CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Bettina Steren dos Santos Resumo Este artigo procura fazer uma reflexão sobre os modelos explicativos do processo de construção de conhecimento. Epistemologicamente existem modelos que fundamentam a prática pedagógica dos professores, muitas vezes esses modelos não são aprofundados suficientemente para esclarecer e compreender o porquê de certas práticas. Tal reflexão nos possibilitará entender e analisar porque o construtivismo apresenta uma fundamentação teórica coerente com uma prática pedagógica transformadora. Para concluir colocamos alguns princípios que consideramos importante seguir quando a opção epistemológica é o construtivismo. Hoje, ao falar em educação, não tem como não nos referirmos às mudanças que ela está exigindo. Constatamos em cada sala de aula que o sistema tradicional de educação já está defasado e que uma mudança é inevitável. Existe uma pergunta que todo professor que pretende entrar numa sala de aula deve se fazer: "Como meu aluno aprende? " Refletir sobre esta questão é de extrema importância, já que nos leva a um questionamento sobre a construção do conhecimento numa perspectiva histórica. Para poder refletir sobre isso, considero que inicialmente devemos fazer uma distinção entre métodos educacionais e teorias epistemológicas. Atualmente existe uma grande confusão entre os professores sobre o que seria um método utilizado na sala de aula e o modelo epistemológico adotado. Essa confusão é o que muitas vezes nos leva a ouvir expressões tais como: "A minha escola utiliza uma metodologia construtivista", Esta afirmação nos mostra que o entendimento sobre o que é o construtivismo é errôneo e merece alguns esclarecimentos conceituais. Muitos professores acreditam que são construtivistas porque colocam os seus alunos para trabalhar em grupos, ou com material concreto, mas isso somente não é ser construtivista. A partir desse tipo de atividade deve existir uma postura do professor que acompanhe e guie o trabalho do aluno, para que realmente o conhecimento seja construído. O que quero dizer com isso, é que podemos realizar atividades tradicionais ou atividades mais criativas: as duas podem em certo momento promover aprendizagem, mas o que é fundamental, e que devemos esclarecer, são as nossas idéias sobre como se constrói o conhecimento e, a partir desse esclarecimento, procurar atividades que sejam coerentes com o modelo epistemológico adotado. O estudo do marco referencial teórico do processo de ensino e aprendizagem não está recebendo a devida importância e, como dizia Paulo Freire, para termos uma aproximação crítica da realidade é necessário relacionar a teoria à prática. A conscientização não pode existir fora da "praxis ", ou melhor, sem o ato de ação-reflexão. Atualmente, cada vez mais estão surgindo pesquisas e escritos, em nível mundial, sobre questões relacionadas à construção do conhecimento. Na maioria dos trabalhos podemos observar que um dos conceitos mais debatido é o CONSTRUTIVISMO. Mas como aponta o próprio César Coll (1994), um dos grades, estudiosos da aplicação do construtivismo na sala de aula, existe uma desconfiança e cansaço em relação a este conceito. Essa situação não se deve ao fato de não ser assumido o construtivismo como marco teórico de referência, mas sim à diversidade de enfoques e propostas que se auto-definem como construtivista, fazendo com que o mesmo assuma uma certa função de "curinga" dentro do qual cabe quase tudo. Pensando nisso, acredito que deve ficar bem claro que existe uma diferença entre a teoria construtivista da construção do conhecimento e as diferentes metodologias utilizadas para alcançar esta construção. Portanto, gostaria nesse momento de aprofundar-me em duas questões que considero importantes: inicialmente vou expor algumas reflexões sobre os modelos epistemológicos existentes atualmente na literatura. A continuação pretendo colocar alguns aspectos pelos quais acho que o construtivismo é a explicação coerente sobre a construção do conhecimento. Conhecemos a realidade através de modelos que construímos para explicá-la sempre susceptível de ser melhorada ou modificada. Fundamentação dos três modelos epistemológicos: Consta na literatura três modelos epistemológicos que sustentam as diferentes práticas pedagógicas: o modelo empirista, também conhecido como objetivismo ou tradicional, o modelo apriorista (não diretivo) e o modelo construtivista que também é conhecido como relacional (Becker, 1994). EMPIRISMO: O mundo é independente da mente, e o conhecimento, possível somente através da experiência, capta a realidade como ela é. Ênfase na conduta observável e medível: determina objetivos educativos "inequívocos" e externos. A conduta das pessoas é produto do ambiente, como reação aos estímulos incitadores, determinando futuras condutas. Para que a sociedade, as organizações e os grupos funcionem, é necessário que as normas sejam claras, contundentes e que exista uma autoridade (imposta ou democrática) que vá, em cada momento, determinando o que se deve fazer. APRIORISMO: A fonte do conhecimento é a razão e ela é inata, ou seja, ela nasce com o sujeito e o que existe é sua descoberta ou seu desenvolvimento. Nesse modelo, o aluno é que impõe as regras e as suas vontades, cabendo ao professor facilitar o processo pelo qual o aluno vai se desenvolver. CONSTRUTIVISMO: O conhecimento deriva da interação do sujeito com o mundo. Assim, o conhecimento está determinado pelas características do sujeito e pelas características, também, da própria realidade. Ênfase no pensamento: determina objetivos educativos, intelectivos e de formação interna. Para que a sociedade, as organizações e os grupos funcionem com qualidade e garantia de futuro, ao mesmo tempo que com possibilidades de maior satisfação e desenvolvimento de seu potencial humano, é necessário que os membros construam metas e o caminho, auxiliados pela autoridade competente, garantindo, ao mesmo tempo, probabilidade de êxito. A seguir, vou procurar me aprofundar nas duas correntes epistemológicas que fazem parte da nossa prática pedagógica: o realismo epistemológico, que fundamenta a nossa educação tradicional, e o construtivismo, que surgiu há 60 anos com os trabalhos realizados por Jean Piaget. Esse autor questionou-se sobre "Como o que nós sabemos deveria ser relacionado à realidade?" e a partir dessa questão elaborou toda uma teoria sobre como os seres humanos constroem o seu conhecimento. Ele modificou toda uma visão da aprendizagem do ser humano, constatando que a aprendizagem seria uma forma de adaptação, através da qual os seres vivos sobrevivem em meio às condições e às restrições do mundo em que por acaso estão vivendo. Princípios básicos das duas correntes epistemológicas: Realismo Epistemológico: O conhecimento da mente sobre o mundo é reflexo ou cópia das características e propriedades do mundo real tal qual ele é, independentemente da própria mente. Portanto, a aprendizagem consiste em transferir conhecimento desde o exterior até o interior do aluno. Construtivismo epistemológico: O conhecimento da mente sobre o mundo não é mera cópia do mundo exterior (realismo, objetivismo) nem é produto da mente (idealismo). Depende, sem dúvida, de como é o mundo, mas também da construção adaptativa que do mundo faz cada pessoa, em consonância com seus próprios conhecimentos e experiências. Portanto, a aprendizagem consiste em conjugar, confrontar, "negociar" o conhecimento entre o que vem do exterior e o que há no interior do aluno. Meta fundamental do ensino: .Objetivismo: O aluno deve adquirir o conhecimento socialmente acumulado (conhecimentos culturais, científicos, ou acadêmicos) e adaptar-se às estruturas sociais e culturais. seus .Construtivismo: O aluno constrói o conhecimento, debatendo com próprios conhecimentos, experiências e crenças (conhecimentos cotidianos), de modo que essa construções lhe proporcione maior capacidade para saber aprender e saber pensar, assim como desenvolver uma verdadeira motivação intrínseca. Principal referência da aprendizagem: .Objetivismo: A realidade natural, social e cultural, como referência objetiva da aprendizagem, é expressa através do "currículo estabelecido" ou da organização dos conteúdos científicos ou acadêmicos. .Construtivismo: A realidade do aluno, como referência subjetiva e ponto de partida da aprendizagem, é expressa através do seu "currículo vivencial", traduzido em conteúdos cotidianos e experiências. O papel do professor: .Objetivismo: O docente como fonte, controle e avaliador competente do conhecimento, sendo administrador da cultura objetiva. .Construtivismo: O docente como estimulador na construção do conhecimento por parte do aluno, assim como mediador entre a cultura "objetiva" e a "subjetiva" do aluno. O papel do aluno: .Objetivismo: Como ser ainda imaturo, que deve limitar-se a ser receptor dos conteúdos transmitidos pelo mundo adulto e expert. .Construtivismo: Como um ser com um potencial importante e como autor da própria aprendizagem, capaz de construir conhecimento e de saber utilizá-lo. A metodologia de ensino: .Objetivismo: Baseada no ato de transmitir por parte do professor, ou de outra fonte de conhecimento, produtos concretizados em conhecimentos terminais e "conclusivos", ou seja, previamente elaborados. Construtivismo: Baseada em ressaltar o processo, ou seja, em questionar, buscar, averiguar, gerar conhecimentos por parte do aluno. Qualquer método expositivo, interativo ou ativo é válido, sempre e quando se dê garantia à perspectiva e à autoria interna do aluno. Os objetivos e avaliação da aprendizagem: .Objetivismo: Centrados no acúmulo e reprodução dos conteúdos recebidos dos alunos. Construtivismo: Centrados na compreensão, relacionamento, uso e produção de novos conhecimentos dos alunos. Por que o construtivismo? O construtivismo possibilita uma melhor integração cognoscitiva do conhecimento, ao se conectar este à experiência do aluno, e ao se fortalecer pela própria elaboração que implica o processo de construção. O construtivismo tem mais possibilidades de gerar "motivação intrínseca" pelo saber, no prazer de sentir-se o próprio "autor", e na satisfação de encontrar soluções aos problemas apresentados. Para que isso seja assim, no entanto, requer-se uma série de condições, O construtivismo propicia uma maior eficácia da aprendizagem, enquanto orienta-se à elaboração e ao pensamento produtivo, potencializando o desenvolvimento intelectual dos sujeitos. O construtivismo coincide com a procura da renovação educativa que estamos buscando nos últimos tempos. Dentro dessa perspectiva, como já foi falado, o aluno é considerado o centro do ensino e sujeito mentalmente ativo na aquisição do conhecimento. Os últimos estudos coincidem em afirmar que o conhecimento não mais é uma mera cópia da realidade preexistente, mas sim um processo dinâmico e interativo através do qual a informação é interpretada e reinterpretada pela mente que vai construindo progressivamente modelos explicativos cada vez mais complexos e potentes. Conhecemos a realidade através dos modelos que construímos para explicá-la, sempre susceptíveis de serem melhorados ou modificados. O construtivismo, cada vez mais, está sendo adotado como marco teórico e metodológico de referência para diferentes pesquisas. Isso modifica o seu princípio explicativo dos processos de aquisição de conhecimento, assim como abre um importante campo para a indagação teórica e prática. Sob o termo construtivismo, concentram-se concepções, interpretações e práticas bastante diversas. Cada vez mais ouvimos as pessoas se questionarem sobre o construtivismo. Ouve-se comentários como: "E agora que todos somos construtivistas, o que vamos fazer?" "Piaget, era ou não construtivista?" Percebe-se um certo descontentamento com relação ao construtivismo, as pessoas já estão cansadas de ouvir falar sobre as maravilhas do construtivismo, mas na prática esses resultados ainda custam a serem percebidos.