Leitura de fatos violentos publicados na mídia Ano 7, nº 14, 02/04/07 PESCADOR NÃO PODE PESCAR. PESCADOR SÓ SABE PESCAR Não se deve comer carne na sexta-feira santa. A mesa dos baianos do Recôncavo é sempre rica em peixes e mariscos nesse dia. Mas na quaresma de 2007 não é recomendado o consumo de frutos do mar frescos e o bacalhau está pela hora da morte. O pescador não deve pescar, o consumidor não deve comer e o mar está para peixe morto, para frutos envenenados. Os pescadores se manifestaram ontem, 31 de março, interrompendo uma rodovia para dizer que seus afazeres foram suspensos e estão a ver navios. Alguns deles continuam a comer os mariscos, apesar das recomendações contrárias insistentemente anunciadas pelos meios de comunicação de massa. O governo do estado tem distribuído cestas básicas nos municípios afetados pela mortandade. A mídia tem mostrado as praias apinhadas de peixes mortos. O estado recolheu amostras para estudar o caso em laboratório. Entre as possíveis causas foi ventilada a possibilidade do uso de bombas pelos pescadores, mas a olhar a fisionomia, as vestes ou as habitações daquela população resta a impressão de que eles não teriam tanta “pólvora” capaz de abater tantas toneladas de frutos do mar. Vê-se, também, em seus dizeres e semblantes um quê de perda do controle sobre um mar tão conhecido, tão amigo, tão pai. Aquelas cenas agora recorrentes nas telas de TV lembram um momento em que Jesus, crucificado exclama: Pai, porque me abandonaste! Parece, também, que aquelas pessoas, não obstante a modernidade da era atual, vivem numa nesga de tempo mais primitivo com pouca tecnologia a mediar a sua relação com a natureza, quase a pescar o peixe com a mão. Nas praias estão expostos os seus barcos toscos e agora inúteis. E os marisqueiros que têm na sua definição habitual a expressão catadores de mariscos, representam a chave que revela uma técnica desprovida de equipamentos. Suas mãos são suas pinças, suas engrenagens removedoras, capazes de reconhecer, de auscultar e de retirar o produto que pode fazer diferença à imagem da Bahia, no seu aspecto culinário, no seu propalado paladar. Estranho sabor experimentamos ao observarmos a vulnerabilidade em que vivem esses operários que ocupam os primeiros postos na linha de produção dos pratos que tanto representam a Bahia. Nossos fornecedores para as moquecas, as casquinhas de siri, os caldos de sururu, as patinhas de caranguejo sem falar dos recheios deliciosos de nossos abarás, acarajés e de nossas empadas. A possível escassez dessas delícias faz emergir, como que pescados do fundo do mar, esses personagens, responsáveis, em grande parte, pela garantia do nosso patrimônio culinário. Sim, porque o peixe e o marisco não nascem no supermercado ou nas bancas das feiras livres. Eles vêm do mar, eles vêm das águas e são colhidos por esses homens e mulheres que agora olham para o oceano sem saber até quando as suas perícias permanecerão inúteis para desvendar os mistérios do mar. O Fórum Comunitário de Combate à Violência se solidariza com a população vitimada pela catástrofe ambiental, esperando que medidas sejam tomadas no sentido de se identificar e punir os responsáveis e que a situação dos pescadores e marisqueiros seja equacionada de modo a assegurar o retorno aos seus afazeres que, ao que tudo indica, significa para aqueles indivíduos a sua dignidade, valor fundamental a ser considerado quando nos colocamos na defesa dos direitos humanos.