelará seu maior ou menor domínio do padrão. 3. Por que o vestibular privilegia tanto alguns conteúdos de Língua Portuguesa em detrimento de outros? Afinal, como a prova se organiza em termos de conteúdo? Qual é o conteúdo cobrado? 3 Deve-se estar atento, primeiramente, ao que prevê o Edital do Processo Seletivo: Quanto ao Português, haverá ao todo 18 questões, sendo nove de compreensão de texto e nove relacionadas ao conteúdo de Literatura Brasileira e de uso da língua. (1ª fase); as provas de Língua Portuguesa e Compreensão de textos têm por objetivo central avaliar a capacidade de o candidato compreender textos de diferentes gêneros, mostrando o domínio que se espera de quem já concluiu o ensino médio, bem como avaliar a capacidade de perceber relações estruturais e semânticas entre fenômenos lingüísticos sentenciais e textuais e operar sobre elas, mostrando domínio da língua padrão escrita. Na 1ª. fase, há uma prova de Língua e Literatura, com 9 questões e outra de compreensão de texto, também com 9 questões. A questão dos conteúdos de língua e literatura só se coloca para a primeira dessas provas, que teve em 2005 e 2006 seis questões de literatura. É importante destacar que esta prova tem a mesma extensão que as demais (Matemática, Física, Química, etc.) e a avaliação da leitura das obras de literatura indicadas corresponde a 2/3 das questões. As questões de compreensão de textos, tanto na primeira quanto na segunda fase, têm como objetivo avaliar habilidades de leitura. Os textos utilizados para esta avaliação podem ser de natureza diversa: textos da mídia, de divulgação científica, textos com uso de múltiplas linguagens (gráficos, mapas, tabelas, charges, quadrinhos), textos literários, etc. Temos procurado selecionar textos a partir de alguns eixos temáticos, que possibilitem a integração entre as questões de compreensão e produção de textos. Se as questões “de língua” nem sempre são colocadas em evidência nas questões propostas na prova da 2ª. fase, o domínio de elementos lingüísticos de natureza diversa é condição para responder várias das questões propostas: em relação à prova de 2006, as questões 07 e 08 exigiam a interpretação de elementos lingüísticos que expressam a avaliação do autor sobre as proposições do texto, como adjetivos e formas verbais; a condição para responder adequadamente à questão 04 é o conhecimento de vocabulário (diferença entre “apresentar” e “representar”); a questão discursiva A solicitava a estruturação de texto a partir de elementos coesivos dados (por um lado...por outro lado...); a questão discursiva E solicitava a indicação dos recursos lingüísticos usados em um texto. É importante lembrar ainda que o conhecimento das normas do português escrito é um dos critérios nucleares de avaliação de todas as questões discursivas, como prevê o Guia do Candidato (p. 16) e tem sido divulgado na página do Núcleo de Concursos nos últimos anos. 4. Qual o papel do vestibular no direcionamento do ensino básico? Se o vestibular privilegia leitura e escrita, as escolas devem se restringir também a esse conteúdo na disciplina de Língua Portuguesa? A importância da prova do processo seletivo para o ensino básico sempre foi uma preocupação dos encarregados do vestibular da UFPR. Em 1996, ao propor um novo modelo de prova de redação para o exame de ingresso, a UFPR tinha também em mente chamar a atenção do ensino para a importância dos gêneros textuais. Esse tipo de prova permitiu explorar as peculiaridades e papel de cada gênero no processo comunicativo. 4 Entretanto, quando falamos dessa relação, devemos destacar dois pontos que são essenciais: a) a natureza da avaliação de um processo seletivo; b) o impacto do processo no ensino básico. Em relação ao primeiro ponto, a experiência já nos provou que não se pode perder de vista, em momento nenhum, que estamos diante de um processo seletivo classificatório e que, antes de darmos direções ao ensino, precisamos de um exame que selecione de forma eficiente, ou seja, que não faça uma seleção aleatória. A preocupação por uma seleção justa se sobrepôs, nos últimos anos, a qualquer outra e explicamos por que isso aconteceu. Uma avaliação desse tipo só é eficiente se as questões utilizadas, pelo menos na sua maioria, forem capazes de discriminar não só os candidatos bons dos candidatos mais fracos, mas dentre os bons aqueles que são os melhores. Quem tem alguma intimidade com testes de avaliação e medida deve saber a importância do que estamos falando. Se a prova não apresenta níveis aceitáveis de discriminação e confiabilidade, a seleção tem grandes chances de ser injusta e aleatória. O objetivo principal do Processo Seletivo é avaliar o potencial do aluno para se sair bem no curso de sua escolha. Na parte de Língua Portuguesa, priorizamos a capacidade de ler e de escrever porque essas são as ferramentas básicas de aprendizagem no ensino superior. Queremos o aluno que saiba ler com espírito crítico e que saiba articular seu pensamento sobre os mais diversos assuntos com lógica, clareza, elegância e criatividade, dentro dos padrões da norma culta da língua. Estas são as qualidades que desejamos valorizar em nossas provas. Está na hora de se entender que o Processo Seletivo olha para frente. Não tem o objetivo de dar alguma forma de validação a tudo o que foi ensinado no Ensino Médio. Nem tem o objetivo de incluir tópicos ou áreas para que os candidatos se sintam motivados a estudá-los, no espírito daquela pedagogia atrasada de que o aluno deve estudar isto ou aquilo “porque vai cair na prova”. As boas escolas, as que têm identidade pedagógica própria, sabem o que devem ensinar para dar aos jovens uma sólida formação. O que a universidade deve fazer é valorizar no seu Processo Seletivo os conhecimentos e habilidades que julga mais importantes para a vida universitária do futuro aluno. É interessante esta insistência de que a prova do vestibular deve traçar o caminho do Ensino Médio, como se não houvesse uma legislação pertinente sobre isso. Essa postura tem sido um dos motivos pelos quais, na opinião de um grande número de educadores importantes, o vestibular tem tido um efeito mais deletério que benéfico sobre o ensino que o precede. Ao fazer provas cada vez mais difíceis - “que valorizem o conhecimento dos melhores candidatos”, como se ouve freqüentemente nos comentários que se seguem às várias provas – os vestibulares acabam criando uma pressão tão grande entre os candidatos e entre as escolas, a tal ponto que acaba desestruturando as boas tentativas de um ensino focado sobre aquilo que é básico e prioritário. É tal a quantidade de conteúdos a serem dominados que poucos conseguem trabalhar dentro de suas possibilidades reais. Para a UFPR, é básico e prioritário saber ler e escrever. Isto não é banal, da mesma forma como avaliar esse tipo de conhecimento não é banalizar a prova. Ao escrever e comentar os vários textos que lhe são apresentados, o candidato tem ampla oportunidade de demonstrar seus conhecimentos e sua capacidade de trabalhar com a linguagem. E se ele não sabe isso, de pouco lhe vale o resto. Até porque, passados os 5 primeiros meses após o vestibular, muito do que o aluno sabia por ocasião das provas já terá sido esquecido. E nós estamos interessados naquilo que ele ainda vai saber fazer dentro de alguns meses, naquela capacidade que foi fruto de uma formação de longo prazo e não de memorizações de última hora. É importante observar, ainda, que o impacto do vestibular sobre o ensino básico, ao contrário do que muitos pensam, é bastante modesto, pensando em termos de profundidade de conteúdo e não de seleção de conteúdo. A alteração feita na prova de redação em 1996 pode ser um exemplo disso. Como já dissemos, a partir de 1996, a prova passou a exigir uma noção mais precisa do gênero textual. Na primeira prova em que a alteração foi implantada, ficou claro que os alunos não sabiam organizar um resumo, por exemplo. Em vez disso, eles continuavam trabalhando com o velho molde da dissertação: identificavam um assunto e escreviam um texto opinando sobre ele. Com o passar dos anos, essa dificuldade foi superada. Hoje, entre os que têm sua redação corrigida, são poucos os que desconhecem o gênero resumo. No entanto, pouco se avançou em termos da qualidade desse resumo. O resumo pede como habilidade uma leitura competente do texto, além de uma capacidade de organizar um novo texto a partir das idéias chaves. Os candidatos rapidamente se apoderaram de um formato que caracteriza esse tipo de texto, mas são poucos os que mostram ter uma leitura eficiente e que conseguem apresentar um novo texto que seja fiel em conteúdo, mas com uma organização própria. De modo geral, encontramos aquele resumo feito passo a passo que vai cortando algumas partes, trabalhando simplesmente para que o texto caiba no espaço estipulado. São muito comuns os erros de leitura e a falta de adequação do vocabulário, além da falta de domínio de estruturas consideradas padrão. Percebe-se que, a partir do momento que a universidade passou a cobrar o resumo como uma habilidade, os alunos passaram a ser treinados para isso, quando esse tipo de atividade poderia ser ou deveria ser o resultado de atividades de leitura e escrita bem sucedidas, em que a atividade de resumo constituiria apenas um tipo que pode ter formas variadas como produto final. Reiteramos a afirmação de que não se chega a esse texto com organização própria, que reflita uma leitura acurada, através de treinamento. E, muito menos, com apenas um ano de trabalho. E mais: centrar a cobrança em gêneros textuais como resumo, texto informativo, opinativo, etc., não significa que subestimamos a criatividade dos candidatos. Um domínio da língua que prove autonomia, que permita transitar sobre gêneros textuais e dentre diferentes posicionamentos ideológicos não é uma habilidade trivial. Nesse sentido, pode-se ser tão criativo na redação de um memorando quanto na composição de um poema. Voltando à relação vestibular x ensino básico, quando a prova de produção de texto passou a pedir textos de diferentes tamanhos (números de linhas), foi justamente para romper essa relação direta com o ensino, pois algumas escolas estavam sistematicamente exigindo textos de 10 linhas. Ou seja, a universidade está tentando quebrar um pouco esse vínculo da escola com o vestibular. A universidade deseja selecionar o leitor competente que domina a língua padrão e sabe organizar alguns gêneros textuais com relativa desenvoltura. Toda escola tem ou pelo menos deveria ter a obrigação de fazer com que os alunos, ao término do ensino médio, tivessem essas condições, independentemente de seu desejo de cursar o ensino superior. O caminho para fazer com que os alunos cheguem lá com esse perfil é uma prerrogativa de cada escola, que deve traduzir isso no seu projeto pedagógico, instrumento que lhe confere 6 maior ou menor grau de identidade. Se a escola alcança essa meta trabalhando exclusivamente com o texto ou se prefere ensinar gramática, é uma decisão que cabe somente a ela. Para nós, o que importa é o resultado e é esse resultado que pretendemos aferir nas questões da prova de seleção. Em momento nenhum dissemos que não se deve ensinar gramática. Ao contrário, muitos de nós defendemos que a gramática, dependendo da forma como é entendida, tem um papel importante no ensino de língua. A prova do vestibular simplesmente aponta para um perfil e a escola tem a autonomia para decidir como se chega lá. O maior ou menor interesse do aluno pela disciplina advém da forma como esse caminho é construído na escola e não da forma como o vestibular é elaborado. Transferir essa responsabilidade para o vestibular é um meio de mascarar o problema. É importante registrar ainda que a UFPR, nos últimos anos, sempre divulga um relatório sobre a correção das redações. Esse relatório tem como objetivo, além de tornar o processo transparente, orientar os professores e interessados nos problemas encontrados nas questões de redação. Os professores podem, a partir do relatório, fazer uma reflexão sobre as características que comprometem o texto ou que o tornam uma resposta adequada ao enunciado proposto. Além disso, propriedades e impropriedades do uso da língua estão ali exemplificadas. Poucas ou nenhuma universidade fazem isso. A UFPR conduz o processo dessa maneira porque respeita os candidatos, os professores, enfim, a comunidade que está vinculada a ela. 7