Para onde queremos ir?

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Leite, Antonio Dias. “ Para onde queremos ir?”. São Paulo: Valor Econômico, 18 de outubro de
2001. Jel: G, H.
Para onde queremos ir?
Antonio Dias Leite.
A recusa do Presidente Fernando Henrique Cardoso em discutir uma estratégia nacional de
desenvolvimento consolidou o predomínio da visão de curto prazo da equipe financeira do governo
federal, restrita ao seu objetivo, único e sem concorrência, das metas de inflação. Esta visão, válida
à época da luta heróica contra a hiperinflação, não poderia eternizar-se, como ocorreu,
especialmente por estarmos em país subdesenvolvido que requer esforço continuado no sentido do
desenvolvimento sustentável no longo prazo. Alem disso, a correspondente política monetária
resultou em forte desequilíbrio do comércio exterior e implicou em crescente dependência de
entradas de capital. Por essa via ampliou-se perigosamente a vulnerabilidade externa do Brasil.
Na seqüência de ataques externos que nos alcançaram, a crise financeira internacional, deflagrada
pelo imprevisível e inaceitável atentado a New York, no princípio de setembro, nos atingiu em
cheio no domínio financeiro.
Fica a pergunta: para aonde vai a nossa economia, nessa nova crise, e como poderemos conduzi-la,
sem sequer termos procurado definir para aonde desejamos ir, como Nação? Tudo se complica
também porque o Presidente Fernando Henrique Cardoso é chamado a ocupar-se de duas frentes de
combate.
Na primeira, de ordem financeira, o impasse já existia antes da nova crise, e o endosso do
Presidente às atitudes dogmáticas da sua equipe e ao imobilismo do seu Ministro da Fazenda não
autoriza muita esperança de que delas possam ocorrer, espontaneamente, iniciativas inovadoras.
Ficaremos apenas amparando os choques conseqüentes da inadmissível vulnerabilidade externa em
que nos colocaram. A única luz provém da descoberta tardia de que é necessário e importante fazer
algo pelas exportações.
Na segunda, política, o próprio Presidente assumiu a responsabilidade da coordenação de uma
reforma partidária que acabou por não ser feita. Outras reformas, ainda necessárias, e a importante
campanha presidencial hão de se desenrolar, portanto, no quadro caótico do nosso instável
multipartidarismo.
Os dois combates estão intimamente relacionados.
O sofrido reconhecimento das décadas economicamente perdidas, de oitenta e noventa, em que
tivemos crescimento médio respectivamente de 2,7 % e 2,3%, o inaceitável imobilismo da área
financeira do governo federal desde que derrotada a hiperinflação, e ainda a crise externa, de
conseqüências imprevisíveis, nos conduzem a considerar o risco de estarmos iniciando, com 2% em
2001, mais uma década perdida.
Nesse quadro, o declínio econômico e a fragilidade financeira do país serão, sem duvida, os temas
centrais, tanto na formulação como nos debates em torno dos programas de partidos consistentes e
das plataformas de candidatos à Presidência.
Tudo concorre para reacender a idéia da necessidade e da possibilidade do crescimento econômico
como objetivo nacional. Mas não se deve perder de vista a distância que nos separa dos países
desenvolvidos. Excetuada a disciplina fiscal, que veio para ficar, são essencialmente distintos os
objetivos de um país insuficientemente desenvolvido dos que orientam a política econômica dos
ricos. Em particular no que tange ao ritmo de crescimento econômico, satisfatório em torno de 2%
para os ricos e necessariamente superior a 5% para nós.
No entanto a economia brasileira está estagnada, e o governo se mantém olimpicamente
intransigente na política de curto prazo de contenção do crescimento, em nível máximo de 4%, no
discurso, mas de fato em 2% na prática.
Nesta conjuntura, o tema do crescimento econômico pode ser discutido, entre nós, em vários níveis:
- Como manifestação política da sociedade, observados limites do bom senso, entre os quais o
da experiência histórica brasileira, que atingiu durante 33 anos média superior a 7% de forma
sustentada, e o do ritmo máximo que algum país já alcançou, de forma sustentada, que se situa no
nível de 10%;
- Como resultado de uma analise objetiva dos obstáculos a vencer e dos trunfos de que dispõe o
país para tornar a crescer, a exemplo do que foi tentado na proposta de Estratégia Nacional, que foi
apresentada ao presidente, por um grupo de brasileiros, ainda em 2000, na qual se adotou como tese
para discussão inicial, o retorno ao ritmo já anteriormente verificado; e,
- Como resultado de um tratamento matemático das evidencias estatísticas através de modelos
para esse fim elaborados, como o que foi recentemente divulgado pelo Banco Central, que concluiu
pela possibilidade do crescimento máximo de 4,5%, que poderia até atingir 5%, tendo em vista a
capacidade ociosa em 2001, sem que a economia fique superaquecida.
Essencial é a manifestação política da sociedade em prol do crescimento. A partir daí há que
elaborar a estratégia e organizar ações coerentes levando em conta os riscos das hipóteses
formuladas e das medidas a adotar.
A discussão compreende dois tempos: o do curso que desejamos imprimir ao país no longo prazo e
o da transição, no qual se tentará sair, progressivamente, da estagnação. No longo prazo, e uma vez
iniciado o processo de crescimento, não é difícil imaginar-se como sustentá-lo. A dificuldade está
na transição quando o esforço inicial acarretará fatalmente pressões inflacionárias. A transição será
objeto de outro artigo.
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