ii. atenuar o impacto dos conflitos armados nas crianças

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Relatório de Graça Machel
no seguimento da Resolução 48/157 da Assembleia Geral das Nações Unidas
Doc. A/51/306 de 28 de Agosto de 1996
I Introdução
A. Ataque a crianças
1. Milhões de crianças são apanhadas em conflitos nos quais não são meros
espectadores, mas alvos dos mesmos. Muitas são vítimas de uma investida
generalizada contra os civis, outras morrem fazendo parte de genocídio
premeditado. Outras ainda, sofrem dos efeitos de violência sexual ou de múltiplas
privações resultantes do conflito armado que as expõe à fome ou a doenças.
Chocante também, o facto de milhares de jovens serem cinicamente explorados
como combatentes.
2. Em 1995, assolaram em todo o mundo, em diferentes locais, trinta grandes
conflitos armados. Todos eles tiveram lugar no interior de Estados, entre facções
divididas por diferentes orientações étnicas, religiosas ou culturais. Os conflitos
destruíram colheitas, locais de culto e escolas. Nada foi poupado, considerado
sagrado ou sob protecção - nem crianças, nem famílias, nem comunidades. Na
última década, calcula-se que tenham sido mortas em conflitos armados dois
milhões de crianças. Três vezes mais ficaram gravemente feridas ou
permanentemente incapacitadas, muitas delas estropiadas pelas minas. Inúmeras
outras foram obrigadas a assistir ou mesmo a tomar parte em actos de violência
horrorosos.
3. Estas estatísticas são bastante chocantes, mas mais arrepiante é a conclusão que
podemos retirar delas: cada vez mais, o mundo está a ser empurrado para um vazio
moral desolador. Trata-se de um espaço desprovido dos valores humanos mais
fundamentais; um espaço em que muitas crianças são chacinadas, violadas ou
estropiadas; um espaço em que as crianças morrem à fome e estão expostas a uma
brutalidade extrema. Este terror e violência sem regras está patente na vitimação
deliberada. Já pouco mais poderá a humanidade descer.
4. A falta de controlo, bem como o sentimento de desorganização e caos que
caracterizam os conflitos armados contemporâneos, podem ser atribuídos a muitos
factores diferentes. Alguns observadores apontam para o cataclismo político com
convulsões e lutas visando o controlo dos recursos face à pobreza generalizada e à
desordem económica. Outros vêem a insensibilidade das guerras modernas como
um resultado natural de revoluções sociais que dilaceraram as sociedades
tradicionais. Estes últimos apontam como prova as muitas sociedades africanas que
sempre tiveram uma forte cultura guerreira. Todavia, se recuarmos apenas algumas
gerações, embora fossem cruéis nos combates, era tabu atacar mulheres e
crianças, segundo as regras e os costumes destas sociedades.
5. Quaisquer que sejam as causas da brutalidade dos tempos modernos em relação
às crianças, chegou o momento de as estancar. O presente relatório apresenta uma
exposição sobre a extensão do problema, propondo várias formas práticas de recuar
face ao abismo. O seu principal apelo é de que as crianças pura e simplesmente não
façam parte da guerra. A comunidade internacional tem de denunciar, por ser
intolerável e inaceitável, este ataque às crianças.
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6. As crianças podem ajudar. Num mundo de diversidade e disparidade, as crianças
são a força unificadora capaz de fazer com que as pessoas cheguem a fundamentos
éticos comuns. As necessidades das crianças e as suas aspirações vão além de
todas as ideologias e culturas. São iguais as necessidades de todas as crianças:
alimentação nutritiva, cuidados de saúde adequados, educação aceitável, habitação
e uma família dedicada e segura. As crianças representam, por um lado, a razão
que nos faz lutar pela eliminação dos piores aspectos da guerra, por outro, a nossa
grande esperança para o conseguirmos.
7. A nossa preocupação com as crianças levou-nos a um padrão comum, à volta do
qual nos centramos. Com a Convenção sobre os Direitos da Criança, o mundo
possui um instrumento sem igual, que quase todos os países ratificaram. A única
resolução deveras importante que o mundo deveria tomar, seria transformar a
ratificação universal desta Convenção numa realidade universal.
8. Foi este desafio, em transformar as boas intenções numa mudança real para as
crianças, que levou o Comité das Nações Unidas dos Direitos das Crianças, em
1993, a recomendar à Assembleia Geral, de acordo com o artigo 45 da Convenção
sobre os Direitos da Criança, que solicitasse ao Secretário-Geral a elaboração de
um estudo abrangente sobre o impacto dos conflitos armados nas crianças.
B. Curso do estudo e sua metodologia
9. Na sua quadragésima oitava sessão, a Assembleia Geral adoptou a resolução
48/157 intitulada "Protecção das crianças afectadas pelos conflitos armados", na
qual solicita ao Secretário-Geral que seja designado um especialista para efectuar
um estudo abrangente com o apoio do Centro de Direitos Humanos e do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Pedia-se a esse especialista que fizesse
recomendações sobre cinco áreas: participação das crianças em conflitos armados;
reforço das medidas preventivas; relevância e adequação dos padrões existentes;
medidas exigidas para melhorar a protecção das crianças afectadas pelos conflitos
armados; e acções necessárias para promover a recuperação física e psicológica e
a reintegração social das crianças afectadas pelos conflitos armados.
10. De acordo com a resolução, a especialista, Graça Machel, submeteu relatórios
sobre a evolução da situação na quadragésima nona e na quinquagésima sessões
da Assembleia Geral (A/49/643 e A/50/537). No seguimento da resolução 48/157,
Graça Machel apresenta, por este meio, o seu relatório final sobre o impacto dos
conflitos armados nas crianças. O relatório expõe os dados obtidos e as
recomendações da signatária a qual, no decorrer do seu trabalho, se serviu da
Convenção sobre os Direitos da Criança como fonte orientadora quanto a princípios
e padrões de actuação. A Convenção sobre os Direitos da Criança representa uma
abordagem nova e multidisciplinar para a protecção das crianças. Demonstra a
interdependência de todos os direitos da criança e a relevância desses direitos para
as actividades de todo um conjunto de actores a todos os níveis. Tal como nos
termos da Convenção sobre os Direitos da Criança, neste relatório a palavra
"criança" inclui todo o ser humano menor de 18 anos.
11. No decurso do seu trabalho, a signatária identificou uma série de preocupações
particulares, além das já identificadas no parágrafo nove da resolução 48/157,
nomeadamente: padrões de mudança dos conflitos, impacto específico sobre as
raparigas e as crianças de grupos minoritários e indígenas; embargos económicos;
violação e outras formas de violência com base no sexo e exploração sexual; tortura;
programas inadequados de educação, saúde, nutrição e psicossociais; protecção e
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cuidados com as crianças refugiadas e deslocadas internamente, bem como de
outras crianças em situação de risco particular; e a aplicação inadequada dos
direitos humanos e do direito humanitário internacionais. Nesta conformidade, com a
cooperação de organizações intergovernamentais e não-governamentais e de
especialistas individuais, foi levado a cabo um programa de investigação sobre estas
questões, através da preparação de vinte e cinco documentos temáticos e do estudo
de casos baseados na experiência no terreno.
12. Foram efectuadas seis consultas regionais com vista a determinar as prioridades
ao nível regional no que se relaciona com as crianças em conflitos armados e
chamar a atenção dos Governos, políticos e líderes de opinião para estas questões.
Realizaram-se as seguintes consultas: Primeira Consulta Regional sobre o Impacto
dos Conflitos Armados nas Crianças no Corno de África, África Oriental, África
Central e África Austral: Abidjan, 7-19 de Abril de 1995 (convocada conjuntamente
pela Comissão Económica para África); Segunda Consulta Regional sobre o Impacto
dos Conflitos Armados nas Crianças na Região Árabe: Cairo, Agosto de 1995
(convocada conjuntamente pela Comissão Económica para a África Ocidental e pela
UNICEF); Terceira Consulta Regional sobre o Impacto dos Conflitos Armados nas
Crianças na África Ocidental e África Central: Abidjan, 7-10 de Novembro de 1995
(convocada conjuntamente pelo Banco Africano para o Desenvolvimento, Comissão
Económica para África e UNICEF); Quarta Consulta Regional sobre o Impacto dos
Conflitos Armados nas Crianças na Ásia e no Pacífico: Manila, 13-15 de Março de
1996 (convocada conjuntamente pela UNICEF); Quinta Consulta Regional sobre o
Impacto dos Conflitos Armados nas Crianças na América Latina e nas Caraíbas:
Bogotá, 17-19 de Abril de 1996 (convocada conjuntamente pelo Governo da
Colômbia, Save the Children UK, Fundación para la Educación Superior de
Colombia e UNICEF); e a Sexta Consulta Regional sobre o Impacto dos Conflitos
Armados nas Crianças na Europa: Florença, Itália, 10-12 de Junho de 1996
(convocada conjuntamente pelo Governo de Itália, o Comité Nacional Italiano para a
UNICEF, o Institutó degli Innocenti e o Centro Internacional para o Desenvolvimento
da Criança da UNICEF).
13. Estas consultas englobaram Governos, autoridades militares e especialistas
jurídicos. Envolveram também organizações de direitos humanos, comunicação
social, organizações religiosas, líderes eminentes da sociedade civil e ainda
mulheres e crianças directamente envolvidas em conflitos armados.
14. A signatária efectuou, pessoalmente, visitas guiadas a áreas afectadas por
conflitos armados. Foram feitas visitas a Angola, Camboja, Irlanda do Norte, Líbano,
Ruanda (e a campos de refugiados no Zaire e na República Unida da Tanzania),
Serra Leoa e a vários locais da ex-Jugoslávia. Durante estas visitas, encontrou-se
com representantes dos Governos, organizações não-governamentais, organizações
da comunidade, organizações de mulheres, grupos religiosos, agências, instituições
nacionais e outras partes interessadas, bem como com crianças e as suas famílias.
Este contacto directo contribuiu para garantir que este relatório e as suas
recomendações se encontrem firmemente apoiadas nas condições e prioridades
existentes nos países. Garante também que este relatório não reflecte apenas a
experiência daqueles que estão mais envolvidos nos cuidados e protecção das
crianças, mas também as preocupações imediatas das próprias crianças e famílias
afectadas.
15. A signatária recebeu orientação por parte de um grupo de importantes
personalidades, representando uma grande diversidade de suportes políticos,
religiosos e culturais. Os membros desse grupo são: Beliscarão Betancur
(Colômbia), Francis Deng (Sudão), Marian Wright Edelman (Estados Unidos da
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América), Devaki Jain (Índia), Julius K. Nyerere (República Unida da Tanzania),
Lisbet Palme (Suécia), Wole Soyinka (Nigéria) e o Arcebispo Desmond Tutu (África
do Sul). Recebeu ainda estudos de análise e orientações de um grupo de consultoria
de técnicos especialistas. Os membros deste grupo de consultoria englobam:
Thomas Hammarberg, Presidente (Suécia), Philip Alston (Austrália), Rachel Brett
(Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte), Vitoria Brittain (Reino Unido da
Grã Bretanha e Irlanda do Norte), Maricela Daniel (México), Helena Gezelius
(Suécia), Jim Himes (Estados Unidos da América), Duong Quynh Hoa (Vietname),
Elizabeth Jareg (Noruega), Helga Klein (Estados Unidos da América), Salim Lone
(Quénia), Jacques Moreillon (Suíça), Vitit Muntarbhorn (Tailândia), Olara A. Otunnu
(Uganda), Sadig Rasheed (Sudão), Everett Ressler (Estados Unidos da América),
Jane Schaller (Estados Unidos da América), Anne Skatvedt (Noruega) e Jody
Williams (Estados Unidos da América). Como consultores especiais, mencionam-se:
Ibrahima Fall (Senegal), Kimberly Gamble-Payne (Estados Unidos da América),
Stephen Lewis (Canadá) e Marta Santos Pais (Portugal).
16. Em todas as suas iniciativas, a signatária desfrutou de um amplo apoio por parte
de Governos, organismos regionais, organizações intergovernamentais e nãogovernamentais, bem como dos órgãos das Nações Unidas, em especial do Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Centro de Direitos Humanos e o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Às consultas
interagências, convocadas periodicamente para Genebra e Nova Iorque, assistiram
representantes dos seguintes principais órgãos internacionais: Centro de Direitos
Humanos, Departamento de Assuntos Humanitários, Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), Comité Internacional da Cruz
Vermelha (CICV), Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente
Vermelho (FICV) e respectivas Sociedades Nacionais, Organização Internacional do
Trabalho (OIT), UNICEF, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura (UNESCO), ACNUR, Instituto de Investigação das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Social (UNRISD), Programa Mundial para a Alimentação (PMA) e
a Organização Mundial de Saúde (OMS).
17. Para esta investigação e actividades de mobilização, prestaram substancial
contributo os grupos de trabalho sobre crianças e conflitos armados de organizações
não-governamentais (ONGs), em particular o Grupo de Trabalho sobre Crianças em
Conflitos Armados do Comité ONG, com base em Nova Iorque, na UNICEF, e o
Subgrupo sobre Crianças Refugiadas e Crianças em Conflitos Armados do Grupo
ONG, com base em Genebra, sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Contribuíram, também, para estas actividades ONGs internacionais, regionais
(nomeadamente o Fórum das Organizações Voluntárias Africanas para o
Desenvolvimento e Rede Africana para a Prevenção e Protecção contra o Abuso e
Negligência sobre as Crianças) e nacionais.
18. Foram convocados seminários sobre o papel das comunidades religiosas na
protecção das crianças em situações de conflito armado (em Genebra, em
cooperação com a Conferência Mundial sobre a Religião e a Paz) e sobre o impacto
dos conflitos de fraca intensidade nas crianças (em Belfast, em cooperação com o
Fundo do Reino Unido Save the Children e Rädda Barnen (Fundo da Suécia Save
the Children). Realizou-se um terceiro seminário sobre minas terrestres, crianças
combatentes e reabilitação (convocado para Estocolmo, em cooperação com o
Comité Nacional Sueco da UNICEF, Gabinete Sueco para a Política Externa, Rädda
Barnen, Cruz Vermelha Sueca e outras ONGs suecas).
19. Além da recolha de informação, a signatária empreendeu um amplo e invulgar
processo de sensibilização e mobilização. Isto facilitou o desenvolvimento de novas
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redes e associações organizadas quer a nível nacional quer regional, e ajudou a
apresentar os assuntos tratados no presente relatório sobre agendas políticas e de
desenvolvimento. O espírito de colaboração patente nesta iniciativa criou uma
oportunidade para desenvolver parcerias novas e únicas entre disciplinas e grupos
interessados. Por exemplo, no seguimento da Primeira Consulta Regional em Addis
Abeba, foi constituída uma nova aliança de ONGs de crianças para coordenação da
acção sobre os direitos e o desenvolvimento das crianças para a África Oriental,
Central e Austral; no seguimento da Terceira Consulta Regional em Abidjan, foi
desenvolvida uma iniciativa regional para promover o papel da mulher no processo
de construção da paz e está a ser presentemente negociada uma outra proposta
para dar formação sobre os direitos e protecção da criança a responsáveis africanos
por corporações de defesa; no seguimento da Segunda Consulta Regional no Cairo,
foi publicada uma bibliografia seleccionada sobre as crianças e a guerra na região
árabe; e no seguimento da visita no terreno ao Camboja, foi solicitado à UNICEF
para dar assistência ao Ministério dos Assuntos Sociais na formação do seu pessoal
quanto à aplicação concreta dos direitos da criança.
20. A signatária quer agradecer reconhecidamente o apoio notável e as
contribuições financeiras recebidas dos comités nacionais da UNICEF e de Redd
Barna (Fundo da Noruega Save the Children), sem os quais o seu trabalho não teria
sido possível. Quer agradecer especificamente aos Comités Nacionais da UNICEF
da Alemanha, Grécia, Hong Kong, Japão, Holanda, Portugal, Espanha, Suécia,
Suíça, Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos da
América.
21. Sendo o presente relatório formalmente submetido à consideração da
Assembleia Geral das Nações Unidas e aos seus Estados Membros é, também,
endereçado às instituições regionais, órgãos das Nações Unidas, agências
especializadas e outros órgãos competentes, nomeadamente ONGs, relatores
especiais pertinentes e grupos de trabalho, órgãos intergovernamentais e sociedade
civil.
C. Padrões e características dos conflitos armados contemporâneos
22. Os conflitos violentos sempre fizeram vítimas entre os não combatentes. No
entanto, os padrões e características dos conflitos armados contemporâneos
aumentaram os riscos para as crianças. Vestígios do colonialismo e crises
persistentes ao nível económico, social e político têm contribuído enormemente para
a desintegração da ordem pública. Corroídos pela dissidência interna, os países
apanhados nos conflitos de hoje encontram-se também sob um severo stress devido
a uma economia mundial global que os empurra cada vez mais para as margens.
Programas rigorosos de ajustamento estrutural prometem um crescimento
económico de longo prazo baseado nas leis de mercado, mas as exigências de
cortes imediatos nos déficits orçamentais e na despesa pública apenas enfraquecem
os Estados já fragilizados, tornando-os dependentes de forças e relações sobre os
quais detêm pouco controlo. Embora muitos países em vias de desenvolvimento
tenham conseguido progressos económicos consideráveis nas últimas décadas, os
benefícios foram muitas vezes distribuídos de uma maneira desigual, deixando
milhões de pessoas a lutar pela sobrevivência. O colapso dos Governos em funções
em muitos países dilacerados por lutas internas e a erosão de estruturas de serviços
essenciais fomentou desigualdades, injustiças e conflitos. A personalização do
poder, bem como a liderança e a manipulação da etnicidade e da religião ao serviço
de interesses pessoais ou de pequenos grupos, tiveram de igual modo efeitos
debilitantes nos países em conflito.
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23. Todos estes elementos contribuíram para os conflitos, entre Governos e
rebeldes, entre diferentes grupos da oposição competindo pela supremacia e entre
as populações em geral, em lutas que tomam a forma de agitação civil generalizada.
Muitas arrastam-se por longos períodos sem princípio e fim distintos, sujeitando
gerações sucessivas a uma luta incessante pela sobrevivência.
24. A distinção entre combatentes e civis desaparece nos combates travados de
aldeia em aldeia ou de rua em rua. Nas últimas décadas, a proporção das vítimas
civis da guerra saltou dramaticamente de 5% para 90%. As lutas que reclamam mais
civis do que combatentes têm-se evidenciado por terríveis níveis de violência e
brutalidade. Toda e qualquer táctica é empregue, desde a violação sistemática às
tácticas de terra queimada, que destroem colheitas e envenenam nascentes de
água, até à limpeza étnica e ao genocídio. Abandonados todos os padrões, as
violações de direitos humanos contra as crianças e as mulheres ocorrem em número
sem precedente. Cada vez mais, as crianças se tornam alvos e, até mesmo, autoras
de violência e atrocidades.
25. As crianças procuram protecção em redes de apoio social, mas estas
encontram-se minadas pelas novas realidades políticas e económicas. A alteração
causada pelos conflitos e pela violência social afectou as redes sociais de bem-estar
entre as famílias e a comunidade. A rápida urbanização e a expansão de valores
baseados nas leis de mercado também ajudaram a corroer sistemas de apoio que
outrora se baseavam na família alargada.
26. Ataques desenfreados a civis e comunidades rurais provocaram êxodos em
massa e a deslocação de populações inteiras que fogem dos conflitos à procura de
possíveis santuários dentro e fora das fronteiras nacionais. Entre estes milhões de
desenraizados, calcula-se que 80% são mulheres e crianças.
27. Recrutar crianças como soldados tornou-se mais fácil devido à proliferação de
armas ligeiras baratas. Anteriormente, as armas mais perigosas eram pesadas ou
complexas, mas estas armas são tão leves que as crianças podem usá-las e, tão
simples, que podem ser montadas e desmontadas por uma criança de dez anos. O
comércio internacional de armamento tornou as armas de ataque mais baratas e
amplamente acessíveis, de forma a que as comunidades mais pobres tenham agora
acesso a armas mortíferas capazes de transformar qualquer conflito local numa
chacina sangrenta. No Uganda, uma metralhadora automática AK-47 pode ser
adquirida pelo preço de uma galinha e, no Norte do Quénia, pode ser comprada pelo
preço de um cabrito.
28. Além disso, a rápida difusão da informação nos dias de hoje mudou o carácter
das situações de guerra modernas em diversos aspectos. Embora o mundo
beneficie, seguramente, do imediato acesso à informação, terá de pagar o preço se
não consegue reconhecer que a informação nunca é inteiramente neutra. Os meios
de comunicação internacionais são frequentemente influenciados por qualquer uma
das partes no conflito, por razões comerciais ou pelo nível de interesse do público na
acção humanitária. O resultado destas influências traduz-se em descrições que
podem ser selectivas ou desiguais, ou ambas as coisas. A divulgação ou não de
uma "estória" pode depender menos da sua importância intrínseca do que do valor
subjectivo do apetite do público por essa informação ou das despesas em que se
incorre para o informar. Por exemplo, enquanto os conflitos na Bósnia e Herzegovina
e na Somália tiveram uma cobertura extensiva, muito pouco foi divulgado acerca dos
conflitos no Afeganistão e em Angola. Os meios de comunicação social conseguem
efectivamente galvanizar o apoio público internacional para a acção humanitária,
como aconteceu com os refugiados indochineses nos finais dos anos 70 e com a
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Somália em 1992. A ameaça de publicidade internacional adversa também pode ser
positiva por, potencialmente, poder vir a pôr em cheque graves violações dos
direitos humanos. Em última análise, porém, embora sejam dramáticos os relatos
sobre crianças que morrem à fome ou sobre campos superlotados de pessoas
deslocadas, os media pouco fazem para apoiar os esforços de reconstrução e
reconciliação de longo prazo.
II. ATENUAR O IMPACTO DOS CONFLITOS ARMADOS NAS CRIANÇAS
29. Os conflitos armados no seio de comunidades e entre comunidades resultam
num grau maciço de destruição física, humana, moral e cultural. As crianças, não só
são mortas e feridas em elevado número, como outras, sem conta, crescem
privadas das suas necessidades materiais e afectivas, inclusive de estruturas que
dão sentido à vida social e cultural. O edifício completo dessas sociedades - as suas
casas, escolas, sistemas de saúde e instituições religiosas - desmorona-se em
pedaços.
30. A guerra viola todos os direitos da criança - o direito à vida, o direito a ter uma
família e uma comunidade, o direito à saúde, o direito ao desenvolvimento da
personalidade e o direito a ser educada e protegida. Muitos dos conflitos de hoje
prolongam-se por toda a infância, o que significa que, desde o nascimento até ao
princípio da idade adulta, a criança vai sofrer múltiplos e acumulados atentados.
Desmembrando-se desta forma, e durante tanto tempo, as redes sociais e as
relações primárias que suportam o desenvolvimento físico, afectivo, moral, cognitivo
e social da criança, as implicações físicas e psicológicas podem ser profundas.
31. Em inúmeros casos, o impacto dos conflitos armados na vida das crianças
continua invisível. A origem dos problemas de muitas crianças que foram afectadas
por conflitos é obscura. As crianças podem ter sido retiradas do seio da população,
viverem em instituições ou, como é o caso de milhares de crianças não
acompanhadas ou órfãs, tornarem-se crianças da rua ou vítimas de prostituição. As
crianças que perderam os pais muitas vezes sofrem humilhações, rejeição e
discriminação. Durante anos, podem sofrer em silêncio com a auto-estima desfeita.
A sua insegurança e medo não podem ser avaliados.
32. Esta secção do relatório documenta alguns dos mais graves impactos de
conflitos armados nas crianças. Não se pretende que esta exposição seja exaustiva,
mas que assinale as principais preocupações e que sugira medidas práticas para se
melhorar. Tenciona demonstrar que o impacto dos conflitos armados nas crianças
não pode ser plenamente entendido sem olhar para os efeitos, com eles
relacionados, no que se refere às mulheres, famílias e comunidades. Procura
mostrar que, em situações de conflitos armados e suas consequências, o bem-estar
das crianças é melhor assegurado através de soluções baseadas na família e na
comunidade, e que as soluções funcionam melhor quando estão baseadas nas
culturas locais e partem de um entendimento sobre o desenvolvimento da criança.
Esta secção realça também a importância de se ter em conta a idade - em particular,
as necessidades especiais e faculdades especiais dos adolescentes. Os jovens
devem ser vistos nesta perspectiva: como sobreviventes e participantes activos na
busca de soluções e não apenas como vítimas ou problemas.
33. A análise a seguir contempla necessariamente exemplos específicos. Não se
trata de um esforço para seleccionar grupos específicos, Governos ou entidades
não-estatais. Os países são mencionados representativamente e com base no que é
amplamente conhecido. Na realidade, o impacto dos conflitos armados nas crianças
é uma área em que todos partilham responsabilidades e graus de culpa.
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A. Crianças-soldados
34. Uma das tendências mais alarmantes nos conflitos armados é a participação de
crianças como soldados. As crianças servem os exércitos apoiando tarefas como
cozinheiros, carregadores, mensageiros e espiões. No entanto, cada vez mais os
adultos recrutam deliberadamente crianças como soldados, porque são "mais
obedientes, não questionam ordens e são mais fáceis de manipular do que os
soldados adultos".
35. Uma série de 24 casos de estudo elaborados para este relatório sobre a
utilização das crianças como soldados, cobrindo conflitos ao longo dos últimos 30
anos, mostram que os exércitos de governos ou de forças rebeldes em todo o
mundo recrutaram cerca de dezenas de milhar de crianças. A maioria são
adolescentes, mas muitas crianças-soldados têm dez anos ou menos. Embora a
maioria seja rapazes, as raparigas também são recrutadas. As crianças mais
susceptíveis de se tornarem soldados são as dos meios mais pobres e
marginalizados e as que se encontram separadas das suas famílias.
1. Recrutamento
36. As crianças-soldados são recrutadas de formas muito diferentes. Algumas são
alistadas, outras são arrebanhadas ou raptadas e, outras ainda, são forçadas a unirse a grupos armados para defenderem as suas famílias. Em alguns (poucos) países,
os Governos recrutam legalmente crianças com menos de 18 anos, mas mesmo
quando a idade mínima de recrutamento legal é de 18 anos, a lei não constitui,
necessariamente, uma garantia. Em muitos países, o registo de nascimento é
inadequado ou inexistente e as crianças não sabem que idade têm. Os recrutadores
só conseguem adivinhar a idade com base no desenvolvimento físico, podendo
atribuir 18 anos aos recrutas para dar a aparência de conformidade com a legislação
nacional.
37. Os países com sistemas administrativos fracos não fazem alistamento
sistemático através de inscrições. Em várias situações, os recrutas são
arbitrariamente apanhados nas ruas ou mesmo nas escolas e orfanatos. Esta forma
de arrebanhar soldados, conhecida na Etiópia como "afesa", existiu ali nos anos 80,
quando as milícias armadas, a polícia ou quadros do exército deambulavam pelas
ruas apanhando qualquer um que encontrassem. As crianças dos sectores mais
pobres da sociedade são particularmente vulneráveis. Os rapazes adolescentes que
trabalham em circuitos paralelos, vendendo cigarros ou gomas ou bilhetes de lotaria,
constituem um alvo particular. No Myanmar, grupos inteiros de crianças dos 15 aos
17 anos foram cercados nas escolas e recrutados à força. As que, ulteriormente,
conseguissem provar que estavam abaixo da idade poderiam ser libertadas, mas
não necessariamente. Em todos os conflitos, as crianças de famílias mais prósperas
e com mais educação correm menos riscos. Frequentemente, não são perturbadas
ou são postas em liberdade se os pais podem pagar. Algumas crianças, cujos pais
possuem meios, podem mesmo ser enviadas para fora do país a fim de evitar a
possibilidade do recrutamento forçado.
38. Além de serem recrutados à força, os jovens também se apresentam para
prestar serviço militar. Todavia, é um engano considerá-lo voluntário. Embora os
jovens possam parecer escolher o serviço militar, esta escolha não é feita
livremente. Podem ser impelidos por qualquer uma das várias forças de pressão,
designadamente culturais, sociais, económicas ou políticas.
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39. Uma das razões fundamentais porque as crianças se juntam aos grupos
armados é económica. A fome e a pobreza podem levar os pais a oferecer os seus
filhos para o serviço militar. Nalguns casos, o exército paga o salário do soldado
menor directamente às famílias. A participação da criança pode ser difícil de
distinguir, já que nalguns casos toda a família se movimenta com os grupos
armados. As próprias crianças podem oferecer-se voluntariamente, se acreditarem
que essa é a única forma de assegurar refeições regulares, vestuário e cuidados
médicos. Alguns casos de estudo falam-nos de pais que encorajam as filhas a irem
para a tropa se as perspectivas de casamento são fracas.
40. Como os conflitos persistem, as condições económicas e sociais pioram e as
oportunidades de ensino tornam-se mais limitadas ou mesmo inexistentes. Em tais
circunstâncias, os recrutas tendem a ser cada vez mais novos. Os exércitos
começam por esgotar o contingente de adultos e às crianças resta pouco que
escolher, a não ser mesmo alistarem-se. No Afeganistão, onde aproximadamente
90% das crianças não têm actualmente acesso à escola, pensa-se que a proporção
de soldados que são crianças tenha subido, nos últimos anos, de quase 30% para,
pelo menos, 45%.
41. Algumas crianças sentem-se obrigadas a tornar-se soldados para sua própria
protecção. Confrontadas com a violência e o caos por todo o lado, decidem que
estão mais seguras tendo armas nas mãos. Frequentemente essas crianças juntamse a grupos armados da oposição depois de terem sofrido abusos por parte das
forças governamentais. Muitos jovens incorporaram os grupos rebeldes curdos, por
exemplo, como reacção a políticas de terra queimada e violações sistemáticas de
direitos humanos. Em El Salvador, as crianças cujos pais tinham sido mortos por
soldados do governo juntaram-se a grupos da oposição para protecção. Noutros
casos, as forças armadas terão recolhido crianças não acompanhadas por razões
humanitárias, embora tal não constituísse garantia de que não acabariam por ir lutar.
Isto é especialmente verdade, quando as crianças ficam com um grupo durante
longos períodos e tendem a identificá-lo como seu protector ou como uma "nova
família".
42. Nalgumas sociedades, a vida militar pode ser a opção mais atraente. Muitas
vezes, os jovens associam as armas à obtenção de poder e o poder pode actuar
como forte motivação em situações em que as pessoas se sentem impotentes, ou
que de outro modo, não é possível conseguir adquirir recursos básicos. Em muitas
situações, as actividades de guerra são glorificadas. Na Serra Leoa, a signatária
encontrou-se com crianças-soldados que se orgulhavam do número de inimigos que
tinham matado.
43. O fascínio da ideologia é particularmente forte no início da adolescência, quando
os jovens começam a desenvolver as identidades pessoais e a procurar um sentido
de significado social. No entanto, tal como mostra o caso do Ruanda, a doutrinação
ideológica da juventude pode ter consequências desastrosas. As crianças são muito
impressionáveis e podem ser, até mesmo, atraídas para cultos de martírio. No
Líbano e no Sri Lanka, por exemplo, alguns adultos usaram a imaturidade dos
jovens em seu próprio benefício, recrutando e treinando adolescentes para
bombardeamentos suicidas. Todavia, é importante registar que as crianças também
se podem identificar e lutar por causas sociais, expressão religiosa,
autodeterminação ou pela libertação nacional. Tal como aconteceu na África do Sul
ou em territórios ocupados, elas podem associar-se à luta em busca da liberdade
política.
2. Como são usadas as crianças-soldados
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44. Uma vez recrutadas como soldados, geralmente, as crianças recebem quase o
mesmo tratamento dos adultos, inclusive, as frequentemente brutais cerimónias de
iniciação. Muitas começam por funções de apoio, que pressupõem grandes riscos e
dificuldades. Uma das tarefas normais que são atribuídas a crianças é a de servirem
como carregadores, muitas vezes carregando mais de 60 quilos, incluindo munições
ou soldados feridos. As crianças demasiado fracas para transportar essas cargas
podem ser selvaticamente castigadas ou mesmo abatidas. As crianças são também
usadas para serviços domésticos ou outras tarefas de rotina. No Uganda, foram
frequentemente atribuídas às crianças funções de guardas, trabalhar nos jardins,
apanhar frutos bravos e legumes e pilhagem de hortas e celeiros. As crianças
também têm sido largamente usadas, em muitos países, como espiões ou
mensageiros. Embora esta última tarefa possa parecer menos atentatória à vida do
que as outras, ela deixa, de facto, todas as crianças sob suspeita. Na América
Latina, há relatórios que falam de forças governamentais que mataram
deliberadamente mesmo as crianças mais novas em comunidades pacíficas com o
fundamento de que, mesmo essas, também eram perigosas.
45. Apesar da maioria das crianças-soldados serem rapazes, os grupos armados
também recrutam raparigas, muitas das quais desempenham as mesmas funções
dos rapazes. Na Guatemala, grupos rebeldes usaram raparigas para fazer comida,
tratar dos feridos e lavar a roupa. As raparigas podem também ser obrigadas a
préstimos sexuais. No Uganda, as raparigas raptadas pelo Chefes da Resistência
Armada são "dadas em casamento" aos líderes rebeldes. Se o marido morrer, a
rapariga é afastada para um ritual de purificação e, depois, é dada em casamento a
um outro elemento rebelde.
46. Um caso de estudo das Honduras ilustra a experiência de uma rapariga ao
juntar-se a um grupo armado:
"Quando tinha 13 anos, associei-me ao movimento de estudantes. Eu sonhava
contribuir para que as coisas mudassem, de forma que as crianças não tivessem
fome.... mais tarde, juntei-me à luta armada. Eu tinha toda a inexperiência e os
medos de uma menina. Descobri que as raparigas eram obrigadas a ter relações
sexuais "para aliviar a tristeza dos combatentes". Mas quem é que aliviava a nossa
tristeza depois de irmos com alguém que praticamente não conhecíamos? Ainda
muito jovem conheci o aborto. Não foi uma decisão minha. É com uma enorme dor
interior que relembro todas estas coisas... A despeito do meu empenhamento,
abusaram de mim, pisaram a minha dignidade humana. E acima de tudo, não
compreenderam que eu era uma criança e que tinha direitos."
47. Embora as crianças de ambos os sexos possam começar por funções de
suporte indirecto, não leva muito tempo a serem colocadas no calor da batalha.
Aqui, a sua inexperiência e falta de treino deixa-as particularmente expostas. As
crianças mais novas raramente percebem os perigos que enfrentam. Uma série de
estudos de casos registam que, quando começam as explosões, as crianças ficam
muito excitadas e esquecem-se de procurar abrigo. Alguns comandantes exploram
deliberadamente essa coragem das crianças, enchendo-as de álcool ou drogas. Um
soldado do Myanmar recorda: "Havia muitos rapazes que se lançavam para o
campo, gritando como se tivessem poderes mágicos. Era como se fossem imortais,
ou impenetráveis, ou qualquer outra coisa, porque atirávamos sobre eles e eles
continuavam a andar."
48. O progressivo envolvimento dos jovens em actos de extrema violência torna-os
insensíveis ao sofrimento. Em certos casos, houve jovens que foram
deliberadamente expostos a cenas horrorosas. Essas experiências fazem com que
as crianças possam cometer, elas próprias, actos de violência e podem contribuir
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para um corte com a sociedade. Em muitos países, nomeadamente o Afeganistão,
Moçambique, Colômbia e Nicarágua, as crianças foram mesmo forçadas a cometer
atrocidades contra as suas próprias famílias ou comunidades.
3. Desmobilização e reintegração na sociedade
49. Uma das prioridades mais urgentes é, claramente, retirar das forças armadas os
menores de 18 anos de idade. Nenhum tratado de paz até à data reconheceu
formalmente a existência de crianças combatentes. Como resultado disso, as suas
necessidades especiais não podem ser tidas em conta nos programas de
desmobilização. Em Moçambique, por exemplo, onde o recrutamento de crianças
era bem conhecido, não foram reconhecidas crianças-soldados nos esforços de
desmobilização pela Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), pelo
Governo ou pela comunidade internacional. Trata-se de um passo vital, o
reconhecimento oficial da participação das crianças na guerra. Os acordos de paz e
documentos relacionados devem incorporar disposições para a desmobilização das
crianças; sem este reconhecimento, não pode haver um planeamento efectivo ou
uma programação à escala nacional.
50. O processo de reintegração tem de ajudar as crianças a criarem novos
fundamentos de vida com base nas suas capacidades individuais. As ex-criançassoldados cresceram longe das suas famílias e foram privadas de muitas das
oportunidades de normal desenvolvimento físico, afectivo e intelectual. Tal como
sublinha o artigo 391 da Convenção sobre os Direitos da Criança, a recuperação e a
reinserção devem ter lugar num ambiente que favoreça a saúde, o respeito por si
próprio e a dignidade da criança.
51. Os programas de reintegração devem restabelecer o contacto com a família e a
comunidade. Porém, mesmo as crianças que se reuniram às suas famílias com
sucesso, têm pouca viabilidade de retomar tranquilamente a sua vida como era
antes. Uma alegre criança de 12 anos de idade, pode voltar a casa com uns
taciturnos 16 anos, sentindo-se agora poderosa e independente. O reagrupamento
familiar pode ser particularmente difícil para as raparigas-soldados que foram
violadas ou vítimas de abuso sexual, em parte devido às suas convicções e atitudes
culturais, podendo ser-lhes difícil ficar com as suas famílias ou, ainda, por não terem
quaisquer perspectivas de casamento. Com tão poucas alternativas, muitas crianças
tornaram-se, eventualmente, vítimas de prostituição.
52. Em muitos casos, o reagrupamento familiar é impossível. As famílias podem ter
morrido no conflito ou pode não ser possível encontrá-las. Para algumas crianças,
pode ser necessário um período de transição de cuidados colectivos. As abordagens
institucionais revelaram-se ineficazes, mas uma forma de prestar esses cuidados é
através da vivência com grupos de pares que estejam firmemente inseridos na
comunidade.
53. Uma reinserção social efectiva depende do suporte das famílias e da
comunidade. Mas as famílias encontram-se também desgastadas pelo conflito, quer
psíquica quer emocionalmente, enfrentando um crescente empobrecimento. As
visitas ao terreno e as pesquisas efectuadas para este relatório realçaram,
repetidamente, a importância da ligação entre a educação, as oportunidades
profissionais das antigas crianças combatentes e a segurança económica das suas
famílias. Estas são, muito frequentemente, as determinantes para a reinserção
social e, o mais importante, os factores para prevenção de novo recrutamento.
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54. A educação e, em especial, a conclusão da escolaridade primária devem
constituir uma grande prioridade. Para uma antiga criança-soldado, a educação é
mais do que a via para o emprego. Também ajuda a normalizar a vida e a
desenvolver uma identidade separada da de soldado. O desenvolvimento de um
relacionamento com os seus pares e o aumento do respeito por si próprio podem
também ser facilitados através de actividades recreativas e culturais. Uma
dificuldade a enfrentar consiste na probabilidade dos antigos combatentes se
encontrarem muito atrasados na sua escolaridade e terem de ser colocados em
turmas com crianças muito mais novas. Podem ser necessárias medidas
específicas, tais como, criar turmas especiais para antigas crianças combatentes
que podem, depois, progressivamente, ser integradas nas escolas normais.
55. Muitos professores e pais podem opor-se a ter ex-combatentes a frequentar as
escolas, por recearem que possam ter um efeito perturbador. Os programas devem
ter em atenção estas preocupações mais vastas da comunidade. Nalgumas culturas
africanas, existem fortes convicções espirituais de que alguém que tenha matado é
perseguido pelos espíritos malignos das vítimas. Logo, aceitar uma criança-soldado
numa aldeia é aceitar os espíritos malignos. Neste contexto, os programas para a
reinserção na comunidade têm de envolver, de modo efectivo, os curandeiros
tradicionais para "purificações" e outros procedimentos.
56. Especialmente para as crianças mais velhas, um ensino eficaz requer uma
formação com fortes componentes em termos de sobrevivência e de oportunidades
profissionais. Preparar uma criança mais velha para procurar emprego não vai só
ajudá-la a sobreviver, mas, também, pode facilitar a sua aceitação em casa e
proporcionar-lhe um sentido para a vida e uma identidade.
57. As crianças-soldados podem achar difícil abandonar a ideia de que a violência é
um meio legítimo para atingir o objectivo de cada um. Sobretudo, se a experiência
de participação na "causa" tiver sido positiva, como foi o caso muitas vezes dos
jovens que se identificaram e viram razão no seu envolvimento na luta contra o
apartheid. Esse é, particularmente, o caso quando se mantêm as frustrações de
pobreza e de injustiça. O desafio que se põe aos Governos e à sociedade civil é o
de canalizarem a energia, as ideias e a experiência dos jovens para que contribuam,
de forma positiva, na criação de uma nova sociedade pós-conflito.
4. Prevenir futuros recrutamentos
58. A pesquisa efectuada para este estudo revelou várias medidas práticas a serem
tomadas para prevenir futuros recrutamentos. Em primeiro lugar, os Governos
devem trabalhar para a finalização e rápida adopção do projecto de um protocolo
facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança quanto ao envolvimento das
crianças nos conflitos armados. Seguidamente, os Governos devem prestar uma
maior atenção aos seus métodos de recrutamento. Devem assegurar que todas as
crianças sejam registadas no nascimento e recebam documentação comprovativa
da idade. Para que essas medidas sejam bem sucedidas, os Governos têm de
estabelecer sistemas de verificação eficazes e apoiá-los com medidas e instituições
jurídicas que sejam suficientemente fortes para combater os abusos. Por exemplo,
na Guatemala, em Maio e Junho de 1995, o Gabinete da Procuradoria de Direitos
Humanos interveio em 596 casos de recrutamento forçado de jovens. Em
consequência disso, foram libertadas 148 crianças com menos de 18 anos de idade.
59. O recrutamento de crianças pode ser minimizado se as comunidades locais
estiverem informadas sobre a legislação nacional e internacional que regula a idade
de recrutamento e se forem suficientemente organizadas e determinadas. Em El
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Salvador, Guatemala e Paraguai, grupos étnicos e mães de crianças-soldados
formaram organizações para pressionar as autoridades para libertarem os soldados
menores de idade. As ONGs, os grupos religiosos e a sociedade civil em geral têm
um papel importante na criação de enquadramentos éticos, caracterizando como
inaceitável a participação das crianças nos conflitos armados. No Peru, sabe-se que
as acções de recrutamento forçado diminuíram em zonas em que as igrejas
paroquiais denunciaram essas actividades. Uma outra importante medida preventiva
consiste na documentação e busca activa e antecipada sobre as crianças não
acompanhadas.
60. As Nações Unidas e outras organizações internacionais têm também um
importante papel a desempenhar, relatando os casos de recrutamento de crianças,
levantando esta questão, autorizando e apoiando os grupos que, a nível local,
trabalham para libertar as crianças. No Myanmar, os protestos das agências
humanitárias conduziram ao regresso de homens e rapazes que tinham sido
recrutados à força num campo de refugiados.
61. Os grupos armados da oposição são menos susceptíveis a influências externas
ou a pressões convencionais do que os exércitos que dependem dos Governos. No
entanto, junto de certos grupos, os Governos e as organizações internacionais
conseguem exercer influência. Quando os Governos ratificam as convenções
internacionais de direito humanitário aplicáveis aos conflitos internos, o direito
internacional abrange todos os grupos armados no interior dos países em causa. No
Sudão, as organizações humanitárias negociaram acordos com grupos rebeldes a
fim de prevenir o recrutamento de crianças. A componente de direitos humanos
dentro da Missão de Observação das Nações Unidas em El Salvador (ONUSAL)
apoiou grupos locais na investigação de queixas sobre recrutamento forçado de
menores e fez chegar a questão às autoridades. Em muitos casos, a intervenção
das Nações Unidas serviu de suporte para a libertação dos menores envolvidos.
5. Recomendações específicas sobre crianças-soldados
62. A signatária apresenta as seguintes recomendações sobre a questão das
crianças-soldados:
a) Com base nos esforços existentes do Comité dos Direitos da Criança, Rädda
Barnen, The Friends World Comittee for Consultation (Quakers), UNICEF, ACNUR e
Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Federação Internacional da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV) e respectivas Sociedades Nacionais,
deve ser lançada uma campanha global, conduzida por estas mesmas
organizações, com o objectivo de erradicar a utilização de crianças com menos de
18 anos de idade nas forças armadas. Os meios de comunicação social devem,
também, ser encorajados a denunciar a utilização das crianças-soldados e a
necessidade da sua desmobilização;
b) Os órgãos das Nações Unidas, agências especializadas e actores da sociedade
internacional devem encetar, serenamente, negociações diplomáticas com os
Governos e forças não-estatais, assim como com os seus apoiantes internacionais,
para fomentar a desmobilização imediata de crianças-soldados e a adesão à
Convenção sobre os Direitos da Criança;
c) Todos os acordos de paz devem incluir medidas específicas para a
desmobilização e reintegração das crianças-soldados na sociedade. Existe uma
necessidade urgente da comunidade internacional apoiar programas,
nomeadamente de consultoria jurídica e programas de serviços sociais, para a
desmobilização e reinserção social das crianças-soldados na comunidade. Essas
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medidas devem tratar da segurança económica da família e devem contemplar a
educação, preparação para a vida e oportunidades profissionais;
d) Os Estados devem assegurar a conclusão atempada e bem sucedida da proposta
de protocolo facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao
envolvimento das crianças nos conflitos armados, elevando a idade de recrutamento
e mobilização nas forças armadas para 18 anos.
B. Refugiados e pessoas deslocadas internamente
63. Os conflitos armados têm causado sempre movimentos de população. Durante
conflitos à escala total, atravessando ou não as fronteiras nacionais, as pessoas
fogem em grande número. Os seus locais de destino vão determinar se essas
pessoas em fuga se tornam pessoas deslocadas internamente caso fiquem dentro
do seu próprio país, ou refugiados caso tenham atravessado as fronteiras nacionais.
A África e a Ásia têm sido muito afectadas por movimentações maciças de
população, mas nenhuma região escapou quer ao fenómeno em si, quer às suas
ramificações. Onde quer que ocorram, as deslocações têm um profundo impacto na
criança em termos físicos, afectivos e no seu desenvolvimento, aumentando ainda
mais a sua vulnerabilidade. Salvo se diferenciado de qualquer outro modo neste
relatório, os refugiados e as pessoas deslocadas internamente, bem como as
pessoas em situações similares às dos refugiados, são referidas conjuntamente
como pessoas deslocadas.
64. No início dos anos oitenta, havia 5.7 milhões de refugiados em todo o mundo. No
final da década, o número elevou-se a 14.8 milhões e, hoje, há mais de 27.4 milhões
de refugiados e "pessoas da competência" do ACNUR, sendo algumas retornadas
ou pessoas que vivem em "zonas seguras".
65. De acordo com o relatório do Representante do Secretário-Geral para as
Pessoas Deslocadas Internamente (E/CN.4/1996/52/Add.2), o número de pessoas
deslocadas internamente também tem subido nos últimos anos, atingindo agora um
número estimado de 30 milhões - mais do que o número de refugiados. A protecção
e assistência às necessidades das pessoas deslocadas internamente são
semelhantes às dos refugiados em praticamente todos os aspectos, podendo
mesmo ser pior a sua situação. Enquanto, muitas vezes, os refugiados se deslocam
para fora da zona de guerra, as pessoas deslocadas internamente normalmente
permanecem no meio ou perto da cena do conflito, ficando assim, frequentemente,
sujeitas a repetidas deslocações.
66. Pelo menos, metade do total de refugiados e pessoas deslocadas são crianças.
Num período crucial e vulnerável das suas vidas, elas foram brutalmente
desenraizadas e expostas ao perigo e à insegurança. No decorrer da deslocação,
milhões de crianças foram separadas das suas famílias, abusadas fisicamente,
exploradas e raptadas por grupos militares, ou sucumbiram à fome e à doença.
1. Vulnerabilidade das crianças em fuga
67. Fugir de sua casa é passar por uma experiência que deixa uma profunda
sensação de perda e a decisão de fugir não se toma irreflectidamente. Aqueles que
tomam esta decisão, fazem-no porque correm o perigo de ser mortos, torturados,
recrutados à força, violados, raptados ou devido ao perigo da fome, entre outras
razões. Deixam para trás os seus bens e propriedades, familiares, amigos,
ambientes habituais e redes sociais estabelecidas. Embora a decisão de partir seja
normalmente tomada pelos adultos, até mesmo as crianças mais novas se
apercebem do que está a acontecer, sentindo a incerteza e o medo dos seus pais.
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68. Durante a fuga dos perigos do conflito, as famílias e crianças continuam a estar
expostas a múltiplos perigos físicos. Encontram-se ameaçadas por ataques súbitos,
bombardeamentos, atiradores furtivos e minas terrestres, tendo, muito
frequentemente, de caminhar durante dias, dispondo apenas de reduzidas
quantidades de água e comida. Mediante tais circunstâncias, as crianças tornam-se
seriamente subnutridas e propensas a doenças, sendo os primeiros a morrer. As
raparigas em fuga ficam ainda mais vulneráveis ao abuso sexual do que
habitualmente. As crianças que, por si próprias, se viram forçadas a fugir para
salvaguardarem a sua sobrevivência, correm também riscos acrescidos. Muitas
abandonam a casa para evitarem o recrutamento forçado, vindo, porventura, a
descobrir que a situação de fuga as coloca também em risco de recrutamento,
especialmente se não tiverem documentos ou se se deslocarem sem as suas
famílias.
2. Crianças não acompanhadas
69. As crianças não acompanhadas são aquelas que estão separadas de ambos os
pais e não se encontram ao cuidado de outro adulto que, pela lei ou costume, tenha
assumido essa responsabilidade. Muitas vezes, as crianças separam-se dos pais no
caos do conflito, da fuga ou da deslocação. Os pais ou outras pessoas que as
tenham a seu cuidado são a principal fonte de afectividade e segurança física da
criança e, por este motivo, a separação familiar pode ter um profundo impacto social
e psicológico. As crianças não acompanhadas são especialmente vulneráveis e
correm o risco de negligência, violência, recrutamento militar, agressão sexual e
outros abusos. Os programas de ajuda devem ter, como alvo essencial, a prestação
de assistência às famílias de modo a prevenir a separação.
70. A primeira prioridade dos programas de ajuda consiste na identificação da
criança como não acompanhada e em assegurar a sua sobrevivência e protecção.
As prioridades que vêm a seguir passam pela documentação, busca e, quando
possível, pelo reagrupamento das famílias. Muitas das crianças não acompanhadas
não são órfãs e, mesmo que tenham morrido os seus pais, têm, frequentemente,
familiares que, vinculados pelo costume e a tradição, querem e podem cuidar
dessas crianças. Em qualquer dos casos, é essencial manter os irmãos juntos. Na
Região dos Grandes Lagos de África, foi implantado um vasto programa de buscas
pelo CICV, FICV e respectivas Sociedades Nacionais, ACNUR, UNICEF, Save the
Children Fund e outras ONGs. Mais de 100.000 crianças foram registadas como não
acompanhadas, dentro e fora dos seus países de origem. De acordo com o ACNUR,
em Maio de 1996, mais de 33.000 dessas crianças juntaram-se aos familiares. Este
resultado positivo deveu-se, em grande medida, às actividades de identificação e
busca implementadas desde o início da situação de emergência e porque as
agências se comprometeram a cooperar conjuntamente. Foram usados muitos
métodos de busca tradicionais e não tradicionais, inclusive programas de busca com
fotografias.
71. Enquanto as famílias são procuradas, devem ser criados procedimentos para
evitar posteriores separações, sendo prestados cuidados alternativos contínuos a
cada criança não acompanhada. Esses cuidados alternativos obtêm-se mais
apropriadamente junto da família alargada mas, se tal não for possível, podem vir
dos vizinhos, amigos ou de outras famílias substituintes. No entanto, estas medidas
necessitam de cuidadosa supervisão. Muitas famílias adoptivas cuidam das crianças
de forma excelente mas, quando a situação económica e social se encontra minada
pela guerra, as crianças podem correr o risco de exploração. A situação da criança
numa família adoptiva deve, por conseguinte, ser sempre acompanhada de perto,
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através de um sistema com base na comunidade. Na região dos Grandes Lagos,
iniciativas deste tipo tiveram resultados positivos. Estes programas tiveram como
consequência o encerramento de centros para crianças não acompanhadas e o
regresso das crianças à comunidade de refugiados, combinando a intervenção
familiar e os projectos de apoio a famílias vulneráveis, habilitando-as a ficarem com
as crianças.
72. Os centros para crianças não acompanhadas, tais como, orfanatos ou outras
instituições, não podem responder completamente às necessidades afectivas e de
desenvolvimento das crianças, existindo, ainda e sempre, o risco de que esses
centros temporários possam tornar-se permanentes. A própria criação de centros
pode também originar elevado número de crianças não acompanhadas. Durante
uma visita à região dos Grandes Lagos, a signatária ficou profundamente
preocupada pelo facto de que, como resultado de chamar a atenção dos meios de
comunicação social, terem sido criados muitos centros a fim de se beneficiar da
ajuda humanitária. Esses centros podem ser atractivos para os pais que,
enfrentando dificuldades em alimentar as suas famílias, podem facilmente ser
levados a pensar que é melhor deixar as suas crianças em locais onde lhes pode ser
proporcionada comida e assistência médica. Isto vem realçar a necessidade de
prevenir a separação familiar, assegurando que as famílias vulneráveis sejam
apoiadas para cuidarem das suas crianças.
73. Como resposta a muitos problemas de protecção e assistência enfrentados
pelas crianças não acompanhadas, a UNICEF e o ACNUR, em consulta com o
CICV, FICV, e algumas ONGs especializadas, desenvolveram, conjuntamente, um
"estojo de emergência" para facilitar a coordenação e melhorar a qualidade da
resposta às necessidades das crianças não acompanhadas. As "ferramentas"
incluídas no estojo, como formulários de registo e máquinas fotográficas Polaroid,
derivavam da experiência obtida em emergências anteriores. O estojo traz também
orientações sobre a protecção e os cuidados com as crianças não acompanhadas,
sendo essencial a sua ampla disseminação e que sejam seguidas pelo pessoal
ligado à assistência de emergência.
74. No auge de um conflito, o processo de busca é particularmente difícil.
Precisamente por isso, as crianças não acompanhadas não devem ser consideradas
disponíveis para adopção. A adopção corta as ligações familiares de forma
permanente e não deve ser considerada, a menos que se tenham esgotado todos os
esforços na busca da família. Este princípio está salvaguardado numa
recomendação adoptada na Convenção sobre a Protecção das Crianças e
Cooperação com respeito à Adopção Inter-Países, assinada em Haia, em 29 de
Maio de 1994.
3. Evacuação
75. Os pais que vivem em zonas de conflito armado podem ficar tão preocupados
com a segurança dos seus filhos que decidem evacuá-los, mandando-os para junto
de amigos e familiares ou agregando-os a programas de larga escala. Para os pais,
nessa altura, pode parecer-lhes que a evacuação é a melhor solução mas,
frequentemente, não é o caso. Por exemplo, na Bósnia e Herzegovina, as
evacuações foram muitas vezes organizadas precipitadamente, com pouca
documentação. A evacuação também representa para a criança um risco de longo
prazo, nomeadamente o trauma da separação da família e o perigo acrescido de
tráfico ou de adopção ilegal. Na sua visita à Bósnia e Herzegovina, foi com
preocupação que a signatária soube de algumas evacuações que tinham sido
organizadas por grupos que se dedicam à exploração de mercados de adopção. No
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caso de evacuações por motivos de saúde, surgem muitas vezes dificuldades
quando a família adoptiva, por pensar que a criança tem melhores oportunidades no
país de acolhimento, não quer autorizar o regresso da criança a seu cuidado para
junto da família original.
76. Tal como realça a Convenção sobre os Direitos da Criança, que nos artigos 91 e
101 faz particular referência à unidade da família, todas essas decisões devem
basear-se em função do melhor interesse da criança, sendo tomadas em
consideração as suas opiniões. Se for essencial proceder-se à evacuação, toda a
família se deve deslocar conjuntamente. Porém, se tal não for possível, as crianças
devem, pelo menos, ser acompanhadas pelas pessoas que delas cuidam e pelos
irmãos. Deve também haver um grande cuidado para assegurar que qualquer
evacuação seja devidamente documentada e que seja preparada com vista ao
acolhimento e cuidados efectivos da criança, para que se mantenha em contacto
com outros membros da família e para um reagrupamento familiar antecipado.
Existem linhas de orientação sobre estes critérios sustentadas pelo ACNUR,
UNICEF, CICV, FICV. As evacuações são por vezes essenciais, como concluíram
as agências internacionais na região dos Grandes Lagos, quando os órfãos estavam
a ser alvo de depuração étnica. Em 1992, o ACNUR/UNICEF lançaram uma
publicação sobre considerações e linhas de orientação sobre a evacuação das
crianças de áreas em conflito, sendo necessária a sua ampla divulgação.
4. Crianças em acampamentos
77. Em termos ideais, os campos para refugiados ou deslocados internos deveriam
ser locais seguros, oferecendo protecção e assistência. No entanto, as populações
deslocadas constituem sociedades complexas que, muitas vezes, reproduzem
antigas divisões e lutas pelo poder. Ao mesmo tempo, os seus sistemas tradicionais
de protecção social encontram-se debilitados ou completamente destruídos,
existindo, frequentemente, elevados níveis de violência, abuso de álcool ou
substâncias, disputas familiares e agressões sexuais. As mulheres e as
adolescentes são particularmente vulneráveis e, mesmo as crianças mais pequenas,
podem ser afectadas ao presenciarem ataques contra a mãe ou a irmã. Nas linhas
de orientação do ACNUR sobre a violência sexual contra os refugiados realçam-se
medidas práticas, tais como, iluminação cuidada, existência de latrinas e a
organização das pessoas em grupos para tarefas como, por exemplo, a recolha de
lenha. Estas orientações assim como as linhas de orientação do ACNUR sobre
cuidados e protecção das crianças refugiadas devem ser aplicadas a todas as
mulheres e crianças deslocadas internamente.
78. Um aspecto importante do auxílio de emergência que afecta particularmente as
mulheres e crianças é a distribuição de recursos, designadamente da comida, água,
lenha e coberturas de plástico. O controlo destes recursos representa poder.
Habitualmente, os homens estão encarregados dessa distribuição e, muitas vezes,
abusam do seu poder exigindo subornos ou favores sexuais. Tal coloca mulheres
em risco e, especialmente, as mulheres chefes de família. Como recomendado nas
Linhas de Orientação do ACNUR sobre as Mulheres Refugiadas, o ACNUR e PMA
devem estar na linha da frente para garantir que as mulheres sejam o ponto de
partida no controlo dos sistemas de distribuição e sejam criados sistemas de apoio
apropriados para mulheres chefes de família.
79. Os primeiros dias e semanas de uma deslocação em massa resultam,
normalmente, em elevadas taxas de mortalidade de crianças. Entre as crianças
deslocadas, o sarampo, diarreias, infecções respiratórias agudas (IRA), malária e
má nutrição são responsáveis por 60 a 80% das mortes registadas. Os factores que
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contribuem para a elevada mortalidade vão desde a amontoamento de pessoas à
falta de comida e água potável, passando pelas deficientes condições sanitárias e
falta de abrigo. As mulheres grávidas e no período de lactação requerem uma
atenção especial, assim como as crianças deslocadas que possuem incapacidades.
As crianças provenientes de conflitos armados podem ter ferimentos que exigem
atenção médica especial. Nestas circunstâncias, só uma abordagem multi-sectorial
de saúde e nutrição pode proteger as crianças pequenas.
80. Frequentemente, o ambiente dos acampamentos é fortemente militarizado.
Nalguns casos, as crianças são levadas de acampamentos, quer à força ou de
forma fraudulenta, para um terceiro país para "educação política" ou treino militar.
Em diversos casos, os Governos de acolhimento recrutaram crianças refugiadas
para o serviço militar.
5. A situação das crianças deslocadas internamente
81. As crianças deslocadas dentro dos seus próprios países enfrentam perigosas
situações. Muitas vezes, são mesmo piores do que as dos refugiados, pois pode
faltar-lhes o acesso à protecção e assistência. Existe um número cada vez maior de
situações em que as famílias e comunidades são cronicamente deslocadas devido a
contínuos conflitos armados localizados. Os levantamentos efectuados mostram que
a taxa de mortalidade entre as pessoas deslocadas internamente foi 60% mais
elevada do que taxa de mortalidade das pessoas no interior do mesmo país, mas
não deslocadas. Mesmo quando as famílias deslocadas internamente estão alojadas
em casa de familiares ou amigos, elas podem não sentir segurança, eventualmente,
por se depararem com a má-vontade dos donos da casa ao terem de partilhar os
seus limitados recursos.
82. Um outro problema muito sério para as pessoas deslocadas internamente é o
acesso aos serviços de saúde e educação. Em contravenção com o direito
humanitário, muitas vezes, é impedido o acesso das pessoas deslocadas
internamente à assistência humanitária. A fuga pode tê-las deixado longe do alcance
dos programas existentes do Governo ou das ONGs. Mesmo quando a escola
existe, as crianças podem não conseguir matricular-se devido à falta de
documentação adequada, por não serem consideradas residentes dessa área ou
não poderem suportar os encargos escolares. Sentimentos de exclusão, assim como
a luta pela sobrevivência, podem levar as crianças a juntarem-se às partes do
conflito ou a tornarem-se meninos da rua.
83. Embora algumas organizações como o ACNUR, CICV, FICV e a Organização
Internacional para as Migrações (OIM) possuam mandatos específicos no que se
refere às pessoas deslocadas internamente, no momento presente não existe uma
responsabilidade institucional clara para as suas necessidades de protecção e
assistência. As organizações com mandatos para dar protecção e assistência às
crianças afectadas pelos conflitos armados como a UNICEF, ACNUR e PMA, não
garantem, de forma consistente, a protecção e cuidados às crianças deslocadas
internamente. A signatária apoia o apelo do Representante do Secretário-Geral para
as Pessoas Deslocadas Internamente para que se desenvolva um enquadramento
legal apropriado, bem como medidas institucionais para que as responsabilidades de
protecção e assistência sejam claramente estabelecidas. O enquadramento legal
deve basear-se no relatório do Representante referente à compilação e análise das
normas
jurídicas
aplicáveis
às
pessoas
deslocadas
internamente
(E/CN.4/1996/52/Add.2).
6. Asilo e o direito à identidade e à nacionalidade
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83. A apatridia representa um risco para as crianças refugiadas pois podem ter
dificuldades em estabelecer a sua identidade e nacionalidade. Tal como previsto no
artigo 71 da Convenção sobre os Direitos da Criança, todas as crianças devem ser
registadas e adquirir uma nacionalidade após o nascimento. No caso das crianças
refugiadas, apenas o Governo de acolhimento está em posição de registar a criança.
É particularmente importante para uma criança refugiada, especialmente se não
acompanhada, ser-lhe proporcionada documentação clara respeitante à identidade
dos pais e ao local de nascimento.
85. As famílias que chegam a uma fronteira encontram-se ainda muito expostas, e
as raparigas e mulheres que foram separadas das suas famílias estão
particularmente vulneráveis à exploração e abuso dos guardas de fronteira e outros.
Mesmo as que conseguem atravessar as fronteiras não têm garantia de asilo. A
Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados
podem não cobrir na totalidade os casos de fugas de conflitos armados. Em caso de
êxodo maciço dos países, como no Afeganistão e Vietname, muitos Governos foram
suficientemente flexíveis para garantir acolhimento temporário. Contudo, desde o
final da guerra fria, muitos Governos têm-se relevado mais relutantes em conceder
asilo e têm mesmo procurado evitar que os requerentes de asilo cheguem às suas
fronteiras. No mínimo, os Governos devem conceder asilo temporário enquanto não
se encontra uma solução duradoura.
86. Uma consequência das políticas actuais é que uma série de requerentes de
asilo, inclusivamente crianças, ficam detidos enquanto os seus casos são
examinados. Procurar asilo não pode ser considerado uma ofensa ou um crime.
Porém, nalguns casos, mulheres e crianças são encarceradas como se fossem
criminosos. Os países que determinam o estatuto de refugiado em processo
individual não devem, em qualquer circunstância, recusar o acesso das crianças não
acompanhadas a procurarem asilo. A Declaração da Sexta Consulta Regional sobre
o Impacto dos Conflitos Armados nas Crianças na Europa, sublinhava que as
crianças não acompanhadas devem ter acesso aos procedimentos de asilo,
independentemente da sua idade. Tendo em conta as necessidades vitais do
desenvolvimento da criança, devem ser encontradas, o mais depressa possível,
soluções de longo prazo. De acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança
e as linhas de orientação do ACNUR, as crianças devem ser completamente
envolvidas nas decisões sobre o seu futuro.
7. Regresso a casa e soluções duradouras
87. As soluções de longo prazo para refugiados envolvem o repatriamento
voluntário, a integração local ou a reinstalação em novas comunidades nacionais.
Qualquer que seja a escolhida, os procedimentos devem ser expeditos e realizados
em função do melhor interesse da criança. Os princípios relativos ao repatriamento
voluntário e à reintegração devem também ser aplicáveis no regresso das pessoas
deslocadas internamente. Servem para assegurar que existem condições de
segurança e dignidade, bem como protecção nacional.
88. Para as famílias e para as crianças refugiadas e deslocadas internamente pode
ser muito difícil a reintegração no regresso às suas comunidades de residência. Em
países perturbados por vários anos de conflito, existem frequentemente tensões
entre retornados e residentes. No caso das crianças, em particular, uma das
medidas mais importantes a tomar é garantir a educação e a oportunidade de
restabelecer a vida da família e meios de subsistência produtivos.
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89. Uma outra grande dificuldade consiste no facto das mulheres chefes de família,
aquando do seu regresso, perderem os direitos de propriedade e a custódia dos
seus filhos. A perda dos direitos de propriedade pode também afectar a criança que
assume a chefia do agregado familiar. Tratam-se, normalmente, de unidades
familiares de irmãos, crianças de membros da família alargada ou mesmo crianças
não parentes, chefiadas por um menor, geralmente uma rapariga adolescente. Em
Setembro de 1995, a UNICEF e o Ministério Ruandês do Trabalho e Assuntos
Sociais identificaram 1.939 crianças que viviam a cargo de crianças responsáveis
pelo agregado familiar. A necessidade que as mesmas têm de protecção jurídica e
social é especialmente acentuada; a falta de terra, de propriedade e direitos
sucessórios vêm somar-se à sua instabilidade. As crianças que assumem a chefia
do agregado familiar são particularmente vulneráveis à exploração do trabalho e à
prostituição. Têm surgido dilemas na elaboração de respostas políticas e programas
convenientes, especialmente em torno da exequibilidade das medidas de adopção.
O princípio da unidade da família, mesmo quando não existam os pais, deve estar
na base de todo o apoio a estas crianças, tal como se encontra salvaguardado na
Convenção sobre os Direitos da Criança.
8. Recomendações específicas para refugiados e pessoas deslocadas
internamente
90. A signatária apresenta as seguintes recomendações para refugiados e pessoas
deslocadas internamente:
a) Como prioridade, devem ser adoptados procedimentos para todas as situações
de emergência que garantam a sobrevivência e protecção das crianças não
acompanhadas. Os programas de busca de familiares devem ser estabelecidos logo
a partir do início dos programas de assistência;
b) As crianças não acompanhadas devem ficar, sempre que possível, ao cuidado da
sua família alargada ou da comunidade em vez de ficarem em instituições. É
essencial que os doadores sustentem este princípio. A grande maioria de crianças
não acompanhadas têm familiares algures. Por consequência, não devem ser
permitidas adopções enquanto não for diligenciada uma busca exaustiva dos
familiares, inclusivamente na fase pós-conflito;
c) Medidas práticas de protecção para prevenir a violência sexual, a discriminação
na entrega dos produtos da assistência e o recrutamento de crianças para as forças
armadas, devem constituir uma prioridade em todos os programas de assistência
nos campos de refugiados e deslocados. As mulheres e as jovens devem estar
plenamente envolvidas na concepção, execução e acompanhamento dessas
medidas, as quais devem incluir serviços sociais e de consultoria jurídica para
combater os abusos e violações dos direitos das crianças;
d) O Comité Permanente Interagências e a sua Força de Intervenção para as
Pessoas Deslocadas Internamente deve proceder a uma avaliação sobre o âmbito
da assistência e protecção que presta às crianças deslocadas internamente e
desenvolver enquadramentos institucionais apropriados visando as suas
necessidades. Em cooperação com o Departamento de Assuntos Humanitários, nas
suas funções sob a autoridade do Coordenador da Ajuda de Emergência, e em
consulta com outras principais agências humanitárias, para cada situação de
emergência, deve ser designada uma agência líder com a responsabilidade geral de
protecção e assistência às pessoas deslocadas internamente. A UNICEF, em
cooperação com a agência líder, deve ter funções de liderança na protecção e
assistência às crianças deslocadas internamente;
e) A Assembleia Geral, a Comissão de Direitos Humanos, bem como as
organizações regionais, devem apoiar o trabalho do Representante do SecretárioGeral para as Pessoas Deslocadas Internamente, de forma a desenvolver um
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enquadramento legal apropriado para aumentar a protecção das pessoas
deslocadas internamente, dando especial relevo aos assuntos específicos das
crianças;
f) Os órgãos intergovernamentais, o ACNUR, o Fundo de Desenvolvimento das
Nações Unidas para as Mulheres (UNIFEM) e outras organizações devem apoiar os
Governos quanto ao fortalecimento dos enquadramentos legislativos nacionais,
contestando qualquer aspecto discriminatório contra as mulheres, raparigas e
crianças que assumem a chefia do agregado familiar, em particular no que se refere
aos direitos de custódia, sucessórios e de propriedade;
g) A signatária apela à UNICEF, ACNUR, FAO e OIT para darem atenção urgente à
situação das crianças que assumem a chefia do agregado familiar, desenvolvendo
orientações políticas e programáticas que garantam o seu cuidado e protecção.
C. Exploração sexual e violência com base no sexo
1. Violência com base no sexo: uma arma de guerra
91. A violação é uma contínua ameaça para as mulheres e raparigas durante um
conflito armado, assim como outras formas de violência com base no sexo,
nomeadamente, a prostituição, humilhação e mutilação sexual, tráfico e violência
doméstica. Enquanto abusos como o homicídio e a tortura são, desde há muito,
denunciados como crimes de guerra, a violação tem sido relegada para efeito
secundário da guerra, lamentável, mas inevitável. Actos de violência com base no
sexo, em particular a violação, cometidos durante conflitos armados constituem uma
violação ao direito humanitário internacional. Quando acontecem a nível maciço ou
como uma questão política orquestrada, esta dimensão acrescida é reconhecida
como um crime contra a humanidade, tal como sucedido na mais recente
Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. No entanto,
esforços recentes para condenar a violação como crime de guerra, vieram pôr em
relevo as dificuldades existentes na aplicação dos direitos humanos e do direito
humanitário internacionais.
92. Mulheres de todas as idades podem ser vítimas de violência num conflito, mas
as adolescentes estão particularmente em risco por um conjunto de razões,
designadamente o tamanho e a vulnerabilidade. A sua vulnerabilidade é ainda maior
nalgumas localidades onde são consideradas como menos passíveis de serem
portadoras de doenças transmissíveis sexualmente e do VIH/SIDA. Características
como a etnicidade, classe, religião ou nacionalidade podem ser factores que
determinam quais as mulheres ou raparigas que ficam sujeitas à violência. Mulheres
e raparigas correm riscos em toda a parte, quer seja em casa, durante a fuga ou nos
acampamentos para onde fugiram à procura de segurança. As crianças afectadas
pela violência com base no sexo também englobam as que presenciaram a violação
de um membro da família ou as que são condenadas ao ostracismo em virtude da
agressão à mãe.
93. A maior parte das crianças vítimas de violência e abuso sexual são raparigas,
mas os rapazes também são afectados e os casos de rapazes que foram violados
ou forçados à prostituição são mal conhecidos. Na Bósnia e Herzegovina, filhos e
pais foram forçados a cometer atrocidades sexuais uns contra os outros. Nalguns
casos, rapazes traumatizados pela violência cometeram, subsequentemente,
violência sexual contra raparigas.
94. A violação não é inerente ao conflito. Pode ocorrer ao acaso ou de forma não
controlada devido a uma perturbação geral das fronteiras sociais e à licenciosidade
facultada a soldados e milícias. No entanto, muito frequentemente, ela funciona
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como outra forma de tortura e é usada como uma arma táctica de guerra para
humilhar e enfraquecer a moral do inimigo. Durante o conflito armado, a violação é
usada para aterrorizar as populações ou para forçar os civis a fugir.
95. Muitas vezes, a violência com base no sexo é praticada no intento de depuração
étnica através da fecundação deliberada. O Relator Especial sobre a situação dos
direitos humanos no território da antiga Jugoslávia considerou ser esse o caso na
Bósnia e Herzegovina e na Croácia. Os milhares de mulheres coreanas forçadas a
servir como escravas sexuais militares durante a Segunda Guerra Mundial é mais
um exemplo da violação usada como arma de guerra.
2. Crianças vítimas de prostituição e exploração sexual
96. A pobreza, a fome e o desespero podem forçar as mulheres e as raparigas a
entrar na prostituição, obrigando-as a oferecer sexo em troca de comida e abrigo, de
salvos-condutos através da zona de guerra ou da obtenção de documentos ou
outros privilégios para as próprias ou para as suas famílias. Têm sido traficadas
crianças de situações de conflito para trabalharem em bordéis noutros países,
transportadas, por exemplo, do Camboja para a Tailândia e da Geórgia para a
Turquia. Em campos de refugiados no Zaire, a signatária pôde ouvir numerosos
relatos de raparigas que tinham sido pressionadas pelas famílias para entrar na
prostituição. De modo semelhante, em comunidades deslocadas no interior do
Guatemala, alguns pais forçaram as suas filhas à prostituição. Outras raparigas
fizeram-no na esperança de conseguirem maior protecção. Na Colômbia, por
exemplo, tem-se conhecimento de raparigas que, com doze anos apenas, se
submeteram às forças paramilitares como um meio de defender as suas famílias de
outros grupos.
97. Com o tempo, têm-se institucionalizado as diferentes formas de violência com
base no sexo praticadas durante conflitos armados, uma vez que se mantêm
intactas muitas das condições que criam a violência. As jovens que foram vítimas de
prostituição pelos exércitos, por exemplo, podem não ter outra opção senão
continuar depois do conflito ter cessado. Em Phnom Penh, o número de crianças
vítimas de prostituição continua a subir, calculando-se que sejam vendidas 100
crianças por mês, por razões económicas.
98. As crianças podem também ser vítimas de prostituição após a chegada das
forças de manutenção da paz. Em Moçambique, após a assinatura do tratado de paz
em 1992, soldados da Operação das Nações Unidas em Moçambique (ONUMOZ)
aliciaram raparigas dos 12 aos 18 anos à prostituição. Depois de confirmadas as
alegações pela comissão de inquérito, os soldados implicados foram mandados para
casa. Em 6 dos 12 estudos de países sobre a exploração sexual da criança em
situações de conflito armado, elaborados para o presente relatório, a chegada das
tropas de manutenção da paz está associada a uma rápida subida da prostituição de
crianças.
99. A exploração sexual produz um efeito devastador no desenvolvimento físico e
emocional. O sexo não desejado e inseguro pode resultar em doenças
transmissíveis sexualmente e VIH/SIDA, as quais não afectam apenas a saúde
imediata, mas também a futura saúde sexual e reprodutiva e a mortalidade. No
Camboja, de acordo com um estudo elaborado para este relatório, calcula-se que
60% a 70% das crianças vítimas de prostituição são seropositivas. Não obstante, as
raparigas adolescentes podem sofrer em silêncio após o trauma da exploração
sexual; muitas vezes, elas temem represálias por parte daqueles que as agrediram
ou a rejeição das suas famílias, sem contar com a tremenda humilhação e angústia
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pessoal, que leva muitas delas a encerrarem-se numa concha de dor e negação. A
OMS observou que o risco de suicídio entre as vítimas de violação é elevado.
100. Quando a gravidez é forçada, a determinação acerca desta ser levada até ao
fim depende de várias circunstâncias locais, nomeadamente o acesso e a segurança
do aborto, sistemas de apoio à comunidade e os costumes religiosos e culturais
existentes. No Ruanda, a signatária soube de relatórios contraditórios acerca do
número de gravidezes que foram interrompidas ou levadas até ao fim, de casos de
abandono ou de adopção.
101. Todas as mulheres e raparigas que dão à luz durante o conflito têm de lutar
contra inesperadas consequências económicas e psicossociais, criando uma criança
sem sistemas de apoio adequados. A deterioração das infra-estruturas da saúde
pública reduzem o acesso aos serviços de saúde reprodutiva, tais como,
planeamento familiar, tratamento de doenças transmitidas sexualmente e
complicações ginecológicas, e cuidados de saúde pré-natal e após o nascimento.
102. As complicações na gravidez e no parto são especialmente possíveis nas
crianças que têm crianças. Devido à sua imaturidade física, muitas grávidas
adolescentes contraem infecções devido a abortos inacabados ou sem condições.
As vítimas de violação repetida e as raparigas que deram à luz sem parteiras
especializadas e sem condições higiénicas correm um maior risco de inflamações
pélvicas crónicas e lesões musculares que podem resultar em incontinência. Sem
cuidados médicos atentos, atempados e adequados, muitas destas vítimas morrem.
Outras cometem suicídio devido à humilhação e vergonha que sentem.
3. Acabar com a impunidade
103. A falta de denúncia e condenação da violação em tempo de guerra deve-se
parcialmente à sua indevida caracterização como atentado à honra ou ataque
pessoal em vez de um crime contra a integridade física da vítima. O Tribunal
Internacional, estabelecido para julgar os crimes de guerra cometidos na antiga
Jugoslávia, indiciou oito pessoas com a acusação específica de violação e agressão
sexual, apesar de se estimar em mais 20.000 o número de vítimas. Este fraco
resultado vem pôr em destaque as dificuldades existentes na aplicação dos direitos
humanos e do direito humanitário internacionais no respeitante à violação,
dificuldades essas que aparecem reflectidas tanto na codificação como na
interpretação do direito interno e, até mesmo, do direito internacional.
104. A vulgarizada prática de violação como um instrumento de conflitos armados e
depuração étnica tem de terminar e os seus autores têm de ser condenados. O
direito interno e internacional deve codificar a violação como um crime contra a
integridade física do indivíduo, os Governos nacionais devem responsabilizar
aqueles que cometeram violações em conflitos internos e reformular as suas
legislações internas para tratar o carácter substantivo do abuso. A gravidez não
desejada resultante de fecundação forçada deve ser reconhecida como uma ofensa
distinta, proporcionando-se medidas correctivas apropriadas.
105. Os procedimentos e mecanismos para investigar, informar, condenar e
remediar as violações baseadas no sexo devem ser, na sua totalidade, revistos e
reforçados, garantindo a protecção das vítimas que participam violações. É
encorajante que algumas organizações comecem a incluir pessoal treinado e
qualificado no acompanhamento, investigação e operações de verificação dos
direitos humanos internacionais, considerando as questões de violência com base
no sexo de modo mais sistemático.
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106. Como recomendado na Plataforma de Acção de Pequim, deve-se procurar o
equilíbrio de sexos ao nomear ou promover candidatos para órgãos judiciais ou
outros órgãos relevantes internacionais, inclusive os Tribunais Internacionais para a
ex-Jugoslávia e Ruanda, o Tribunal Internacional de Justiça e outros órgãos
relacionados com a resolução pacífica de litígios. Tanto os programas de recursos
humanos na área jurídica como na área médica, inclusivamente o pessoal da
assistência médica e de emergência, promotores da justiça, juízes, e outros
funcionários sensíveis a crimes de violação, fecundação forçada e outras formas de
violência em conflitos armados com base no sexo, devem ser treinados para que
integrem no seu trabalho uma perspectiva específica com base no sexo.
4. Prevenir a violência com base no sexo
107. A prevenção da violência com base no sexo deve contemplar iniciativas
destinadas aos militares, em particular, para a manutenção da paz das Nações
Unidas. Os oficiais superiores muitas vezes fecham os olhos aos crimes sexuais
daqueles que se encontram sob o seu comando, se bem que eles tenham de ser
responsabilizados tanto pelo seu próprio comportamento como pelo dos homens que
chefiam. Nos 12 estudos de casos sobre violência com base no sexo, elaborados
para este relatório, constata-se que os principais autores de abuso e exploração
sexual são as forças armadas das partes no conflito, quer governamentais quer de
outros actores. O treino militar deve dar ênfase à sensibilização para a condição
feminina, os direitos da criança e o comportamento responsável perante as mulheres
e as crianças. Os infractores devem ser punidos pelos actos cometidos contra as
mulheres e crianças.
108. Outras medidas preventivas que incluem a construção de abrigos, água e
serviços sanitários nos campos de refugiados, devem ser cuidadosamente
planeadas para evitar que se criem oportunidades de agressão baseada no sexo
contra as mulheres e crianças deslocadas. Em situações de conflito armado, toda a
assistência humanitária deve prever programas de saúde reprodutiva e psicossocial
baseados na comunidade. Deve ser dada grande prioridade às necessidades das
crianças que tenham testemunhado ou tenham sido sujeitas a violência com base no
sexo.
109. As respostas humanitárias têm sido manifestamente inadequadas. O ACNUR,
no entanto, tem publicado linhas de orientação sobre prevenção e resposta à
violência sexual contra refugiados e orientações sobre a avaliação e assistência às
vítimas de trauma e violência. Tratam-se de esforços importantes para assegurar
que os trabalhadores da ajuda de emergência estejam equipados para dar resposta
às necessidades especiais das vítimas de violência sexual. Existem alguns
programas eficazes, como o projecto no Quénia "Mulheres Vítimas de Violência".
Este projecto foi iniciado pelo ACNUR, no seguimento de um grande número de
violações cometidas por bandidos e pessoal da segurança local em campos de
refugiados somalis, no nordeste do Quénia. Durante uma visita de trabalho à Bósnia
e Herzegovina, a signatária visitou uma série de programas baseados na
comunidade, como o "Bosfam" e o "Bospo" que dão apoio às mulheres, incluindo
vítimas de violência sexual, para que retomem o controlo das suas vidas através de
actividades em pequena escala geradoras de rendimentos. Contudo, programas
deste tipo são raros. Para que sejam efectivos, devem proporcionar serviços
integrados, incluindo a assistência económica e o apoio psicossocial e não devem
identificar as mulheres publicamente como vítimas. Para que essas iniciativas
possam ser bem sucedidas, a comunidade local tem de estar envolvida desde a
concepção até à implementação das mesmas.
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5. Recomendações específicas sobre a exploração sexual e a violência com
base no sexo
110. A signatária apresenta as seguintes recomendações sobre a exploração sexual
e a violência com base no sexo:
a) Todas as respostas humanitárias em situações de conflito devem dar ênfase às
necessidades especiais de saúde reprodutiva das mulheres e raparigas, incluindo o
acesso a serviços de planeamento familiar, gravidez causada pela violação,
mutilação sexual, nascimento prematuro do bebé ou infecções com doenças
transmitidas sexualmente, incluindo VIH/SIDA. Igualmente importante, são também
as necessidades psicossociais das mães que tenham sido sujeitas a violência com
base no sexo e que necessitam de ajuda para criar as condições necessárias para o
desenvolvimento saudável dos seus filhos;
b) Todo o pessoal militar, inclusive o pessoal de manutenção da paz, deve receber
instrução, integrada no seu treino, acerca das suas responsabilidades face às
comunidades civis e, particularmente, no que se refere às mulheres e crianças.
c) Devem estabelecer-se sistemas claros e facilmente acessíveis para participar os
casos de abusos sexuais, quer entre a população militar quer civil;
d) O tratamento da violação como crime de guerra tem de ser clarificado, condenado
quer entre a população militar quer entre a população civil, e punido em
conformidade. Devem tornar-se disponíveis medidas jurídicas e de reabilitação
apropriadas, que reflictam a natureza do crime e os danos causados;
e) Os campos de refugiados e pessoas deslocadas devem ser concebidos de forma
a melhorar a segurança das mulheres e crianças. As mulheres devem também
participar em todos os aspectos da administração do campo, mas, especialmente,
na organização dos sistemas de distribuição e segurança. Deve mandar-se para o
terreno um número cada vez maior de pessoal feminino como funcionárias de
protecção e de aconselhamento;
f) Em qualquer conflito, devem estabelecer-se programas de apoio às vítimas de
abuso sexual e violência com base no sexo. Estes, devem proporcionar
aconselhamento confidencial sobre um amplo conjunto de questões, nomeadamente
dos direitos das vítimas. Devem também ser providenciadas actividades educativas
e formação profissional.
D. Minas terrestres e engenhos por explodir
111. A proliferação de armas ligeiras de todos os tipos tem causado um sofrimento
indescritível a milhões de crianças apanhadas pelo conflito armado. Muitas destas
armas têm um impacto devastador, não apenas durante o período do conflito, mas
também nas décadas posteriores. As minas terrestres e engenhos por explodir
constituem provavelmente um dos mais insidiosos e persistentes perigos. Hoje, as
crianças de, pelo menos, 68 países vivem no seio da contaminação de mais de 110
milhões de minas terrestres. A acrescentar a este número, existem milhões de
engenhos por explodir, bombas, projécteis e granadas que não explodiram no
embate. Tal como as minas terrestres, os engenhos por explodir são considerados
armas com efeitos indiscriminados, espoletadas por inocentes e transeuntes que de
nada suspeitam.
112. As minas terrestres têm sido utilizadas em muitos conflitos desde a Segunda
Guerra Mundial e, em particular, em conflitos internos. Só o Afeganistão, Angola e o
Camboja, possuem juntos um total de, pelo menos, 28 milhões de minas terrestres e
85% das mortes causadas pelas minas em todo o mundo. Angola, com cerca de 10
milhões de minas terrestres, possui uma população de amputados de 70.000
pessoas, das quais 8.000 são crianças. As crianças africanas vivem no continente
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mais infestado de minas terrestres - existem cerca de 37 milhões de minas em, pelo
menos, 19 países africanos - mas todos os continentes são, de alguma maneira,
afectados.
1. A ameaça para as crianças
113. As minas terrestres e os engenhos por explodir significam um perigo particular
para as crianças, especialmente, porque as crianças são naturalmente curiosas e
podem apanhar objectos estranhos que encontram. Dispositivos como as minas
"borboleta", utilizadas extensivamente no Afeganistão pela antiga União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, são coloridas de um verde brilhante e têm duas
"asas". Apesar de não terem sido concebidos para parecerem brinquedos, estes
dispositivos podem representar mais uma atracção mortal para as crianças. As
crianças são também mais vulneráveis ao perigo das minas terrestres do que os
adultos porque não reconhecem ou não conseguem ler as sinalizações de aviso.
Mesmo que conscientes do problema das minas, as crianças pequenas podem não
ser tão capazes como os adultos de as detectar: uma mina no meio da vegetação,
claramente visível para um adulto, pode ser menos visível para uma criança
pequena, cuja perspectiva se situa uns centímetros mais abaixo.
114. O risco para as crianças está ainda patente na forma como as minas e os
engenhos fazem parte da vida quotidiana. As crianças podem estar tão habituadas
às minas que se esquecem que são armas mortais. No norte do Iraque, sabe-se que
as crianças usavam minas como rodas de camião de brinquedos e, no Camboja,
foram vistas crianças a jogar "boules" com minas anti-pessoais B40, ou mesmo a
iniciar a sua própria colecção de minas terrestres. Os perigos dos engenhos por
explodir são muito semelhantes e, em muitos locais, estas armas são muito mais
numerosas. Durante a sua visita de trabalho ao Camboja, a signatária observou que
cada vez mais os civis utilizam minas e outros engenhos nas actividades do dia-adia, como a pesca, para guardar bens particulares e, até mesmo, para resolver
disputas domésticas. Esta familiaridade entorpece a consciencialização do perigo
que representam estes engenhos.
115. As vítimas das minas e de engenhos por explodir tendem a concentrarem-se
entre os sectores mais pobres da sociedade, onde as pessoas enfrentam perigos
todos os dias ao cultivarem os campos, ao tomarem conta do gado e ao procurarem
lenha. Em muitas culturas, estas mesmas tarefas são desempenhadas por crianças.
No Vietname, por exemplo, são as crianças mais novas que tomam conta dos
búfalos de água da família que, frequentemente, pastam livremente em áreas cujo
terreno foi minado ou que contêm bombas ou cartuchos por explodir. Muitas
crianças pobres também trabalham como varredores de ruas. Numa aldeia em
Moçambique, várias crianças juntavam sucata para vender no mercado local.
Quando a levaram para o mercado e a colocaram numa balança, o metal explodiu,
matando 11 crianças. As crianças-soldados são particularmente vulneráveis por
serem frequentemente utilizadas para explorar conhecidos campos de minas. No
Camboja, um levantamento efectuado nos hospitais militares sobre as vítimas de
minas mostrava que 43% tinham sido recrutadas como soldados entre os 10 e os 16
anos.
116. A explosão de uma mina pode causar maiores danos no corpo de uma criança
do que no de um adulto. As minas anti-pessoais são concebidas não para matar,
mas para estropiar. Não obstante, até a mais pequena explosão de minas pode ser
mortal para uma criança. No Camboja, em média, 20% das crianças feridas por
minas ou engenhos por explodir morreram dos ferimentos. Para as crianças que
sobrevivem, os problemas médicos relacionados com a amputação são muitas
vezes graves, pois os membros de uma criança em crescimento crescem mais
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depressa do que os tecidos envolventes e exigem que se repita a amputação. Como
crescem, as crianças precisam também regularmente de novas próteses. Para as
crianças mais novas, isto pode significar uma prótese nova de seis em seis meses.
O tratamento médico contínuo e o apoio psicossocial que os ferimentos das minas
requerem, ficam extremamente dispendiosos para as famílias das vítimas e para a
sociedade em geral. As raparigas são susceptíveis de receber ainda menos
assistência médica especial e próteses do que os rapazes. Os encargos e as
despesas com os cuidados de reabilitação devem ser considerados nos programas
de recuperação e reintegração social.
117. Mesmo quando as crianças não são vítimas propriamente ditas, as minas
terrestres e os engenhos por explodir têm um impacto avassalador nas suas vidas.
As famílias que já vivem à beira da sobrevivência, frequentemente, ficam arruinadas
economicamente devido aos acidentes com minas. Levantamentos no Camboja
revelaram que 61% das famílias com uma vítima de minas a seu cargo ficaram
endividadas devido ao acidente. Além disso, quando um dos pais é morto por uma
mina, a perda da capacidade de trabalho pode enfraquecer substancialmente os
cuidados e protecção prestados à criança. Um levantamento no terreno, efectuado
no Afeganistão, referia que o desemprego nos homens adultos subiu de 6% para
52%, em consequência dos acidentes com minas terrestres.
118. As armas indiscriminadas atingem também a reconstrução e o desenvolvimento
de um país. As estradas e os caminhos cheios de minas terrestres impedem o
repatriamento seguro e o regresso das crianças refugiadas ou deslocadas e das
suas famílias.
2. Remoção de minas, prevenção de minas e reabilitação
119. A protecção das crianças e de outros civis das minas terrestres e engenhos por
explodir exige rápidos progressos em quatro principais áreas: a proibição de minas;
remoção de minas que eventualmente eliminem o problema; programas de
prevenção de minas que ajudem as crianças a evitar ferimentos; e programas de
reabilitação que ajudem as crianças a recuperar. O Departamento de Assuntos
Humanitários do Secretariado avançou com um conceito relativamente novo de
remoção humanitária de minas. As Nações Unidas consideram que se atingem os
padrões de segurança quando 99.9% da área se encontra livre de minas terrestres.
A remoção de minas terrestres é um trabalho demorado e dispendioso: cada uma
leva 100 vezes mais tempo a remover do que a colocar e uma arma que custa 3
dólares ou menos a fabricar pode, eventualmente, custar 1.000 dólares a remover.
Os países mais contaminados pelas minas contam-se, geralmente, entre os países
mais pobres do mundo, logo, com poucas possibilidades de que consigam financiar
os seus próprios programas de desminagem. Só o Kuwait conseguiu destinar os
recursos necessários à remoção de minas.
120. As Nações Unidas estão a dar resposta a este problema com o Fundo
Voluntário para Assistência na Remoção de Minas. Até à data, de uma meta de 75
milhões de dólares, foram requeridos pelos países 22 milhões de dólares, tendo sido
recebidos, até agora, 19.5 milhões. O Departamento de Assuntos Humanitários,
como ponto de convergência, dentro do sistema das Nações Unidas, das actividades
relacionadas com minas está a desenvolver esse Fundo de Assistência e piquetes
de desminagem prontos a intervir, como instrumentos de resposta rápida para
desenvolvimento dos programas nacionais. A protecção contra as minas terrestres é
uma responsabilidade internacional partilhada e os seus custos devem ser
suportados pelas companhias e pelos países que lucraram com o fabrico e a venda
de minas.
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121. Tem de ser dada maior atenção ao aumento da capacidade nacional para
atacar as consequências das minas terrestres e engenhos por explodir. Isso requer
um apoio financeiro sustentado para equipas de remoção de minas e programas de
reabilitação médica. É essencial estabelecer e apoiar os mecanismos locais de
coordenação, a troca aberta de informação e o desenvolvimento de mensagens
consistentes sobre prevenção de minas. As equipas comerciais muitas vezes só
limpam as estradas principais e, geralmente, seguem as prioridades do Governo
central ou prioridades ligadas a negócios, como os aeroportos e trajectos de
transporte comercial. Com demasiada frequência, são ignoradas as necessidades
das crianças, ficando por limpar as áreas em volta das escolas e os caminhos rurais.
A remoção de minas deve ser adaptada ao conhecimento e às prioridades locais. Na
área da reabilitação médica, é essencial o desenvolvimento da capacidade local na
produção de protéticos. Isso pode proporcionar oportunidades económicas para as
vítimas e contribuir para o seu bem-estar psicossocial.
122. Os programas de prevenção de minas ajudam as pessoas a reconhecer e a
suspeitar sobre quais as áreas minadas, explicando o que fazer quando se descobre
uma mina ou quando ocorre um acidente. Estes programas têm sido levados a cabo
numa série de países mas, para as crianças, não são tão eficazes como seria
necessário, fazendo relativamente pouco uso de técnicas que interagem ou são
concebidas para as necessidades de diferentes grupos etários. Muitas vezes, as
equipas de prevenção de minas simplesmente entram na comunidade, apresentam
a informação e partem - uma abordagem que não contempla as mudanças de
comportamento que a comunidade afectada tem de efectuar para prevenir os danos.
Os programas mais recentes têm sido preparados mais cuidadosamente, não
informando apenas os participantes sobre as questões, mas tentando envolvê-los no
processo de aprendizagem. Por exemplo, um novo programa desenvolvido por Save
the Children Fund -US for Kabul (uma cidade com mais de 1 milhão de minas) dá
ênfase ao envolvimento dos participantes, com abordagens de criança a criança,
apresentações multimédia, desempenho de papéis, sobreviventes como educadores
e criação de áreas seguras de recreio.
3. A necessidade de uma proibição internacional
123. O enorme impacto das minas terrestres e os danos que continuam a causar
muitos anos depois de implantadas tem estimulado uma campanha internacional
para banir o seu fabrico e uso. Em 1992, uma coligação global de organizações nãogovernamentais criou a Campanha Internacional para Proibir as Minas Terrestres
que, desde então, tem obtido progressos consideráveis. O Secretário-Geral tem
defendido firmemente o fim do flagelo das minas terrestres e, na resolução 49/75 D,
a Assembleia Geral apelou para a sua eventual eliminação. A UNICEF e o ACNUR
têm adoptado políticas severas contra a realização de qualquer negócio com
sociedades ou companhias subsidiárias que produzem ou vendem minas antipessoais. Presentemente, cerca de 41 países já referiram que defendem a proibição
de minas terrestres e, alguns deles, já deram passos concretos para proibir o uso,
produção e comercialização de armas, tendo começado a destruir os seus stocks. A
signatária apela a todos os Estados que sigam o exemplo de países como a Bélgica
e promulguem legislação nacional abrangente para proibição oficial das minas
terrestres.
124. Muitos peritos jurídicos defendem que as minas terrestres já são uma arma
ilegal nos termos do direito internacional e que deveriam ser proibidas porque são
contrárias a dois princípios básicos do direito humanitário. Primeiro, o princípio da
distinção, segundo o qual os ataques só podem ser dirigidos contra objectivos
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militares. As minas terrestres não distinguem os alvos militares dos civis. Segundo, o
princípio do sofrimento desnecessário, segundo o qual, mesmo quando um ataque é
dirigido contra um legítimo objectivo militar, não é um ataque legal se daí puderem
resultar danos ou sofrimento excessivos para os civis. Assim, a utilidade militar de
uma arma tem de ponderar o seu impacto na sociedade civil e a longa vida
destrutiva de uma mina terrestre é manifestamente superior a qualquer utilidade
imediata. Estes princípios do direito internacional consuetudinário aplicam-se a todos
os Estados Partes.
125. O uso de minas terrestres encontra-se especificamente regulado pelo Protocolo
II da Convenção sobre Proibições e Restrições no Uso de Certas Armas
Convencionais que Podem Ser Consideradas Excessivamente Nocivas ou Terem
Efeitos Indiscriminados. A pressão em todo o mundo resultante da Campanha
Internacional para Proibir as Minas Terrestres levou à exigência da realização de
uma conferência de revisão sobre a Convenção, a qual teve lugar de Setembro de
1995 a Maio de 1996. Embora se tenham verificado alguns progressos na revisão do
Protocolo II da Convenção, a protecção jurídica que oferece fica muito aquém do
mínimo necessário para proteger as crianças e as suas famílias. A signatária espera
que na próxima conferência em 2001 se possa chegar a um acordo sobre a
proibição total, pelo menos das minas anti-pessoais.
4. Recomendações específicas sobre minas terrestres e engenhos por explodir
126. A signatária apresenta as seguintes recomendações sobre minas terrestres e
engenhos por explodir:
a) Os Governos devem promulgar de imediato legislação nacional abrangente
proibindo a produção, utilização, comercialização e armazenamento de minas
terrestres. Os Governos devem apoiar a campanha para proibição mundial, pelo
menos das minas anti-pessoais, na próxima conferência de revisão da Convenção
sobre Armas Convencionais em 2001. A fim de reduzir a ameaça dos engenhos por
explodir, a conferência deve também elaborar propostas concretas sobre o impacto
nas crianças de outras armas convencionais como, por exemplo, bombas "cluster"
(cacho de explosivos) e armas de pequeno calibre;
b) Nos relatórios enviados ao Comité dos Direitos da Criança, quando relevante, os
Estados Partes devem informar sobre os progressos efectuados na promulgação de
legislação abrangente. Mais ainda, devem informar quais as medidas tomadas para
a remoção de minas e programas para promover a consciencialização das crianças
sobre as minas terrestres e para reabilitação das crianças feridas;
c) A remoção humanitária de minas deve ser estabelecida como parte integrante de
todos os acordos de paz, incorporando estratégias para desenvolver a capacidade
nacional na remoção de minas;
d) Os Governos devem proporcionar recursos suficientes para apoiar a remoção
humanitária de minas a longo prazo. Esses fundos devem ser fornecidos em termos
bilaterais e através da assistência internacional, designadamente pelo Fundo
Voluntário das Nações Unidas para Assistência na Remoção de Minas;
e) Aos países e companhias que lucraram com a venda de minas deve ser-lhes
especialmente exigido que contribuam com fundos destinados à remoção
humanitária de minas e programas de prevenção de minas. Devem explorar-se
medidas para reduzir a proliferação e comercialização de minas terrestres como, por
exemplo, boicotes de consumidores.
f) O Departamento de Assuntos Humanitários, a UNICEF, a UNESCO e ONGs
envolvidas devem realizar acções de formação técnica sobre prevenção de minas. O
objectivo destas acções seria ponderar as lições aprendidas, promover uma melhor
prática dos programas de prevenção de minas centrados na criança e melhorar a
coordenação e as avaliações preliminares e finais.
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E. Sanções
127. O presente relatório está centrado nos conflitos armados, mas há uma questão
que lhes está intimamente ligada e que também tem grave impacto nas crianças, ou
seja, a imposição de sanções económicas. Nos últimos nos, as sanções económicas
têm sido vistas como uma alternativa não violenta e menos dispendiosa ao estado
de guerra. O Secretário-Geral das Nações Unidas, no seu relatório de seguimento à
"Agenda para a Paz" (A/50/60) reconheceu que as sanções tocam a questão ética
de saber se o sofrimento infligido em grupos vulneráveis no país a atingir consiste
num meio legítimo de exercer pressão sobre os líderes políticos. Desde 1991, ao
abrigo do Artigo 411, Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, a comunidade
internacional, colectivamente, impôs sanções ao Iraque, à República Federal da
Jugoslávia (Sérvia e Montenegro), à Líbia Árabe Jamahiriya e ao Haiti. Acrescentese, que os países podem e têm aplicado sanções bilaterais. Na era pós-guerra fria,
parece provável que as sanções venham a desempenhar um papel cada vez mais
importante na política internacional. Os Governos têm relutância em afectar tropas e
fundos para intervenção militar internacional e vêem as sanções como um recurso
mais seguro que pode ser aplicado com custos mais baixos para a potência
embargadora. Embora não necessariamente, também parece que as sanções são
menos mortais para a população do país a atingir do que as acções militares.
1. Isenções humanitárias
128. Na teoria, muitos regimes de sanções isentam os fornecimentos essenciais
humanitários do embargo geral. Na prática, as sanções já provaram ser
instrumentos cegos. As isenções humanitárias tendem a ser ambíguas e são
interpretadas de forma arbitrária e inconsistente. Muitas vezes, causam escassez de
recursos; perturbam a distribuição dos alimentos, de produtos farmacêuticos e de
higiene; e reduzem a capacidade do sistema de saúde pública em manter a
qualidade dos alimentos, da água, do ar e dos medicamentos. Atrasos, confusões e
a recusa da importação de artigos essenciais humanitários causam escassez de
recursos. Embora possa parecer que estes efeitos se estendem a toda a população,
tombam inevitavelmente com mais força sobre os pobres. Aqueles que têm poder e
influência, normalmente, encontram formas de adquirir o que necessitam, enquanto
a generalidade da população luta para sobreviver com o que resta. Enquanto os
adultos conseguem suportar longos períodos de dificuldades e privações, as
crianças têm muito menos resistência, estando menos aptas a sobreviver a uma
escassez persistente. Estudos de Cuba, Haiti e Iraque, mostram uma rápida subida
na proporção de crianças malnutridas, após a imposição de sanções. No Haiti, por
exemplo, depois de 1991, um estudo efectuado indica que o preço dos principais
alimentos aumentou para o quíntuplo e a proporção de crianças malnutridas
aumentou de 5% para 23%.
129. Mesmo quando são permitidas isenções, as condições aplicadas podem ser
inaceitáveis para o Governo no poder. Na verdade, os Governos e autoridades
contra quem são impostas sanções, raramente são afectados pessoalmente e
podem ser precisamente aqueles que são menos sensíveis à situação difícil do seu
povo. O Iraque, desde 1990, que enfrenta o regime mais abrangente até agora
imposto. A fim de atenuar alguns dos efeitos sobre a saúde e a nutrição, o Conselho
de Segurança adoptou a resolução 706/ (1991) permitindo o uso de fundos
congelados do Iraque para adquirir alimentação e medicamentos, estipulando que
esses abastecimentos teriam de ser adquiridos e distribuídos sob a supervisão das
Nações Unidas. O Governo Iraquiano considerou estas condições inaceitáveis, só as
tendo começado a discutir em 1995. Entretanto, a situação para as crianças foi-se
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deteriorando. Ao longo dos últimos cinco anos, pensa-se que a mortalidade infantil
triplicou. As medidas "petróleo-para-comida" previstas na resolução do Conselho de
Segurança 989 (1995), representam uma oportunidade para atenuar o impacto
negativo das sanções sobre as crianças iraquianas. No entanto, para se aproveitar
completamente esta oportunidade, todo o dinheiro gerado através da venda de
petróleo deve ser dedicado a fins civis e humanitários.
130. No interesse das crianças, a comunidade internacional deve deixar de impor
sanções económicas globais sem isenções humanitárias obrigatórias e executórias e
mecanismos acordados para fazer o acompanhamento do impacto das sanções nas
crianças e noutros grupos vulneráveis. Quaisquer medidas tomadas devem ser
direccionadas com precisão, visando atingir a vulnerabilidade dos líderes políticos e
militares cujo comportamento a comunidade internacional deseja mudar. Estas
acções poderiam abranger o embargo de armas, o congelamento de todos os bens
colectivos e individuais no estrangeiro, a cessação de certos tipos de transacções
económicas, a suspensão de ligações aéreas e outras formas de comunicação, bem
como o isolamento dos países do resto do mundo através de boicotes culturais,
académicos e económicos.
2. A necessidade de avaliação e acompanhamento do impacto nas crianças
131. As sanções devem ser consideradas contrárias aos padrões dos direitos
humanos universais, em particular, da Convenção sobre os Direitos da Criança. A
primeira consideração primária a fazer será sempre o potencial impacto humano, o
qual deve influenciar a imposição e escolha de sanções, a duração, as disposições
legais e a operação do regime de sanções. As sanções não devem ser impostas
sem se efectuar uma avaliação antecipada da estrutura económica e social do país
em causa e a capacidade da comunidade internacional em manter um contínuo
acompanhamento.
132. Os sistemas de acompanhamento tornam possível a avaliação do impacto do
embargo na saúde e no bem-estar. No mínimo, essas avaliações devem calcular as
alterações no acesso a medicamentos e produtos médicos essenciais
(especialmente os artigos que possam servir tanto para fins civis como militares,
como o cloro para a purificação da água ou os reagentes laboratoriais para análises
e testes médicos), qualidade e quantidade de água, a situação nutricional das
crianças e taxa de mortalidade infantil.
133. Quando são impostas sanções a determinados alvos, as isenções humanitárias
devem ser elaboradas com orientações claras. Ao mesmo tempo, a fim de ajudar
grupos vulneráveis, as agências estabelecidas devem elaborar programas
adequados de assistência humanitária. Se os produtos humanitários essenciais
forem recusados à população, as potências sancionadoras têm a responsabilidade
de assegurar novas fontes de abastecimento. Quando o Conselho de Segurança
impõe sanções deve, simultaneamente, proporcionar recursos a organismos neutros
independentes para procederem ao acompanhamento da situação dos grupos
vulneráveis. No caso da posição das crianças se deteriorar, as Nações Unidas
devem assumir a responsabilidade de reverter a situação.
134. Embora muitos dos efeitos das sanções, em particular o impacto na saúde, só
se tornar evidente após vários anos, nenhum regime de sanções deve ser
autorizado a continuar indefinidamente. Quando o Conselho de Segurança impõe
sanções, deve também definir claramente as circunstâncias mediante as quais as
sanções serão levantadas. Se as sanções não conseguirem produzir o resultado
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desejado no espaço de um período pré-determinado, devem ser substituídas por
outras medidas.
3. Recomendações específicas sobre sanções
135. A signatária apresenta as seguintes recomendações sobre sanções:
a) A comunidade internacional deve assegurar que onde as sanções forem
impostas, sejam proporcionadas isenções humanitárias centradas nas crianças. A
comunidade internacional deve estabelecer mecanismos de acompanhamento
efectivos e avaliações sobre o impacto nas crianças. Isto deve ser desenvolvido com
orientações para uma aplicação clara;
b) Os programas de assistência humanitária das agências especializadas das
Nações Unidas e das ONGs devem ser isentos da aprovação pelo Comité de
Sanções do Conselho de Segurança;
c) Ao planear um regime de sanções a determinados alvos, a preocupação principal
deve ser minimizar o seu impacto sobre os grupos vulneráveis e, em particular,
sobre as crianças. As sanções e outras medidas tomadas pelo Conselho de
Segurança devem ter como alvo a atingir, precisamente, as vulnerabilidades
daqueles cujo comportamento a comunidade internacional deseja mudar;
d) O Comité de Sanções do Conselho de Segurança deve acompanhar de perto o
impacto humanitário das sanções, corrigindo-as imediatamente se estas se
revelarem a causa de sofrimento excessivo para as crianças;
F. Saúde e nutrição
136. Os efeitos dos conflitos armados no desenvolvimento da criança, acumulam-se
e interagem um com o outro. O estágio de desenvolvimento físico, psicossocial,
cognitivo e moral que a criança atingiu afecta directamente a sua capacidade para
lidar com estes impactos. Em conformidade com o artigo 391 da Convenção sobre
os Direitos da Criança, é obrigação dos Estados Partes promoverem a recuperação
física e psicológica e a reinserção social da criança afectada por conflitos armados,
sendo as três sub-secções seguintes deste relatório dedicadas à saúde e nutrição,
ao bem-estar psicossocial e à educação.
137. Milhares de crianças são mortas todos os anos em consequência directa de
lutas, ferimentos de facas, balas, bombas e minas terrestres mas, muitas mais,
morrem de má nutrição e doenças causadas ou agravadas pelos conflitos armados.
A interrupção no fornecimento de alimentos, a destruição das colheitas e das infraestruturas agrícolas, a desintegração das famílias e das comunidades, a deslocação
das populações, a destruição dos serviços e programas de saúde e dos sistemas de
abastecimento de água e de sanidade, representam todos um pesado fardo sobre as
crianças. Muitas morrem em consequência directa da redução da ração alimentar
que lhes causa má nutrição aguda, ao passo que outras, debilitadas pela má
nutrição, não conseguem resistir a doenças e infecções normais das crianças.
138. Dada a sua vulnerabilidade, não constitui surpresa que se estime em cerca de
2 milhões o número de crianças que morreram em consequência directa de conflitos
armados na última década. Só em Moçambique, entre 1981 e 1988, o conflito
armado causou a morte a 454.000 crianças e, na Somália, segundo a OMS,
aumentaram 7 a 25 vezes as cruéis taxas de mortalidade. Algumas das mais
elevadas taxas de mortalidade ocorrem entre crianças em campos de refugiados.
Estas estatísticas estão em flagrante contradição com o objectivo do artigo 61 da
Convenção sobre os Direitos da Criança que determina que os Estados Partes
devem assegurar, na maior medida possível, a sobrevivência e o desenvolvimento
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da criança. O artigo 241 estipula que a criança tem direito a gozar do melhor estado
de saúde possível e a beneficiar de serviços médicos.
139. Muitos dos conflitos armados de hoje têm lugar em alguns dos países mais
pobres do mundo, onde as crianças já eram vulneráveis à má nutrição e à doença e,
com o desencadear do conflito armado, as taxas de mortalidade aumentaram 24
vezes. Todas as crianças correm riscos quando os conflitos rebentam, mas as mais
vulneráveis são as que têm menos de cinco anos e que já estão mal nutridas.
1. Doenças contagiosas
140. Desde 1990, as causas de morte mais referidas entre refugiados e pessoas
deslocadas internamente, durante a fase inicial de influxo, eram as doenças
diarreicas, infecções respiratórias agudas, sarampo e outras doenças infecciosas.
Mesmo em tempo de paz, estas doenças são os principais assassinos das crianças,
responsáveis pela morte de cerca de sete milhões de crianças todos os anos. Os
seus efeitos são agravados durante os conflitos, em parte, porque a má nutrição
pode ser dominante, aumentando, desse modo, as hipóteses de infecção.
141. A diarreia é uma das doenças mais comuns. Na Somália, durante o ano de
1992, 23% a 50% das mortes registadas em Baidoa, Afgoi e Berbera deveram-se à
diarreia. A cólera representa também uma constante ameaça e, após conflitos
armados, tem ocorrido em campos de refugiados no Bangladesh, Quénia, Malawi,
Nepal, Somália e Zaire, entre outros. As infecções respiratórias agudas,
nomeadamente a pneumonia, são particularmente mortais nas crianças e, segundo
a OMS, foram a causa da morte de um terço das crianças que morreram em seis
centros de refugiados em Goma, no Zaire, em 1994. Têm sido registadas nas
últimas situações de conflito ou de deslocações, em vários países africanos,
epidemias de sarampo. No auge do conflito na Somália, mais de metade das mortes
nalguns locais, foi causada pelo sarampo. Dado que a tuberculose reapareceu como
perigosa ameaça para a saúde em todo o mundo, acentuam-se os seus efeitos em
situações de conflito armado e convulsões sociais. A OMS estima que metade dos
refugiados no mundo possam estar infectados com tuberculose já que,
frequentemente, as condições superlotadas dos campos de refugiados propiciam a
propagação desta doença. A malária tem sido sempre uma das maiores causas de
morbilidade e mortalidade entre os refugiados em zonas tropicais, em especial, entre
pessoas que vêm de zonas de menor transmissão e que se deslocam ou se instalam
em áreas endémicas. As crianças, como sempre, são os mais vulneráveis a estas
ameaças colectivas contra a saúde e o bem-estar
142. A potencialidade de uma maior propagação das doenças sexualmente
transmissíveis, inclusive VIH/SIDA, aumenta drasticamente durante os conflitos. Os
movimentos de população, as violações, a violência sexual e a quebra dos valores
morais estabelecidos, são factores de aumento da possibilidade de actividade sexual
sem protecção e de um maior número de parceiros sexuais. O diminuto acesso a
serviços de saúde reprodutiva, incluindo a educação, aumenta a vulnerabilidade, em
particular, dos adolescentes. A ruptura dos serviços de saúde e serviços de
transfusão de sangue, sem capacidade para detectar o VIH/SIDA, também
contribuem para uma maior transmissão. As ONGs e agências, como a FAO e a
UNICEF, têm registado, como uma das consequências do VIH/SIDA, um aumento
dramático na sua incidência em crianças que assumem a chefia do agregado
familiar, em algumas partes de África. Esta situação tende a aumentar. É essencial
que as agências concebam estratégias claras para ajudar as crianças que se
encontrem nessas condições sem romper com a unidade da família.
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2. Saúde reprodutiva
143. Em tempos de conflito, a prestação de cuidados primários de saúde, conjugada
com intervenções que assegurem água potável, alimentação adequada, abrigo e
sanidade, é uma prioridade na agenda da saúde. No entanto, a saúde reprodutiva
também é importante para o bem-estar físico e psicossocial dos homens e mulheres,
em particular das raparigas jovens. A saúde reprodutiva de mulheres grávidas e
mães está intimamamente ligada à saúde dos recém-nascidos e das crianças. A
OMS defende que os serviços de saúde reprodutiva baseados nas necessidades e
solicitações da mulher, em pleno respeito pelos antecedentes religiosos e culturais,
devem ser possíveis em todas as situações. Os efeitos dos conflitos armados ruptura na família e na comunidade, rápida mudança social, ruptura nos sistemas de
apoio, aumento da violência sexual e das violações, má nutrição, epidemias e
serviços de saúde inadequados, nomeadamente deficientes cuidados pré-natais tornam imperativo que seja dada grande prioridade ao direito a cuidados de saúde
reprodutiva. Os problemas causados pelas complicações na gravidez e no parto, e
pelo sexo não desejado e sem protecção, podem ser imediatos, como é o caso de
inflamações pélvicas crónicas. Podem também ter efeitos adversos na futura vida
sexual e na saúde reprodutiva das mulheres, e dos seus filhos, por influenciarem
condições de saúde, como a infertilidade, SIDA na idade pediátrica e sífilis
congénita.
144. A atenção insuficiente prestada às questões de saúde reprodutiva em situações
de emergência levaram ao desenvolvimento pelo ACNUR/FNUAP de um Manual
Prático Interagências sobre Saúde Reprodutiva em Situações de Refugiados. Os
programas de saúde reprodutiva que envolvem mulheres e adolescentes na sua
concepção, implementação e avaliação ajudam a erguer as capacidades pessoais,
conduzem a programas de maior relevância e podem ser importantes contributos
para a saúde e desenvolvimento dos jovens e das mulheres em situações de conflito
armado. Na África do Sul, por exemplo, segundo registo da UNICEF, os jovens
foram envolvidos efectivamente na concepção, experimentação e implementação de
análises efectuadas sobre a situação da saúde dos jovens e, no Gana, técnicos
educadores de projectos de saúde para crianças que viviam e trabalhavam nas ruas,
melhoraram esses programas ao envolverem os jovens no processo de avaliação.
3. Incapacidade
145. Milhões de crianças são mortas pelos conflitos armados, porém, três vezes
mais ficam gravemente feridas ou permanentemente incapacitadas devido aos
mesmos. De acordo com a OMS, os conflitos armados e a violência política são as
principais causas de ferimentos, diminuição e incapacidade física e os primeiros
responsáveis pelas condição de mais de 4 milhões de crianças que, presentemente,
vivem com incapacidades. Só no Afeganistão, cerca de 100.000 crianças sofrem de
incapacidades relacionadas com a guerra, muitas delas causadas pelas minas
terrestres. A falta de serviços básicos e a destruição das estruturas de saúde
durante o conflito armado significam que as crianças com incapacidades recebem
pouco apoio. Só 3% das crianças nos países em desenvolvimento recebem
cuidados adequados de reabilitação, sendo a entrega de próteses às crianças uma
área que requer maior atenção e apoio financeiro. Em Angola e Moçambique, menos
de 20% das crianças necessitadas das mesmas, receberam artigos protéticos de
baixo preço; na Nicarágua e em El Salvador, os serviços disponíveis também só
cobriram 20% das crianças necessitadas. Esta falta de cuidados de reabilitação é
contrária ao artigo 231. da Convenção sobre os Direitos da Criança, no qual se
encontram claramente estipuladas as responsabilidades dos Estados Partes em
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assegurar um acesso efectivo das crianças incapacitadas à educação, à saúde e
serviços de reabilitação.
4. Destruição das unidades de saúde
146. Em muitas guerras, e, particularmente, em conflitos internos, os serviços de
saúde ficam debaixo de fogo, numa violação directa às Convenções de Genebra de
1949. Durante o conflito armado de 1982 a 1987, na Nicarágua, por exemplo, 106
das 405 unidades de saúde ficaram fora de serviço, em virtude de destruição parcial
ou completa, e foram fechados mais 37 postos de saúde devido a ataques
frequentes. A intensidade da guerra também desviava muito do serviço de saúde
para a urgência das mortes iminentes. Os hospitais mantinham taxas de ocupação
baixas, a fim de poderem receber os feridos com brevidade e eram também forçados
a descurar cuidados normais com os pacientes ou a mandá-los para centros de
saúde. Mesmo as unidades de saúde que se mantêm abertas durante um conflito
armado prestam um serviço muito limitado. Em Moçambique, entre 1982 e 1990,
cerca de 70% das unidades de saúde foram saqueadas ou forçadas a fechar e, às
restantes, era difícil chegar devido às restrições de movimentos.
147. A concentração nas necessidades militares significa também que as crianças
feridas num conflito podem não conseguir o tratamento eficaz ou a reabilitação. Os
efeitos nos cuidados gerais de saúde podem ser severos. Os serviços de saúde
sofrem com a escassez de pessoal, pois os trabalhadores da saúde mudam-se para
outras áreas ou abandonam o país, Após o período dos Kmers Vermelhos, por
exemplo, o Camboja ficou com 30 médicos. As restrições nas deslocações também
dificultam a distribuição de medicamentos e de outros artigos médicos e provocam a
ruptura dos serviços de saúde especializados, da supervisão e do apoio logístico.
148. Para as crianças, uma das implicações mais perigosas desta ruptura é a
interrupção dos programas rurais de vacinação. Durante a luta do Bangladesh pela
independência, em 1971-1972, as mortes infantis subiram 47%. A varíola, uma
doença que, virtualmente, tinha desaparecido antes do conflito, ceifou 18.000 vidas.
Em 1973, no Uganda, a campanha da imunização tinha atingido o topo máximo de
73%. Após se iniciarem as lutas nesse país, essa percentagem foi descendo
constantemente até que, segundo fontes da OMS, em 1990, menos de 10% das
crianças indicadas estavam a ser imunizadas com vacinas contra a tuberculose
(BCG), e menos de 5% contra a difteria, tétano e tosse convulsa (DPT), sarampo e
poliomelite. Esta situação melhorou acentuadamente, mas a lição é clara.
5. Serviços de saúde de protecção e trabalhadores da saúde
149. Quer em acções a nível global quer nacional, o sector da saúde deve continuar
a promover o direito das crianças à sobrevivência e ao desenvolvimento, fazendo
tudo o que possa para prevenir e aliviar o seu sofrimento. No meio de um conflito
armado, a OMS apela para que as unidades de saúde sejam respeitadas como
espaços seguros para cuidar dos doentes e como locais de trabalho seguros para os
profissionais da saúde. A prestação de assistência médica não deve ser impedida ou
obstruída. Mais ainda, o sistema de cuidados de saúde e a comunidade devem
trabalhar em conjunto, usando os cuidados de saúde, sempre que possível, como
uma oportunidade para conseguir o acesso das crianças a outros fins construtivos.
150. Durante os tempos de guerra, os serviços de saúde devem acentuar a
necessidade de continuidade dos cuidados e acompanhamento de longo prazo. O
apoio médico de emergência deve estar relacionado com o planeamento e apoio ao
desenvolvimento de longo prazo que não permita apenas a sobrevivência, mas
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também pode provocar alterações positivas prolongadas nas vidas das crianças. Os
cuidados pediátricos e ginecológicos devem tornar-se uma componente usual em
todos os programas de ajuda de emergência. Na fase pós-conflito, os sistemas de
saúde devem ser sustentados e os programas devem ser concebidos com o maior
envolvimento possível das comunidades afectadas. Um obstáculo existente ao pleno
usufruto dos serviços de saúde é o facto destes, frequentemente, serem dominados
por homens, quer expatriados quer do país de acolhimento. Por razões religiosas e
culturais, muitas mulheres e raparigas subutilizam os serviços apesar dos riscos
para a sua saúde. Os Governos, órgãos das Nações Unidas e agências
especializadas como a OMS, ACNUR e UNICEF devem aumentar o número
feminino de profissionais da saúde e de protecção disponível em situações de
emergência.
151. O conflito armado constitui um inimigo tão grande para a saúde pública que não
pode ser ignorado. Qualquer doença que tivesse sido causa de danos nas crianças
em tão larga escala, há muito que teria merecido a atenção urgente dos
especialistas de saúde pública. Quando os conflitos matam e estropiam mais
crianças do que soldados, o sector da saúde tem obrigação especial de levantar a
sua voz. Os profissionais da saúde devem ser defensores dos direitos da criança.
6. Perturbações no abastecimento alimentar
152. Um dos efeitos mais imediatos de um conflito armado consiste na perturbação
no abastecimento alimentar. A produção alimentar é afectada de muitas maneiras.
Os agricultores que, quase sempre, são as mulheres e os filhos mais velhos, têm
receio de trabalhar nas parcelas de terra que ficam muito longe das suas casas.
Reduzem as áreas de cultivo e as suas fontes de abastecimento de água, os
sistemas de irrigação e o controlo de caudais podem também ficar destruídos. As
restrições nas deslocações limitam o acesso ao aprovisionamento, como sementes
e fertilizantes, e impedem os agricultores de levar a sua produção para o mercado.
Nalguns casos, os danos nos sistemas alimentares são inerentes aos conflitos.
Noutros, são deliberados, como aconteceu na Etiópia, no princípio dos anos oitenta,
quando a política de terra queimada do Governo destruiu centenas de milhares de
hectares de terra produtiva, em Tigray. Tanto a quantidade como a qualidade dos
alimentos disponíveis são afectadas pelos danos havidos nos sistemas alimentares
e, mesmo quando o conflito acalma, são difíceis de recuperar rapidamente. Nalguns
países, os terrenos minados impedem a sua utilização como terra agrícola. No vale
Juba na Somália, onde, desde 1993, as pessoas regressaram às suas aldeias, em
virtude da contínua falta de segurança verificada, a maior colheita de 1995 foi 50%
inferior à colheita antes do conflito.
153. O estado de guerra também tem custos na produção de gado. Na zona de
Kongor, no Sudão, por exemplo, o massacre de pessoas e de gado reduziu o
número de reses, de cerca de 1.5 milhão para 50.000. Esta situação cria problemas
particulares para as crianças pequenas para quem o leite é parte integrante da sua
dieta básica. Os prejuízos na produção de gado debilitam também a segurança da
família em geral, já que o gado serve, frequentemente, como forma de poupança.
154. Muitas famílias nos países em desenvolvimento, inclusive muitas famílias
rurais, dependem das trocas no mercado para satisfazerem as suas necessidades.
As perturbações económicas agravam o desemprego, reduzindo a capacidade das
pessoas para comprarem comida. As pessoas nas cidades são, muitas vezes,
tentadas a recorrer à pilhagem para alimentarem as suas famílias, aumentando,
assim, a violência. A continuação do conflito também põe entraves à distribuição da
ajuda de emergência. Infringindo o direito humanitário, as partes beligerantes,
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frequentemente, bloqueiam os mantimentos da ajuda de emergência ou desviamnos para seu próprio uso. Além disso, os centros destinados a alimentar crianças e
grupos vulneráveis são frequentemente atacados e bombardeados.
7. Má nutrição
155. Especialmente nas crianças mais pequenas, muitos problemas de saúde
durante os conflitos armados estão relacionados com a má nutrição. Antes da guerra
na ex-Jugoslávia, os géneros alimentícios per capita eram relativamente
abundantes, representando 140% dos requisitos diários, se comparados com os
98% na Libéria e 81% na Somália. Subsequentemente, a situação na Bósnia e
Herzegovina deteriorou-se, mas sem chegar aos níveis chocantemente baixos
atingidos na Somália, durante 1993, ou na Libéria, em 1995. Nesses tempos, mais
de 50% das crianças nalgumas regiões sofriam de má nutrição aguda ou moderada.
156. A má nutrição pode afectar todas as crianças, mas é a maior causa de
mortalidade e morbilidade entre as crianças mais pequenas, especialmente das que
têm menos de três anos de idade. Nas emergências, crianças muito pequenas
podem correr elevado risco de definhamento ou de má nutrição aguda, uma situação
indicada pelo baixo peso em relação à altura. Durante a fome de 1983 no sul do
Sudão, segundo a FAO, a existência de definhamento atingiu o nível sem
precedentes de 65%. As recentes crises de refugiados mostraram como a
morbilidade e a mortalidade podem rapidamente progredir. A má nutrição
enfraquece a capacidade das crianças resistirem às doenças infantis comuns, cuja
evolução e consequências são mais severas e, frequentemente, fatais para as
crianças subalimentadas. A má nutrição tem também um impacto negativo no
desenvolvimento cognitivo das crianças. A estes perigos nutricionais, acresce o facto
das circunstâncias de conflito armado aumentarem enormemente a exposição aos
perigos ambientais. Sistemas de lixo deficientes e abastecimentos de água
inadequada ou contaminada agravam o círculo vicioso da má nutrição e infecção.
157. Uma alimentação adequada depende também da forma como os alimentos são
distribuídos, da forma como as crianças são alimentadas, da sua higiene e do tempo
que os pais dispõem para cuidar das crianças. Os conflitos armados impõem
pesadas restrições na prestação de cuidados, forçando as mulheres e outros
membros da família a passar mais tempo fora de casa procurando água, comida e
trabalho. Sobretudo, quando a família inteira tem de fugir, há poucas hipóteses de
dar às crianças a atenção continuada que elas necessitam.
158. O aleitamento materno é a forma ideal de nutrição para os bebés, reduz a
incidência e a gravidade das doenças infecciosas e contribui para a saúde da
mulher. Os bebés devem ser, durante os primeiros seis meses de vida,
exclusivamente amamentados, devendo continuar a sê-lo, juntamente com
alimentação complementar adequada, ao longo de dois anos ou mesmo mais.
Durante os conflitos, as mães podem passar fome, chegarem à exaustão ou viverem
traumas que as podem deixar menos habilitadas a cuidar dos seus filhos. A
amamentação pode ser prejudicada pela falta de confiança da mãe quanto à sua
capacidade de produzir leite. À excepção de quando gravemente subalimentadas, as
mães podem amamentar normalmente, mesmo com imenso stress. Acrescente-se
que os distúrbios gerais podem separar as mães dos filhos durante longos períodos.
Como os conflitos prosseguem, as estruturas e as redes sociais desmoronam-se. Os
conhecimentos sobre a amamentação passam de uma geração para a outra e isto
pode perder-se quando as pessoas fogem e as famílias se desmembram. O
aleitamento artificial, arriscado em qualquer altura, é ainda mais perigoso em
circunstâncias instáveis.
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159. Em tempo de conflito armado, é importante apoiar a mulher capacitando-a para
amamentar, proporcionando-lhe uma ração dietética adequada para mulheres no
período de aleitação e assegurando-lhe que não sejam separadas dos seus filhos.
Infelizmente, em situações de emergência, os doadores reagem habitualmente com
grandes quantidades de substitutos do leite materno, para as quais existe pouca
justificação médica ou social. Em Julho de 1996, em resposta à crescente
prevalência de infectados VIH, na globalidade, e à informação adicional sobre o risco
de transmissão do VIH através do aleitamento materno, o Programa Conjunto e Copatrocinado pelas Nações Unidas sobre VIH/SIDA fez entretanto circular informação
sobre o VIH e a alimentação dos bebés. Essa informação salientava a importância
do aleitamento materno, sublinhando ao mesmo tempo a urgência de se proceder a
mais desenvolvimentos sobre a infecção VIH e a alimentação dos bebés. Fornecia
ainda aos decisores políticos uma série de elementos-chave para elaboração dessas
políticas, dando particular realce a que se habilitassem as mulheres a tomar
decisões esclarecidas sobre a alimentação dos bebés.
160. A saúde e o crescimento das crianças são também afectados pela falta de fruta
e legumes frescos, os quais são boas fontes de vitaminas e minerais. A qualidade da
dieta alimentar é particularmente importante para as crianças pequenas, que só
conseguem ingerir pequenas quantidades de comida de cada vez. Logo, é essencial
assegurar que essa comida tenha elevada concentração de calorias e nutrientes ou
que lhes seja dada com frequência. Ora, durante um conflito, a qualidade nutricional
dos alimentos deteriora-se, a família pode não ter os meios ou o conhecimento
necessários para proceder a mudanças que assegurem uma dieta adequada para as
crianças.
161. Mesmo quando o conflito cessa, pode levar muito tempo até se retomar uma
alimentação normal. A FAO refere que, em Moçambique, por exemplo, alguns
jovens casais que regressaram ao país, provenientes de campos de refugiados, não
sabiam como preparar outra comida que não fosse milho, feijão e óleo que foram
distribuídos como ração. Não conheciam a comida tradicional ou práticas
alimentares e não sabiam quais os alimentos locais que deviam usar durante o
desmame dos filhos. É que, tendo perdido os pais e os avós, não houve ninguém
para os ensinar.
8. Protecção da segurança alimentar
162. Uma das respostas mais comuns em emergências de todos os tipos, inclusive
conflitos armados, é a ajuda alimentar. É importante que se abandone o ponto de
vista de que a ajuda alimentar constitui, por si só, uma solução, e que se caminhe
para uma abordagem mais construtiva que inclua a ajuda alimentar como parte
integrante de uma estratégia que se quer mais alargada, melhorando a segurança
alimentar ao nível do agregado familiar e a situação geral da saúde da população.
Isto é particularmente crucial em muitos conflitos que perduram desde há muito, em
que as pessoas necessitam de criar as suas próprias capacidades para se
sustentarem. No sul do Sudão, a distribuição de curto prazo de alimentos está agora
a ser associada a programas de apoio à agricultura, produção de gado e pescas.
163. Em muitos casos, é inevitável o recurso à assistência alimentar do exterior.
Nestas circunstâncias, o objectivo deve ser a satisfação das necessidades
alimentares de todas as pessoas, incluindo as das crianças mais pequenas,
assegurando o acesso a uma ração geral nutricionalmente adequada. Se isto não for
viável, pode ser necessário estabelecer programas de alimentação suplementar para
grupos vulneráveis, devendo tal ser encarado como medidas de curto prazo para
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compensar rações gerais inadequadas. São preferíveis as rações secas que
também podem ser usadas pelas famílias nas suas próprias casas e não nos
centros alimentares, dado que, levantamentos efectuados pela OMS sugerem que,
quase 50% das crianças mal nutridas frequentam, efectivamente, os centros. Estes
centros podem estar situados muito longe e as mães hesitarem em gastar uma
quantidade de tempo desproporcionada com a criança mal nutrida em relação aos
outros membros da família. Durante uma visita de trabalho ao Ruanda, a signatária
teve conhecimento de que muitas crianças das famílias mais pobres não
frequentavam os centros alimentares. O pessoal da UNICEF comunicou que estas
famílias muitas vezes exprimem sentimentos de vergonha ou falam da reprovação
de vizinhos com uma vida melhor. Mais ainda, muitos destes programas têm sido
deficientemente geridos. Centros alimentares superlotados sem higiene e sanidade
básicas, com abastecimentos de água inadequados e uma insuficiente combinação
de alimentos, pouco fazem pelas crianças mal nutridas, conduzindo, na realidade, à
propagação de doenças.
164. Em demasiadas situações, as crianças são consideradas separadamente do
resto da família e os programas alimentares para crianças são estabelecidos sem
considerar outras opções que poderiam melhorar o seu estado nutricional. Estas
opções incluem uma melhor segurança dos alimentos domésticos e a redução da
carga de trabalho das mulheres, proporcionando melhor acesso à água e ao
combustível. Isto traduzir-se-ia em mais tempo disponível durante o dia para a
mulher cuidar dos seus filhos. As Declarações da Primeira e Terceira Consultas
Regionais sobre África e as visitas efectuadas no terreno para este estudo, realçam
a importância da unidade da família e da criação de capacidades visando a
autonomia da família e da comunidade.
9. Recomendações específicas sobre saúde e nutrição
165. A signatária apresenta as seguintes recomendações sobre saúde e nutrição:
a) Todas as partes num conflito devem assegurar a manutenção dos sistemas e
serviços de saúde básicos e de abastecimento de água. Se tiverem de ser
introduzidos novos programas, devem basear-se na participação da comunidade e
ter em conta a necessidade de sustentação de longo prazo. Deve ser dada uma
atenção especial aos cuidados primários de saúde e assistência às crianças com
doenças agudas e crónicas. Devem ser assegurados cuidados de reabilitação
adequados, proporcionando membros artificiais às crianças feridas ou
permanentemente incapacitadas para facilitar uma integração social o mais
completa possível;
b) As organizações que trabalham em situações de conflito devem efectuar, com
rapidez, avaliações sobre as necessidades básicas de saúde centrando-se na
criança, envolvendo profissionais, jovens e comunidades locais. Devem ter em conta
factores como a alimentação, saúde e cuidados com a criança, bem como as
estratégias a aplicar e que podem ser utilizadas pela população afectada;
c) Durante os conflitos, os Governos devem apoiar a saúde e o bem-estar das suas
populações, facilitando "dias de tranquilidade" ou "corredores da paz" para
assegurar a continuidade das medidas básicas de saúde da criança e entregas da
ajuda humanitária. Os órgãos das Nações Unidas, as ONGs internacionais e grupos
da sociedade civil (em particular grupos religiosos) devem abordar e persuadir
entidades armadas não-estatais a cooperarem nesses esforços;
d) O PMA, em colaboração com a OMS, o ACNUR e outros órgãos das Nações
Unidas, agências especializadas e outras organizações internacionais, devem
desempenhar um papel de liderança na consolidação das tentativas correntes para
assegurar que os alimentos de emergência e outras distribuições da ajuda
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humanitária sejam estruturadas de forma a fortalecer a unidade da família, a
integridade e mecanismos de sobrevivência. Isto deve ser parte integrante de uma
estratégia mais alargada, visando melhorar a nutrição e o estado de saúde, o
desenvolvimento físico e mental da criança e melhores garantias de alimentação e
saúde para as suas famílias;
e) As partes no conflito devem abster-se de destruir as colheitas agrícolas, as fontes
de abastecimento de água e as infra-estruturas agrícolas a fim de causar o menor
distúrbio no fornecimento de alimentos e na capacidade de produção. A ajuda de
emergência deve dar mais atenção à reabilitação da agricultura, produção de gado,
pescas e programas de emprego ou geradores de rendimentos, a fim de aumentar
as capacidades locais para melhorar a segurança alimentar doméstica numa base
sustentada e de autonomia;
f) A signatária apela à OMS que, em colaboração com organizações profissionais,
humanitárias e de direitos humanos, como a Associação Pediátrica Internacional, os
Médicos Sem Fronteiras, Médicos pelos Direitos Humanos, encoraje os médicos, os
pediatras e todos os outros trabalhadores da saúde a divulgarem informação sobre
os direitos da criança e a comunicarem as violações de direitos com que se deparem
no decurso do seu trabalho.
G. Promover a recuperação psicológica e a reintegração social
166. O conflito armado afecta todos os aspectos do desenvolvimento da criança físico, mental e afectivo - e, para ser eficaz, a assistência tem de ter em conta cada
um deles. Historicamente, a assistência que visava a situação das crianças durante
o conflito armado centrava-se, em primeiro lugar, na sua vulnerabilidade física. A
perda, a dor e o medo que a criança sente, têm também de ser considerados. Esta
preocupação reflecte o disposto no artigo 391 da Convenção sobre os Direitos da
Criança que exige aos Estados Partes que tomem todas as medidas adequadas
para promover a recuperação física e psicológica e a reinserção social da criança.
Isto consegue-se melhor, garantindo que os assuntos psicossociais intrínsecos ao
crescimento e desenvolvimento da criança, sejam tratados logo no início de todos os
programas de assistência.
167. Num levantamento que envolveu 3.030 crianças, conduzido pela UNICEF no
Ruanda, em 1995, perto de 80% das crianças tinham perdido parentes próximos e,
mais de um terço, tinha presenciado, efectivamente, essas mortes. Estas
atrocidades mostram os extremos a que as crianças estão expostas durante os
conflitos. Mas, independentemente da violência directa, as crianças são também
profundamente afectadas por outras experiências angustiantes. O conflito armado
destrói lares, fragmenta comunidades e quebra a confiança entre as pessoas,
corroendo os verdadeiros pilares da vida da criança. É incalculável o impacto que
causa ser-se abandonado e traído pelos adultos, no quanto isso abala a visão do
mundo formada pela criança.
1. Impacto psicossocial da violência sobre as crianças
168. A forma como a criança reage ao stress do conflito armado depende das suas
próprias circunstâncias particulares. Engloba factores individuais como a idade,
sexo, tipo de personalidade, história pessoal e familiar e antecedentes culturais.
Outros factores, estarão relacionados com a natureza dos acontecimentos
traumáticos, designadamente, a frequência e duração a que esteve sujeita. As
crianças que sofrem de stress apresentam um vasto conjunto de sintomas,
nomeadamente, maior ansiedade de separação e atrasos no desenvolvimento,
perturbações no sono e pesadelos, falta de apetite, comportamento tendente ao
isolamento, falta de interesse pelas brincadeiras e, nas crianças mais pequenas,
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dificuldades na aprendizagem. Nas crianças mais velhas e adolescentes, as
reacções ao stress podem incluir comportamentos agressivos e ansiosos e a
depressão.
169. Sabe-se relativamente pouco sobre os efeitos psicossociais a longo prazo das
recentes e prolongadas guerras civis. A perda dos pais e de outros parentes
próximos deixa marcas para o resto da vida e pode alterar dramaticamente o seu
rumo. Durante os eventos assinalando o quinquagésimo aniversário da Segunda
Guerra Mundial, muitas pessoas relembraram a dor e mágoa que sofreram em
crianças quando perderam os entes queridos e descreveram quanto essas perdas
continuam a afectá-las.
170. Todas as culturas reconhecem a adolescência como um período muito
significativo, em que os jovens aprendem os seus futuros papéis e absorvem os
valores e normas das suas sociedades. As circunstâncias extremas e,
frequentemente, prolongadas do conflito armado interferem com o desenvolvimento
da identidade. Em consequência, muitos adolescentes - especialmente os que
viveram experiências terrivelmente angustiantes - não conseguem conceber
qualquer futuro para eles. Podem encarar a vida de forma muito pessimista,
sofrerem de graves depressões ou, na pior das circunstâncias, cometerem suicídio.
Podem não querer procurar ajuda ou apoio junto dos adultos. Mais ainda, mudanças
bruscas na situação familiar, como a morte ou o desaparecimento dos pais, pode
deixar os jovens sem orientadores, sem modelos de desempenho e sem sustento.
Durante os conflitos, alguns adolescentes ficam responsáveis por cuidar dos irmãos
mais novos. A juventude está sujeita também, frequentemente, a pressões para
participar activamente no conflito, ou é ameaçada com o recrutamento forçado.
Apesar de tudo isto, os adolescentes, durante e após as guerras, raramente
recebem qualquer atenção ou assistência especiais. Trata-se de uma matéria de
urgente consideração.
171. Além do sofrimento por que passam em consequência das suas próprias
difíceis experiências, as crianças de todas as idades também se revêem nos adultos
que as têm a seu cargo. Verem os pais ou outros adultos importantes nas suas vidas
serem vulneráveis, pode minar-lhes gravemente a confiança e contribuir para o seu
sentimento de medo. Quando o conflito armado causa alterações no comportamento
dos adultos, como sejam, um proteccionismo ou autoritarismo extremos, as crianças
têm dificuldade em compreender.
2. Melhores práticas para programas de recuperação
172. Todos os programas para crianças devem ter em conta os direitos das crianças
e as necessidades respeitantes ao seu desenvolvimento. Devem também incorporar
uma melhor acção prática realçando o conhecimento e o respeito pela cultura local e
as tradições e assegurando consultas e participação continuadas com as
autoridades e as comunidades locais. Os programas devem também ter uma
perspectiva de longo prazo e serem suficientemente flexíveis para se adaptarem às
circunstâncias variadas do conflito armado. Devem também ser sustentados e
prolongarem-se, ainda, bastante depois do conflito.
173. A experiência mostrou-nos que, com o apoio das pessoas que delas cuidam e
com comunidades seguras, a maioria das crianças denota melhoras significativas e
algumas delas mostram uma notável capacidade de recuperação. Por exemplo, um
grande grupo de rapazes não acompanhados vindos do sul do Sudão, chegou à
Etiópia após uma longa e atormentada viagem a pé. Eram rapazes que, desde
pequenos, estavam habituados a sobreviver em condições duras, longe de casa, no
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campo, com gado nómada. Quando chegaram a campos de refugiados
relativamente seguros, conseguiram recuperar rapidamente.
174. A forma como os indivíduos e as sociedades convivem, reagem e interpretam
situações de tensão pode ser marcadamente diferente de cultura para cultura. Ainda
que muitos sintomas da doença tenham características universais, as formas como
as pessoas exprimem, encarnam e dão significado às suas doenças depende
grandemente do contexto social, político e económico. Do mesmo modo, a maneira
como as diferentes culturas lidam com manifestações de angústia emocional,
baseia-se em diferentes sistemas de crenças. Nalgumas tradições espirituais do
oriente, por exemplo, o corpo e a mente são entendidos como uma continuação do
mundo natural. De facto, em sistemas etno- -medicinais, o corpo e a mente
dependem sempre das acções de outros, inclusive de espíritos e antepassados. Em
Angola, por exemplo, e em muitas zonas de África, as principais fontes de trauma
são consideradas como espirituais. Se a mãe da criança morre num conflito armado
e a criança foge sem ter procedido ao devido ritual fúnebre, a criança vai viver com
um forte receio de que o espírito da mãe lhe cause danos. Abordagens ocidentais de
diagnóstico podem revelar-se desajustadas num contexto mais susceptível das
pessoas procurarem assistência na família, amigos e curandeiros, do que
procurarem ajuda médica para os seus problemas.
175. Abordagens psicoterapêuticas baseadas nas tradições ocidentais de saúde
mental tendem a enfatizar a expressão emocional individual. Este método pode não
ser viável em todos os contextos. Embora muitas formas de intervenção externa
possam ajudar a promover a recuperação psicossocial, a experiência com
programas de traumas de guerra mostrou que, mesmo os concebidos com as
melhores intenções, podem causar danos. Por exemplo, algumas organizações dão
grande ênfase a terapias de trauma em centros residenciais de tratamento. No
processo de cura e recuperação é importante explorar a experiência anterior da
criança e o que isso significou na sua vida. No entanto, esse tipo de exploração deve
efectuar-se num ambiente estável e de amparo, pelas pessoas que dela cuidam e
que têm uma relação sólida e constante com a criança. Entrevistas clínicas
profundas, procurando despertar as memórias e os sentimentos associados aos
piores momentos da criança, correm o risco de a deixar em maior sofrimento e
agitação que anteriormente, especialmente, se as entrevistas são efectuadas sem
um suporte contínuo de seguimento.
176. Uma outra dificuldade que enfrentam é quando os jornalistas e investigadores
encorajam as crianças a relatar histórias de horror. Essas entrevistas podem abrir
velhas feridas e destruir as defesas da criança. As crianças que são fotografadas,
identificadas e mencionadas podem ficar expostas a problemas e hostilizações
adicionais. Os jornalistas e investigadores devem desenvolver o seu importante
trabalho conscientes das questões éticas que estão em causa. Por exemplo, deve
haver um conhecimento prévio sobre o tipo de informação que é confidencial e que
não deve ser usada.
177. Para uma melhor acção prática, sublinha-se que a abordagem mais eficaz e
sustentada consiste em mobilizar o sistema existente de cuidados sociais. Isto pode,
por exemplo, envolver a mobilização da comunidade refugiada para dar apoio na
questão das famílias adoptivas convenientes para crianças não acompanhadas.
Através da formação e de maior consciencialização dos responsáveis pelas
crianças, nomeadamente pais, professores, trabalhadores da saúde e sociais, uma
diversidade de programas pode contribuir para o aumento da capacidade da
comunidade para cuidar das suas crianças e grupos vulneráveis. A construção de
unidades dispendiosas e a mudança das crianças para esses locais não é uma
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abordagem sustentada. Institucionalizar crianças e identificá-las como traumatizadas
pode constituir um estigma inadvertido ou contribuir para seu isolamento e
afastamento. Esses grupos de crianças, que tiveram experiências especialmente
traumatizantes, como antigas crianças combatentes ou crianças não
acompanhadas, não só seriam segregados pela comunidade como, também, tal iria
contribuir para posteriores riscos, angústia e marginalização. Em consultas regionais
em África e na Europa, assim como durante várias viagens no terreno, tem sido
realçada a importância de apelar aos Governos, doadores e médicos dos programas
para minimizarem ou evitarem activamente as abordagens institucionais.
178. Aqueles que desejam ajudar no tratamento de crianças devem ter um profundo
conhecimento e respeito pelas sociedades onde estão a trabalhar. Além de
conhecerem os princípios básicos do desenvolvimento da criança e a forma como é
entendida localmente, devem também compreender a cultura e as práticas locais,
inclusive ritos e cerimónias relacionados com o crescimento e chegada a adulto,
assim como os relacionados com a morte, cerimónias fúnebres e luto. As pessoas
envolvidas no seu tratamento devem estar conscientes, por exemplo, do que é dito
às crianças acerca da morte dos seus pais, como se espera que elas se comportem
quando vivem experiências angustiantes e quais as acções que devem ser tomadas
para a "purificação" de uma rapariga que foi violada ou uma criança que matou
alguém.
179. Integrar os conhecimentos modernos sobre o desenvolvimento da criança e os
direitos da criança nos conceitos e práticas tradicionais pode levar o seu tempo, mas
irá resultar em formas mais efectivas e sustentadas para ir ao encontro das
necessidades da criança. Numa recolha que contribuiu para o presente estudo, a
Aliança Internacional Save de Children identificou um conjunto de princípios e
actividades que promovem o tratamento, adquirindo um sentido de propósito, autoestima e identidade. Isto inclui o estabelecimento de um sentido de normalidade
através de rotinas diárias como ir à escola, preparar a comida, lavar a roupa e
trabalhar no campo. As crianças precisam também de estímulos intelectuais e
emocionais que são proporcionados por um grupo estruturado de actividades, como
brincadeiras, desportos, desenhar e contar histórias. O factor mais importante que
contribui para a capacidade de recuperação da criança consiste na oportunidade de
expressão, afecto e confiança que advêm de um relacionamento estável,
interessado e educativo com os adultos.
180. As crianças que têm sido continuamente sujeitas a violência quase sempre
passam por uma mudança significativa nas suas crenças e atitudes,
designadamente numa perda fundamental de confiança nos outros. Isto é
especialmente verdade nas crianças que foram atacadas ou foram vítimas de
abusos por pessoas que anteriormente consideravam vizinhos e amigos, como
aconteceu no Ruanda e na ex-Jugoslávia. Num seminário convocado por causa
deste estudo, um rapaz bósnio contou como se sentia devastado: "Nós passámos a
nossa infância juntos. Eu vi-o e tive esperança que ele me salvasse a vida. Ele
quase que me matou". Restabelecer a capacidade de confiança é um desafio
universal no velório dos conflitos, mas isto é particularmente importante em relação
àqueles que fazem parte da vida diária da criança. Estabelecer boas relações com
as crianças implica brincar com elas, ouvi-las e apoiá-las, assim como manter as
promessas.
181. As famílias e as comunidades podem promover um melhor bem-estar
psicossocial das suas crianças quando elas próprias se sentem relativamente
seguras e confiantes acerca do futuro. Reconhecendo que as famílias e as
comunidades se encontram muitas vezes fragmentadas e enfraquecidas pelo
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conflito armado, os programas devem concentrar-se no apoio aos sobreviventes,
nos seus esforços para cicatrizar e reconstruir as suas redes sociais. Portanto, é
vital que todo o tipo de ajuda externa seja concedido de forma a aumentar a
capacidade das pessoas se ajudarem. Isto deve incluir, por exemplo, a assistência
aos pais e professores para falarem com as crianças sobre questões difíceis.
Reconstruir a teia social e o sentido de comunidade ajuda as pessoas a agirem em
conjunto para melhorar a sua vida. É especialmente importante que os programas
de auxílio englobem mulheres desde a fase inicial para tomarem decisões sobre
iniciativas de concepção, execução e avaliação. O processo de avaliação pode ser
efectuado com base na relevância para a comunidade, na melhor capacidade dos
pais, ou outros responsáveis, no apoio ao desenvolvimento da criança, assim como
na melhor aptidão da criança para estabelecer relacionamentos e no seu bom
desempenho na escola e noutras actividades.
182. A fim de assegurar que estas necessidades sejam satisfeitas, os próprios
jovens devem ser envolvidos em programas baseados na comunidade de ajuda de
emergência, recuperação e reconstrução. Isto pode ser alcançado através de
formação profissional e reciclagem que ajudem não só a aumentar o rendimento,
mas também o sentido de identidade e de valorização própria, contribuindo para o
seu tratamento. Uma das formas em que estes programas têm sido bem sucedidos
consiste em dar aos adolescentes um sentido de intenção e propósito, envolvendoos no desenvolvimento e implementação dos programas destinados a crianças
pequenas.
3. Recomendações específicas para promover o bem-estar psicossocial
183. A signatária apresenta as seguintes recomendações para promover o bemestar psicossocial:
a) Em todas as fases dos programas de assistência a emergências e de
reconstrução devem ser tidas em conta considerações psicossociais, evitando o
desenvolvimento de programas separados de saúde mental. Deve também ser-lhes
dada prioridade para prevenir experiências traumáticas posteriores;
b) Mais do que se centrarem nas feridas emocionais da criança, os programas
devem procurar apoiar processos de cicatrização e restabelecer o sentido da
normalidade. Isto deve incluir o estabelecimento de rotinas diárias na vida familiar e
na comunidade, oportunidades de se exprimirem e actividades estruturadas, como a
escola, brincadeiras e desportos;
c) Os programas para apoiar o bem-estar psicossocial devem incluir cultura local,
conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança, um entendimento das
realidades políticas e sociais e dos direitos das crianças. Devem mobilizar a rede
comunitária de cuidados em torno das crianças;
d) Os Governos, os doadores e organizações de ajuda de emergência devem evitar
a institucionalização da criança. Quando grupos de crianças considerados
vulneráveis, como as crianças-soldados, são destacados para atenção especial, isto
deve ser feito em plena cooperação com a comunidade de forma a assegurar a sua
reintegração de longo prazo.
H. Educação
184. O artigo 281 da Convenção sobre os Direitos da Criança sublinha o direito à
educação e o artigo 291 menciona que a educação deve desenvolver a
personalidade da criança, os seus dons e aptidões mentais e físicas na medida das
suas potencialidades. A educação serve também para um desempenho mais amplo.
Ela forma e estrutura a vida da criança e pode inculcar os valores da comunidade,
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promover a justiça e o respeito pelos direitos humanos e enaltecer a paz, a
estabilidade e a independência.
185. A educação é particularmente importante em tempo de conflito armado.
Embora tudo à volta possa ser o caos, a escolaridade pode representar um estado
de normalidade. As crianças em idade escolar têm a hipótese de estar com amigos e
de beneficiar do seu apoio e encorajamento. Beneficiam de contactos regulares com
os professores que podem fazer um acompanhamento da sua saúde física e
psicológica. Os professores podem também ajudar as crianças a desenvolver novas
competências e a obter conhecimentos necessários para sobreviver e conviver,
inclusive na prevenção das minas, negociação e solução de problemas e informação
acerca do VIH/SIDA e outras questões de saúde. A educação formal também
beneficia a comunidade como um todo. A capacidade de prosseguir com a
escolaridade nas circunstâncias mais difíceis demonstra confiança no futuro: as
comunidades que ainda têm uma escola sentem que possuem qualquer coisa
durável e que merece a pena proteger.
1. Riscos para a educação durante o conflito
186. As escolas são alvos a atingir durante a guerra, em parte por serem edifícios de
maior dimensão. Nas áreas rurais, o edifício da escola pode ser a única estrutura
permanente substancial, tornando-a altamente susceptível a bombardeamentos,
encerramento ou pilhagem. Em Moçambique, por exemplo, um estudo elaborado
para o presente relatório, estimava que 45% da rede de escolas primárias estava
destruída. Muitas vezes, os professores locais são também os primeiros alvos por
serem importantes membros da comunidade e tenderem a ser mais politizados do
que é usual. De acordo com o estudo acima mencionado, durante a crise no
Ruanda, mais de dois terços dos professores ou tinham fugido ou tinham sido
mortos. A destruição das infra-estruturas educacionais representa um dos maiores
reveses no desenvolvimento dos países afectados pelo conflito. Anos perdidos de
escolaridade e de aptidões profissionais levarão anos equivalentes a recuperar e a
sua falta provoca uma grande vulnerabilidade na capacidade de recuperação das
sociedades após a guerra.
187. A educação oficial encontra-se também geralmente em risco durante a guerra
porque assenta num financiamento consistente e num apoio administrativo que são
difíceis de manter durante tumultos políticos. Durante a luta na Somália e sob o
regime dos Kmer Vermelhos no Camboja, a despesa pública com a educação foi
reduzida quase até ao nível zero.
188. É menos difícil manter os serviços educacionais durante conflitos de fraca
intensidade, como no Sri Lanka e no Peru, podendo a escolaridade continuar
durante pausas periódicas em países em que os combates são intermitentes ou
sazonais. No entanto, mesmo quando se mantêm os serviços, a educação será de
qualidade inferior. Os fundos serão escassos e o fornecimento de materiais será
lento ou esporádico. Além disso, o medo e os distúrbios fazem com que seja difícil
criar uma atmosfera conducente à aprendizagem, sendo possível que a moral, quer
dos professores quer dos alunos, esteja em baixo. Estudos efectuados nas escolas
palestinianas indicam que os professores e os alunos tinham dificuldade em se
concentrarem, em particular se tivessem sido testemunhas ou vítimas de violência
ou se membros da família se encontravam na prisão ou em esconderijos. Os
professores estão também sujeitos a pressões políticas: em zonas do Curdistão na
Turquia, por exemplo, os professores foram ameaçados por forças não-estatais por
terem continuado a leccionar o currículo turco. Nalguns países, os professores foram
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forçados a participar de estudantes e suas famílias. Os professores que não
recebem salário há já longos períodos são mais susceptíveis à corrupção
2. Desafios e oportunidades
189. Embora já inadequados, os programas de ajuda de emergência dedicam muita
atenção em tempo de conflito armado à educação das crianças refugiadas. É assim,
em parte, porque quando as crianças estão reunidas todas em campos, há verbas
orçamentadas e é mais fácil criar condições próximas de uma sala de aula. Nalguns
países, esta realidade reflecte simplesmente o domínio de sistemas convencionais e
inflexíveis de educação que persistem, apesar das dúvidas crescentes sobre a sua
qualidade, relevância e conteúdo. A insuficiente atenção prestada às necessidades
de educação dos não refugiados durante os conflitos armados também se atribui ao
facto de alguns doadores mais activos durante conflitos se verem constrangidos
pelos seus mandatos a trabalhar exclusivamente com refugiados. Outros doadores
têm-se mostrado relutantes em usar os fundos de emergência para o que eles
interpretam como actividades de desenvolvimento de longo prazo.
190. As necessidades educativas das crianças que permanecem no interior das
zonas do conflito têm de ser satisfeitas. Neste sentido, a signatária apela para que a
actividade educacional seja estabelecida como uma componente prioritária de toda a
assistência humanitária. As autoridades institucionais de ensino que desejam
garantir a continuidade têm que, sempre que possível, colaborar estreitamente com
as autoridades locais políticas e militares e munirem-se de apoio considerável da
parte de um amplo conjunto de grupos da comunidade e ONGs. Na realidade, se as
representações do sector público não existirem ou estiverem muito debilitadas, são
esses grupos que podem proporcionar os únicos enquadramentos institucionais
viáveis.
191. Dado que as escolas podem ser alvos a atingir, um dos elementos do processo
de planeamento deve ser o estabelecimento de sítios alternativos para as aulas,
mudando regularmente de local. Na Eritreia, nos finais dos anos oitenta, as aulas
eram dadas frequentemente debaixo de árvores, em cavernas ou em cabanas
camufladas construídas com paus e folhagem. Na ex-Jugoslávia, no auge dos
combates, em vários locais, adoptaram-se arranjos semelhantes, sendo as aulas
dadas em caves de residências, muitas vezes, à luz da vela. Durante uma visita da
signatária ao terreno, à Croácia e à Bósnia e Herzegovina, muitas pessoas
sublinharam a importância da manutenção do ensino, independentemente das
circunstâncias difíceis.
192. A educação pode também incorporar sistemas flexíveis de ensino à distância
depois do conflito ter cessado, os quais podem revelar-se eficazes quando as
estruturas escolares estão destruídas e se perderam os professores. Isto implica
estudar em casa ou em grupo, usando materiais didácticos pré-seleccionados,
complementados com emissões e gravações de rádio/televisão. Estes sistemas são
particularmente válidos para as raparigas cujos pais vêm com relutância a sua
deslocação para muito longe de casa. Nas declarações da Segunda Consulta
Regional sobre o Impacto dos Conflitos Armados nas Crianças na Região Árabe,
sublinhava-se a importância desses programas e apelava-se aos Governos,
educadores, ONGs e órgãos internacionais interessados para assegurarem que as
intervenções em termos de ensino oficial, não oficial e informal sejam efectuadas
através de diversos canais comunitários.
193. Quando as crianças são forçadas a abandonar as suas casas e amontoadas
em acampamentos para pessoas deslocadas, o estabelecimento, o mais rápido
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possível, de sistemas de escolaridade dá a todos novas garantias, indicando um
certo grau de estabilidade e o regresso aos papéis e relações normais no seio da
família e da comunidade. Essa educação requer apenas os materiais mais básicos.
Uma importante inovação nos últimos anos consistiu no desenvolvimento pela
UNESCO e pela UNICEF do pacote de emergência do professor (PEP), também
conhecido como "a escola dentro de uma caixa". O pacote contém artigos básicos,
nomeadamente tintas e pincéis para o quadro, giz, papel, cadernos de exercícios,
canetas e lápis. Foi pela primeira vez usado na Somália, em 1992, e depois
melhorado nos campos de refugiados em Djibouti. Os pacotes foram amplamente
utilizados no estabelecimento rápido das escolas para os refugiados ruandeses em
Ngara, na Tanzania, onde as crianças frequentavam a primária em tendas e por
turnos. Acordos efectuados com uma série de ONGs internacionais conduziram a
vários programas em que a distribuição de PEPs estava ligada à formação de
professores e a outras iniciativas. O PEP pretendia cobrir os primeiros meses de
escolaridade de emergência. As iniciativas de longo prazo exigem o
desenvolvimento de materiais desenhados para grupos específicos de crianças.
194. Não obstante o sucesso de iniciativas como o PEP, a signatária ficou
particularmente preocupada ao constatar a falta de actividades educativas com
significado para os adolescentes, em particular ao nível da escola secundária. Em
situações de conflito armado, a educação pode revelar-se especialmente eficaz por
contribuir para o bem-estar psicossocial dos adolescentes e por os manter afastados
do serviço militar.
195. Muitos educadores modernos preferem abordagens não competitivas centradas
no aluno, que ajudam a criança a criar confiança em si mesma e a desenvolver um
amplo conjunto de competências. A signatária concorda, mas adverte que esses
métodos ainda não são muito usuais em muitos países e têm de ser introduzidos
cuidadosamente nos programas, de forma a não desautorizarem os professores
locais ou a confundirem os alunos. Deve-se ter também um cuidado especial na
adaptação dos métodos e conteúdos do ensino ao contexto social. Na Segunda
Consulta Regional sobre o Impacto dos Conflitos Armados nas Crianças na Região
Árabe, foi sugerido que o aspecto da relevância local poderia ser facilitado se
permitissem aos pais, às comunidades e às crianças desempenhar papéis mais
activos na concepção, conteúdo e implementação dos programas curriculares e
metodologias flexíveis de ensino. Jovens voluntários e líderes locais da comunidade
devem ser envolvidos nas avaliações preliminares as quais constituem o primeiro
passo necessário para identificar eventuais pontos fortes e fracos do ensino,
destinadas aos que planeiam os serviços educativos em comunidades afectadas por
conflitos. Durante a visita que efectuou à Serra Leoa, foi encorajante para a
signatária constatar o entusiasmo mostrado com alternativas inovadoras de ensino,
em particular, na formação e afectação de mães, adolescentes e outros professores
não convencionais em programas de emergência.
196. Além dos programas de ensino de emergência em campos de refugiados, as
crianças refugiadas podem, por vezes, frequentar escolas normais nos países de
acolhimento, se bem que muito poucas têm essa oportunidade. Os Estados de
acolhimento podem mostrar relutância em permitir a educação a refugiados por
recearem que isso os possa encorajar a ficar permanentemente nos seus territórios.
A recusa da educação infringe claramente o disposto no artigo 221 da Convenção
de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e o artigo 281 da Convenção sobre os
Direitos da Criança, os quais obrigam os Estados Partes a concederem às crianças
refugiadas o mesmo tratamento dado aos nacionais no que se refere ao ensino
elementar. A signatária constatou com grave preocupação que alguns Governos de
acolhimento recusam-se a prever acções educativas para crianças refugiadas ou em
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autorizar as agências internacionais a fazê-lo. Apesar da intervenção activa e firmes
protestos, o ACNUR não tem, por vezes, conseguido convencer os Governos de que
tal atitude é destrutiva para as crianças. A signatária apela à comunidade
internacional para apoiar os esforços dos órgãos das Nações Unidas, agências
especializadas e outras organizações, para que se consiga atingir mais
efectivamente os padrões internacionais de cuidados, protecção e bem-estar das
crianças. Além disso, os Governos de acolhimento, as agências internacionais e
outras entidades, devem trabalhar mais estreitamente com o Banco Mundial, a
UNICEF, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a
UNESCO de modo a assegurarem que os serviços de educação façam parte tanto
das actividades de emergência como de reconstrução imediata. Ao regressarem a
casa, as crianças devem ter acesso ao prosseguimento dos estudos, de nível e
qualidade equivalentes.
197. Quando as agências e os parceiros internacionais realizam programas para
refugiados em locais remotos, existe o perigo de que os padrões de ensino para os
refugiados sejam mais elevados do que para a população local. Evidentemente que
as crianças locais devem também ter um ensino, pelo menos, de nível similar. Isto
exige uma maior colaboração entre as agências internacionais, ONGs e Governos
de acolhimento.
198. Quando as crianças refugiadas frequentam as escolas locais, podem necessitar
de programas especiais para as ajudar a colmatar lacunas no conhecimento e a
aprender a língua. Mesmo quando a língua não constitui uma barreira, as crianças
podem ainda sofrer hostilizações, discriminação ou "patifarias", a menos que os
docentes tomem medidas preventivas.
199. Mesmo quando existem oportunidades de ensino, os pais podem não querer
mandar os seus filhos para a escola durante o conflito armado. Alguns deles
precisam que os seus filhos trabalhem para contribuírem para a economia da
família; outros ficam preocupados com o que as crianças vão aprender. Por
exemplo, durante o conflito entre as facções muçulmanas e croatas na Bósnia e
Herzegovina, os pais refugiados estavam preocupados com o conteúdo da
educação, em particular, em matérias como história, geografia e literatura. Alguns
pais põem objecções religiosas a que os rapazes e as raparigas tenham aulas juntos
após uma certa idade. A recente decisão do Taliban no Afeganistão de cortar o
acesso ao ensino das raparigas em áreas sob o seu controlo tem merecido especial
interesse das agências especializadas das Nações Unidas e ONGs. A signatária
louva as difíceis decisões tomadas pelas ONGs e agências, como a UNICEF, de
deixar de trabalhar nas áreas afectadas até que haja possibilidade de igualdade de
oportunidades entre rapazes e raparigas e que sejam implementados os princípios
acordados na Convenção sobre os Direitos da Criança e a Declaração Mundial
sobre Educação para Todos e Quadro de Acção Para Satisfazer as Necessidades
Básicas de Aprendizagem adoptadas em Jomtien, na Tailândia, em 1990.
200. A signatária apoia o pedido da Consulta Interagências de 1996 sobre Educação
para a Assistência Humanitária e Refugiados, de que seja iniciado o plano
educacional pós-conflito durante as emergências com docentes e recursos locais,
nacionais e regionais, nomeadamente o Banco Mundial e outros, que actualmente
se encontram apenas envolvidos nos esforços de reconstrução. A educação tem um
papel vital a desempenhar na reabilitação, embora raramente seja considerada uma
prioridade nos programas de ajuda de emergência. As iniciativas educativas
desenvolvidas para situações de conflito devem, por conseguinte, ser concebidas de
modo a permitir uma fácil integração no período pós-conflito.
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201. Muitos Governos e agências especializadas têm dado mais prioridade à
reconstrução material das escolas, mas bastante menos atenção à formação de
professores e ao desenvolvimento de novos programas curriculares e métodos de
ensino. Mesmo quando existe séria vontade política de investir na educação, os
sistemas de educação enfermam, frequentemente, de uma constante falta de
fundos.
202. Os países que acolhem refugiados têm muitas vezes falta de recursos; um
grande número de Governos de acolhimento em África tem ainda de alcançar o
ensino primário universal para as suas próprias populações. O investimento na
educação requer um compromisso político dos Governos. A declaração da
Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em 1990, mencionava que muitos
países em vias de desenvolvimento gastavam, em média, mais no sector militar do
que nos da educação e saúde juntos. Se os países continuam a empregar quatro
vezes mais soldados do que professores, os sistemas sociais e de educação
continuarão fracos e inadequados e os Governos continuarão a esquecer as
crianças e a quebrar as promessas que lhes fizeram através da ratificação da
Convenção sobre os Direitos da Criança. Na Conferência Mundial sobre Educação
para Todos, a UNESCO, UNICEF, PNUD e o Banco Mundial, solicitaram aos
Governos para ajustarem as prioridades dos gastos de forma a alcançar educação
básica para 80% das crianças no mundo pelo ano 2000, bem como a igualdade de
oportunidades de ensino para rapazes e raparigas. A signatária apoia firmemente
este pedido e deseja ainda encorajar aquelas entidades a procederem a uma
reordenação de prioridades das suas próprias despesas, nas políticas operacionais
e nas parcerias para ajudar a assegurar que o direito à educação seja cumprido para
as crianças envolvidas em situações de conflito armado.
3. Recomendações específicas sobre a educação
203. A signatária apresenta as seguintes recomendações sobre a educação:
a) Devem ser envidados todos os esforços possíveis para manter sistemas de
educação durante os conflitos. A comunidade internacional tem de insistir para que
os Governos ou entidades não-estatais envolvidas nos conflitos não tenham como
alvos as unidades de ensino e que promovam, de facto, uma protecção activa
desses serviços;
b) Devem realizar-se preparativos para manter o ensino fora dos edifícios escolares,
usando outras estruturas da comunidade e reforçando o ensino alternativo através
de diversos canais da comunidade;
c) Os doadores devem alargar os limites dos fundos de emergência de modo a
incluir o apoio à educação. O estabelecimento de actividades educacionais, inclusive
o fornecimento de subsídios ao ensino e materiais didácticos básicos, deve ser
aceite como uma componente prioritária da assistência humanitária;
d) Logo aquando da criação dos campos para refugiados ou pessoas deslocadas
internamente, devem reunir-se as crianças para actividades educativas. Devem
fomentar-se os incentivos à participação como, por exemplo, medidas para
promover a protecção e segurança. Deve ser dada ênfase especial a actividades
educativas adequadas para as adolescentes. Além de promover o acesso ao ensino
secundário, a signatária reclama aos Governos, agências internacionais e ONGs
para desenvolverem programas educativos adequados às idades para jovens fora
da escola, a fim de atender às suas necessidades especiais e reflectir o seu direito à
participação;
e) O apoio para o restabelecimento e continuidade da educação tem de constituir
uma estratégia prioritária para os doadores e ONGs em situações de conflito e pósconflito. A formação deverá equipar os professores para lidarem com novos
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requisitos. Isso contempla o reconhecimento de sinais de stress na criança, bem
como transmitir-lhes informação vital de sobrevivência sobre questões como minas
terrestres, saúde e a promoção do respeito pelos direitos humanos;
f) A signatária apela ao Comité dos Direitos da Criança para dar orientações firmes
aos Estados Partes sobre a interpretação dos artigos da Convenção sobre os
Direitos da Criança relacionados com as responsabilidades que lhes incumbem
quanto à educação das crianças.
III. RELEVÂNCIA E ADEQUAÇÃO DOS PADRÕES EXISTENTES PARA A
PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS
204. Através da Convenção sobre os Direitos da Criança, que agora se encontra
ratificada por praticamente todos os países, o mundo reconheceu que os direitos da
criança incluem a satisfação das suas necessidades básicas. É uma necessidade
básica das crianças serem protegidas quando os conflitos ameaçam e essa
protecção exige que os seus direitos se cumpram através da aplicação dos direitos
humanos e do direito humanitário internacionais.
205. Os Estados Partes na Convenção sobre os Direitos da Criança são
responsáveis por todas as crianças dentro dos seus territórios, sem discriminação.
Ao aceitarem as funções do Comité dos Direitos da Criança de verificação da
aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança, os Estados Partes
reconheceram também que a protecção das crianças não é apenas uma questão
nacional, mas um interesse legítimo da comunidade internacional. Isto é
especialmente importante, dado que grande parte das mais graves violações dos
direitos da criança acontece em situações de conflito, como na Libéria e na Somália,
onde actualmente não há um Governo nacional em exercício. As estratégias
nacionais e internacionais para proteger as crianças têm de conceder e criar
capacidades nas mulheres, nas famílias e nas comunidades para atacarem as
causas dos conflitos e reforçarem o desenvolvimento local.
206. São necessários maiores esforços para assegurar que as medidas de ajuda e
protecção contemplem, especificamente, acções centradas na criança. Durante
visitas ao terreno e consultas regionais efectuadas pela signatária, constatou-se que
muitas organizações de ajuda oferecem assistência sem ter em conta as
necessidades mais vastas das crianças ou sem assegurarem uma efectiva
cooperação. Mais ainda, em muitos casos deu-se apenas uma breve atenção ao
desenvolvimento de respostas de emergência adequadas que tivessem em
consideração a idade e o sexo.
207. Um dos maiores desafios da protecção é garantir acesso seguro. Antigamente,
os hospitais e os campos de refugiados eram considerados santuários em miniatura,
mas agora já não é assim. As actividades humanitárias, desde as colunas de
emergência à assistência médica, transformaram-se em alvos, pondo em perigo
famílias, crianças e aqueles que tentam dar-lhes assistência - em particular o
pessoal recrutado localmente. Muitas agências governamentais e nãogovernamentais não têm conseguido dar assistência às crianças deslocadas
internamente e às suas famílias e ajudar aqueles que vivem em comunidades
sitiadas.
208. Nalguns conflitos, tem sido negociada a cessação temporária das hostilidades
para permitir a entrega da ajuda humanitária sob a forma de "corredores da paz" ou
"dias de tranquilidade". Em El Salvador, no Líbano e no Afeganistão, por exemplo,
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estes acordos eram apoiados pelas partes beligerantes para permitir a vacinação
das crianças. No caso da Operação Lifeline, no Sudão, foram tomadas medidas para
permitir a entrega dos produtos da ajuda de emergência e vacinas durante períodos
de acalmia relativa do conflito. Os precedentes criados com estes acordos centrados
na criança constituem modelos úteis para estabelecer a relação entre medidas
práticas de protecção e a aplicação do direito humanitário e dos direitos humanos.
209. Aquilo que nós procuramos é enquadrar a protecção segundo as normas e
padrões incorporados no direito internacional, na legislação nacional e nos costumes
e práticas locais. Os políticos e militares há muito que reconheceram que
conseguem atingir os seus objectivos se lutarem dentro de padrões de conduta
acordados. As considerações e assuntos na área da protecção levaram ao
desenvolvimento de dois grandes corpos da lei, o direito humanitário e os direitos
humanos, que constituem os fundamentos legais que concedem protecção às
crianças em situações de conflito armado.
210. Muitos aspectos de ambos os corpos da lei são relevantes para a protecção
das crianças nos conflitos armados. A Convenção sobre os Direitos da Criança é
uma referência especial, por se tratar de uma das mais importantes pontes de
ligação entre dois corpos da lei cuja complementaridade é cada vez mais
reconhecida. Partindo desta complementaridade, a comunidade internacional tem de
alcançar a mais completa e possível protecção dos direitos das crianças. Quaisquer
pretensas circunstâncias atenuantes, com as quais os Governos ou os seus
opositores procuram justificar as infracções aos direitos das crianças em tempo de
conflito armado, têm de ser encaradas pela comunidade internacional como aquilo
que elas são: reprováveis e intoleráveis. A próxima secção deste relatório sublinha
as características dos padrões do direito humanitário e dos direitos humanos,
avaliando a sua adequação para atender às presentes necessidades.
A. Direito humanitário
211. O direito humanitário internacional aplicável nos conflitos armados,
normalmente designado simplesmente como direito humanitário internacional(40)
restringe a escolha de meios e de métodos na condução das operações militares e
obriga os beligerantes a poupar as pessoas que não participem ou tenham deixado
de participar nas hostilidades. Estes padrões encontram-se reflectidos nas quatro
Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949 e nos dois Protocolos Adicionais
a estas Convenções de 1977.
212. A Quarta Convenção de Genebra relativa à Protecção das Pessoas Civis em
Tempo de Guerra é uma das principais fontes de protecção das pessoas civis e,
portanto, das crianças. Nela se proíbe não apenas o homicídio, a tortura e a
mutilação das pessoas protegidas, mas também quaisquer outras medidas de
brutalidade, quer sejam aplicadas por agentes civis ou militares. A Quarta
Convenção de Genebra encontra-se ratificada, quase universalmente, por 186
Estados.
213. As Convenções de Genebra de 1949 foram primeiramente consideradas como
apenas aplicáveis nos conflitos entre Estados. No entanto, as Convenções dispõem
de um artigo 31 comum que se aplica também aos conflitos internos. Este artigo
enumera os direitos fundamentais de todas as pessoas que não participam
activamente nas hostilidades, nomeadamente, o direito à vida, à dignidade e à
liberdade. Protege-as também da tortura e tratamentos humilhantes, da condenação
sem julgamento e de serem tomadas como reféns.
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214. Em 1977, as Convenções foram complementadas com dois Protocolos
adicionais que contêm juntos os dois principais ramos do direito humanitário
internacional - o ramo relativo à protecção dos grupos vulneráveis e o ramo que
regula a conduta das hostilidades.
215. O Protocolo I exige que as partes em combate distingam em todas as
circunstâncias entre combatentes e civis e que os únicos alvos legais de ataque
sejam de natureza militar. O Protocolo I cobre todos os civis, mas dois artigos
oferecem protecção específica às crianças. O artigo 771 estipula que todas as
crianças sejam objecto de respeito especial e que sejam protegidas contra qualquer
forma de atentado ao pudor, e que as Partes no conflito lhes dêem os cuidados e a
ajuda necessários em virtude da sua idade ou por qualquer outra razão. O artigo 781
trata da evacuação das crianças para um outro país, mencionando que só deverá
ser efectuada por razões imperiosas, estabelecendo os termos em que a mesma se
poderá realizar.
216. Os conflitos armados não internacionais, quer isto dizer, conflitos entre
Estados, estão cobertos pelo Protocolo II. O Protocolo II completa o artigo 31
comum, prevendo que sejam dados às crianças os cuidados e a ajuda que
necessitam, nomeadamente educação e reagrupamento familiar. Contudo, o
Protocolo II só é aplicável a uma categoria restrita de conflitos internos: têm de
envolver as forças armadas duma Alta Parte Contratante e as forças armadas
dissidentes ou grupos armados organizados. Em conformidade com este critério,
pode-se argumentar que o Protocolo II não seria aplicável na maioria das actuais
guerras civis. A razão é óbvia: poucos Governos (Altas Partes Contratantes)
admitem que as lutas desenroladas dentro dos seus territórios equivalem a um
conflito armado. O Protocolo II não se aplica a distúrbios ou tensões internas, motins
ou actos isolados de violência. Naturalmente, para as crianças que são vítimas
dessas lutas, pouca diferença faz que a violência a que estão sujeitas não chegue
acima deste limiar mínimo.
217. Embora a Quarta Convenção de Genebra tenha sido ratificada quase
universalmente, os Protocolos foram ratificados por muito menos Estados. Até à
data, 144 Estados ratificaram o Protocolo I e os ausentes consistem num número
significativo de potências militares. Por exemplo, das forças combatentes na Guerra
do Golfo, ainda não ratificaram o Protocolo I, os Estados Unidos da América, o
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, a França e o Iraque. A situação
com o Protocolo II é ainda menos satisfatória, foi ratificado por apenas 136 Estados.
218. Em geral, o direito humanitário representa um compromisso entre as
considerações humanitárias e a necessidade militar. Isto dá-lhe a vantagem de ser
pragmático. Admite a necessidade militar, mas obriga também os grupos armados a
minimizar o sofrimento dos civis e, numa série de artigos, exige-lhes a protecção das
crianças. Todavia, estes artigos não podem ser considerados adequados para
garantir a segurança e sobrevivência das crianças surpreendidas pelos conflitos
internos.
B. Direitos Humanos
219. Os direitos humanos consagram os direitos que todo o indivíduo deve usufruir
em todas as circunstâncias, tanto em paz como em guerra. As obrigações que
incumbem a cada Estado baseiam-se, em primeiro lugar, na Carta das Nações
Unidas e encontram-se reflectidas na Declaração Universal dos Direitos do Homem
(resolução da Assembleia Geral 217 A (III).
220. Em termos jurídicos formais, a responsabilidade primária de assegurar os
direitos humanos cabe aos Estados, desde que se tornem partes contratantes dos
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tratados relevantes. Sucede que os grupos de oposição, independentemente da
dimensão ou do poder, não podem ser considerados directamente vinculados às
disposições dos tratados de direitos humanos. Porém, é significativo que, em
relação à aplicação do direito humanitário internacional a entidades não-estatais nos
conflitos armados, a situação seja precisamente a oposta. Esta relativa
inconsistência entre corpos da lei é logo motivo para se insistir que, para todos os
fins práticos, as entidades não-estatais devem ser tratadas como estando vinculadas
aos padrões relevantes de direitos humanos. Contudo, tal como a comunidade
internacional tem insistido que é do legítimo interesse de todos os Estados que os
direitos humanos sejam respeitados pelos outros, então, também é claro que todos
os grupos na sociedade, independentemente da sua relação com o Estado em
causa, têm de respeitar os direitos humanos. Em relação a entidades não-estatais,
têm de ser estabelecidos mais claramente os canais visando a sua
responsabilização.
221. Apesar dos direitos humanos se aplicarem quer em tempo de paz quer de
guerra, existem circunstâncias em que se pode restringir o gozo de certos direitos.
Muitos tratados de direitos humanos permitem aos Estados a derrogação das suas
obrigações, suspendendo temporariamente certos direitos, em tempo de guerra ou
de outra emergência pública. No entanto, os direitos humanos destacam alguns que
nunca podem ser objecto de derrogação. Neles se incluem o direito à vida, não estar
sujeito a torturas, penas ou outros tratamentos desumanos ou degradantes, não ser
objecto de escravidão e a não retroactividade das leis penais. Em relação aos
direitos cuja derrogação é permitida, só mediante condições estritas: a emergência
tem de ameaçar a vida da Nação (e não apenas a do Governo corrente agarrado ao
poder); têm de ser notificados os órgãos internacionais relevantes; quaisquer
medidas tomadas têm de ser proporcionais às necessidades; não existir
discriminação; e, ainda, a medida tomada tem de ser compatível com outras
obrigações internacionais aplicáveis. Os órgãos internacionais, como a Comissão
dos Direitos Humanos, o Comité de Direitos Humanos e o Comité dos Direitos da
Criança devem verificar cuidadosamente se a reivindicação de derrogação
apresentada por qualquer Governo é necessária ou se justifica.
222. Os direitos humanos têm uma série de tratados especializados que são de
particular relevância para a protecção das crianças nos conflitos armados. O Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (resolução da Assembleia Geral
2200 A (XXI) cobre muitos direitos, inclusive o direito à vida e o de não ser objecto
de escravidão, tortura ou prisão arbitrária. O Pacto Internacional dos Direitos
Económicos, Sociais e Culturais (resolução da Assembleia Geral 2200 (XXI)
reconhece o direito à alimentação, vestuário, habitação, saúde e educação. A
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (resolução da Assembleia Geral 34/180) é de particular referência. Além
disso, existem tratados que abordam temas ou grupos específicos de pessoas,
cobrindo questões como o genocídio, a tortura, refugiados e discriminação racial. No
contexto deste relatório, o tratado especializado de maior relevo é a Convenção
sobre os Direitos da Criança.
1. Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados
223. Como os conflitos armados frequentemente produzem grande número de
refugiados, o direito de asilo é de particular relevância. No seu trabalho, o ACNUR
apoia-se principalmente na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados,
adoptada em 28 de Julho de 1951 e no Protocolo adicional de 1967. Estes
instrumentos fornecem os padrões básicos para a protecção dos refugiados nos
países de asilo, sendo da maior importância o princípio de non-refoulement. A
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Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 são complementados por instrumentos
regionais de refugiados, nomeadamente, a Convenção da Organização de Unidade
Africana de 1969, que Rege os Aspectos Específicos dos Problemas de Refugiados
em África e a Declaração de Cartagena relativa aos Refugiados de 1984. Cabe aos
Estados a responsabilidade primária de garantir a protecção dos refugiados dentro
das suas fronteiras. O ACNUR está mandatado para dar protecção internacional aos
refugiados e procurar soluções permanentes para as situações de refugiados.
224. Muitos refugiados que fogem dos conflitos armados têm razões para recear
certas formas de perseguição por motivos étnicos, religiosos, sociais ou políticos de
uma ou mais partes no conflito, mas outros fogem dos efeitos indiscriminados do
conflito e da desordem que lhe advém, nomeadamente a destruição das casas e
reservas de alimentos, que não constituem elementos específicos de perseguição.
Embora estas últimas vítimas do conflito peçam protecção internacional, inclusive,
pelo menos, asilo numa base temporária, podem não se enquadrar em termos
literais na Convenção de 1951. Os Estados Partes e o ACNUR, reconhecendo que
essas pessoas também merecem protecção internacional e assistência humanitária,
adoptaram diversas soluções para assegurar que possam receber ambas. Isto foi
muito recentemente exemplificado pelo regime de "protecção temporária" adoptado
pelos Estados em relação ao conflito na ex-Jugoslávia.
225. Os padrões da Convenção sobre os Direitos da Criança também são de
particular relevância para a criança refugiada. Através das suas orientações sobre
os cuidados e a protecção da criança refugiada, o ACNUR procura incorporar os
padrões e princípios da Convenção no quadro da sua protecção e assistência.
2. Convenção sobre os Direitos da Criança
226. A protecção mais específica e abrangente a favor das crianças é dada pela
Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral na
resolução 44/25, em Novembro de 1989. A Convenção estabelece um
enquadramento legal que excede largamente o reconhecimento anterior das
crianças enquanto titulares directos de direitos, reconhecendo que têm
personalidade jurídica distinta. A Convenção sobre os Direitos da Criança tornou-se,
num curto espaço de tempo, num dos tratados de direitos humanos mais
amplamente ratificados. Presentemente, apenas seis Estados ainda não ratificaram
a Convenção sobre os Direitos da Criança: Ilhas Cook, Oman, Somália, Emiratos
Árabes Unidos, Suíça e Estados Unidos da América.
227. A Convenção reconhece uma ampla lista de direitos que se aplicam, tanto em
tempo de paz como de guerra. Como salientado pelo Comité dos Direitos da Criança
(A/49/41), nela se incluem a protecção do ambiente familiar; assistência e cuidados
essenciais; acesso à saúde, alimentação e educação; proibição da tortura, abusos e
negligência; proibição da pena de morte; a protecção do ambiente cultural da
criança; o direito a um nome e a uma nacionalidade; e a necessidade de protecção
em situações de privação da liberdade. Os Estados têm também de assegurar o
acesso e a provisão de assistência humanitária e de ajuda de emergência às
crianças durante os conflito armados.
228. Além disso, a Convenção sobre os Direitos da Criança, nos artigos 381 e 391,
contém disposições especificamente relacionadas com os conflitos armados. O
primeiro artigo é do maior significado porque liga o direito humanitário aos direitos
humanos, mostrando a sua complementaridade. Nas suas disposições exige-se que
os Estados Partes se comprometam a respeitar e a fazer respeitar as normas de
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direito humanitário internacional que lhes sejam aplicáveis em caso de conflito
armado, prevendo-se no parágrafo 4 que:
"Nos termos das obrigações contraídas à luz do direito internacional humanitário
para a protecção da população civil em caso de conflito armado, os Estados Partes
na presente Convenção devem tomar todas as medidas possíveis na prática para
assegurar protecção e assistência às crianças afectadas por um conflito armado."
229. Se a Convenção sobre os Direitos da Criança fosse devidamente aplicada
durante os conflitos armados, dar-se-ia ensejo a um longo caminho visando a
protecção das crianças. O direito destas crianças a protecção especial é, desde há
muito, reconhecido. A Convenção sobre os Direitos da Criança não possui uma
cláusula geral de derrogação e, assim sendo, o Comité dos Direitos da Criança
salienta que foi adoptada a interpretação mais positiva, com vista a assegurar o mais
amplo respeito pelos direitos das crianças. Em particular, o Comité sublinhou que,
tendo em vista o carácter essencial dos artigos 21, 31 e 41, não é admitida qualquer
tipo de derrogação (A/49/41).
230. Tal como outros tratados de direitos humanos, a Convenção sobre os Direitos
da Criança só pode ser formalmente ratificada por Estados. Não obstante, vale a
pena encorajar entidades não-estatais para assumirem o compromisso formal de
total observância dos seus padrões relevantes. Muitas entidades não-estatais
aspiram formar governo e invocam a falta de respeito pelos direitos humanos por
parte do Governo em exercício para justificarem a sua oposição. A fim de que
assumam o compromisso de proteger as crianças, as entidades não-estatais devem
ser instigadas a efectuar uma declaração formal acordando e aceitando aplicar os
padrões contidos na Convenção sobre os Direitos da Criança. Existem já
precedentes animadores. Por exemplo, em 1995, no Sudão, vários grupos
combatentes foram as primeiras entidades não-estatais a assumirem o compromisso
de observarem as disposições da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Significativamente, logo que esses compromissos começaram a vigorar, as
entidades não-estatais puseram imediatamente a funcionar sistemas de informação,
participação e queixas.
231. Embora a Convenção sobre os Direitos da Criança preveja uma ampla
protecção das crianças, necessita ainda de melhorar no que respeita à participação
das crianças no conflito armado. O Comité dos Direitos da Criança reconheceu a
importância de aumentar a idade mínima de recrutamento para 18 anos e, em 1994,
a Comissão dos Direitos Humanos criou um grupo de trabalho para elaboração do
projecto de um protocolo facultativo à Convenção com este objectivo. O âmbito do
texto do projecto tem sido significativamente alargado de forma a prever artigos
sobre entidades não-estatais, reabilitação e reintegração social das crianças vítimas
de conflitos armados, bem como processos de inquérito confidenciais efectuados
pelo Comité dos Direitos das Crianças. Apesar de se terem feito progressos,
continua a haver resistência sobre a questão do recrutamento voluntário e quanto à
distinção entre participação directa e indirecta. O argumento segundo o qual a idade
de recrutamento é um mero assunto técnico a ser decidido individualmente pelos
Governos, peca por não ter em conta o facto da protecção efectiva das crianças em
relação aos impactos dos conflitos armados requerer um compromisso incondicional,
em termos jurídicos e morais, reconhecendo que as crianças não fazem parte do
conflito armado.
C. Aplicação dos padrões e acompanhamento das violações
232. Os padrões só serão efectivos quando forem amplamente conhecidos,
entendidos e aplicados pelos políticos, forças militares e de segurança e
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profissionais envolvidos nos cuidados das crianças, incluindo o pessoal de órgãos
das Nações Unidas, agências especializadas e organizações humanitárias. Os
padrões devem ser também conhecidos e entendidos pelas próprias crianças, que
têm de ser ensinadas acerca dos seus direitos e como os avaliar. Todos aqueles
que estão profissionalmente envolvidos na protecção das crianças durante os
conflitos armados devem familiarizar-se tanto com o direito humanitário como com
os direitos humanos.
233. Em particular as forças internacionais de manutenção da paz têm de ter
formação em direito humanitário e direitos humanos e, especialmente, acerca dos
direitos fundamentais das crianças. O Centro Internacional das Forças Armadas
Suecas desenvolveu um programa de formação para regimentos de manutenção da
paz que engloba componentes sobre os direitos da criança, assim como normas de
conduta, direito humanitário internacional e ética. As componentes sobre os direitos
da criança, desenvolvidas em colaboração com Rädda Barnen, dão orientações
sobre o impacto dos conflitos armados nas crianças e situações que as forças de
manutenção da paz podem encontrar, requerendo uma resposta humanitária.
234. Os padrões de direitos humanos e direito humanitário reflectem os valores
humanos fundamentais que existem em todas as sociedades. Um aspecto do
processo de implementação que requer uma maior atenção é o da tradução dos
instrumentos internacionais para as línguas locais e a sua ampla difusão através dos
órgãos de comunicação social e actividades populares, como exposições e peças
teatrais. No Ruanda, o Save the Children Fund-Us, Haguruka (uma ONG local) e a
UNICEF apoiaram o desenvolvimento de uma versão oficial em Kinyarwanda da
Convenção sobre os Direitos da Criança. Esta foi adoptada pelo direito ruandês e
estão a ser desenvolvidos projectos para ampla aplicação das suas disposições.
235. Um sistema internacional efectivo para protecção dos direitos das crianças tem
de se basear na responsabilização dos Governos e de outros actores. Isto, por sua
vez, exige um acompanhamento expedito, eficiente e objectivo. A comunidade
internacional tem de devotar particular importância à necessidade de dar uma
resposta efectiva a toda e qualquer situação em que aqueles que estão envolvidos
nos conflitos armados atropelam os direitos das crianças.
236. Dentro dos organismos das Nações Unidas, a responsabilidade principal pelo
acompanhamento humanitário das violações recai, na prática, sobre a Comissão dos
Direitos Humanos. A Comissão pode receber informação de qualquer fonte e ter um
papel activo na recolha de dados. Esta última função é levada a cabo através de um
sistema de relatores e grupos de trabalho cujos relatórios podem constituir um meio
efectivo de publicitar as violações e de persuadir os Governos a mudarem as suas
políticas. Os relatórios de cada um dos relatores e grupos de trabalho devem reflectir
os problemas das crianças em situações de conflito armado.
237. Uma outra dimensão do acompanhamento pelos organismos internacionais
refere-se à supervisão das obrigações dos tratados. Cada um dos principais tratados
de direitos humanos tem o seu próprio órgão de acompanhamento que é composto,
não por representantes formais dos Estados, mas por especialistas independentes.
Os vários comités e, em particular, o Comité dos Direitos Humanos devem
empreender processos de acompanhamento e informação mais concertados e
sistemáticos para proteger as crianças em situações de conflito armado. Devem
também ajudar os Estados quando estes põem em prática os seus compromissos
políticos em relação às crianças, elevando, consequentemente, a prioridade que
lhes é atribuída.
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238. As Convenções de Genebra conferem às Sociedades Nacionais da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho o mandato de velar pelo respeito do direito
humanitário internacional. As Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do
Crescente Vermelho comunicam as infracções ao direito humanitário internacional e
fazem recomendações concretas sobre como pôr fim a essas infracções e como
prevenir a sua reincidência. Como já referido, o direito humanitário internacional
também reconhece o papel de outras organizações humanitárias.
239. Quando está em causa a protecção das crianças, é necessária uma maior
participação no acompanhamento e informação dos abusos. Muitos dos que
trabalham para as agências de ajuda de emergência consideram que a participação
das infracções, quer ao direito humanitário quer aos direitos humanos, se situa fora
do seu mandato ou área de responsabilidade. Outros preocupam-se pelo facto de
poderem vir a ser expulsos do país em causa ou de verem as suas operações
seriamente cerceadas se comunicarem informação sensível. Mas tem de se fazer o
balanço. Sem a participação de tais violações, a comunidade internacional fica
privada de informação vital e não pode efectuar um acompanhamento efectivo.
Devem ser estabelecidos, ao nível nacional, canais adequados, privados ou
confidenciais, através dos quais se comuniquem matérias graves relacionadas com
as crianças. Para este efeito, deve recorrer-se activamente ao Alto Comissário para
os Direitos Humanos, instituições e procuradores da justiça nacionais, organizações
internacionais de direitos humanos e associações profissionais. A comunicação
social também deve fazer mais no sentido de aumentar a consciencialização sobre
as violações dos direitos das crianças.
D. Recomendações específicas sobre padrões
240. A signatária apresenta as seguintes recomendações específicas sobre padrões:
a) Os poucos Governos que ainda não são partes da Convenção sobre os Direitos
da Criança devem fazê-lo imediatamente;
b) Todos os Governos devem adoptar medidas legislativas internas para assegurar a
aplicação efectiva dos padrões relevantes, inclusive da Convenção sobre os Direitos
da Criança, das Convenções de Genebra de 1949 e Protocolos Adicionais e da
Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e seu Protocolo;
c) Os Governos devem dar formação e treino sobre direito humanitário internacional
e direitos humanos ao pessoal judiciário, da polícia e da segurança e forças
armadas, especialmente àqueles que participam em operações de manutenção da
paz. Os conselhos e a experiência da Cruz Vermelha e de outras organizações
humanitárias devem ser incorporados e, nesse processo, proceder-se a uma ampla
divulgação;
d) As organizações humanitárias devem dar formação ao seu pessoal sobre direitos
humanos e direito humanitário. Todos os organismos humanitários que trabalham
em zonas de conflito devem estabelecer procedimentos para informação expedita,
confidencial e objectiva das violações com que se deparam.
e) As organizações humanitárias devem ajudar os Governos na educação das
crianças acerca dos seus direitos, através do desenvolvimento de programas
curriculares de ensino e outros métodos pertinentes;
f) As agências e organizações humanitárias devem procurar efectuar acordos por
escrito com entidades não-estatais, comprometendo-as a observar o direito
humanitário e os direitos humanos;
g) A sociedade civil deve divulgar activamente o direito humanitário e os direitos
humanos e empenhar-se na defesa, acompanhamento e participação das violações
dos direitos das crianças;
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h) Partindo das linhas de orientação existentes, a UNICEF deve desenvolver
orientações mais abrangentes sobre a protecção e os cuidados com as crianças em
situações de conflito armado;
i) Nos termos dos artigos 381 e 391 da Convenção sobre os Direitos da Criança, em
particular, deve-se encorajar o Comité dos Direitos da Criança a incluir no seu
relatório para a Assembleia Geral informação específica sobre as medidas
adoptadas pelos Estados Partes para proteger as crianças em situações de conflito
armado.
IV. RECONSTRUÇÃO E RECONCILIAÇÃO
A. Reconstrução
241. A reconstrução das sociedades dilaceradas pela guerra consiste numa tarefa
imensa que não pode realizar-se somente aos níveis material, económico, cultural e
político, mas também ao nível psicossocial. A reconstrução tem de contar com a
criança, a família, a comunidade e o país. A necessidade de reconstruir não significa
apenas voltar ao que as coisas eram, mas oferecer oportunidades de saltar para o
futuro, mais propriamente, de seguir lenta mas firmemente o caminho do progresso.
Os programas concebidos durante a reconstrução podem lançar os fundamentos
para a protecção da criança e reforçar as infra-estruturas, em particular no que se
refere à saúde a à educação. As crianças raramente são mencionadas nos planos
de reconstrução ou nos acordos de paz, apesar das crianças estarem no centro da
reconstrução.
242. Em parte, colocar as crianças no centro significa usar a juventude como um
recurso. Os jovens nunca devem ser vistos como problemas ou como vítimas, mas
como contributos-chave nas soluções de planeamento e implementação de longo
prazo. As crianças com incapacidades, as crianças que vivem ou trabalham nas ruas
e as crianças que estão em instituições devido ao conflito, devem tornar-se, todas,
participantes essenciais no planeamento e na reconstrução pós-conflito. Em países
que emergem do conflito, as agências como a OIT podem desempenhar um papelchave através de programas de formação profissional e de empreendimento
dirigidos aos jovens. A comunidade internacional tem uma importante
responsabilidade, partilhando competências e conhecimentos técnicos, assim como
recursos financeiros.
243. Os desafios que as comunidades enfrentam no esforço de reconstrução são
enormes. Como consequência das políticas de terra queimada, frequentemente, as
comunidades já pouco têm para reconstruir. Em muitos países, as minas terrestres
restringem o uso de estradas e das terras agrícolas. O "ficar de fora dos doadores"
pode deixar as populações a lutar pela sobrevivência, em particular se a assistência
humanitária está mais estruturada de forma a encorajar a dependência do que a
erguer a força e a integridade da família e da comunidade. Por estas razões, as
sementes da reconstrução devem ser lançadas ainda durante o conflito.
Especialmente para as crianças, a ajuda de emergência - investimento que garante
a sua sobrevivência física e emocional - constitui também a base para o seu
desenvolvimento a longo prazo. Neste sentido, as emergências e o desenvolvimento
nunca devem ser arbitraria ou artificialmente separadas.
244. Tão assustadora como a reconstrução é a tarefa de restabelecer os meios de
subsistência da família. O ACNUR e outros têm desenvolvido uma forma de
assistência de reintegração conhecida como "projectos de impacto rápido". São
projectos simples, de pequena escala, concebidos para funcionarem como ponte
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entre retornados e residentes, portadores de benefícios económicos e sociais
imediatos e palpáveis. Envolvem a comunidade beneficiária na determinação das
prioridades e na implementação. Uma das versões dos projectos de impacto rápido
dá atenção especial às mulheres chefes de família, proporcionando-lhes
empréstimos e créditos que lhes permitem formar cooperativas ou encetar pequenos
negócios. Antes do conflito, as mulheres podem ter estado menos envolvidas na
actividade económica do que os homens, mas os conflitos armados podem alterar
completamente este aspecto. Estes projectos foram especialmente bem sucedidos
na América Central. No entanto, nem todos os projectos de impacto rápido
conseguiram envolver plenamente as comunidades locais e alguns foram criticados
por consistirem em abordagens fixas e rápidas que não beneficiam a comunidade a
longo prazo.
245. Estes programas de ligação são cruciais por propiciarem uma transição mais
formalizada de uma fase de emergência para a fase de reconstrução de longo prazo.
No Camboja, a signatária teve conhecimento que, na fase após a saída do ACNUR,
houve uma lacuna no apoio a muitas crianças e famílias. O pessoal das agências
argumenta que uma programação mais definida, usando princípios de
desenvolvimento na fase de transição para a reabilitação iria promover a
reconstrução de uma coesa rede de cuidados sociais para apoio às mulheres e
crianças. Os memorandos de entendimento recentemente acordados entre
agências, como o ACNUR e a UNICEF, devem ajudar a estabelecer directivas mais
claras para a elaboração de planos de transição entre agências, mas esses planos
têm de envolver diversas agências e ONGs.
246. A educação das crianças deve constituir uma prioridade em qualquer
reconstrução. Para as crianças refugiadas é importante que os seus países de
origem reconheçam a escolaridade que efectuaram no país de asilo. Para facilitar
este processo, deve ser entregue aos estudantes a documentação adequada sobre
os cursos e as qualificações. A recuperação e reintegração das crianças irá afectar o
sucesso de toda a sociedade no retomar de um rumo mais pacífico. Em certa
medida, o retomar de actividades diárias não violentas pode ser o início do processo
de cicatrização e reconciliação nacional, mas as comunidades têm de dar passos
concretos que mostrem às crianças o corte com a violência do passado. Na
desmilitarização das comunidades, dissipar a cultura de violência que o conflito
gerou tem de ser uma importante prioridade. Grupos de mulheres, grupos religiosos
e a sociedade civil, todos desempenham papéis-chaves nesta área.
B. Reconciliação
247. Comissões para apuramento da verdade, comissões de direitos humanos e
grupos de reconciliação podem constituir importantes veículos para sarar as feridas
da comunidade. Até à data, 16 ou mais países em fase de transição do conflito
organizaram comissões para apuramento da verdade como um meio de estabelecer
a responsabilização moral, jurídica e política e mecanismos de recurso. Na África do
Sul e na Guatemala, as comissões pretendem preservar a memória das vítimas,
favorecer a observância dos direitos humanos e reforçar o processo democrático. Na
Argentina, onde se supunha que os infractores iriam ser punidos, promulgaram-se,
subsequentemente, amnistias perante a consternação da comunidade de direitos
humanos.
248. É difícil, se não mesmo impossível, alcançar a reconciliação sem justiça. A
signatária julga que a comunidade internacional deve desenvolver métodos mais
sistemáticos para apreensão e punição dos indivíduos culpados de abusos dos
direitos da criança. Se aqueles que se encontram a qualquer nível de comando
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político e militar não temerem vir a ser responsabilizados pelos crimes e serem
sujeitos a condenação, pouca esperança há de restringir o seu comportamento
durante os conflitos armados. Permitir que os autores de crimes beneficiem de
impunidade só pode conduzir ao desprezo pela lei e a renovados ciclos de violência.
249. No caso de abusos gravosos, inclusive, mas não só, o de genocídio, o direito
internacional pode ser mais adequado do que a acção nacional. Neste sentido, o
Conselho de Segurança estabeleceu Tribunais Internacionais para punir os autores
de crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos na ex-Jugoslávia e no
Ruanda. A signatária congratula-se com estes tribunais, mas preocupa-a o facto de
poderem não ter recursos nem poderes para atingirem os seus objectivos. Merecem
maior apoio financeiro e um suporte político mais determinado. A signatária apoia a
proposta de criação de um tribunal criminal internacional que disponha de um corpo
de justiça permanente para julgar casos de genocídio e outras violações da lei
internacional.
250. Um dos aspectos mais perturbadores e difíceis da participação das crianças
nos conflitos armados consiste no facto de, manipuladas pelos adultos, poderem
tornar-se autoras de crimes de guerra, inclusivamente de violações, homicídios e
genocídios. Como no Ruanda, em 1996, em que foram detidas 1.741 crianças em
condições terríveis. Destas, aproximadamente 550 tinham menos de 15 anos
estando, por conseguinte, abaixo da idade de responsabilidade criminal, segundo a
lei ruandesa. O Governo do Ruanda transferiu a responsabilidade dos casos dos
jovens com menos de 15 anos aquando do genocídio do Ministério da Justiça para o
Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais. Foram subsequentemente transferidas
para unidades de detenção estabelecidas recentemente e destinadas a jovens ou à
comunidade em geral. Para as cerca de 1.191 crianças que estavam detidas e
consideradas como criminalmente responsáveis, a UNICEF, através do Ministério da
Justiça, presta assistência jurídica em sua defesa. Advoga também disposições
especiais para o julgamento destes adolescentes. O dilema de tratar com crianças
que são acusadas de terem cometido actos de genocídio é ilustrativo da
complexidade de se ponderar culpabilidade, sentido da justiça da comunidade e "o
melhor interesse da criança".
251. Contudo, a gravidade do crime em causa não é justificação para suspender ou
limitar os direitos fundamentais e as salvaguardas legais concedidas às crianças ao
abrigo da Convenção sobre os Direitos da Criança. Os Estados Partes devem
estabelecer uma idade mínima abaixo da qual se presume que as crianças não têm
capacidade para infringir a lei penal. Embora a Convenção não mencione uma idade
específica, as Normas Mínimas Padrão das Nações Unidas para a Administração da
Justiça Juvenil (Regras de Pequim) sublinham que essa idade não deve ser fixada a
um nível demasiado baixo, tendo presente a maturidade emocional, mental e
intelectual da criança. O Comité dos Direitos da Criança refere que a avaliação da
responsabilidade criminal das crianças não deve basear-se em critérios subjectivos
e imprecisos, tais como, o atingir da puberdade, idade de discernimento ou a
personalidade da criança. As crianças que forem consideradas criminalmente
responsáveis devem, tal como previsto no artigo 401 da Convenção, ser tratadas
com dignidade e tendo em conta a sua reintegração social. Entre outras coisas, deve
ser dada às crianças a oportunidade de participar nos procedimentos que a afectam,
directamente ou através de um representante ou de um órgão apropriado, beneficiar
de aconselhamento jurídico e de acção processual adequada. A privação da
liberdade nunca deve ser ilegal ou arbitrária, devendo ser usada apenas como
medida de último recurso. Em todas as instâncias, devem procurar-se alternativas
aos cuidados institucionais.
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252. A responsabilidade primária pelo acompanhamento e a acusação consistente
das violações cabe às autoridades nacionais do Estado em que ocorreram as
violações. A procura da justiça após o conflito depende grandemente do ambiente
social e político existente. Mesmo quando existe vontade de julgar os infractores, o
país pode não ter capacidade para o fazer adequadamente, pois o próprio sistema
de justiça pode estar largamente destruído. Após o conflito no Ruanda, por exemplo,
só 20% dos magistrados sobreviveram e aos tribunais faltavam os recursos mais
básicos. Na Quarta Consulta Regional sobre o Impacto dos Conflitos Armados nas
Crianças na Ásia e no Pacífico foi proposto que a restauração dos sistemas jurídicos
fosse encarada como uma tarefa urgente de reconstrução, podendo ser necessária
assistência internacional substancial.
V. PREVENÇÃO DOS CONFLITOS
" As crianças estão a perder a infância. Temos de vislumbrar uma sociedade livre de
conflitos onde as crianças possam crescer como crianças, não como armas de
guerra."
253. Grande parte do presente relatório concentra-se nos métodos através dos quais
as crianças podem ser protegidas dos piores efeitos dos conflitos armados. No
entanto, melhor do que implementar tais medidas, a forma manifestamente mais
efectiva de proteger as crianças consiste em prevenir a erupção dos conflitos
armados. A comunidade internacional tem de quebrar a inércia política que permite a
escalada no agravamento das circunstâncias que levam ao conflito armado,
destruindo a vida das crianças. Isto significa atacar as causas primordiais da
violência e promover padrões sustentáveis e justos de desenvolvimento humano.
Todas as pessoas precisam de sentir que possuem uma parte justa de poder de
decisão, igual acesso de recursos, faculdade de participar plenamente na sociedade
civil e política e a liberdade de afirmar a sua própria identidade e de exprimir
plenamente as suas aspirações. Estas ideias têm sido eloquentemente expressas,
sob forma analítica que aqui não tem lugar, em textos como "The Challenge to the
South", o relatório da South Comission e o relatório da Comission on Global
Governance intitulado "Our Global Neighbourhood".
254. A prevenção da intensificação dos conflitos é da clara responsabilidade dos
Governos nacionais e da comunidade internacional, mas há também um papel
importante da sociedade civil. Líderes religiosos, da comunidade e tradicionais têm
sido frequentemente bem sucedidos na gestão e prevenção do conflito, tal como o
foram intelectuais e ONGs envolvidos nos processos de mediação e de capacitação.
As organizações de mulheres também têm sido muito influentes, promovendo a
presença das mulheres na mesa das negociações, onde podem agir como
defensoras de si próprias ou como agentes da paz. Um exemplo é a Mulher Africana
em Crise, um programa UNIFEM que trabalha pelo reforço da capacidade dos
movimentos da mulher pela paz em toda a África. A declaração da Terceira Consulta
Regional sobre o Impacto dos Conflitos Armados nas Crianças na África Ocidental e
Central recomenda que as missões para a paz, os fóruns de reconciliação e todos
os esforços de construção da paz integrem mulheres como membros-chave das
equipas de negociação. A signatária concorda.
A. Educação para a paz
255. Todos os sectores da sociedade devem caminhar juntos para criar
"enquadramentos éticos", integrando os valores tradicionais da cooperação através
dos líderes religiosos e da comunidade, com padrões jurídicos internacionais. Parte
dos fundamentos para criar "enquadramentos éticos" podem ser lançados nas
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escolas. Tanto o conteúdo como o processo de educação devem promover a paz, a
justiça social, o respeito pelos direitos humanos e a aceitação da responsabilidade.
As crianças precisam de aprender competências para transposição de obstáculos,
resolução de problemas, pensamento e comunicação críticos que as irão habilitar a
resolver conflitos sem recorrer à violência. Para conseguir isto, foi dado início a
programas de educação para a paz numa série de países . No Líbano, a signatária
visitou um programa de educação para a paz, empreendido conjuntamente, em
1989, pelo Governo Libanês, ONGs, jovens voluntários e a UNICEF, beneficiando
dele agora milhares de crianças a nível nacional. Na Libéria, o programa de gestão
do conflito com estudantes locais, emprega adolescentes como um recurso na
resolução de conflitos inter-pares e actividades de mediação nas escolas. A
signatária foi informada acerca de iniciativas na Irlanda do Norte visando a inclusão
universal de elementos de educação para a paz nos programas curriculares de
ensino. De modo semelhante, no Sri Lanka, o ensino de um programa de resolução
de conflitos foi integrado no ensino escolar primário e secundário. Um elemento
inovador consiste na utilização do programa por vários órgãos de comunicação
social para chegar às crianças fora da escola e a outros sectores da comunidade.
Embora estas iniciativas nem sempre sejam bem sucedidas, são indispensáveis
para a eventual reabilitação duma sociedade dilacerada.
256. A declaração da Segunda Consulta Regional sobre o Impacto dos Conflitos
Armados nas Crianças na Região Árabe apelava para uma revisão abrangente do
conteúdo, processo e estrutura dos programas de educação para a paz (por vezes
chamados programas de "educação global" ou de "educação para o
desenvolvimento"). Essa revisão devia incluir um processo de avaliação sobre uma
melhor prática e coordenação, a promoção de avaliações técnicas e a exploração de
métodos mais fortes, contemplando e dando resposta às necessidades, aspirações
e experiência locais. Na Consulta também se realçou a importância de integrar
princípios, valores e competências de educação para a paz no ensino de todas as
crianças.
257. Os adultos têm a mesma necessidade que as crianças e os jovens de adquirir
competências para gestão de conflitos e de educação sobre os direitos humanos.
Aqui, o desafio mais difícil é conseguir a tolerância não só entre os indivíduos, mas
também entre grupos. Os órgãos de comunicação social podem desempenhar um
papel importante ajudando os leitores e os espectadores a desfrutar a diversidade e
fomentando o entendimento do que é necessário para a coexistência pacífica e o
respeito exigido para o gozo dos direitos humanos. O papel dos órgãos de
comunicação social como mediadores tem sido explorado na África do Sul, tendo
sido treinados alguns jornalistas para se valerem do seu acesso a ambos os lados
do conflito com o fim de ajudar a chegar a um consenso nacional sobre questões
divergentes.
258. Os níveis actuais de animosidade na ex-Jugoslávia, que tiveram um programa
de educação para a paz de longa duração, é ilustrativo de como os programas que
fomentam o respeito pelos direitos humanos e ensinam competências para gerir os
conflitos, não são, por si só, suficientes. São também essenciais mecanismos claros
e fortes de reconciliação, a protecção das minorias e o acesso à justiça social. Os
Governos podem banir especificamente as formas de discriminação que geram
ressentimentos. A violação persistente dos direitos das minorias e de grupos
indígenas tem ajudado a gerar condições conducentes ao conflito armado.
B. Desmilitarização
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259. Além de procurarem padrões equitativos de desenvolvimento, os Governos
podem baixar o risco de conflito armado reduzindo os níveis de militarização e
honrando os compromissos assumidos na Cimeira Mundial para o Desenvolvimento
Social de apoiarem o conceito da segurança humana. Com esta finalidade, os
Governos têm de tomar uma acção firme para que a afectação de recursos em
armas e gastos militares passe para o desenvolvimento humano e social. A África
Sub-Sahariana, por exemplo, está fortemente militarizada: entre 1960 e 1994, a
proporção do produto interno bruto (PIB) da região dedicado aos gastos militares
subiu de 0.9% para 2.9%. Os gastos militares da região são agora de cerca de $8
biliões, independentemente do facto de 216 milhões de pessoas viverem na
pobreza. O Sul da Ásia é outra região que gasta imenso em armas. Em 1994,
despendeu $14 biliões na área militar apesar de 562 milhões de asiáticos do sul
viveram na pobreza absoluta. Os Governos de todo o mundo devem dar passos
intransigentes para desmilitarizarem as suas sociedades, limitando e controlando
estritamente o acesso às armas.
260. Ao nível internacional, os Governos têm de demonstrar vontade política de
controlar a transferência de armas para zonas de conflito, em particular onde são
evidentes graves violações dos direitos das crianças. As Nações Unidas têm de
adoptar uma posição mais firme sobre o comércio de armas, inclusive a proibição
total de envio de armas para áreas do conflito, assim como envidar esforços
determinantes para a eliminação do uso, produção, comércio e armazenamento de
minas terrestres anti-pessoais. O Registo de Armas Convencionais das Nações
Unidas deve expandir-se de forma a englobar mais tipos de armas, sendo de exigir a
notificação obrigatória.
261. Os doadores e as agências de desenvolvimento devem dar prioridade aos
programas que incluem componentes para prevenção de conflitos e que são
concebidos para ajudar a gerir a diversidade e a reduzir as disparidades económicas
dentro dos países. O desenvolvimento económico em si mesmo não resolve os
conflitos. Não obstante, a menos que a redução das disparidades económicas se
torne um ingrediente essencial de todos os programas, o desenvolvimento humano
será constantemente abalado por violentos conflitos. Os doadores devem envidar
maiores esforços para assegurar que uma percentagem mais elevada dos seus
fundos vise directamente infra-estruturas sociais e programas para crianças.
262. Num relatório sobre o reforço da coordenação da assistência humanitária de
emergência (A/50/203-E/1995/79), o Secretário-Geral das Nações Unidas estimava
que, entre 1990 e 1992, os gastos com os refugiados tinham duplicado, que o custo
das operações para a paz tinha aumentado 5 vezes no mesmo período e 10 vezes
em 1994, e que os gastos com programas humanitários tinham triplicado, passando
de $845 milhões para $3 biliões, entre 1989 e 1994. Significativamente, os números
para 1994 da ajuda oficial ao desenvolvimento (AOD) eram os mais baixos dos
últimos 20 anos entre os países mais ricos do mundo - apenas 0.3% do produto
nacional bruto (PNB) combinado, em vez dos 0.7% acordados pela Comité de Ajuda
ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) e ratificados pela Assembleia Geral. Os níveis decrescentes de
auxílio e os crescentes custos das emergências têm um impacto negativo na ajuda
ao desenvolvimento de longo prazo, apesar de existir cada vez maior consciência de
que o desenvolvimento de longo prazo pode constituir um dos métodos mais
eficazes na prevenção dos conflitos e restabelecimento das comunidades.
C. Alerta antecipado
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263. É necessário que se melhorem os sistemas de alerta antecipado e de
capacidade de pronta intervenção visando reduzir os perigos do conflito armado
para as crianças. Em numerosas visitas no terreno, foi sublinhado à signatária que,
apesar da deslocação maciça e das ameaças para as crianças serem previsíveis na
região, nunca foram suficientemente tidas em conta pela comunidade internacional.
Foram, recentemente, envidados esforços pela comunidade humanitária
internacional para estabelecer melhores sistemas de alerta antecipado e planos de
contingência que englobaram ONGs e instituições locais. Notando a rara inclusão de
matéria específica sobre a criança nas disposições referentes à capacidade de
pronta intervenção, a signatária recomenda que se tenha plenamente em
consideração os direitos das crianças e a necessidade de sistemas de alerta
antecipado e planos de contingência. Os órgãos de comunicação social podem
alertar a comunidade internacional para as violações dos direitos da criança, mas o
alerta antecipado tem de estar ligado a uma acção antecipada para ter qualquer
utilidade. A intensificação do conflito na região dos Grandes Lagos de África é um
exemplo claro da falta de ligação entre o alerta antecipado, medidas preventivas e
acção antecipada.
264. Os encargos e as consequências dos conflitos armados têm geralmente um
efeito trasbordante, desviando a energia e os recursos de todos os países na região,
conduzindo a um crescente empobrecimento. A sociedade civil e as ONGs
internacionais podem atenuar este efeito lançando o seu próprio alerta antecipado,
defendendo padrões nacionais e internacionais de direitos humanos, promovendo a
construção da paz ao nível da comunidade e propondo mediadores. As acções
podem vir também de organizações regionais, como a Organização dos Estados
Americanos (OEA), Liga dos Estados Árabes, Organização de Unidade Africana
(OUA), OCDE e União Europeia, assim como organizações criadas para
determinados projectos, como o ex-Grupo Contadora, que esteve relacionado com o
processo de paz na América Central e o Grupo Militar de Observadores da
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (ECOMOG), relacionados
com a manutenção da paz na Libéria. A capacidade dos órgãos regionais, que difere
enormemente na sua experiência e recursos, não deve ser exagerada, mas pode
propiciar discussões abertas e francas entre os governos vizinhos. As organizações
regionais, ONGs e outros actores dispõem de uma série de instrumentos de
diplomacia preventiva, que lhes são acessíveis, nomeadamente diálogos ao nível da
base, mediação, missões de direitos humanos, manutenção e construção da paz.
265. Numa perspectiva de futuro, a prevenção do conflito é da responsabilidade de
todos. Exige acção aos níveis local, nacional e internacional para afastar quer as
causas manifestas do conflito, quer as provocações imediatas de violência. Em
última análise, o fracasso em alcançar um processo integrado de construção da paz,
o fracasso em resolver litígios pacificamente e o fracasso na prevenção das
violações dos direitos da criança representam, cada um deles, uma quebra na
vontade moral e política.
VI. MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO
266. Para manter estas questões no topo das agendas internacionais de direitos
humanos, da paz, da segurança e do desenvolvimento, a signatária acha essencial
assegurar que se dê seguimento ao presente relatório. Recomenda que se crie um
representante especial do Secretário-Geral para as crianças em situações de conflito
armado.
267. O representante especial actuaria como um observador permanente, apuraria
os progressos realizados e as dificuldades encontradas na implementação das
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recomendações apresentadas neste estudo. O representante iria aumentar a
consciencialização acerca da situação difícil das crianças afectadas pelos conflitos
armados, promovendo a recolha, pesquisa, análise e difusão da informação aos
níveis nacional, regional e global. O representante iria encorajar o desenvolvimento
de redes para troca de experiências e facilitar a adopção de medidas que visem
melhorar a situação das crianças, reforçando as acções tomadas com esse
propósito, favoreceria a cooperação internacional para assegurar o respeito pelos
direitos das crianças nestas situações, contribuiria para a coordenação de esforços
envidados pelos Governos, órgãos das Nações Unidas, agências especializadas e
outros organismos competentes, incluindo ONGs, organizações regionais, relatores
especiais e grupos de trabalho pertinentes, bem como operações no terreno das
Nações Unidas.
268. O representante especial prepararia um relatório anual para apresentar à
Assembleia Geral, assim como à Comissão dos Direitos Humanos. O relatório
deveria conter a informação recebida de todas as fontes relevantes, nomeadamente
de Governos, órgãos das Nações Unidas, agências especializadas, ONGs e outros
organismos competentes, sobre os progressos realizados bem como quaisquer
outras medidas adoptadas para reforçar a protecção das crianças em situações de
conflito armado.
269. O representante especial trabalharia estreitamente com o Comité dos Direitos
da Criança, órgãos relevantes das Nações Unidas, agências especializadas e outros
organismos competentes, incluindo ONGs. O representante manteria um contacto
estreito com o Departamento de Assuntos Humanitários e membros do Comité
Permanente Interagências, e faria uso dos instrumentos estabelecidos pelo Comité
Administrativo de Coordenação para seguimento interagências das recentes
conferências globais. O representante seria apoiado no seu trabalho, inclusive em
termos financeiros, pelo sistema das Nações Unidas e, em particular, pelo Alto
Comissário para os Direitos Humanos/Centro de Direitos Humanos, UNICEF e
ACNUR.
A. Acções de seguimento para os Governos
270. Aos Governos incumbe a responsabilidade primária de proteger as crianças do
impacto do conflito armado e, porventura, de impedir que os conflitos ocorram.
Embora este relatório seja testemunho dos esforços dos Governos, de órgãos das
Nações Unidas e da sociedade civil para proteger as crianças das atrocidades da
guerra, é, em última análise, testemunho do fracasso colectivo na sua consecução.
Os Governos não conseguiram, manifestamente, munir-se dos recursos financeiros
e humanos necessários ou demonstrar compaixão, assumir os compromissos ou ter
a firmeza que exigia o cumprimento das suas obrigações morais, políticas e sociais
para com as crianças. Endereçam-se a todos os Governos as seguintes
recomendações. A melhoria da situação das crianças afectadas pelos conflitos
armados exige melhor cooperação internacional, o assumir de compromissos e
acções políticas não apenas da parte dos Governos em cujas fronteiras o conflito
existe, mas também dos Governos cujos cidadãos são indirectamente responsáveis
por incitarem ou protelarem conflitos para benefício político ou económico.
271. Todos os Estados Partes são encorajados a implementar a Convenção sobre
os Direitos da Criança em tempo de paz e de conflito, através de medidas
legislativas, administrativas, orçamentais, judiciais, educativas e sociais, entre
outras. Além disso, os Estados Partes devem envolver-se na cooperação
internacional através de acções bilaterais e multilaterais, proporcionando e
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facilitando a assistência humanitária e programas de ajuda de emergência durante
situações de conflito.
272. Os Governos que ainda não ratificaram a Convenção sobre os Direitos da
Criança devem fazê-lo. Todos os Estados devem apoiar a adopção do projecto de
protocolo facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança quanto ao
envolvimento das crianças nos conflitos armados, aderindo ao mesmo logo que
possível. Além disso, devem apoiar a proibição internacional de minas terrestres e
outras armas susceptíveis de efeitos indiscriminados. Os Governos devem também
ratificar e aplicar outros instrumentos relevantes, como as Convenções de Genebra
de 1949 e os Protocolos Adicionais, a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967
relativos ao Estatuto dos Refugiados, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres e outros Tratados que abordem os
direitos das crianças.
273. Os Governos devem dar prioridade a medidas preventivas assegurando um
desenvolvimento equilibrado aos níveis económico, social e humano através da
capacitação, promoção de uma cultura centrada na criança e uma distribuição
equitativa dos recursos, inclusive da terra. Os Estados têm de decretar medidas para
eliminar a discriminação, especialmente contra as crianças, mulheres, populações
indígenas e minoritárias e têm de assumir as suas responsabilidades para assegurar
protecção às crianças refugiadas e deslocadas internamente.
274. Os Governos devem reconhecer que as disparidades económicas e sociais, a
negligência e moldes discriminatórios contribuem para o conflito armado, devendo,
por consequência, rever os seus orçamentos nacionais com vista a reduzir os gastos
militares e reorientar esses recursos para o desenvolvimento económico e social. Os
indicadores sobre o desenvolvimento da criança e os direitos da criança devem ser a
base das estratégias nacionais para crianças, as quais avaliam os progressos e são
indicativas de reformas políticas e programáticas. Os Governos devem também
assegurar que, nas matérias relacionadas com a criança, os pontos de vista das
crianças sejam tidos em conta.
275. Os Governos devem criar ambientes propícios onde a sociedade civil possa
trabalhar sobre as questões relacionadas com o conflito armado e os direitos da
criança. Os Governos devem encorajar e apoiar activamente coligações que
representem as opiniões de parlamentares, magistrados, comunidades religiosas,
educadores, órgãos de comunicação social, associações profissionais, o sector
privado, ONGs e as próprias crianças. Essas coligações irão facilitar a execução dos
serviços, a mobilização social e a defesa das crianças afectadas pelos conflitos
armados. Deve-se explorar a instauração de procuradores nacionais, comissões
nacionais de direitos humanos, tribunais internacionais e outras instituições. Assim
como, também, conceberem-se medidas de longo prazo para assegurar o respeito
pelos direitos das crianças.
276. Imediatamente após os conflitos e no decorrer dos períodos de transição, os
Governos devem assegurar que a saúde, a educação e o apoio psicossocial sejam
fulcrais nos esforços de reconstrução. A desmilitarização, a desmobilização de todos
os grupos armados, a desminagem, a prevenção de minas e o controlo dos fluxos de
armas dentro e fora das fronteiras nacionais devem tornar-se prioridades imediatas.
Para alcançar a justiça e a reconciliação, é essencial que os Governos empreendam
diálogos ao nível nacional com os militares, reforcem os seus sistemas judiciais,
prossigam o acompanhamento dos direitos humanos e estabeleçam mecanismos de
investigação, tribunais e comissões de apuramento da verdade que julguem as
violações dos direitos humanos.
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277. As fontes de financiamento multilaterais, bilaterais e privadas devem
comprometer-se a aplicar a Convenção sobre os Direitos da Criança, como parte do
processo de desenvolvimento e de reconstrução pós-conflito. À luz do artigo 41 da
Convenção sobre os Direitos da Criança, os Estados Partes assumiram
compromissos, no que se refere aos direitos económicos, sociais e culturais, no
limite máximo dos seus recursos disponíveis e, se necessário, no quadro da
cooperação internacional. Isto significa que os países com maiores recursos têm a
obrigação de apoiar a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança nos
países de menores recursos.
278. Os Estados devem usar a autoridade colectiva dos seus organismos
intergovernamentais (como o secretariado da Commonwealth), regionais e subregionais para apoiar iniciativas em toda a Região para prevenção, gestão e
resolução dos conflitos.
B. Medidas regionais e sub-regionais
279. As organizações regionais, como a OUA, OEA, UE e Asia-Pacific Regional
Cooperation Framework (APEC), comissões económicas, bancos de
desenvolvimento e organizações sub-regionais, como a Association of South-East
Asian Nations (ASEAN), a Southern African Development Comunity (SADC) e a
Intergovernmental Authority on Drought and Development (IGADD), têm de ser
encorajadas a trabalhar com organizações nacionais e entidades do Governo na
elaboração de planos de acção para proteger as crianças. O trabalho deve ser
realizado no quadro da Convenção sobre os Direitos da Criança e de outros tratados
regionais e internacionais, declarações e linhas de orientação que realcem os
direitos das crianças. Isto inclui a Carta Africana sobre os Direitos e o bem-estar da
Criança, a Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem e a Declaração de
Santiago.
280. Procurando promover a paz e a estabilidade dentro das regiões, as
organizações sub-regionais e regionais são encorajadas a partilhar informação e a
desenvolver medidas preparatórias comuns, sistemas de alerta antecipado e
respostas de reacção rápida que usem os indicadores dos direitos das crianças e
sejam sensíveis às necessidades das crianças. As organizações devem convocar
reuniões com os militares e os seus chefes de equipa para desenvolverem sistemas
de responsabilização e medidas para proteger as crianças e os civis em situações
de conflito. Essas medidas podem abranger, por exemplo, formação e
acompanhamento dos direitos humanos, a criação de zonas regionais livres de
minas, "dias de tranquilidade", "corredores da paz" e a desmobilização das criançassoldados.
C. Responsabilidades das Nações Unidas
281. A Declaração de Viana e o Programa de Acção da Conferência Mundial sobre
os Direitos Humanos (A/CONF.157/24 (Parte I) cap. III) recomenda que as matérias
relacionadas com os direitos das crianças sejam regularmente revistas e
acompanhadas pelos órgãos e mecanismos pertinentes do sistema das Nações
Unidas e pelos órgãos de supervisão das agências especializadas, de acordo com
os seus mandatos. A protecção das crianças tem de ser fulcral nas políticas
humanitárias, de construção e de manutenção da paz das Nações Unidas e deve-lhe
ser dada prioridade dentro dos procedimentos existentes de direitos humanos e
humanitários.
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282. Os assuntos humanitários são cada vez mais uma importante componente da
agenda para a paz e segurança internacionais do Conselho de Segurança. Nos
últimos anos, o Conselho autorizou operações das Nações Unidas com objectivos
políticos, militares e humanitários. Em conformidade com esta tendência, o Conselho
deve, por conseguinte, manter-se continua e devidamente atento aos assuntos
humanitários, incluindo assuntos específicos das crianças, nas suas acções
destinadas a resolver conflitos, a manter ou a fazer cumprir a paz, ou a implementar
os acordos de paz. Ao abordar questões como a desmobilização, o Conselho deve
ter em conta a situação muito especial das crianças-soldados. Quando apropriado, a
protecção das crianças deve ser considerada nas resoluções integradas que iniciam
mandatos de manutenção da paz e desmobilização, reflectindo considerações como
o acompanhamento da adesão aos direitos humanos, o estabelecimento e
manutenção de áreas seguras e o acesso humanitário. Quanto à questão das minas
terrestres, encoraja-se o Conselho de Segurança a considerar a ameaça particular
de que se revestem para as crianças. Em circunstâncias em que a falta de
estabilidade política e de paz impeçam o fornecimento da ajuda humanitária, a
signatária apela ao Conselho de Segurança para tomar medidas visando o
fornecimento dessa ajuda às crianças e outros grupos vulneráveis.
283. O Conselho Económico e Social solicitou, na sua resolução 1995/56 de 28 de
Julho de 1995, que certas questões inerentes à assistência humanitária fossem
revistas em antecipação a uma análise mais geral das necessidades institucionais.
Muitas dessas questões, como a mobilização de recursos, as pessoas deslocadas
internamente, coordenação do auxílio de emergência, reabilitação, desenvolvimento
e mecanismos locais, relacionam-se com o estado das crianças afectadas por
situações de conflito. Os grupos de trabalho nesta área devem assegurar que as
necessidades particulares das crianças sejam contempladas nas recomendações
apresentadas ao Conselho Económico e Social e que este assunto seja um dos
principais temas de discussão.
284. No âmbito dos respectivos mandatos, os quadros executivos das agências
especializadas das Nações Unidas pertinentes e outros organismos competentes
devem considerar as recomendações contidas neste relatório e informar o
Secretário-Geral sobre formas e meios que podem contribuir mais eficazmente para
a protecção das crianças nos conflitos armados. Deve dar-se ênfase particular a que
estes assuntos sejam tratados sistematicamente através de actividades no terreno,
acompanhando e comunicando o desenvolvimento das medidas preventivas e a
recuperação pós-conflito. O Departamento de Assuntos Humanitários, UNICEF,
ACNUR, PNUD, OMS, FAO, PMA, FNUAP, UNIFEM, Alto Comissário para os
Direitos Humanos/Centro de Direitos Humanos e outros órgãos das Nações Unidas
devem tratar a questão das crianças afectadas pelos conflitos armados como uma
preocupação distinta e prioritária. Esse tratamento deve ter como consequência o
estabelecimento de mecanismos necessários para que as violações dos direitos das
crianças sejam informadas.
1. O sistema de direitos humanos das Nações Unidas
285. A Declaração de Viena e o Programa de Acção da Conferência Mundial sobre
os Direitos Humanos recomendou que as matérias relacionadas com os direitos
humanos e a situação das crianças sejam revistas regularmente e acompanhadas
por todos os órgãos e mecanismos pertinentes do sistema das Nações Unidas e
pelos organismos de supervisão das agências especializadas, de acordo com os
seus mandatos. Os direitos das crianças têm de tornar-se uma preocupação distinta
e prioritária no seio de todas as actividades de acompanhamento e informação,
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humanitárias e de direitos humanos das Nações Unidas. No quadro dos seus
mandatos, todos os relatores especiais e grupos de trabalho para países ou temas
devem ter em consideração a situação das crianças afectadas pelos conflitos
armados, sugerindo medidas para evitar o envolvimento das crianças nos conflitos e
promovendo a recuperação física e psicológica, bem como a reintegração social
daquelas que estão afectadas. O enquadramento jurídico para aumentar a protecção
dada às pessoas deslocadas internamente, que o Representante do SecretárioGeral para as Pessoas Deslocadas Internamente tem vindo a desenvolver, deve ser
apoiado e aprovado pela Comissão dos Direitos Humanos e pela Assembleia Geral
como questão prioritária.
Alto Comissário para os Direitos Humanos/Centro de Direitos Humanos
286. A Assembleia Geral, na resolução 48/141, reconheceu a responsabilidade do
Alto Comissário para os Direitos Humanos na coordenação das actividades de
protecção e promoção dos direitos humanos dentro de todo o sistema das Nações
Unidas. Além disso, a Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos considerou
que o Centro de Direitos Humanos devia desempenhar um papel mais importante na
coordenação da atenção para os direitos humanos em todo o sistema. Encoraja-se o
Alto Comissário para os Direitos Humanos/ Centro de Direitos Humanos para
considerar os direitos das crianças em situações de conflito armado,
institucionalizando a cooperação através de acordos com UNICEF, ACNUR, PNUD
e Voluntários das Nações Unidas. O Centro deve contar com os recursos
necessários e pessoal qualificado para levar a cabo estas funções de forma a não
comprometer o mandato que lhe é conferido. A prioridade dos direitos das crianças,
no quadro das operações no terreno referentes aos direitos humanos nas áreas de
conflito, deve ser assegurado através da formação de pessoal de direitos humanos e
de manutenção da paz, devendo ser dada atenção a estes assuntos aquando da
definição dos mandatos pertinentes e da elaboração dos manuais das operações no
terreno.
287. O Comité dos Direitos da Criança, o Comité de Direitos Humanos, o Comité dos
Direitos Económicos, Sociais e Culturais, o Comité contra a Tortura, o Comité de
Eliminação da Discriminação Racial e o Comité de Eliminação da Discriminação
contra as Mulheres devem ter em consideração a situação das crianças afectadas
pelos conflitos armados ao analisarem os relatórios dos Estados Partes e quando
lhes pedirem informações. A reunião de presidentes de órgãos de acompanhamento
dos Tratados deve apurar periodicamente os progressos realizados na protecção
das crianças em situações de conflito armado, assim como quaisquer medidas
adicionais necessárias para melhorar o nível da implementação dos seus direitos
fundamentais. Mais especificamente, o Comité dos Direitos da Criança deve:
a) Continuar a acompanhar as medidas adoptadas pelos Estados Partes para
assegurar a sua conformidade com os princípios e o disposto na Convenção sobre
os Direitos da Criança, dando particular consideração aos passos empreendidos
para promover os direitos das crianças e prevenir os efeitos negativos dos conflitos
armados, assim como quaisquer violações dos direitos das crianças cometidas em
tempo de guerra;
b) Avaliar, à luz do artigo 411 da Convenção, as medidas adoptadas pelos Estados
Partes que sejam ainda mais conducentes à realização dos direitos da criança do
que as estipuladas na Convenção;
c) Incluir nos seus relatórios para a Assembleia Geral, informação específica sobre a
aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança de relevância para a
protecção dos direitos das crianças em tempo de conflito armado;
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d) Nos termos do artigo 451 da Convenção, reforçar o seu papel como ponto fulcral
dos direitos das crianças, assegurando assim um abordagem multidisciplinar e
integrada na acção global do sistema das Nações Unidas. Deve também encorajar e
favorecer a cooperação internacional, em particular com os órgãos das Nações
Unidas, agências especializadas e outros organismos competentes, incluindo ONGs,
para melhorar a situação das crianças afectadas pelos conflitos armados, para
garantir a protecção dos seus direitos fundamentais e prevenir a sua violação,
sempre que necessário, através da aplicação efectiva de programas de ajuda de
emergência e assistência humanitária.
2. Medidas Institucionais
288. Nos conflitos armados, todos os que se interessam pelas crianças têm de pôr
em prática um conjunto de princípios, padrões e linhas de orientação consistentes.
Todo o pessoal das Nações Unidas no terreno deve seguir princípios semelhantes
aos propostos nas linhas de orientação operacionais referentes à protecção dos
mandatos humanitários. Isto deve incluir a situação de crianças afectadas pelo
conflito, os direitos humanos das crianças e as violações dos seus direitos. Com
vista a estes objectivos, as agências devem garantir o acesso à formação adequada.
Reconhecendo o papel crucial que as mulheres desempenham em situações de
conflito armado e a forma como as mulheres e crianças ficam vulneráveis em
situações de conflito armado, a assistência humanitária deve ser específica para o
sexo e a idade. Isto aplicar-se-á na avaliação das necessidades, assim como nas
actividades de reconstrução, de prevenção e após o conflito.
289. O pessoal no terreno das Nações Unidas e o pessoal das organizações de
auxílio humanitário devem tratar as crianças nos conflitos armados como uma
preocupação distinta e prioritária. Este princípio aplica-se ao pessoal em todos os
sectores - militar, político, humanitário, direitos humanos, eleitoral e administrativo e em todas as suas actividades de acompanhamento e informação. À luz do artigo
451 da Convenção sobre os Direitos da Criança e da Declaração de Viena e
Programa de Acção adoptado pela Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos,
todos estes sectores devem estabelecer mecanismos de avaliação e informação
sobre a aplicação da Convenção nas áreas relativas aos seus domínios de
actividade.
290. Cabe aos Governos a responsabilidade primária pela protecção das crianças
em situações de conflito armado e de prevenirem que esses conflitos ocorram. O
presente relatório documenta a magnitude da tarefa e a necessidade da sociedade
civil, órgãos das Nações Unidas e agências especializadas apoiarem esses
esforços. Devido ao seu trabalho, a signatária acredita que a invulgar capacidade de
diversos órgãos e agências especializadas das Nações Unidas pode representar
uma esperança significativa para a protecção e assistência às crianças afectadas
pelos conflitos armados. Na verdade, a signatária começa a acreditar que essa
contribuição anuncia-se como uma das maiores esperanças para o futuro. Tanto a
curto como a longo prazo, o principal objectivo dessa contribuição tem de ser o
reforço da capacidade dos Governos para cumprirem as suas obrigações para com
as crianças, mesmo nas piores circunstâncias. O presente relatório descreve um
grande número de excelentes iniciativas por parte de órgãos e agências
especializadas das Nações Unidas, reconhecendo ao mesmo tempo, que esses
mesmos órgãos e agências especializadas das Nações Unidas estão longe de se
sentirem satisfeitos com os resultados obtidos na sua globalidade. Tendo isto em
mente, a signatária preferiu ser particularmente franca nas suas recomendações
acerca das actividades futuras e acções prioritárias. As seguintes recomendações
dirigem-se a órgãos, programas e fundos relacionados das Nações Unidas, agências
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especializadas e outros organismos autónomos e, ainda, às Instituições Bretton
Woods.
Departamento de Assuntos Humanitários
291. Deve-se assegurar que as respostas rápidas, avaliações, planeamento político,
actividades de formação e avaliação do Departamento de Assuntos Humanitários se
concentrem na criança e na mulher. Isto vai exigir o desenvolvimento de novos
indicadores a serem utilizados na recolha de informação e nos programas de
formação e avaliação. As actividades de prevenção de minas e de reabilitação do
Departamento devem dar ênfase à idade e às mulheres na concepção e execução
das mesmas. Em nome da UNICEF, ACNUR e outros organismos pertinentes, este
Departamento deve solicitar ao Departamento de Assuntos Políticos e ao
Departamento das Operações de Manutenção da Paz do Secretariado para
identificarem de que forma os bens de defesa militares e civis (logística,
fornecimentos, equipamento e pessoal especializado) podem oferecer melhor
protecção para as crianças. No quadro de coordenação estabelecido pelo
Departamento das Operações de Manutenção da Paz, Departamento de Assuntos
Políticos e Departamento de Assuntos Humanitários, em colaboração com o Alto
Comissário para os Direitos Humanos/Centro de Direitos Humanos, deve procederse ao desenvolvimento de orientações e mecanismos de responsabilização, bem
como de formação sistemática sobre instrumentos de direitos humanos e
humanitários para as equipas de manutenção da paz, dando ênfase aos direitos das
crianças. Presidindo às Forças Especiais do Comité Permanente Interagências para
as Pessoas Deslocadas Internamente, o Departamento de Assuntos Humanitários
deve assegurar o desenvolvimento de um quadro institucional adequado para o
tratamento das necessidades especiais das crianças deslocadas internamente.
Fundo das Nações Unidas para a Infância
292. A agenda da UNICEF contra a guerra é reflexo do seu empenhamento,
procurando chegar às crianças afectadas pelos conflitos e as políticas recentemente
adoptadas sobre protecção das crianças constituem um passo importante, dando
maior impacto a esta agenda. Neste quadro, a UNICEF necessita acelerar o
desenvolvimento de orientações políticas e programáticas especificamente
concebidas para a protecção das crianças em situações de conflito armado, dando
atenção especial a medidas de recuperação e desenvolvimento daquelas que estão
deslocadas ou separadas das suas famílias, que possuem incapacidades, que são
exploradas sexualmente, detidas ilegalmente ou recrutadas por grupos armados. A
UNICEF deve também acelerar o desenvolvimento de programas para adolescentes,
inclusive dando oportunidades para a sua participação na concepção,
implementação e avaliação dos programas e reflectindo a importância da educação,
do desporto e recreio na recuperação e desenvolvimento dos adolescentes. A
UNICEF deve assegurar que todas estas preocupações sejam integradas nos
apelos unificados interagências. Além disso, a agência deve estabelecer canais
através dos quais o seu pessoal pode informar sobre violações dos direitos das
crianças. Em colaboração com outras agências especializadas e ONGs, a UNICEF
deve desenvolver um conjunto de indicadores baseados nos direitos da criança que
irão orientar a avaliação e a programação por países. Em cooperação com o
Departamento de Assuntos Humanitários e com as principais organizações
humanitárias, a UNICEF deve ter a liderança da protecção e assistência às crianças
deslocadas internamente. A UNICEF deve dar especial atenção à situação das
mulheres e raparigas afectadas pelo conflito armado, assegurando uma abordagem
sensível à questão do sexo na avaliação, planeamento de programas, concepção e
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implementação de emergências - e oferecer formação adequada, nesta e noutras
áreas dos direitos da criança, ao pessoal no terreno e na sede. A UNICEF deve
assegurar que as acções de realização e manutenção da paz tenham em conta as
necessidades das crianças - no quadro de coordenação do Departamento de
Assuntos Humanitários / Departamento de Assuntos Políticos / Departamento de
Operações de Manutenção da Paz e pelo acompanhamento das reuniões do
Conselho de Segurança.
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
293. Contando com fortes linhas de orientação política, em particular as Linhas de
Orientação sobre a Protecção e Assistência às Crianças Refugiadas, o ACNUR tem
necessidade de assegurar que os padrões e princípios relacionados com o sexo e a
idade sejam aplicados de forma consistente nos programas de todos os países e
nos acordos com parceiros de implementação. Isto vai exigir um maior
desenvolvimento da sua capacidade de resposta e programas de formação para o
pessoal e parceiros de implementação. Reconhecendo que o ACNUR é,
frequentemente, o primeiro a dar resposta às emergências, é essencial que afecte
pessoal qualificado na fase inicial da emergência para garantir que a avaliação e
resposta dos programas sejam apropriadas em relação ao sexo e à idade. Entre
outras matérias, isto levaria à inclusão sistemática das questões relacionadas com a
violência sexual em programas de saúde e psicossociais e à identificação de
medidas práticas de prevenção na concepção e segurança dos campos de
refugiados e processo de distribuição de produtos. O ACNUR deve assegurar o
aspecto psicossocial desde o início de uma emergência, tendo em conta a
comunidade local e as redes sociais. Com base na sua experiência com retornados,
criação de capacidade local e o reforço das instituições, o ACNUR deve assegurar
que as necessidades de protecção e assistência das mulheres e crianças, em
particular quanto às questões de custódia, propriedade e herança para mulheres e
crianças que assumem a chefia do agregado familiar, sejam devidamente tratadas
nos programas de repatriamento e reintegração.
Organização Mundial de Saúde
294. A OMS deve promover, em todas as etapas do conflito, estados de prevenção e
resposta a emergências relacionados com a saúde e o desenvolvimento da criança.
A organização deve conceber indicadores e instrumentos que possam habilitar
outras organizações e agências especializadas a rapidamente avaliar, planear e
implementar actividades essenciais e prioritárias relacionadas com a saúde da
criança, envolvendo as comunidades afectadas. A OMS deve produzir materiais
para crianças de diferentes idades e estágios de desenvolvimento em situações de
conflito armado. Reflectindo a definição de saúde da OMS como envolvendo o bemestar físico, mental e social, a organização deve aumentar a sua colaboração com a
UNICEF, ACNUR, Banco Mundial e PNUD na programação multi-sectorial para as
crianças e reforço das infra-estruturas de saúde pública na reconstrução dos países
afectados por conflitos. Isto deveria englobar a prestação de apoio técnico
substancial através de orientações técnicas e planos de trabalho sobre a saúde da
criança, mais apoio técnico e materiais de formação para dar assistência aos países
e às ONGs na prevenção e gestão das questões de saúde relacionadas com a
violência contra as mulheres e as raparigas durante o conflito armado. Estas
questões devem reflectir-se nos apelos unificados de emergência humanitária. A
colaboração interagências numa apreciação crítica da melhor prática em situações
de conflito pode lançar os alicerces para uma melhor programação destinada a
crianças e adolescentes. A OMS deve facultar a sua experiência em saúde
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reprodutiva na resposta a situações de emergência e contemplar a inclusão do sexo
e as perspectivas das mulheres nas políticas e programas de saúde. A OMS deve
ter um papel de liderança na formação destinada a todos os trabalhadores de saúde
sobre os direitos humanos das crianças. Ao mesmo tempo, deve estabelecer e
promover mecanismos adequados de acompanhamento e informação sobre os
direitos da criança para os profissionais da saúde. Embora não se tratando de ideias
ou políticas novas, encoraja-se a OMS a dar prioridade à sua implementação.
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
295. Encoraja-se o PNUD a dar maior prioridade às necessidades especiais das
crianças e mulheres em situações especiais de desenvolvimento. Os esforços do
PNUD para reduzir as disparidades regionais, políticas, económicas e sociais
através de programas nos países deve dar ênfase a uma abordagem preventiva
através de, por exemplo, medidas para impedir a discriminação contra as mulheres,
minorias e comunidades indígenas. No seio do sistema coordenador residente, o
PNUD tem a responsabilidade de assegurar que as crianças sejam centrais no
quadro global do programa de acção aos níveis nacional e internacional. O PNUD
deve considerar o restabelecimento da saúde, educação e serviços judiciais, assim
como instituições económicas e nacionais como elementos essenciais da
recuperação pós-conflito. O PNUD deve reforçar o apoio ao papel das mulheres na
recuperação de instituições e melhoria da governação, assim como o apoio ao
trabalho da UNIFEM nestas áreas. Em todos os seus programas multisectoriais, por
países e regionais, o PNUD deve integrar medidas concebidas para prevenir o
conflito, nomeadamente através do fortalecimento da sociedade civil.
Programa Mundial para a Alimentação
296. A ajuda alimentar pode constituir um poderoso instrumento no processo de
reabilitação, não apenas como um questão prática por fornecer um suplemento
nutricional, mas também como um recurso a ser usado na recuperação. O PMA
deve encorajar a participação da comunidade na concepção e entrega da ajuda
alimentar e, em particular, assegurar que nos campos de refugiados e pessoas
deslocadas internamente as mulheres sejam o ponto de partida do controlo dos
sistemas de distribuição. O PMA deve colaborar com outras agências especializadas
das Nações Unidas e com ONGs na combinação da ajuda alimentar com programas
concebidos para reforçar a unidade da família, a sua integridade e mecanismos de
sobrevivência. Os programas de ajuda alimentar como "comida em troca de armas"
devem estar ligados à saúde, educação e outras actividades de desenvolvimento na
recuperação e reintegração, em particular para adolescentes e ex-criançassoldados.
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
297. Dada a importância do trabalho da FAO nos sistemas de alerta antecipado e
avaliação e análise sobre segurança alimentar, a organização deve, durante os
conflitos armados, incorporar dados e informação para identificar as vulnerabilidades
particulares das crianças. A FAO deve fornecer a experiência técnica e aconselhar
na concepção dos programas, como os de segurança alimentar, que beneficiem em
melhor proporção as crianças, e projectos para desmobilizar as crianças-soldados
que proporcionem modos de vida alternativos e promovam a integração social.
Tendo identificado um número crescente de crianças que assumem a chefia do
agregado familiar através do seu trabalho com os agricultores, a FAO deve
desenvolver, aplicar e partilhar linhas de orientação sobre o apoio adequado com
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outras agências especializadas. A FAO deve trabalhar com o PMA, UNICEF,
ACNUR e OMS, entre outros, para reforçar a capacidade das famílias nos cuidados
a terem com as suas crianças e assegurarem que esses programas estejam ligados
a actividades de desenvolvimento nas áreas da agricultura, pescas e florestas.
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
298. A Educação tem um papel crucial a desempenhar, preventivo e reabilitativo, na
satisfação das necessidades e direitos das crianças, em particular de situações de
conflito e pós-conflito. A experiência da UNESCO no desenvolvimento de programas
curriculares de ensino e formação de professores deve ser utilizada para apoio aos
programas educacionais conduzidos por agências operacionais em todas as fases
do conflito, mas especialmente durante situações de emergência e no período crítico
da reabilitação e reconstrução. Encoraja-se a UNESCO a colaborar com a OIT,
UNICEF, ACNUR, PNUD e agências especializadas pertinentes, assim como com
ONGs nacionais e internacionais, no mais rápido desenvolvimento de actividades e
programas apropriados para adolescentes, especialmente para antigas crianças
combatentes. Essas actividades podiam incluir o desenvolvimento da comunicação,
desportos e recreio como oportunidades para desenvolver competências e promover
a saúde. Em colaboração com o Departamento de Assuntos Humanitários, a
UNICEF e as ONGs envolvidas, a UNESCO deve produzir e promover materiais
para prevenção de minas, realizando um encontro técnico para identificar as
melhores práticas e avaliar programas de prevenção de minas para crianças. A
UNESCO deve também dar assistência a outros órgãos das Nações Unidas e
agências especializadas, ONGs e sistemas de ensino em educação para a paz,
identificando melhores práticas, desenvolvendo sólidos mecanismos de avaliação,
programas de avaliação de necessidades, melhores formas de coordenação e
materiais didácticos.
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres
299. A UNIFEM deve trabalhar estreitamente com a UNICEF expandindo o apoio às
raparigas e mulheres em situações de crise. Deve também alargar as actividades
das mulheres na realização e construção da paz. A UNIFEM deve assumir a
liderança, ao nível global do sistema, para assegurar que as avaliações preliminares,
linhas de orientação, formação e avaliações finais sejam sensíveis à questão
feminina. A UNIFEM deve desenvolver e promover formação sobre os direitos
humanos das mulheres destinada aos sistemas militares e judiciais. Em cooperação
com a FNUAP, OMS e UNICEF, a UNIFEM deve assegurar que todas as respostas
humanitárias abordem as necessidades especiais de saúde reprodutiva das
mulheres e raparigas e deve desenvolver linhas de orientação para que se
participem as violações baseadas no sexo. Mais ainda, o Fundo deve facilitar o
acesso a medidas jurídicas e de reabilitação apropriadas para as vítimas de
violência com base no sexo e vítimas da exploração sexual.
Instituições Bretton Woods
300. A colaboração entre as Instituições Bretton Woods e as agências
especializadas do sistema das Nações Unidas deve processar-se de forma a ajudar
a tornar possíveis os recursos necessários para tratar as questões das crianças
afectadas pelos conflitos armados. Encoraja-se o Banco Mundial a prestar maior
atenção à preservação e desenvolvimento do capital humano nos países afectados
por conflitos, em especial das crianças e dos jovens. As iniciativas de recuperação
pós-conflito que não estejam fundamentalmente ligadas à ajuda de emergência,
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especialmente na área da educação, irão, em última análise, minar qualquer
potencial benefício. As iniciativas macro-económicas não podem sustentar uma
reconstrução pacífica sem atenção equivalente ao nível da micro-cooperação. O
Banco Mundial pode dar um importante contributo global avaliando os benefícios da
prevenção através da ajuda ao desenvolvimento, e assegurando uma resposta mais
bem coordenada e com mais recursos financeiros às necessidades dos países
afectados por conflitos. Dentro destes parâmetros, o trabalho do Banco na
educação, remoção de minas e desmobilização deve centrar-se ainda mais nas
crianças.
Outras organizações relacionadas
301. Existem algumas organizações do sistema das Nações Unidas que possuem
mandatos estreitamente relacionados com muitas das preocupações levantadas no
presente relatório. Por exemplo, os padrões da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) em áreas como a reabilitação profissional, o emprego das pessoas
incapacitadas, emprego especial para jovens e esquemas de formação e
desenvolvimento dos recursos humanos, devem constituir a base para uma
reabilitação inovadora e programas de integração social para adolescentes nas
situações pós-conflito, especialmente para as ex-crianças-soldados, crianças com
incapacidades e crianças que perderam oportunidades educativas. O Fundo das
Nações Unidas para a População (FNUAP) deve aumentar a sua colaboração com
agências operacionais para assegurar que as necessidades da saúde reprodutiva
das mulheres e raparigas sejam devidamente tratadas em situações de emergência
e pós-conflito. Mais ainda, o papel da Organização Internacional para as Migrações
(OIM) em actividades de refugiados e migrações é cada vez mais importante. Sendo
uma agência especial intergovernamental, encoraja-se a OIM a desenvolver mais o
seu papel de assistência e protecção das pessoas deslocadas internamente, em
particular para assegurar que as preocupações especiais das crianças sejam
incorporadas nas suas actividades de evacuação, transporte e tratamento. A
signatária deseja também chamar a atenção para o trabalho do Instituto de Pesquisa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social (UNRISD) em projectos de
sociedades dilaceradas pela guerra, reconhecendo as suas potencialidades para
chamar a atenção para as necessidades das crianças na recuperação pós-conflito.
Comité Internacional da Cruz Vermelha, a Federação Internacional da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho e respectivas Sociedades Nacionais
302. O Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a Federação Internacional da
Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV) e respectivas Sociedades
Nacionais têm um mandato especial e dão um contributo único que inclui a
assistência médica de emergência, o reagrupamento das famílias separadas e o
acesso às pessoas deslocadas internamente. As resoluções adoptadas na vigésima
sexta Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, em
particular a resolução 2 e o plano de acção para crianças vítimas de conflito armado,
deve ser aplicado de forma a abranger completamente os movimentos de
população. O papel da Agência Central de Pesquisas do CICV é de importância vital
para o reagrupamento das crianças e das famílias. A signatária apela para uma
cooperação continuada e alargada nos programas de pesquisa e reagrupamento
com o ACNUR, UNICEF e ONGs especializadas. Constituindo um contributo
essencial para a prevenção e promoção da aplicação prática do direito humanitário,
os serviços de aconselhamento do CICV aos Governos deve ser reforçado com
especial atenção para as crianças. A difusão deve estender-se à sociedade civil e a
outras agências humanitárias. Será especialmente bem acolhido o desenvolvimento
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de orientações pelas forças das Nações Unidas no que diz respeito ao direito
humanitário internacional.
3. Mecanismos inter-institucionais
303. É necessário posteriores discussões sobre mecanismos inter-institucionais para
assegurar que seja dada a devida prioridade às dimensões das operações
humanitárias e de manutenção da paz que envolvem as crianças.
Departamento de Operações de Manutenção da Paz / Departamento de
Assuntos Políticos / Departamento de Assuntos Humanitários: quadro de
coordenação
304. Em 1994, foi estabelecido o quadro para partilha de informação pelos
Departamentos de Operações de Manutenção da Paz, Assuntos Políticos e
Assuntos Humanitários do Secretariado. Em consulta com membros do Comité
Permanente Interagências, o Coordenador da Ajuda de Emergência das Nações
Unidas deve assegurar que seja tida especial consideração pelas crianças afectadas
pelo conflito contemplando-as nos planos, conselhos, recomendações e propostas
humanitárias e de manutenção da paz das Nações Unidas a apresentar ao Conselho
de Segurança. Neste contexto, deve salientar-se o papel das forças de manutenção
da paz na promoção e respeito pelos direitos das crianças, com especial atenção
para a desmobilização e reintegração social das crianças-soldados. O Coordenador
da Ajuda de Emergência deve insistir para que a situação das crianças afectadas
pelo conflito seja tratada em todos os níveis das actividades no país, assim como
nas operações no terreno das Nações Unidas, mandatadas pelo Conselho de
Segurança, Assembleia Geral ou Alto Comissário para os Direitos Humanos. O
Coordenador deve também assegurar que seja considerada uma prioridade nos
programas que apoiam as necessidades das crianças afectadas pelo conflito e dos
responsáveis pelos seus cuidados primários na preparação dos apelos unificados
interagências.
Comité Permanente Interagências
305. Emanado da resolução da Assembleia Geral 46/182 de 19 de Dezembro de
1991, o Comité Permanente Interagências foi criado para assegurar uma política e
resposta operacional coordenadas aos problemas de emergências. As agências
relacionadas como a UNICEF devem desenvolver orientações genéricas
interagências referentes às crianças afectadas pelo conflito para serem usadas nos
processos de apelo unificado interagências. A substância dessas linhas de
orientação devem reflectir-se nos termos de referência dos coordenadores
residentes e humanitários e daqueles que têm responsabilidades políticas, como os
representantes especiais do Secretário-Geral.
Comité Administrativo de Coordenação e Comité Consultivo para Programas e
Questões Operacionais
306. O Comité Administrativo de Coordenação e seus mecanismos subsidiários,
nomeadamente o Comité Consultivo para Programas e Questões Operacionais,
devem debater formas de ligar as actividades de desenvolvimento e reabilitação
relacionadas com a criança com a ajuda de emergência e recuperação,
assegurando que todas as orientações pertinentes e propostas estratégicas reflictam
as necessidades específicas das crianças afectadas pela guerra. O Comité
Administrativo de Coordenação deve ratificar os princípios e linhas de orientação
que resultem deste processo, servindo-se deles como modelo para integrar as
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preocupações relacionadas com a criança nas avaliações interagências, nos apelos
unificados, mesas redondas e reuniões de grupo consultivas. Acrescente-se que o
Comité Administrativo de Coordenação deve ser informado periodicamente pelo
Departamento de Assuntos Humanitários, UNICEF e ACNUR acerca dos
desenvolvimentos relacionados com as questões das crianças. As áreas de
preocupação especial devem ser consideradas por vários grupos de trabalho criados
pelo Comité Administrativo de Coordenação para seguimento interagências de
recentes conferências globais e como parte das actividades de construção da paz,
resolução do conflito e reconciliação nacional da Iniciativa Especial para África do
Sistema Global das Nações Unidas. Por outras palavras, as crianças nos conflitos
devem constituir parte normal da agenda do Comité Administrativo de Coordenação.
D. Organizações da sociedade civil
307. No decorrer de consultas regionais, viagens ao terreno e pesquisas efectuadas
pela signatária, as organizações da sociedade civil contribuíram com uma enorme
variedade de conhecimentos e experiências nas questões das crianças e conflitos.
Muitas destas organizações foram centrais na difusão da mensagem da Convenção
sobre os Direitos da Criança e na aplicação dos seus princípios. Mostraram que
querem e são capazes de trazer algo de novo aos programas de desenvolvimento,
ousando defender e correr riscos para proteger e promover os direitos das crianças
em situações de conflito. Desde as federações internacionais de grupos religiosos e
organizações nacionais de desenvolvimento até aos projectos locais, as
organizações da sociedade civil continuam a demonstrar que têm um papel
essencial na promoção dos direitos e na garantia de bem-estar das crianças e suas
famílias. Muitos destes grupos ajudaram a desenvolver as questões e
recomendações contidas no presente relatório. O papel da sociedade civil será
crucial na aplicação destas recomendações e na assistência aos Governos e
agências internacionais no cumprimento das suas obrigações para com as crianças.
308. As organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental na
prevenção dos conflitos, na protecção das crianças e na reconstrução das
sociedades afectadas por conflitos. Fazem-no através da defesa, pesquisa e
informação, acompanhamento dos direitos humanos, intervenção nos programas,
formação e assistência humanitária. Devido à sua importância, é essencial manter
um diálogo vivo e uma cooperação entre todos os grupos e com organismos
regionais, instituições nacionais e a comunidade internacional. Encorajam-se as
ONGs, comunidades religiosas, organizações culturais, educadores, redes e
associações profissionais e académicas e órgãos de comunicação social a usar os
padrões internacionais relativos à protecção dos direitos das crianças como um
enquadramento para o seu trabalho, continuando a trazer estes assuntos de
interesse à atenção da comunidade internacional.
309. As organizações que lidam especificamente com mulheres, famílias e
comunidades são especialmente importantes. Embora as funções das mulheres na
protecção e apoio às crianças e famílias seja bem reconhecida, a sua participação
nas esferas económica, política e da segurança é bem menos admitida e apoiada.
As mulheres têm sido agentes activos na construção da paz e na resolução do
conflito ao nível local, devendo aumentar sua participação aos níveis nacional,
regional e internacional. Os Governos, as agências e outros actores da sociedade
civil têm de utilizar as ideias, o conhecimento e a experiência que as mulheres
adquiriram protegendo as suas crianças, mantendo as famílias e dando suporte às
comunidade, muitas vezes, em circunstâncias perigosas e inseguras. As
organizações e redes de mulheres devem ser fortalecidas a todos os níveis, como
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forma de optimizar a contribuição das mulheres na protecção das crianças, para a
paz, a justiça social e o desenvolvimento humano.
310. Encorajam-se as organizações da sociedade civil a desenvolver capacidades
aos níveis nacional, regional e global, a efectuar as devidas pesquisas; formar
alianças, redes e campanhas sobre questões-chave como as crianças-soldados; e
ajudar a criar o ambiente propício a actividades em prol dos direitos da criança.
311. Com o apoio da comunidade internacional, a signatária encoraja as
organizações da sociedade civil a prepararem um encontro internacional sobre os
direitos das crianças e os conflitos armados. Esse encontro deveria realizar-se em
Setembro de 2000, 10 anos após a entrada em vigor da Convenção sobre os
Direitos da Criança e dos líderes mundiais se terem reunido na Cimeira Mundial para
as Crianças. O encontro deve avaliar os progressos alcançados globalmente,
subsequentes ao enunciado no presente relatório, assim como formas e meios
futuros de continuar a melhorar a situação das crianças afectadas pelos conflitos
armados. Embora isto possa parecer uma recomendação invulgar da parte da
signatária, há que entender que estamos a lidar com circunstâncias muitas vezes
desesperadas para as crianças e que o papel interveniente da sociedade civil é
crucial no auxílio e bem-estar das crianças.
VII.CONCLUSÕES
"Queremos uma sociedade em que as pessoas sejam mais importantes do que
as coisas,
em que as crianças sejam preciosas;
um mundo em que as pessoas possam ser mais humanas,
mais interessadas e afáveis."
312. O presente relatório apresenta recomendações para a protecção das crianças
durante os conflitos armados. Concentra-se naquilo que são aspectos práticos e
possíveis, mas isto não é suficiente. Ao considerarmos o futuro das crianças, temos
de ser audaciosos. Temos de olhar para além do que parece ser imediatamente
possível e descobrir novas maneiras e novas soluções para defendermos as
crianças das consequências da guerra e atacarmos directamente os próprios
conflitos.
313. Trata-se de uma questão moral clara e indiscutível a protecção de todas as
crianças enquanto se procura a resolução pacífica das guerras e se contestam as
justificações para qualquer conflito armado. Se as crianças estão ainda a ser tão
vergonhosamente agredidas, tal é uma indicação clara de que mal começámos a
cumprir a nossas obrigações para as protegermos. O sofrimento imediato das
crianças, os danos físicos, a violência sexual, a angústia psicossocial, são afrontas a
todo e qualquer impulso humanitário que inspirou a Convenção sobre os Direitos da
Criança. A Convenção vincula os Estados a satisfazerem o mais amplo leque dos
direitos da criança, a cumprir o direito à saúde, à educação e ao crescimento e
desenvolvimento no seio de famílias e comunidades que cuidam e apoiam a criança.
314. O relatório mostrou que todos os direitos de que as crianças são titulares são
constantemente violados durante os conflitos armados. Virar os holofotes sobre tais
abusos é um pequeno passo para que sejam combatidos. A exposição de tais
abusos desafia os seus autores a dar a cara e lembra aos defensores dos direitos
das crianças a grandeza desmedida da tarefa que têm pela frente. A única medida
que o presente relatório não pode julgar é a resposta que vai obter e a acção que vai
motivar. Em certa medida, ambas já se encontram em curso: o relatório, sob várias
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formas, consiste em algo de novo, centrando-se não apenas no debate ou na
resolução que constituem o produto final, mas num processo de consultas e
cooperação entre Governos, agências internacionais, ONGs e muitos outros
elementos da sociedade civil. Acima de tudo, o relatório envolveu famílias e crianças
que explicaram a sua situação e avaliaram os seus direitos.
315. A mobilização de trabalho para o presente relatório continua. Já foram
assumidos compromissos, aos níveis nacional e regional, para convocar reuniões
que irão começar a implementar as conclusões do relatório. Estão planeadas futuras
publicações, nomeadamente um livro, uma série de documentos de pesquisa,
pacotes informativos e uma versão popular do relatório. Na preparação deste
relatório houve muitas outras questões que não foram cobertas em tempo útil e que
exigem investigação posterior. Nelas se incluem: questões operacionais que afectam
a protecção das crianças em situações de emergência; abordagens centradas na
criança na prevenção de conflitos e na reconstrução e desenvolvimento; o
tratamento das violações dos direitos das crianças no quadro dos mecanismos
existentes de direitos humanos; o papel dos militares na protecção dos direitos das
crianças; as questões dos direitos da criança em relação às agendas sobre a paz e
a segurança; programas especiais para adolescentes em situações de conflito e,
particularmente, para crianças que assumem a chefia do agregado familiar; o papel
das mulheres na prevenção, gestão e resolução dos conflitos; abordagens regionais
e comunitárias à ajuda humanitária de emergência; e o desenvolvimento de
programas eficazes de formação na área dos direitos da criança para todos os
actores em situações de conflito. Para seguimento deste relatório, recomenda-se o
prosseguimento de cada um destes assuntos através de pesquisas e outros meios.
316. O flagrante abuso e a exploração das crianças durante os conflitos armados
podem e têm de ser eliminados. Desde há muito que temos cedido a falsas
pretensões de que o envolvimento das crianças nos conflitos armados embora
lamentável, é inevitável. Não é. As crianças são normalmente apanhadas numa
situação de guerra em consequência de decisões conscientes e deliberadas
tomadas pelos adultos. Há que desafiar cada uma destas decisões e temos de
refutar a argumentação política e militar que peca por raciocínio deficiente, os
protestos de impotência e as tentativas cínicas para mascarar as crianças-soldados
como simples jovens "voluntários".
317. Acima de tudo, o presente relatório consiste num apelo à acção. É uma
inconsciência vermos tão clara e consistentemente os direitos das crianças a serem
atacados e não os defendermos. É imperdoável que as crianças sejam agredidas,
violadas, assassinadas e, mesmo assim, a nossa consciência não se revolte ou o
nosso sentido de dignidade não seja abalado. Isto representa um crise fundamental
na nossa civilização. O impacto dos conflitos armados nas crianças tem de ser
preocupação de todos e é da responsabilidade de cada um: Governos, organizações
internacionais e cada elemento da sociedade civil. Cada um de nós, cada indivíduo,
cada instituição, cada país, tem de encetar e apoiar uma acção global para proteger
as crianças. As estratégias têm de reforçar-se e de ser reforçadas através da
mobilização internacional.
318. Proclamemos as crianças como "zonas de paz". Assim procedendo, a
humanidade declarará finalmente a infância inviolável e que todas as crianças têm
de ser poupadas aos efeitos perniciosos do conflito armado. As crianças afiguramse-nos como a única motivação que compele à mobilização. A preocupação
universal pelas crianças oferece novas possibilidades para confrontar os problemas
que lhes causam sofrimento. Centrando-se nas crianças, os políticos, os Governos,
os militares e as entidades não-estatais irão começar a reconhecer quanto destroem
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com os conflitos armados e, por consequência, o pouco que ganham. Aproveitemos
esta oportunidade para retomar o nosso instinto de proteger e alimentar as crianças.
Transformemos a nossa indignação moral em acções concretas. As nossas crianças
têm direito à paz. A paz é um direito de toda a criança.
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