Quarta-feira, 14 junho de 2006 VIDA& Transplante de mente em experimentos imaginários Fernando Reinach* Experimentos imaginários são um dos instrumentos que utilizamos todos os dias. Se você se perguntar "o que aconteceria se eu pintasse aquela parede de vermelho?", estará fazendo um experimento mental não muito diferente daquele imaginado por Einstein quando ele se perguntou "o que uma pessoa observaria se ela estivesse em um trem viajando à velocidade da luz?". Experimentos imaginários desencadeiam conjecturas que nos ajudam a compreender o mundo. Foi refletindo sobre experimentos desse tipo que Einstein elaborou a Teoria da Relatividade e é provavelmente baseado em um experimento desse tipo que você vai decidir se pinta a parede de vermelho. Alguns experimentos mentais podem ser executados - basta pintar a parede -, enquanto outros são impossíveis de executar - como o proposto por Einstein. Mas todos nos ajudam a compreender a realidade. Existe um experimento imaginário que tem sido usado em diversas versões por pesquisadores interessados em compreender o que é a consciência. Imagine uma máquina capaz de transferir nossa mente (pensamentos e memórias) para um DVD, separando o que chamamos mente do que chamamos de cérebro. Imagine agora que essa máquina fosse capaz de "copiar" essa informação de um cérebro localizado em um corpo (doador) para um cérebro localizado em outro corpo (receptor), efetuando na prática um transplante de mente. O que aconteceria se o cérebro receptor tivesse sido previamente "apagado"? Será que após a transferência teríamos "restaurado" a pessoa doadora em um novo corpo, tornando a mente imortal? Mas o que ocorreria quando a mente no seu novo corpo não encontrasse no joelho esquerdo a cicatriz que resultou de uma brincadeira na infância? Imagine agora o caso em que o receptor recebesse a "nova" mente ainda de posse de sua mente original. O que ocorreria quando ele tentasse recordar seu primeiro beijo? Apareceriam duas memórias? Experimentos imaginários como esses nos ajudam a pensar na relação entre o cérebro e a mente, um dos problemas mais antigos da filosofia e que recentemente vem sendo atacado pelos neurofisiologistas. Enquanto esperamos pelos resultados experimentais temos que nos contentar com experimentos imaginários. Um experimento imaginário extremamente interessante é descrito em um conto de Ian McEwan, Reflections of a Kept Ape, do livro In Between the Sheets (Anchor Books, 1978). Nele um macaco descreve seu próprio fluxo de sentimentos em relação à sua dona, com a qual teve um caso amoroso. O texto é um exercício sofisticado de recriação do que seria a mente de um animal ligeiramente menos sofisticado que o próprio autor. O mesmo problema é tratado pelo filósofo Thomas Nagel no ensaio What is It Like to Be a Bat, publicado em Mortal Questions (Cambridge University Press, 1979). Aqui o exemplo de um morcego é utilizado para discutir a dificuldade, ou mesmo a aparente impossibilidade, de uma mente compreender o que se passa em outra mente. Nagel tenta demonstrar que o caminho que os neurofisiologistas estão tentando trilhar, utilizando os métodos da ciência experimental para atacar problemas que até agora estavam restritos à imaginação, está fadado ao fracasso. Nos próximos anos vai ser possível saber com quem está a razão. *[email protected], Biólogo