MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS PRE/PH/2012 - RE - P - _________ RECURSO ELEITORAL Nº 127.10.2012.6.13.0304 RECORRENTE: Daniel Luiz Vieira , Presidente da Executiva Municipal do Partido Progressista RECORRIDO: Bárbara Garcia Filordi RELATOR: Juiz Flávio Bernardes O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL , por intermédio da PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL , devidamente instado a se manifestar, o faz nos seguintes termos. Trata-se de recurso interposto contra decisão que deferiu a transferência eleitoral da recorrida para o município de Iguatama -MG. O recorrente sustenta, em síntese, que não possui residência no município, sobretudo no endereço ofertado. A recorrida aduz nas contrarrazões que reside há mais de 06 meses no município, sendo que, embora trabalhe em Lagoa da Prata -MG, reside em Iguatama-MG no imóvel dos pais e juntamente com estes. Indica como prova IPTU do imóvel em nome de seu pai (fl . 15) bem como 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS declaração da prefeitura sobre a propriedade do imóvel e a escritura de compra e venda do mesmo (fls. 24 a 27). É o relatório. MÉRITO Para o deslinde da demanda instalada nos autos, necessário verificar a existência de vínculo juridicamente relevante d para com o município de Iguatama - MG, a que corresponde a ZE par a a qual pretende a transferência de seu cadastro eleitoral. Para tanto, impende salientar que o conceito de domicílio eleitoral, para fins de inscrição e transferência, extrai -se dos artigos 4º, parágrafo único e 8º da Lei nº 6.996/82, que assim dispõ em: Art. 4º - O alistamento se faz mediante a inscrição do eleitor. Parágrafo único - Para efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar -se-á domicílio qual quer del as. (...) Art. 8º - A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências: (...) III - residência mí ni ma de 3 (três) meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor. Por sua vez, o Provimento nº 017/CRE/2011 da CRE/MG, que “Expede instruções para revisão do eleitorado com identificação biométrica em Municípios do Estado de Minas Gerais” estabelece: 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS Art. 4º A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente no município ou nele possuir vínculo familiar, profissional, patrimonial ou comunitário a abonar a residência exigida. (Arts. 64 e 65 da Resolução nº 21.538/2003/TSE c/c Ac. TSE nº 371.C, de 19.9.96). (...) § 4º Ocorrendo a impossibilidade de apresentação de qualquer documento que identifique o domi cílio do eleitor ou subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado, declarando o eleitor, sob penas da lei, ter domicílio no município, o Juiz El eitoral decidirá de plano ou deter mi nará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação no local. A extensão do conceito de domicílio eleitoral, realizada pelo referido Provimento 017/CRE/2011, encontra apoio em diverso s precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, que em geral definem como sendo o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos. 1 Esta Procuradoria Regional Eleitoral vinha seguindo essa orientação. Ou seja, entendia -se que se provado s vínculos políticos, afetivos ou sociais do eleitor com o município, restaria atendido o requisito domiciliar para fins de inscrição ou transferência eleitoral. Contudo, conhecidas e não raras fraudes praticadas em ano eleitoral, com a finalidade de arr egimentação de eleitores comprometidos com determinado candidato, e que resulta, muitas vezes, em um fenômeno demográfico no município que acaba por ter mais eleitores que habitantes, como parece ser o caso dos autos, levaram a uma melhor reflexão e mudança de posição sobre o assunto. 1 RESPE nº 23.721/2004, RESPE nº 16.397, RESPE nº 21.829. 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS Oportuno o resgate da definição de domicílio da pessoa natural, segundo o Código Civil que, no artigo 70, estabelece que domicílio é o lugar onde ela estabelece residência com ânimo definitivo. Vê-se que o legislador, para d efinir o domicílio civil, reuniu dois elementos: um material, ou externo – a residência, e outro psíquico, ou interno – a intenção de permanecer. Domicílio civil, pressupõe, portanto, a relação física (residência ou moradia) da pessoa com o local, além de um outro elemento anímico ou subjetivo, a intenção de ali permanecer. Não se desconhece que legislador civil admitiu a pluralidade de domicílios, considerando a possibilidade de o indivíduo possuir mais de uma residência de maneira não eventual (art. 71) . Para além disso, pode ser considerado o domicílio da pessoa natural o lugar onde ela exerça suas atividades (art. 72), e, por fim, pode -se ainda considerar domiciliada a pessoa onde for encontrada, desde que não tenha residência permanente (art. 73). No entanto, para fins eleitorais, especificamente para a inscrição eleitoral, o legislador não edificou a definição de domicílio sobre os mesmos elementos (residência e ânimo de permanência), tendo se contentado apenas com o primeiro. Assim é que, para fi ns eleitorais, considera-se domicílio o lugar de residência ou moradia do eleitor (Lei nº 9.096/82, art. 4º). Mas isso não autoriza a inferência de que vínculos de natureza econômica, profissional, política, social familiar ou afetiva possam instar a qualificação jurídica do lugar como domicílio. Isso porque, como parece óbvio, o elemento descritivo ( residência ou moradia ), que é o ponto nuclear da definição formulada pela lei eleitoral, traz ínsita a ideia de 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS relação física entre o lugar e a pessoa. Em outros termos, é necessário, para a configuração de um domicílio eleitoral, que no lugar considerado a pessoa disponha de casa, apartamento, barracão ou outro tipo de imóvel, próprio, alugado ou cedido em comodato, para onde se recolha, que lhe sirva de abrigo. E, diga -se mais, essa relação física somente haverá de se caracterizar como residência ou moradia se for não eventual . Não obstante a clareza e perfeita delimitação da definição de domicílio conferida pela lei eleitoral, diversos precedentes do TS E, como já apontado, têm emprestado à expressão domicílio eleitoral uma exagerada e desarrazoada amplitude conceitual, ao ponto de abarcar no espectro conceitual de residência ou moradia situações como a de vínculos políticos, afetivos ou de parentesco, ec onômicos, e outros mais. Com isso se quer dizer que a amplitude conferida ao significado de domicílio eleitoral nos apontados precedentes refoge, evidentemente, às possibilidades semânticas que o texto do artigo 4º da Lei nº 9.096/82 oferece. Não se pretende aqui afirmar que seja a interpretação resultante do método de análise puramente literal ou gramatical do texto a única possível. É certo, como há muito já se afirma, que o sentido ou os sentidos possíveis de um enunciado normativo devem ser revelados a partir de um processo de interpretação que, conforme o caso, haverá de ser mais ou menos complexo, mais ou menos elaborado, podendo chegar -se à consideração de elementos históricos, de análise sistemática, de integração da norma à realidade (social, pol ítica e econômica) e de interdisciplinariedade. 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS É possível que a interpretação, exercitada com apoio em tais elementos, venha a revelar vários sentidos possíveis da norma, caso em que o intérprete deverá manifestar preferência por aquele que melhor se ajuste à pauta axiológica do sistema ou subsistema normativo em que inserida a disposição normativa objeto da interpretação. De ver-se que a demasiada extensão do espectro conceitual de domicílio eleitoral, apontada nos precedentes do TSE, é uma posição q ue se apresenta em desconformidade evidente com o sentido gramatical do enunciado normativo em exame. Para ser sustentável juridicamente, essa posição jurisprudencial dependeria de muito bem articulada fundamentação, digna de um vigoroso esforço hermenêut ico. Entretanto, ao exame das peças do inteiro teor dos julgados referidos não se encontra mais do que lacônicos argumentos, reportados nas notas remissas abaixo. 2 Em suas ponderações, Lênio Luiz Streck, considerou a assertiva de que o sentido gramatical de um enunciado normativo não traduz exatamente o conteúdo da norma, porquanto esse conteúdo só é possível de ver -se revelado a partir de um processo de interpretação. Mas é fora de dúvida que não se pode buscar o sentido da norma absolutamente desconectado do sentido gramatical do texto. Os textos que integram o direito positivo contêm a norma. São textos jurídicos, não textos contábeis “Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos. A residência é a materialização desses atributos.” Voto do Min. Humberto Gomes de Barros no RESPE 23721. “ (…) o TSE, ao interpretar os arts. 42 e 55 do Código Eleitoral, tem liberalizado a caracterização do domicílio eleitoral e admitido o seu deferimento em lugar distinto daquele em que o eleitor mantém o domicílio civil, desde que demonstrado o vínculo.” Voto do Min. Francisco Peçanha Martins no RESPE 21.829. “O conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio do direito comum, regido pelo Código Civil. Mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos políticos e sociais.” Voto do Min. Sávio de Figueiredo no RESPE 16.397. 2 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS ou religiosos. Os enunciados normativos podem não dizer exatamente o que é a norma; podem não esgotar ou mesmo transbord ar o seu conteúdo. Porém, a compreensão do sentido da norma há que partir de um enunciado normativo e não pode se produzir sem a compreensão de que entre texto e norma, respectivamente, se estabelece uma relação tal qual aquela que há entre o ente e o ser. Por essa razões, e pedindo venia àqueles que comungam da interpretação conferida pelo c. TSE à norma em questão, está a merecer revisão o entendimento esposado por aquela Corte Superior. Não se pode aceitar como domicílio eleitoral, para fins de inscriç ão ou transferência eleitoral, qualquer outro vínculo do eleitor com o município que não seja a residência ou a moradia, conforme estabelece o artigo 4º da Lei nº 9.096/82. Qualquer outra interpretação da norma que admita diferente espécie de vínculo trans borda os limites hermenêuticos, indo além da leitura construtiva do direito para contrariar o objeto da interpretação, não podendo ser aceita sob pena de completa desconexão entre a norma e sua aplicação. Ainda assim, levando -se em conta que a simples mora dia 3 foi considerada pelo legislador como critério de definição do domicílio eleitoral, é possível que o eleitor possua dois domicílios, podendo legitimamente inscrever -se ou transferir sua inscrição para qualquer um deles. Seria, por exemplo, o caso daqu eles que durante a semana trabalham nos grandes centros e lá estabelecem moradia para esse fim, no entanto residem em município independentemente de do interior, eventuais onde alterações pretendem em suas permanecer atividades profissionais. Nesses casos estaria estabelecido o vínculo exigido pela lei Segundo Caio Mário da Silva Pereira, moradia e residência se distinguem numa escala de gradação, onde moradia estaria colocada antes de residência e o que definiria essa posição seria a estabilidade na habitação. (Instituições de Direito Civil, v. I, 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 371) 3 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS eleitoral para inscrição ou transferência em qualquer dos municípios. Porém não em meras relações familiares, econômicas ou sociais. Nessa linha de ideias, e tendo em vista que no caso em apreço o recorrente aduz que não reside no município de Iguatama - MG, impende a análise da prova dos autos. De acordo com o conjunto probatório, os pais da recorrida são proprietários de imóvel em Iguatama -MG (fls. 15 e 24 a 27), alegando a mesma que reside com os pais no referido imóvel. Não obstante tenha vigência no processo eleitoral, como no processo civil, o princípio do livre convencimento motivado 4, não se pode deixar de observar que, ordinariamente, as provas reputadas apropriadas por instituições bancárias, órgão s públicos (DETRAN, por exemplo), escolas e instituições privadas diversas para a comprovação de residência são faturas de consumo de serviços como energia elétrica, telefonia, água. Consta dos autos prova de que o pai da recorrida é proprietário de imóvel no município, o que parece ser suficiente para comprovar que a recorrida reside no imóvel. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL , por intermédio da PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL , se manifesta pelo não provimento do recurso para que seja defer ida a transferência eleitoral em apreço. Belo Horizonte, 23 de julho de 2012. Eduardo Morato Fonseca Procurador Regional Eleitoral CPC. Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) 4 8