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DO MESTRE AO SERVIDOR ESTATAL: TRAÇOS DA
PROFISSÃO DOCENTE NA PARAÍBA IMPERIAL
Melânia Mendonça Rodrigues –UFCG
Vivia de Melo Silva – PMCG
Islayne Monalisa da Silva Medeiros – UFCG
RESUMO
Integrando um processo de pesquisas acerca do trabalho docente em escolas das redes
públicas de ensino fundamental da Paraíba, e articulando política e história da educação, o
trabalho procede a um esforço de reconstrução histórica da profissionalização do magistério
público na Paraíba, remontando ao período do Brasil Império, quando o professor de
primeiras letras passa à condição de servidor estatal. Norteado pela categoria da
profissionalização, o estudo recorre a estudos documentais para discutir os dispositivos da
legislação educacional do período de 1835 a 1889, referentes à regulamentação da
profissão, à dimensão didático-pedagógica e ao cotidiano escolar do professor primário.
Quanto à regulamentação da profissão, abordam-se os dispositivos legais relativos à
formação, ao ingresso na profissão e à remuneração do professor primário, constatando-se:
o estabelecimento da necessidade de formação na escola normal, criada no período; a
determinação legal da exigência do concurso público como forma de ingresso na profissão
e a fixação de ordenados por meio de lei. O estudo demonstra, no entanto, fragilidades na
efetivação de tais dispositivos legais. No tocante à dimensão didático-pedagógica, destacase a normatização de procedimentos e a subsunção dos conteúdos a um caráter moralizador,
aliadas a uma certa autonomia do professor quanto ao conteúdo, à implementação do ensino
mútuo e à precariedade das condições materiais de ensino. Por fim, em se tratando do
cotidiano escolar, percebe-se a influência da religião, conjugada a princípios de caráter
civilizatório, assim como uma intensa normatização atinente à conduta dos alunos. Em uma
tentativa de síntese, o trabalho permite considerar que os avanços observados esbarram na
precariedade das condições de vida e trabalho dos professores primários e se imbricam à
insuficiência do financiamento público e à intensificação do controle do Estado sobre o
trabalho docente.
DO MESTRE AO SERVIDOR ESTATAL: TRAÇOS DA
PROFISSÃO DOCENTE NA PARAÍBA IMPERIAL
Melânia Mendonça Rodrigues –UFCG
Vivia de Melo Silva – PMCG
Islayne Monalisa da Silva Medeiros – UFCG
INTRODUÇÃO
Nas políticas de educação instauradas, no Brasil, sob o influxo das reformas
educacionais dos anos 1990, destaca-se um conjunto de medidas denominadas de
valorização do magistério, predominantemente do ensino fundamental. Implicando uma
forte regulamentação do trabalho docente, essas medidas também ensejam o
desenvolvimento de estudos acerca da temática, resultando em uma vasta produção
acadêmica voltada à análise das repercussões das reformas na formação e na
profissionalização do magistério das redes públicas de ensino.
Inscrevendo-nos nesse campo, e articulando política e história da educação, vimos
desenvolvendo estudos acerca do trabalho docente em escolas das redes públicas de ensino
fundamental da Paraíba, nos quais discutimos, à luz da implementação do atual
ordenamento jurídico-político da educação nacional, elementos da profissionalização do
magistério público no Estado.
Enquanto permitem delinear aspectos do perfil atualmente assumido por essa
categoria, tais elementos demandam uma abordagem mais ampla, uma vez que a
profissionalização, conforme entendemos, constitui-se como uma construção histórica, na
qual se vão “[definindo] tipos de formação [...], de carreira e remuneração para um
determinado grupo social que vem crescendo e se consolidando (OLIVEIRA, 2008, p.30).
Nesse entendimento, consideramos necessário desenvolver um estudo mais
especificamente voltado ao objetivo de proceder a um esforço de reconstrução do processo
histórico da profissionalização do magistério público na Paraíba, remontando ao momento
em que parece afirmar-se o perfil de servidor estatal para o professor de primeiras letras, o
período do Brasil Império, quando as relações de trabalho tornam-se objeto de
regulamentações estatais, por meio das quais “foram estabelecidas relações contratuais e
instituições de subordinação do docente ao Estado” (SÁ, 2006, p.104).
2
Assim, com base em estudo documental, o trabalho reúne disposições
governamentais referentes à regulamentação da profissão, à dimensão didático-pedagógica
e ao cotidiano escolar do professor primário, constantes do ordenamento legal da instrução
pública paraibana no período Imperial, coligido por Antônio Carlos F. Pinheiro e Cláudia
Engler Cury (PINHEIRO; CURY, 2004).
Como nossa fonte de estudo são leis e regulamentos, torna-se relevante destacar,
com base em Garcia (1995), que a legislação educacional é constituída no embate entre
interesses variados, repercutindo, na maioria das vezes, “a consolidação, a nível, políticoinstitucional, das orientações emanadas dos grupos dominantes na sociedade dependente”
(GARCIA, 1995, p.224).
PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES AO SERVIDOR ESTATAL
Dos múltiplos aspectos concernentes à regulamentação da profissão, atemo-nos, no
momento, aos dispositivos legais relativos à formação, ao ingresso na profissão e à
remuneração do professor primário.
Em se tratando da formação, os regulamentos da instrução pública da província,
desde o ano de 1864, alude à necessidade de habilitação na escola normal – cuja criação é
prevista já na Lei nº 178, de 30 de novembro de 1864 – para provimento das cadeiras de
instrução primária, mesmo em caráter interino. No entanto, apenas a partir dos anos 1875,
começa a funcionar uma cadeira de ensino normal no Liceu Paraibano, extinta pouco
depois, de modo que, apenas na penúltima década do século XIX (1888), é diplomada a
primeira turma de professoras da Escola Normal da Paraíba (MELLO, 1996).
Semelhante quadro, cumpre frisar, não constitui uma particularidade do contexto
paraibano, uma vez que
... em todas as províncias as escolas normais tiveram uma trajetória
incerta e atribulada, submetidas a um processo contínuo de criação e
extinção, para só lograram algum êxito a partir de 1870, quando se
consolidam as idéias liberais de democratização e obrigatoriedade da
instrução primária, bem como de liberdade de ensino. Antes disso, as
escolas normais não foram mais que um projeto irrealizado... (TANURI,
2000, p. 64)
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Constatações dos resultados deletérios, para a instrução pública, da ausência de
professores com a formação adequada aparecem, por exemplo, nas mensagens dos
Presidentes da Província Pais Barrêto (1885) e Silvino Elvídio Carneiro da Cunha (1874), a
seguir transcritas, respectivamente:
Quanto a mim, nada se fará de útil em matéria de Instrução Pública,
enquanto o professorado for exercido, como tem sido até aqui, com
poucas e honrosas exceções, por pessoas inteiramente alheias ao
magistério, sem as necessárias habilitações... [...]
Cumpre, antes de tudo, criar professores, educá-los convenientemente,
prepará-los enfim para essa vida tão cheia de cuidados e dsacrifícios,
como é a do verdadeiro mestre (PAIS BARRETO apud MELLO, 1996, p.
44).
Ainda um outro melhoramento indispensável. É preciso preparar o
pessoal docente.
Para isto se torna necessária uma Escola Normal para cada um dos
sexos onde sejam preparados os que se destinarem ao professorado.
Esta medida é urgente, sob pena de continuar-se a inundar a Província
de mestres sem a necessária aptidão, com raras exceções (CARNEIRO
DA CUNHA apud MELLO, 1996, p.55).
Apesar do tom bastante enfático das citadas mensagens presidenciais, o exercício da
função docente por pessoas sem a devida formação profissional não ocorre ao arrepio da
legislação vigente, porquanto a Lei nº 178, de 30 de novembro de 1864, dispõe que, “[na]
falta de pessoa habilitada na escola normal, a substituição de qualquer professor poderá
recair em algum, que for julgada habilitado pelo Diretor” (PINHEIRO; CURY, 2004, p.
46).
Tal dispositivo enseja questionamentos acerca do efetivo reconhecimento da
importância da formação para o professor primário, pois, além das reiteradas exigências
quanto à “moralidade”, “regularidade de conduta civil e moral” (Regulamento nº 36/1886 e
Lei nº 20/1837), a Lei nº 454/1872, em seu artigo 1º, prescreve:
Ficam dispensados do exame em concurso exigido para o provimento das
cadeiras do ensino primário da província, os clérigos de ordens sacras e os
que exibirem títulos científicos obtidos em qualquer academia ou faculdade
do império, contanto que o candidato prove boa conduta civil e religiosa
(PINHEIRO; CURY, 2004, p. 52).
Com efeito, a preponderância do papel moralizador, em especial quando se trata dos
primeiros anos de escolarização, configura-se como uma importante característica da
instrução pública no Império, conforme atesta Schaffrath:
4
O que se compreende é que no Estado que se organizava, o professor
deveria funcionar muito mais como agente disseminador de uma
mentalidade moralizante do que como difusor de conhecimentos. Prova
disso é a insistência em estabelecer critérios de seleção para o
professorado, onde para ser admitido, o candidato deveria estar antes
provido de boas condições morais do que propriamente apresentar preparo
intelectual (SCHAFFRATH, 2009, p. 150).
No entendimento de Tanuri (2000), essa ênfase do aspecto moralizante também
reflete a falta de compreensão, naquele momento histórico, sobre a necessidade de
formação específica dos docentes de primeiras letras. Para a autora, a formação social
brasileira, de economia agrária e dependente do trabalho escravo, não requeria maior
desenvolvimento da educação escolar.
De toda sorte, o período Imperial marca a constituição do professor como
funcionário público, caracterizada, dentre outros aspectos, pelo estabelecimento do
concurso público como forma de ingresso na profissão. Seguidamente referida nos textos
legais – Lei nº 116/1835, Lei nº 20/1837, Lei nº 11/1853, Lei nº 178/1864, Lei nº 454/1872,
Resolução do Governo Provincial S/N de 31 de março de 1886 – essa forma de provimento
das cadeiras encontra-se detalhada nos 15 artigos que compõem a Seção II do Capítulo IV
do Regulamento nº 36/1886.
Ratificando o disposto na Resolução do Governo Provincial S/N, de março de 1886,
o Regulamento estabelece a periodicidade anual para os concursos, ressalvando que os
mesmos somente serão realizados quando, ocorrendo vacância de cadeiras, não se
apresentarem – ou não aceitarem nomeação – diplomados pelo externato normal. A
legislação de 1886, assim, modifica significativamente o determinado na regulamentação
anterior, a Lei nº 178/1864, segundo a qual “[a] aprovação plena em concurso é
indispensável para que possa ter lugar o provimento efetivo em qualquer cadeira e de
qualquer categoria” (PINHEIRO; CURY, 2004, p.43).
Embora a mudança possa indicar uma valorização da formação específica, obtida
no externato normal, quer-nos parecer mais um indício de que “a escola era uma ação que
não separava muito bem o espaço público do privado; os professores concursados eram
vitalícios e, usando uma terminologia patrimonialista, professores proprietários” (SÁ, 2006,
p.101).
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Na Paraíba, a vitaliciedade está normatizada nos seguintes diplomas legais: Lei nº
12/1860; Lei nº 178/1864; Lei nº 455/1872; Lei nº 230/1875; Resolução do Governo
Provincial S/N de 31 de marco de 1886; Lei nº 840/1887. Curioso é observar que, em
conformidade com a Lei nº 178/1864, não revogada pelas posteriores, o estatuto da
vitaliciedade não se aplica aos professores do 1º grau.
Ainda merece destaque um aspecto bastante relevante dos concursos, extraído da
Lei nº 20/1837, in verbis:
Art. 6º Os professores serão examinados, e obrigados a ensinar as
matérias seguintes: ler, escrever, as quatro operações de aritmética prática,
de quebrados, decimais, proporções, as noções mais gerais de geometria
prática, [sem demonstrações], gramática da língua Nacional, os princípios
de moral cristã e da doutrina da religião Católica Apostólica Romana,
proporcionada a compreensão dos meninos. Para a leitura dos alunos
serão preferidas as constituições do Império o Resumo de História do
Brasil, e o opúsculo – Palavras de um Crente.
Art. 7º O artigo antecedente é igualmente aplicável às professoras
incluídas as noções de geometria, eliminadas as noções de aritmética nas
quatro operações, serão porém obrigadas a ensinar também as prendas que
dizem respeito à economia doméstica. Para o exame das professoras o
Presidente da Província, além dos Examinadores para as matérias
declaradas, convidará uma ou duas matronas peritas em prendas
domésticas (PINHEIRO; CURY, 2004, p. 16-17)..
Para além de caracterizar o caráter de instrumentação técnica no ler, escrever e
contar, conferido à escola primária, e de comprovar a subordinação da educação pública à
religião católica, os artigos citados atestam a diferenciação nos conteúdos objeto dos
exames das professoras, implicando sua nítida desqualificação profissional (ALMEIDA,
2004) e demonstrando que
... se delineava nos últimos anos do regime monárquico a participação que
a mulher iria ter no ensino brasileiro. A idéia de que a educação da
infância deveria ser-lhe atribuída, uma vez que era o prolongamento de
seu papel de mãe e da atividade educadora que já exercia em casa,
começava a ser defendida por pensadores e políticos (Tanuri, 1979, p. 41;
Siqueira, 1999, p. 220-221). De um lado, o magistério era a única
profissão que conciliava as funções domésticas da mulher,
tradicionalmente cultivadas, os preconceitos que bloqueavam a sua
profissionalização, com o movimento em favor de sua ilustração, já
iniciado nos anos 70. De outra parte, o magistério feminino apresentavase como solução para o problema de mão-de-obra para a escola primária,
pouco procurada pelo elemento masculino em vista da reduzida
remuneração (TANURI, 2000, p. 66-67, parênteses do original).
6
Corroborando a afirmação de Tanuri, o relatório do Presidente da Província,
Antônio Coelho de Albuquerque, relativo ao ano de 1851, considera como insignificante o
ordenado percebido pelos professores, expressando, de forma veemente, sua descrença
acerca do trabalho desses profissionais: “A pequenez e insuficiência dos ordenados dos
professores não consente que homens habilitados se proponham ao honroso magistério de
ensinar à mocidade. Não é possível encontrar-se moralidade e inteligência a tão baixo
preço” (COELHO DE ALBUQUERQUE apud MELLO, 1996, p.42-43).
Como agravante a esse quadro, cabe registrar o fato de ser expressamente proibido,
ao professor, exercer outros empregos municipais – Lei nº 20, de 6 de maio de 1837 – ou
qualquer tipo de atividades mercantis ou de indústria – Lei nº 12, de 8 de agosto de 1860 – ,
sob pena de perda da vitaliciedade ou, mesmo, de demissão.
Ademais, as professoras somente vão perceber ordenados iguais aos dos professores
na penúltima década dos oitocentos, quando a Lei nº 780, de 8 de outubro de 1884, suprime
a diferenciação entre os professores primários em virtude do gênero, mas estabelece uma
remuneração decrescente segundo a classe lecionada, em que os da 1ª classe recebem os
maiores ordenados, e os da 3ª, os menores.
A precariedade da remuneração das professores novamente se agudiza quando o
Regulamento nº 36, de 26 de junho de 1886, mantendo a diferença dos ordenados entre as
classes, restaura a diferenciação, na 1ª classe, entre a masculina e a feminina.
TRAÇOS DO OFÍCIO DE PROFESSOR
Nos documentos de regulamentação da instrução pública referentes ao período do
Império na Paraíba, percebemos o estabelecimento de diretrizes gerais acerca ao
conhecimento escolar, através de matérias que devem ser ensinadas por professores e
professoras.
Os artigos 6º e 7º da Lei nº 20/1837 (PINHEIRO; CURY, 2004, p. 16-17) definem
as matérias que os professores terão a obrigação de ensinar, como sejam: “ ler, escrever, as
quatro operações de aritmética prática, de quebrados, decimais, proporções, as noções mais
gerais de geometria prática, [sem demonstrações], gramática da língua Nacional [...]”, para
os meninos; e, para as meninas, as mesmas matérias excluídas as noções de aritmética e
acrescidas as noções de geometria e sobre economia doméstica.
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Essa lei determina, ainda, o período de trabalho, ou seja, explicita que as aulas
devem ser ministradas duas vezes ao dia, compreendendo os horários de oito às onze da
manhã e das duas às cinco da tarde.
Por outro lado, a Lei não faz referência a aspectos concernentes ao como organizar
o ensino, muito pelo contrário, no art. 18, confere autonomia ao professor para fazê-lo,
quando coloca que
...os professores e professoras deverão sobre estas bases organizar desde
já um regulamento interno que determine precisamente a distribuição do
tempo, e das matérias; notando minuciosamente os castigos
correspondentes aos delitos, e tudo o mais que for necessário para o bom
regime, e polícia da aula ... (PINHEIRO; CURY, 2004, p.18).
Esse final do trecho apenas reforça a demonstrada preocupação com a ordem,
quando chama a atenção para o como fazer diante dos desvios de conduta dos alunos e as
penalidades tendo em vista um bom regime e polícia da aula.
A regulamentação de 20 de janeiro de 1849 ordenou e detalhou como deveriam ser
o local e a mobília das aulas, a disciplina, as recompensas, os castigos, a instrução moral e
religiosa, os estudos, a leitura e a escrita das escolas de instrução primária da Paraíba, mas
não atingiu frontalmente a autonomia do professor, por não estabelecer o que deveria ser
ensinado no dia a dia.
De acordo com o regulamento referido anteriormente, o professor deveria procurar
uma casa limpa, bem arejada, com sala grande, para ministrar suas aulas. Na porta de toda
escola estarão inscritas as seguintes palavras: Instrução primária pelo método simultâneo
dirigido (aqui o nome do professor).
Na sala de aula, a mesa do professor ficaria no centro, ou na entrada, num estrado –
uma estrutura acima do nível do chão – com altura suficiente para que o professor tenha
uma perfeita visão da escola, mesmo sentado. Nas paredes, deveriam ser afixados os
principais deveres dos discípulos e as penas máximas da religião e da moral, além de ter um
espaço reservado para se desenhar o abecedário, o algarismo, figuras geométricas e um
mapa do Império.
Chamou-nos a atenção a menção do método de ensino, nesse caso, o método
simultâneo, que também era conhecido como método mútuo. Conforme Saviani (2006), no
Brasil, este método foi divulgado desde 1808 e tornou-se oficial em 1827 com a aprovação
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da Lei das Escolas de Primeiras Letras. Sobre sua origem e especificidade, o mesmo autor
ressalta:
Proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell, pastor da Igreja
Anglicana, e Joseph Lancaster, da seita dos Quakers, o método mútuo,
também chamado de monitorial ou lancasteriano, baseava-se no
aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor
no ensino de classes numerosas. Embora esses alunos tivessem papel
central na efetivação desse método pedagógico, o foco não era posto na
atividade do aluno. Na verdade, os alunos guindados à posição de
monitores eram investidos de função docente. O método supunha regras
predeterminadas, rigorosa disciplina e a distribuição hierarquizada dos
alunos sentados em bancos dispostos num salão único e bem amplo. De
uma das extremidades do salão, o mestre, sentado numa cadeira alta,
supervisiona toda escola, especialmente os monitores. (SAVIANI, 2006,
p. 15-16).
Expressando a possível aplicabilidade desse método de ensino, o documento de 20
de janeiro de 1849 orienta da seguinte forma os professores na escolha de seus monitores:
Art. 11 – O professor escolherá dentre os alunos mais assíduos,
inteligentes, e de melhor conduta, alguns decuriões, que o ajudem nos
diversos exercícios. Estes discípulos serão nomeados perante os seus
companheiros; serão incumbidos da inspeção de suas respectivas mesas,
ou carteiras; farão rol dos que se não conduzirem bem, mas sem falarem,
nem saírem dos seus lugares. Além das discussões ou monitores de cada
carteira será nomeado um monitor geral, que só exercerá as suas funções
nos casos, mui raro, de ser o Professor obrigado a ausentar-se.
(PINHEIRO; CURY, 2004, p.22)
Ainda segundo o regulamento, o material dos alunos deveria ser colocado nos
lugares antecipadamente, razão por que seria necessário os monitores chegarem meia hora
mais cedo para apararem as penas. Ao iniciar a aula, o professor verificaria os ausentes com
a ajuda dos monitores.
As cadeiras, além de dependerem da capacidade do professor para estabelecer a
organização do conhecimento lecionado, funcionavam na mesma casa em que o docente
residia, uma vez que, inicialmente, a província não destinava recursos para alugueis ou
compra de casas. Apenas posteriormente, o professor passou a receber uma quantia,
acrescida ao seu ordenado, para essa finalidade, conforme consta na lei nº 20 de 6 de maio
de 1837: “tanto os professores, como as professoras de fora da cidade, além do ordenado,
9
que vencerem, receberão aluguel das casas em que derem aula; perceberão, porém, a
metade se habitarem a mesma casa ...” (PINHEIRO; CURY, 2004, p.17).
No entanto, essas gratificações não amenizavam os problemas, acarretados pela
ausência de um prédio público, na dimensão pedagógica, pois as casas alugadas não
ofereciam o espaço nem as condições adequadas para aprendizagem dos alunos.
Alguns gestores da instrução pública, que criticavam esse vínculo com a vida
particular do professor, de acordo com Pinheiro (2002), chegaram a apontar a difícil
convivência dos alunos com a família da professora, por vezes selada por constrangimentos
ocasionados por atitudes de parentes, e a defender a necessidade de separação da casas
escolas da residência da professora.
Ademais, as escolas primárias funcionavam precariamente, também em virtude dos
limitados e mal distribuídos recursos didáticos e o uso dos compêndios inadequadamente.
Quanto aos recursos didáticos, conforme Pinheiro (2002, p.79), “restringiam-se a livros de
leitura, de gramática e de aritmética, para professores; cartilhas de abc e tabuada, para
alunos; além de, obviamente, do ‘quadro preto’” (PINHEIRO, 2002, p.79).
Os compêndios utilizados pelos professores foram alvo de crítica pelo diretor da
Instrução, para quem a utilização de vários autores podia conduzir a compreensões
deturpadas, devido a divergências de opiniões, decorrentes de se beber em diversas fontes,
e da própria estrutura do compêndio que se demonstrava inadequada, podendo dificultar a
compreensão dos alunos.
A regulamentação de 20 de janeiro de 1849 também determina como devem ser
realizadas as aulas de instrução moral e religiosa. De acordo com o documento, o professor
deveria “ensinar-lhes e fazer-lhes apreciar as verdades da religião, ministrando-lhes uma
educação cristã, que os ponha em estado de preencherem todos os seus deveres para com a
sua família, para com os outros homens, e para consigo mesmo” (PINHEIRO; CURY,
2004, p.26).
Dessa forma, caberia aos professores escolher essas verdades e ensiná-las aos
alunos. Além disso, o professor deveria ensinar diariamente alguma parte da Sagrada
Escritura, cuja escolha, presumimos, ficaria ao alvitre do professor.
Para a instrução moral e religiosa, o exemplo dado pelo professor seria mais
proveitoso que as lições uma vez que nenhuma lição seria capaz de produzir os bons efeitos
10
nos alunos por si só. Ademais, os professores deveriam estar atentos ao progresso dos
alunos na instrução e às oportunidades para aproveitá-la, ensinando aos alunos o que devem
a Deus, ao Soberano, a família e ao país.
Igualmente à instrução moral e religiosa, orientações gerais são determinadas para
os estudos, a leitura e a escrita, sem comprometer a autonomia do professor para lidar com
o saber.
No que diz respeito aos estudos o regulamento determinou que “em toda escola
primária, o ensino público compreende necessariamente: A instrução moral e religiosa; A
leitura; A caligrafia; A Aritmética até proporções; Os elementos da gramática
portuguesa;[e] Noções gerais de geometria prática sem demonstrações” (PINHEIRO;
CURY, 2004, p. 26).
Toda escola deveria estar dividida em três partes, preenchidas por alunos conforme
a idade e os objetos de ensino:

a 1ª divisão, meninos de 6 a 8 anos, que realizariam leituras, em especial recitariam
rezas, e aprenderiam ler, escrever e as primeiras noções de cálculo verbal ;

a 2º divisão, meninos de 8 a 10 anos, que receberiam a instrução moral e religiosa,
além dos exercícios de leitura, escrita, calculo verbal, calculo por escrita e gramática
portuguesa;

a 3ª divisão, meninos de 10 anos em diante, que, além de estabelecido para a divisão
anterior, estudariam a doutrina cristã.
Para a leitura, os professores deveriam conhecer os melhores métodos e caprichar
para dar aos alunos pronúncia clara e distinta, corrigindo as entonações viciosas e
habituando-os a tornar o tom da leitura conveniente ao objeto do qual tratar. Todos os
alunos deviam ter os mesmo livros e estudar as mesmas lições.
Para realizar a leitura, o professor chamaria os discípulos da mesma classe, colocálos-ia em um semicírculo, por ordem de merecimento da leitura anterior, e pediria ao
primeiro que lesse a primeira frase, o segundo, a frase seguinte, e assim por diante, com
todos os demais alunos acompanhando a leitura pelo livro.
Quando um aluno não conseguir completar a frase, o professor deve passar para que
o seguinte a complete e assim por diante. Aquele que completar toma o lugar do primeiro
11
que errou, de forma que, ao final da leitura de cada divisão, o primeiro e o segundo
receberão um fita que serão colocadas ao peito.
Para o trabalho com a escrita dos alunos, conforme o regulamento, o professor
deveria contemplar tratados de escritas que fossem úteis, além dos dogmas e preceitos da
religião, as regras da moral, dentre outros. A escrita deveria ser feita com alunos divididos
em classes, a correção feita pelo professor deveria obedecer a ordem dos alunos que
terminaram.
Assim como estas definições, muitas outras seguem no regulamento, no sentido de
definir como fazer, para o ensino de ortografia e gramática, catecismo, geometria prática,
mas sem interferir na capacidade intelectual do professor para conduzir o processo de
organização do saber no decorrer das aulas.
FRAGMENTOS DO COTIDIANO ESCOLAR
Trabalhar com o cotidiano escolar, conforme Vidal (2005), remete-nos a uma
discussão da dinâmica interna do funcionamento escolar. Nesse sentido, enveredar por esse
decurso suscita um estudo, por exemplo, da constituição do currículo, da organização das
disciplinas escolares, da rotina institucional, da atuação diária de professores e alunos no
âmbito escolar, dos recursos materiais e metodológicos, dos métodos de ensino, das normas
disciplinares.
Tratando dessa discussão, Gonçalves e Faria Filho (2005) destacam que estudar a
cotidianidade escolar significa utilizar como aporte teórico, ou seja, como categoria de
análise a cultura escolar. Sobre essa categoria:
Importa afirmar que a formatação dessa categoria de cultura escolar
tem sido alimentada pelos diversos subsídios que tem recebido dos
conceitos de cultura, que estão presentes nos mais variados campos
disciplinares [...] (GONÇALVES; FARIA FILHO, 2005, p.33).
Partindo da definição apresenta por Dominique Julia, consideramos a cultura escolar
como
... um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
12
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem
variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticos, ou
simplesmente de socialização). (JULIA, 2001, p. 10, parênteses do
original).
Nessa perspectiva, fazendo uso de algumas leis e regulamentos da instrução da
Paraíba no período imperial, priorizando a instrução pública primária, propomo-nos a uma
discussão atinente às normas de conduta, disciplina (castigos) e prêmios prescritos em
alguns desses documentos legais, entendendo as deliberações para estes aspectos como uma
forma de constituição da cultura escolar paraibana nos oitocentos.
Concernente às normas de conduta, Bazílio Quaresma Torreão, presidente da
Paraíba do Norte, mediante a lei nº 20, de 6 de maio de 1837 prescreveu como deveria ser
organizada a instrução pública. Neste dispositivo legal, ao professor caberia o seguinte:
Art. 12º – Terão por obrigação, tanto os professores, como as professoras.
1º) Tratar aos seus discípulos com docilidade e prudência.
2º) Fazer guardar entre eles uma recíproca amizade banindo de suas
respectivas aulas os apelidos chulos e toda a idéia de rivalidades, a menos
que não seja aquela que nasce da emulação do estado.
3º) Remeter ao Presidente da Província todos os anos, e em um tempo
pelo mesmo mercado um mapa dos alunos, em que mostrem com clareza
o grau de adiantamento de cada um deles.
4º) Observar e fazer observar em suas aulas os presentes estatutos,
administrando o infrator; caso, porém não aproveite a primeira e segunda
admoestação, poderão usar além de outros castigos morais adaptados, de
palmatoadas, que não excederão as seis em cada dia; usando porém deste
castigo com a necessária moderação, e em proporção a idade dos alunos.
Em argumentos de atrasados, que o professor, ou professora deverá
estabelecer uma vez em cada semana, ou em desafios de uns com outros
se admitirá também entre eles as palmatoadas até o número de doze, cada
dia. (PINHEIRO; CURY, 2004, p.17-18)
Podemos ponderar que era dever do professor atender com dedicação e
atenciosamente seus alunos, promovendo um ambiente saudável entre eles, no sentido de
minimizar conflitos entre os mesmos e suscitar amizade. Entretanto, o mesmo artigo indica
a possibilidade de uma prática comum de subversão a esse ambiente que deveria ser
saudável, já que, evidentemente, expressa a postura do professor frente aos alunos
infratores às normas, sendo essa postura em graus mais acentuados conforme a
transgressão.
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É oportuno, também, observar, nesse mesmo artigo, que era bastante severa a
prática do professor para extinguir possíveis rivalidades entre alunos, haja vista que se abria
a possibilidade de superar o limite de palmatórias permitidas por dia, de seis para doze
palmatórias para esses casos. Portanto, indicando uma certa recorrência desses casos de
rivalidades entre alunos, bem como uma ineficiência das seis palmatórias para resolução
dos casos.
A lei nº. 20 – de 6 de maio de 1837 também deixa claro as normas de conduta aos
alunos:
Art. 19º – Aos alunos compete:
1º) Serem obedientes aos seus mestres.
2º) Tratá-los com civilidade, e respeito tanto dentro da aula, como fora
dela.
3º) Guardarem todo o silêncio, e decência precisa durante as lições.
4º) Não proferem palavras obscenas, e não praticarem ações indecorosas.
5º) Tratarem os seus companheiros com amor, e cortesia.
6º) Comparecerem na aula a hora marcada, e não saírem dela sem a
competente licença. (PINHEIRO; CURY, 2004, p.18)
É possível perceber a importância que se dava ao professor (mestre), na medida em
que se destaca a necessidade dos alunos os tratarem com respeito e obediência. Todavia,
podemos pensar que se há a necessidade de expressar no âmbito das leis essa deliberação é
porque existia um problema real e recorrente no cotidiano da instrução pública paraibana.
Além disso, nesse artigo, mais uma vez é reforçada a necessidade de cortesia, amizade,
amor entre os alunos já vista no artigo 12 da mesma lei.
Ainda relativo às normas de conduta, é importante retomar fragmentos do
Regulamento - de 20 de Janeiro de 1849, para as escolas de Instrução Primária da Província
da Paraíba do Norte. Ressaltemos os seguintes artigos:
Art. 2º – Em frente dos meninos, na escola, haverá uma Imagem de
Cristo, e o retrato de S.M. Imperial.
Art. 4º– O professor pregará nas paredes regulamentos, em que se
achem traçados os principais deveres dos discípulos, as penas máximas
da religião, e da moral (PINHEIRO; CURY, 2004, p. 22, parênteses do
original).
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No artigo 2º e no 4º, percebemos a influência de cunho religioso, juntamente com
princípios de caráter civilizatório no âmbito da instrução pública. Ademais, é importante
frisar a recorrência da normatização atinente aos deveres dos alunos (discípulos).
Sobre a disciplinarização no cotidiano escolar, o documento de 20 de janeiro de
1849 evidencia o que se prescrevia para configurar a ordem no âmbito da instrução. Os
mecanismos de controle expostos nesse regulamento expunham como alunos e professores
deveriam se comportar:
Art. 13 - Cada discípulo, quando entrar, corteja o Professor, vai por seu
chapéu no lugar que está marcado com seu nome e número, depois volta a
tomar assento no seu banco em silêncio. Ao abrir a aula, o professor
examina se todos os discípulos já tenham chegado, ou de preferência para
não perder tempo, manda notar os ausentes pelos monitores de cada
carteira.
Art. 14 – Se algum discípulo faltar a escola, o professor o notará para
participá-la, assim que possa, à família.
Art. 15 – Quando reunidos, os discípulos se põem de joelhos a um
sinal dado, e principiarão as rezas prescritas para o princípio de cada
classe, o professor terá o cuidado de mandar que cada discípulo
alternativamente tire as rezas em voz alta. Também haverá rezas no fim
das classes.
Art. 16 – Todas as manhãs depois da reza, o professor passa, ou manda
passar pelos decuriões a revista de asseio, exige que os discípulos lavem
todos os dias o rosto, e as mãos, e que tragam roupa limpa e decente.
Quando alguns entrarem depois dos outros, o professor não se esqueça da
revista.
Art. 17 – Quando alguma autoridade, o vigário da Freguesia, o
Inspetor, etc., entrarem na escola os discípulos se levantarão sem ordem
do professor. O professor com grande zelo procurará dar aos seus alunos
um exterior decente, e honesto; para o que não consentirá que profiram
palavras feias.
Art. 18 – Toda a espécie de venda, ou troca, é proibida entre os alunos
e, principalmente, entre eles e os monitores.
Art. 19 – É proibido trazer outros livros, que os de uso escolar.
Art. 20 – Também o é falar, ou sair do seu lugar sem licença.
Art. 21 – Não podem ir a qualquer necessidade, se não um depois do
outro.
Art. 22 – Todo o discípulo que faltar à aula será punido, se não trouxer
um bilhete de desculpa dado por sua família.
Art. 23 – Na saída os discípulos se dividem segundo o quarteirão que
habitam, estas divisões saem umas depois das outras debaixo da inspeção
de um discípulo chamado condutor, e só se separarão quando cada um
chega a sua casa.
Art. 24 – Todas os meses, depois da reza pela manhã, se fará leitura do
regulamento da escola em altas vozes.
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Art. 25 – O professor nunca tratará os discípulos por tu, nem com eles
se familiarizará, com quanto lhes deve ter muito amor (PINHEIRO;
CURY, 2004, p.23).
Além do estabelecimento de normas disciplinares aos professores e, principalmente,
aos alunos, o regulamento de 1849 explicita claramente as regras de punição que podiam
ser utilizadas pelos mestres para com seus alunos. No referente regulamento essas regras
punitivas aparecem intituladas como castigos, cuja definição o próprio documento destaca
como “tudo quanto é capaz de manifestar às crianças a falta que cometerão, de lhes causar
vergonha e arrependimento, e de servir de expiação ao passado, e de preservativo para o
futuro.” (PINHEIRO; CURY, 2004, p.25).
Os castigos se diferenciam conforme a transgressão, sendo, definitivamente,
inaceitável no comportamento dos alunos o seguinte: a indisciplina, a inaplicação e a má
conduta nas aulas.
Sobre a orientação apresentada aos professores quanto às regras punitivas, o
documento é bastante preciso, salientando que
Art. 34 – O professor deve atentamente reparar em si mesmo quando
aplicar algum castigo, a fim de nunca se deixar possuir de cólera, nem
dar aos discípulos nomes injuriosos: será severo, porém de sangue frio,
inflexível, mas sem aspereza. (PINHEIRO; CURY, 2004, p.25)
Nesse sentido, observamos uma preocupação no sentido de conter possíveis abusos
nos métodos punitivos. Para não deixar compreensões variadas ao que se permitia como
castigo, o mesmo documento elencou a seguinte normatização:
Art. 36 – Os discípulos nunca devem ser batidos. Os castigos
autorizados são os seguintes:
1º) Uma ou mais notas más.
2º) A perda do lugar alcançado em diversos exercícios
3º) A restituição ou privação de um ou diversos prêmios
4º) A privação de uma parte ou da totalidade das recreações com
aumento de trabalho
5º) Os rótulos com as palavras falta de verdade, indisciplinada,
falador, preguiçoso, etc., designando a natureza do erro. Estes rótulos
colocados em papelão são pendurados ao pescoço do discípulo por um
cordão, caindo-lhe sobre as costas, que assim conservarão somente
dentro da escola.
6º) O ajoelhamento durante uma parte da aula, ou da recreação: este
castigo nunca excederá de um quarto de hora.
7º) A exclusão provisória das aulas, com participação a autoridade
respectiva.
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8º) A exclusão definitiva, que só terá lugar, quando a presença do
discípulo for julgada de perigo para os outros, que só se poderá dar por
decisão do Presidente da Província, com audiência das autoridades
respectivas. (PINHEIRO; CURY, 2004, p.25)
Em 1886, mediante o regulamento 36 de 26 de junho do mesmo ano, é recorrente a
orientação aos professores para conter excesso nos castigos. Acompanhemos o que
determina essa lei:
Art. 9° – Os alunos estão sujeitos unicamente às seguintes penas;
1° Repreensão não injuriosa.
2° Tarefa de trabalho escolar na aula, além da hora regulamentar.
3° Privação de lugares de distinção, e em geral tudo que produza vexame,
sem abater o brio.
4° Comunicação das faltas cometidas e das penas que houverem sofrido,
aos pais, tutores ou protetores.
5° Exclusão. (PINHEIRO; CURY, 2004, p.63)
Todavia, não era somente de punição que se valia a instrução pública, orientações
concernentes às recompensas para alunos também foram prescritas na legislação.
No documento de 20 de janeiro de 1849, um item foi direcionado para orientação
relativa às recompensas. Conforme esse documento:
Art. 27 – O professor em todos os exercícios caprichará em excitar a
emulação concedendo, porém, com o menor recato as grandes
recompensas, com o fim de não diminuí-lhes o valor; quaisquer que
sejam as considerações, nunca premiará se não a quem houver merecido.
(PINHEIRO; CURY, 2004, p.24)
As recompensas eram registradas mediante bilhetes de satisfação e fitas
direcionados aos alunos que obtinham condutas e resultados almejados durante as aulas.
Estes bilhetes podiam ser utilizados pelos alunos para remir algumas faltas.
Os nomes dos alunos recompensados eram amplamente divulgados, como se pode
perceber nos seguintes artigos daquele documento:
Art. 30 – No domingo pela manhã quando os alunos se tiverem
reunido para a missa o professor lerá o registro das recompensas, pregará
na escola uma lista de honra, em que verão os nomes dos que houverem
merecido as fitas, ou bilhetes de satisfação.
Art. 31 – Todos as vezes, depois do exame geral, de que adiante
falaremos, os nomes dos que mais se houverem distinguido serão
mencionados em um registro, que por todo o mês ficará exposto na
escola.
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Art. 32 – Na ocasião de ser a escola visitada por alguma autoridade
lhe será este registro apresentado, e consultada dotas as vezes que se
houverem de distribuir prêmios maiores. (PINHEIRO; CURY, 2004, p.
24)
A lei prescreve como uma das recompensas aos alunos o direito de um lugar na
banca de honra. Além disso, se a turma estivesse com comportamento satisfatório premiaria
todos com um meio dia feriado por mês. A distribuição de alguns prêmios, conforme o
documento, poderia ocorrer no final de cada ano, em momento solene.
CONSIDERAÇÕES
Ainda incipiente, o estudo já nos permite observar similaridades do perfil do
professor primário da Paraíba e de outras províncias brasileiras, consoante descrito em
relatos de pesquisas consultados.
Também nos possibilita perceber o caráter contraditório das políticas do Estado
relativas ao magistério público, observando-se a conflituosa coexistência de medidas
direcionadas a uma certa profissionalização da categoria (exigência de formação, ingresso
por concurso público e fixação de ordenados por meio de lei) e a precariedade das
condições de vida e trabalho – decorrentes da insuficiência do financiamento público – ao
que se alia a intensificação do controle do Estado sobre o trabalho docente. Desse modo,
configura-se, na província da Paraíba, o quadro sintetizado na formulação de Nicanor
Palhares Sá, com a qual encerramos este trabalho.
O mestre-escola, servidor estatal, sob seu quase absoluto controle e a
serviço das elites políticas dirigentes do Império, deveria cumprir,
teoricamente, uma função civilizatória, que, porém, se via limitada pela
sua qualificação profissional assim como pelos materiais disponíveis (SÁ,
2006, p. 103).
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