MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS PRE/L/2012 - RE - P _____ RECURSO ELEITORAL nº 240-51.2012.6.13.0275 RECORRENTE: Leonardo Bicalho Teixeira RECORRIDO: Partido Progressista RELATOR: Desembargador Antônio Carlos Cruvinel 275ª ZE – Ubá - Divinésia/MG O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por intermédio da PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, devidamente instado a manifestar-se, o faz nos seguintes termos. Trata-se de recurso interposto contra decisão que indeferiu a transferência eleitoral da r ecorrente por falta de prova sobre a existência de vínculo com o município. O recorrente sustentou, em síntese, possuir vínculos afetivos com o município, além de manter residência na localidade. Sustentou que o conceito de domicílio eleitoral é bem mais amplo que o de domicílio civil, segundo precedentes do TSE. O recorrido, apesar de intimado, não apresentou contrarrazões (f. 23). Regularmente intimado, o MPE opinou pela manutenção da decisão de indeferimento de transferência de domicílio eleitoral. É o relatório. _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS Inicialmente, cumpre notar que o procedimento administrativo de impugnação da transferência eleitoral dos recorrentes não obedeceu ao trâmite estabelecido pela Lei nº 6.996/1982, que não prevê impugnação do pedido de transferência ou inscriç ão, mas recurso a ser interposto pelo alistando, no caso de indeferimento, ou por delegado de partido, em caso de deferimento. Contudo, sem prejuízo às partes ou ao interesse público, nenhuma nulidade deve ser declarada. No que tange ao necessário vínculo com o município, impende salientar que o conceito de domicílio eleitoral, para fins de inscrição e transferência, extrai-se dos artigos 4º, parágrafo único e 8º da Lei nº 6.996/82, que assim dispõem: Art. 4º - O alistamento se faz mediante a inscrição do eleitor. Parágrafo único - Par a efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar -se-á domicílio qualquer delas. (...) Art. 8º - A transferência do eleitor só s erá admitida se satisfeitas as seguintes exi gências: (...) III - residência mí ni ma de 3 (três) meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor. Por sua vez, o Provimento nº 017/CRE/2011 da CRE/MG, que “Expede instruções para revisão do eleitorado com identificação biométrica em Municípios do Estado de Minas Gerais” estabelece: Art. 4º A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente no município ou nele pos suir vínculo familiar, pr ofissional, patrimoni al ou comunitário a abonar a residência exigida. ( Arts. 64 e 65 da Resolução nº 21.538/2003/TSE c/c Ac. TSE nº 371.C, de 19.9.96). (...) _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS § 4º Ocorrendo a i mpossibilidade de apresentação de qualquer documento que identifique o domicílio do eleitor ou subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado, declarando o eleitor, sob penas da lei, ter domicílio no município, o Juiz Eleitoral decidirá de plano ou deter minará as providências ne cessárias à obtenção da prova, inclusi ve por meio de verificação no local. A extensão do conceito de domicílio eleitoral, realizada pelo referido Provimento 017/CRE/2011, encontra apoio em diversos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, que em geral definem como sendo o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos . 1 Esta Procuradoria Regional Eleitoral vinha seguindo essa orientação. Ou seja, entendia -se que se provados vínculos políticos, afetivos ou sociais do eleitor com o m unicípio, restaria atendido o requisito domiciliar para fins de inscrição ou transferência eleitoral. Contudo, conhecidas e não raras fraudes praticadas em ano eleitoral com a finalidade de arregimentação de eleitores comprometidos com determinado candidato, e que resulta, muitas vezes, em um fenômeno demográfico no município que acaba por ter mais eleitores que habitantes, como parece ser o caso dos autos, levaram a uma melhor reflexão e mudança de posição sobre o assunto. Oportuno o resgate da definiçã o de domicílio da pessoa natural, segundo o Código Civil que, no artigo 70, estabelece que domicílio é o lugar onde ela estabelece residência com ânimo definitivo. Vê -se que o legislador, para definir o domicílio civil, reuniu dois elementos: um material, ou externo 1 RESPE Ac. nº 23.721/2004. Publicação: DJ, v. 1, 18/03/2005, p. 184. Relator: Humberto Gomes de Barros. _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS – a residência, e outro psíquico, ou interno – a intenção de permanecer. Domicílio civil, pressupõe, portanto, a relação física (residência ou moradia) da pessoa com o local, além de um outro elemento anímico ou subjetivo, a intenção de ali permanecer. Não se desconhece que legislador civil admitiu a pluralidade de domicílios, considerando a possibilidade de o indivíduo possuir mais de uma residência de maneira não eventual (art. 71). Para além disso, pode ser considerado o domicílio da pessoa natural o lugar onde ela exerça suas atividades (art. 72), e, por fim, pode -se ainda considerar domiciliada a pessoa onde for encontrada, desde que não tenha residência permanente (art. 73). No entanto, para fins eleitorais, especificamente para a inscrição eleitoral, o legislador não edificou a definição de domicílio sobre os mesmos elementos (residência e ânimo de permanência), tendo se contentado apenas com o primeiro. Assim é que, para fins eleitorais, considera-se domicílio o lugar de residência ou moradia do eleitor (Lei nº 9.096/82, art. 4º). Mas isso não autoriza a inferência de que vínculos de natureza econômica, profissional, política, social ou afetiva possam instar a qualificação jurídica do lugar como domicílio. Isso porque, como parece óbvio, o elemento descritivo (residência ou moradia), que é o ponto nuclear da definição formulada pela lei eleitoral, traz ínsita a ideia de relação física entre o lugar e a pessoa. Em outros termos, é necessário, para a configuração de um domicílio eleitoral, que no lugar considerado a pessoa disponha de casa, apartamento, barracão ou outro tipo de imóvel, próprio, alugado ou cedido em comodato, para onde se recolha, que lhe sirva de abrigo. E, diga -se _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS mais, essa relação física somente haverá de se caracter izar como residência ou moradia se for não eventual. Não obstante a clareza e perfeita delimitação da definição de domicílio conferida pela lei eleitoral, diversos precedentes do TSE, como já apontado, têm emprestado à expressão domicílio eleitoral uma e xagerada e desarrazoada amplitude conceitual, ao ponto de abarcar no espectro conceitual de residência ou moradia situações como a de vínculos políticos, afetivos ou de parentesco, econômicos, e outros mais. Com isso se quer dizer que a amplitude conferid a ao significado de domicílio eleitoral nos apontados precedentes refoge, evidentemente, às possibilidades semânticas que o texto do artigo 4º da Lei nº 9.096/82 oferece. Não se pretende aqui afirmar que seja a interpretação resultante do método de análise puramente literal ou gramatical do texto a única possível. É certo, como há muito já se afirma, que o sentido ou os sentidos possíveis de um enunciado normativo devem ser revelados a partir de um processo de interpretação que, conforme o caso, haverá de ser mais ou menos complexo, mais ou menos elaborado, podendo chegar -se à consideração de elementos históricos, de análise sistemática, de integração da norma à realidade (social, política e econômica) e de interdisciplinariedade. É possível que a interp retação, exercitada com apoio em tais elementos, venha a revelar vários sentidos possíveis da norma, caso em que o intérprete deverá manifestar preferência por aquele que melhor se ajuste à _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS pauta axiológica do sistema ou subsistema normativo em que inserid a a disposição normativa objeto da interpretação. De ver-se que a demasiada extensão do espectro conceitual de domicílio eleitoral, apontada nos precedentes do TSE, é uma posição que se apresenta em desconformidade evidente com o sentido gramatical do enunciado normativo em exame. Para ser sustentável juridicamente, essa posição jurisprudencial dependeria de muito bem articulada fundamentação, digna de um vigoroso esforço hermenêutico. Entretanto, ao exame das peças do inteiro teor dos julgados referidos não se encontra mais do que lacônicos argumentos, reportados nas notas remissas abaixo. 2 Em suas ponderações, Luiz Lênio Streck, considerou a assertiva de que o sentido gramatical de um enunciado normativo não traduz exatamente o conteúdo da norma, p orquanto esse conteúdo só é possível de ver-se revelado a partir de um processo de interpretação. Mas é fora de dúvida que não se pode buscar o sentido da norma absolutamente desconectado do sentido gramatical do texto. Os textos que integram o direito positivo contêm a norma. São textos jurídicos, não textos contábeis ou “Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos. A residência é a materialização desses atributos.” Voto do Min. Humberto Gomes de Barros no RESPE 23721. “ (…) o TSE, ao interpretar os arts. 42 e 55 do Código Eleitoral, tem liberalizado a caracterização do domicílio eleitoral e admitido o seu deferimento em lugar distinto daquele em que o eleitor mantém o domicílio civil, desde que demonstrado o vínculo.” Voto do Min. Francisco Peçanha Martins no RESPE 21.829. “O conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio do direito comum, regido pelo Código Civil. Mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos políticos e sociais.” Voto do Min. Sávio de Figueiredo no RESPE 16.397. 2 _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS religiosos. Os enunciados normativos podem não dizer exatamente o que é a norma; podem não esgotar ou mesmo transbordar o seu conteúdo. Porém, a compreensão do sentido da norma há que part ir de um enunciado normativo e não pode se produzir sem a compreensão de que entre texto e norma, respectivamente, se estabelece uma relação tal qual aquela que há entre o ente e o ser. Por essa razões, e pedindo venia àqueles que comungam da interpretação conferida pelo c. TSE à norma em questão, está a merecer revisão o entendimento esposado por aquela Corte Superior. Não se pode aceitar como domicílio eleitoral, para fins de inscrição ou transferência eleitoral, qualquer outro vínculo do eleitor com o m unicípio que não seja a residência ou a moradia, conforme estabelece o artigo 4º da Lei nº 9.096/82. Qualquer outra interpretação da norma que admita diferente espécie de vínculo transborda os limites hermenêuticos, indo além da leitura construtiva do direito para contrariar o objeto da interpretação, não podendo ser aceita sob pena de completa desconexão entre a norma e sua aplicação. Ainda assim, levando-se em conta que a simples moradia 3 foi considerada pelo legislador como critério de definição do domi cílio eleitoral, é possível que o eleitor possua dois domicílios, podendo legitimamente inscrever-se ou transferir sua inscrição para qualquer um deles. Seria, por exemplo, o caso daqueles que durante a semana trabalham nos grandes centros e lá estabelece m moradia para esse fim, no entanto residem em município do interior, onde pretendem permanecer independentemente de 3 Segundo Caio Mário da Silva Pereira, moradia e residência se distinguem numa escala de gradação, onde moradia estaria colocada antes de residência e o que definiria essa posição seria a estabilidade na habitação. (Instituições de Direito Civil, v. I, 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 371) _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS eventuais alterações em suas atividades profissionais. Nesses casos estaria estabelecido o vínculo exigido pela lei eleitoral para inscriçã o ou transferência em qualquer dos municípios. Porém não em meras relações familiares, econômicas ou sociais. Nessa linha de ideias, no caso em apreço o recorrente limitou se a alegar que possui domicílio em Divinésia/MG, sem, contudo, desincumbir-se do ônus de provar tais alegações. A certidão de lavra do oficial de justiça da 275ª ZE é prova cabal de que o recorrente não reside em Divinésia/MG, mas sim em Ubá/MG, como informaram os vizinhos (f. 05). Percebe-se que a conta de luz juntada aos autos como prova do endereço na localidade, além de constar endereço em Ubá/MG (f. 08), é da avó do recorrente e não constitui prova hábil a atestar o domicílio eleitoral em Divinésia/MG, mesmo ardil já utilizado pelo filho da senhora cujo nome consta na conta de ene rgia referida (Recurso eleitoral nº 239 - 66.2012.6.13.0275, também distribuído a este ilustre Relator). Como para a transferência eleitoral cabe ao interessado provar o vínculo, e não foi produzida qualquer prova pelo recorrente, não merece provimento o seu pleito. Ante o exposto, manifesta -se o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por intermédio da PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, pelo não provimento do recurso . Belo Horizonte, 06 de julho de 2012. _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS EDUARDO MORATO FONSECA PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL _________________________________________________________________________________________________ Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002 Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG 9