Ferreira, Carlos Eduardo Moreira. “Uma nova política industrial”. São Paulo: Valor Econômico, 03 de dezembro de 2001. Jel: D, H, I Uma nova política industrial Carlos Eduardo Moreira Ferreira Nunca houve, como hoje, consenso tão amplo de que o maior desafio do Brasil no limiar do século 21 é o de criar uma sociedade mais justa, pondo fim ao quadro de miséria, fome e exclusão social que afetam milhões de pessoas no nosso País. Para atingir esse objetivo, o único caminho a trilhar é o do desenvolvimento, aqui entendido como a conjugação de crescimento econômico com distribuição de renda mais equilibrada. Temos hoje para isso condições macroeconômicas mais favoráveis, com estabilidade de preços, boas reservas cambiais, busca do equilíbrio fiscal, aporte considerável de investimentos externos, sem desconsiderar os problemas existentes especialmente nas áreas da dívida pública e da dívida externa, para não falar dos juros absurdos praticados no país. De todo modo, com o Plano Real começamos a fazer a lição de casa. O mesmo, entretanto, não podemos dizer no que se refere à microeconomia, à vida cotidiana das empresas, pois são nelas que pulsa a produção, que é gerada concretamente a riqueza do país, que são assegurados o emprego e o salário, que se abastece o caixa do governo com o recolhimento dos impostos. Sob esse aspecto, o setor industrial tem procurado fazer a sua parte desde que se escancararam sem qualquer preocupação de autodefesa as portas da economia nacional. Mas clama há tempos por uma série de políticas públicas que ajudem a indústria a se expandir e, assim, gerar mais emprego e renda. Reivindicamos uma Nova Política Industrial (NPI). Não se trata aqui de defender um mergulho ao passado, como nos acusam os ortodoxos do neoliberalismo, para quem a expressão política industrial soa como um palavrão. Não estamos falando de subsídios e isenções irracionais, de fechamento de mercado, de protecionismo exacerbado, de impostos leoninos sobre importações. Nem de uma visão arcaica característica do regime militar dos anos 70. Falamos, isso sim, de uma política de competitividade a que chamaremos de NPI, até para afastar o fantasma da velha política industrial que atormenta os sonhos modernizadores dos nossos melhores economistas oficiais. Implantar a Nova Política Industrial exige exatamente a formação de uma sólida aliança entre poder público e iniciativa privada, com vistas à adoção de um conjunto de políticas e ações gerais e específicas. No plano geral, a NPI requer avanços urgentes, como: a) reforma tributária visando a isonomia competitiva dos produtos brasileiros no mercado globalizado, com o fim dos impostos e contribuições em cascata, eliminando-se a cumulatividade, com a substituição do ICMS por um imposto incidente sobre o consumo e não nas diversas etapas da produção como é hoje; b) comprometimento do sistema financeiro com a produção, retirando-se as cunhas fiscais e a infinidade de taxas que aumentam os custos do dinheiro, diminuindo-se as exigências demasiadas de garantias, destinando-se parcela significativa de créditos para operações de longo prazo voltadas a investimentos, e impondo-se critérios para que os repasses do BNDES beneficiem as micro, pequenas e médias empresas; c) ampla modernização da legislação trabalhista, com uma reforma profunda da CLT em que o entendimento direto entre trabalhadores e empregadores prevaleça sobre outros interesses que dificultam a ampliação do emprego; d) reforma da previdência, instituindo-se o modelo de capitalização com o objetivo de atender melhor o beneficiário e, ao mesmo tempo, gerar recursos para investimentos produtivos; e) aprofundamento das reformas no setor de infra-estrutura (energia, telecomunicações e transportes) de modo a valorizar o interesse dos investidores privados e captar novos recursos para a sua modernização, particularmente no que se refere aos portos e aeroportos cujos custos de operação oneram e tiram a competitividade das nossas exportações; e f) medidas de combate aos desequilíbrios econômicos regionais, com a ativação das agências de fomento para as Regiões Norte e Nordeste (em substituição à Sudam e à Sudene) e a criação de agência semelhante para o Centro-Oeste; Especificamente quanto ao setor industrial, temos de reconhecer que muitos setores realizaram formidável e exitoso esforço de adaptação aos novos padrões de exigências competitivas da economia globalizada. Mas aí também a aliança governo/iniciativa privada deve ser reforçada com vistas à modernização da estrutura produtiva brasileira. Na inovação tecnológica está a pedra de toque dessa aliança. Outro ponto que exige uma firme ação governamental é o da promoção das exportações. Pois no dizer do economista Paulo Rabello de Castro, exportar é crescer: "As exportações são como poupança realizada pela sociedade. Um país poupa quando exporta e quem poupa mais pode investir e crescer mais". Assim, contaremos com mais poupança nacional para investir e crescer se tivermos produtos de maior valor agregado para vender no mercado externo. Nada contra as commodities e os valorosos produtores rurais, mas precisamos enriquecer nossa pauta de exportações com produtos industriais de classe mundial, pois são eles que podem fazer a diferença em nossa balança comercial. Por isso, na NPI não cabem privilégios especiais a quem não for competitivo. Seu âmago é o adensamento das cadeias produtivas já organizadas e com potencial competitivo, conferindo-lhes escala para que possam ultrapassar os limites do mercado interno - este também essencial na medida em que a distribuição de renda que se pretende com a ampliação do emprego resulta na incorporação de novos consumidores à economia de mercado que farão girar com mais vigor a roda da produção, no círculo virtuoso do desenvolvimento sustentado. A NPI não é sinônimo de retrocesso. Ao contrário, é o alinhamento do setor industrial brasileiro com o futuro, é a vertente da indústria dentro de uma política nacional de competitividade, que os novos tempos exigem se queremos transformar esta Nação, riscando definitivamente do mapa a mancha tenebrosa da miséria, da fome e da exclusão social. Vamos juntos construir a Nação com que sonhamos, pois o Brasil tem pressa e o mundo não espera.