Torres Filho, Ernani Teixeira. “Economia do Japão vai mal, e pode piorar” Rio de Janeiro: Valor Econômico, 18 de junho de 2001. Jel: F Economia do Japão vai mal, e pode piorar Ernani Teixeira Torres Filho Em março último, o Ministro das Finanças japonês fez um anúncio inusitado. Para escândalo geral, disse publicamente que o governo de seu país estava à beira de um colapso financeiro. Duas semanas depois, o presidente do Banco do Japão (BoJ ) anunciou uma mudança radical na política monetária do país, a segunda em menos de um ano. Depois de, contrariamente ao desejo do governo, subir a taxa de juros de 0% para 0,15% ao ano em agosto de 2000, o BoJ decidiu abandonar a política de metas de taxas de juros pela de metas inflacionárias. Diante do agravamento da recessão e da deflação, o Banco Central se comprometia agora a adquirir títulos públicos até que houvesse uma clara indicação de que os preços ao consumidor estavam novamente subindo no mercado interno. Era mais um capítulo na luta interna no governo japonês pela condução da política econômica. Depois de mais de uma década de crise, onde estagnação e desemprego crescente se misturam a falências e deflação, a perspectiva de um agravamento da situação interna vem gerando disputas acirradas entre os principais atores políticos e econômicos. A sucessão de coalizões parlamentares instáveis que governou o país nos últimos 10 anos é uma clara demonstração dessas dificuldades. O problema nesse momento é que, de acordo com o programa de reformas estruturais do governo, os bancos japoneses, em nome da transparência de suas operações, serão obrigados a apresentar seus resultados do 1º semestre de 2001 contabilizados a preços de mercado. Este procedimento não geraria maiores problemas não fosse o elevado volume de "crédito podres" que os bancos carregam desde o estouro da "bolha especulativa" de 1989. O crash da Bolsa de Tóquio e do mercado imobiliário japonês naquele ano gerou perdas globais calculadas em US$ 7 trilhões, o equivalente a 80% do PIB dos EUA. Ao longo dos últimos 10 anos, parte desses prejuízos foram absorvidos através de "write-offs", capitalização com recursos públicos e vários expedientes contábeis e financeiros. Mesmo assim, Uma crise da segunda os últimos relatórios anuais dos bancos apontam a existência de cerca economia do mundo tem de US$ 800 bilhões de "créditos podres" em seus livros. Estimativas implicações sistêmicas e não-oficiais de mercado admitem, no entanto, que esse valor pode isso pode não ser nada superar US$ 1.200 bilhões, o que equivale a 25% do PIB japonês. bom para o Brasil Como o capital dos bancos está ao redor da metade desse montante, ou seja US$ 600 bilhões, a implementação das novas normas bancárias levaria cerca da metade dos bancos japoneses à falência. E, junto com os bancos, milhares de empresas inadimplentes, muitas delas de pequeno porte, também seriam obrigadas a encerrar suas operações, impedidas de continuar rolando seus créditos. O impacto negativo sobre o mercado de trabalho seria catastrófico. O processo de liquidação que se seguiria à crise bancária arrastaria, por sua vez, os mercados de ativos japoneses, que já se encontram deprimidos e reduziria substancialmente a liquidez dos títulos públicos, a despeito dos elevados níveis de poupança interna. Dificilmente os mercados internacionais passariam incólumes a esse processo. O mercado de títulos públicos norteamericanos poderia ser severamente afetado por volumosas ordens de venda, impactando a taxa de juros local e agravando a desaceleração da economia dos EUA. Essa situação lembra em vários aspectos as crises dos anos 30. Diante desse quadro, a saída mais fácil talvez fosse adiar a entrada em vigor das novas normas contábeis. O problema é que esse atraso no calendário de reformas seria visto como uma derrota do processo de ajustamento financeiro podendo levar o mercado internacional e os investidores japoneses a tomar posições contrárias à moeda e aos bancos japoneses, como já ocorreu no início desse ano. Ademais, as autoridades monetárias e políticas de outros países, diante da fraqueza dos governantes do Japão, poderiam adotar medidas precaucionais para reduzir a exposição de seus mercados financeiros aos riscos de bancos japoneses, o que poderia precipitar o problema de qualquer modo. A posição norte-americana será muito importante nesse processo, particularmente se o governo Bush realmente decidir cumprir seu compromisso de campanha de, diferentemente da administração democrata que o antecedeu, passar a atuar de forma a prevenir crises financeiras em vez de remediá-las. Neste caso, os americanos, por interesse próprio, não ficariam de braços cruzados. Pressionariam os japoneses a absorver internamente a maior parte do ônus do ajustamento financeiro. Outra saída seria que o novo governo japonês tenha força política suficiente para atuar de forma a reduzir os impactos recessivos inerentes a um processo de destruição de capital dessa magnitude. Maior capitalização dos bancos mais sadios com recursos públicos, estatização provisória de instituições, fusões e linhas de crédito para as empresas mais fragilizadas, baseadas em fluxos de caixa futuros e não em colaterais, são algumas medidas que podem ainda vir a serem adotadas. O raio de manobra dos governantes japoneses, no entanto, não é muito amplo. O impacto recessivo tanto de uma opção pela imobilidade quanto de uma ação pró-ativa é praticamente inevitável. A atual dilema econômico do Japão pode ser resumido pelo seguinte ditado popular: "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". De qualquer modo, uma crise da segunda economia do mundo não é nem pode ser vista apenas como um problema japonês. Uma "débâcle" financeira no Japão tem necessariamente implicações sistêmicas e isso pode não ser nada bom para o Brasil. Ernani Teixeira Torres Filho , professor da UFRJ e economista do BNDES, é assessor da ANP.