C.Curricular: Filosofia - Valor: - Prof. Paulo Machado

Propaganda
C.Curricular: Filosofia -
Valor:
- Prof. Paulo Machado
Aluno(a):_______________________________________________
[
ÁREA
2
]
Nº:_______ - Turma: 3º anos
- Data: _____/_____/__________
Texto 4
Jean Paul Sartre( 1905 -1980)
Liberdade à Consciência
Se um certo Jean-Paul Sartre for lembrado, eu gostaria que as pessoas recordassem o meio e a
situação histórica em que vivi, todas as aspirações que eu tentei atingir. É dessa maneira que eu gostaria de
ser lembrado." Essa declaração foi feita por Sartre durante uma entrevista, cinco anos antes de morrer. Na
mesma ocasião, disse que gostaria que as pessoas se lembrassem dele por seu primeiro romance, "A
Náusea", e duas de suas obras filosóficas, a "Crítica da Razão Dialética" e o ensaio sobre Jean Genet.
Jean-Paul Sartre influenciou profundamente sua geração e a seguinte. Foi um mestre do pensamento e
seu exemplo foi seguido por boa parte da juventude do pós-guerra, nas décadas de 1950 e 1960.
Sartre tentou ilustrar sua filosofia com ações traduzidas em diversos engajamentos políticos e sociais.
Mais que qualquer outro filósofo, é necessário conhecer algo de sua biografia para captar o pensamento
sartreano, um projeto desenvolvido em três horizontes: a filosofia, a literatura e a política.
Existencialismo ou a filosofia da existência é uma vasta corrente filosófica contemporânea que se
afirma na Europa logo após a Primeira Guerra Mundial, se impõe no período entre as duas guerras e se
desenvolve ainda mais e se expande até tornar-se moda sobretudo nas duas décadas posteriores à Segunda
Guerra Mundial. Assim, se consideramos o tempo de seu nascimento e de seu crescimento, é fácil perceber
que o existencialismo expressa e leva à conscientização a situação histórica de uma Europa dilacerada física e
moralmente por duas guerras, de uma humanidade européia que, entre as duas guerras, experimentam em
muitas de suas populações a perda da liberdade, com regimes totalitários.
A época do existencialismo é época de crise: a crise daquele otimismo romântico que, durante todo o
século XIX e a primeira década do século XX, garantia o sentido da história em nome da Razão, do Absoluto,
da Idéia ou da Humanidade, fundamentava valores estáveis e assegurava um progresso certo e incontível. O
idealismo, o positivismo e o marxismo são todas filosofias otimistas, que presumem ter captado o princípio da
realidade e o sentido progressivo absoluto da história. O existencialismo, porém, considera o homem como ser
finito, lançado no mundo e continuamente dilacerado por situações problemáticas ou absurdas. E é
precisamente pelo homem, o homem em sua singularidade, que o existencialismo se interessa. O homem do
existencialismo não é o objeto que exemplifica uma teoria, um membro de uma classe ou um exemplar de
gênero substituível por outro exemplar qualquer do mesmo gênero. Da mesma forma, o homem considerado
pela filosofia da existência também não é simples momento do processo de uma Razão oniabrangente ou uma
dedução do Sistema. A existência é indedutível e a realidade não se identifica com a racionalidade e nem se
reduz a ela.
A não identificação da realidade com a racionalidade é acompanhada, como elemento característico,
por três pontos básicos do pensamento existencialista, que são: a) a centralidade da existência como modo de
ser daquele ente finito que é o homem; b) a transcendência do ser - o mundo e/ou Deus - com o qual a
existência se relaciona; c) a possibilidade como modo de ser constitutivo da existência e, como categoria
insubstituível na análise da própria existência.
Mas como se qualifica o conceito de existência no interior do existencialismo? A primeira coisa que se
deve destacar é que a existência é constituída do sujeito que filosofa e o único sujeito que filosofa é o homem:
por isso, ela é exclusivamente típica do homem, já que o homem é o único sujeito a filosofar. Além disso , a
existência é modo de ser finito e é possibilidade, isto é, um poder-ser. A existência, precisamente, não é
essência, coisa dada por natureza, realidade predeterminada e não modificável . As coisas e os animais são o
que são e permanecem o que são. Mas o homem será o que ele decidiu ser. O seu modo de ser, a existência,
é um sair para fora em direção à decisão e à automoldagem. Assim, a existência é um poder-ser e, portanto, é
incerteza, problematicidade, risco, decisão, impulso adiante. Este impulso pode ser em direção a Deus, ao
mundo, ao próprio homem, a liberdade, ao nada. Aqui começam a se dividir as correntes do existencialismo
conforme a direção tomada.
Na perspectiva da história das idéias, o existencialismo se apresenta como uma das manifestações da
grande crise do hegelianismo, manifestações que se expressam no pessimismo de Schopenhauer, no
humanismo de Feuerbach e na filosofia de Nietzsche e que , por outro lado, encontram sua correspondência na
obra literária de Dostojewskij e de Kafka, obra permeada de tão profunda problematicidade humana .
Nas raízes do existencialismo encontra-se o pensamento de Kierkegaard. O chamado renascimento
Kierkegaardiano constitui a divisa da nova tendência teológica do cristianismo reformado e teve a sua melhor
1
expressão na obra de Karl Barth. Sua obra mais importante é o comentário à Epístola de São Paulo, Carta aos
Romanos ( 1919), refere-se explicitamente à especulação de Kierkegaard e é uma tentativa de traduzir nas
formas de tal especulação um cristianismo depurado dos seus aspectos míticos e farisaicos. Escreveu Barth "
Se tenho um sistema, ele consiste em ter constantemente presente no seu significado negativo e positivo
aquilo a que Kierkegaaard chamou a infinita diferença qualitativa entre tempo e eternidade. Deus está no céu e
nós na terra. A relação entre este Deus e o homem, a relação entre o homem e este Deus é para mim o tema
único da Bíblia e da filosofia " ( pp. XIII). Mas esta relação é o único tema da Bíblia e da filosofia porque
constitui a própria existência do homem.
Se Kierkegaard é a raiz do existencialismo, a Fenomenologia é a raiz mais próxima ainda do
existencialismo. Com efeito, o existencialismo se articula em contínuo exercício de análise da existência e das
relações da existência humana com o mundo das coisas e o mundo dos homens. A existência humana não
pode e não deve ser deduzida a priori; ao contrário, ela deve ser escrupulosamente descrita assim como se
manifestam suas variadas formas da experiência humana efetiva, esta descrição é a aplicação do método
fenomenológico .
A análise da existência não foi objeto somente de obras filosóficas, como é o caso da analítica
existencial realizada com o método fenomenológico por Heidegger em Ser e Tempo , mas também de vasta
obra literária que , sobretudo com Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, sublinhou os traços menos nobres,
mais tristes e dolorosos das vicissitudes humanas e, com Gabriel Marcel, destacou os traços mais positivos da
experiência da pessoa.
Na França, os representante do existencialismo são Jean-Paul Sartre, Gabriel Marcel, Maurice
Merleau-Ponty e Albert Camus.
No imediato após guerra, o pensamento de Jean-Paul Sartre, nascido em Paris em 1905, se impôs ao
público mundial durante cerca de duas décadas, graças ao seu teatro de situações, influindo amplamente na
sociedade e nos costumes.
Sartre iniciou a sua atividade de pensador com análises de psicologia fenomenológica relativas ao eu,
à imaginação , às emoções. Para Sartre, em A Náusea, a vida da personagem de Roquentin é desprovida de
sentido; nenhum objetivo consegue mais orientá-lo; ele existe como uma coisa, como todas as coisas que
emergem, na experiência da náusea, em sua gratuidade e em seu absurdo: um sujeito sem sentido cancela de
golpe o sentido de todas as coisas e passam a faltar instruções para o seu uso. Tudo é gratuito, e quando
acontece de nos darmos conta disso, revolta-nos o estomago e tudo se põe a flutuar, eis a Náusea.
Se a experiência da náusea revela a gratuidade das coisas e do homem reduzido a coisa e submerso
nas coisas, a análise desenvolvida em O Ser e o Nada revela, antes de mais nada, que a consciência é em
primeiro lugar consciência de alguma coisa e de qualquer coisa que não é consciência. Sartre chama a este
qualquer coisa de ser-em-si. O ser-em-si só pode descrever-se analiticamente como "o ser que é aquilo que é
"( p.33), expressão que torna clara a sua opacidade, o seu caráter maciço e estático devido ao qual não é nem
possível nem necessário, é simplesmente. Relativamente ao ser-em -si a consciência é o ser-para-si , isto é,
presença a si mesma. A presença a si mesma implica sua cisão, uma separação interior no ser da consciência.
Uma crença, por exemplo, é como tal, sempre consciência da crença; mas, para a atingir como crença, é
preciso de qualquer modo fixá-la como crença, separá-la da consciência, a que é presente. Separá-la através
do Nada. Nada existe e pode existir a separar o sujeito de si mesmo. A distância ideal , o lapso de tempo, a
diferença psicológica implicam certamente, como tais, elementos de positividade; mas a sua função é sempre
negativa. O nada que surge no coração da consciência não é , mas sim foi . A consciência está no mundo, no
ser-em-si, mas é radicalmente diferente do mundo, não está ligada ao mundo. A consciência, que vem a ser a
existência, isto é, o homem, é portanto, absolutamente livre. O ser-em-si é o ser que é o que é; a consciência
não é objeto. O ser pleno e completo; a consciência é vazia de ser, é possibilidade, e a possibilidade não é
realidade. A consciência é liberdade.
A liberdade, segundo Sartre , é a possibilidade permanente daquela ruptura ou nulificação do mundo
que é a própria estrutura da existência. "Eu estou condenado, a existir para sempre para além da minha
essência, para além dos móbiles ou moventes e dos motivos do meu ato: eu estou condenado a ser livre.
"(p.515) Isto significa que não se pode encontrar para a minha liberdade outros limites além da própria
liberdade: ou, se se preferir, que não somos livres de deixar de ser livres. A liberdade não é o arbítrio ou o
capricho momentâneo do indivíduo: radica na mais íntima estrutura da existência, é a própria existência. Um
existente que , como consciência, está necessariamente separado de todos os outros, já que esses se
encontram em relação com ele apenas na medida em que existem para ele, um existente que decide do seu
passado, sob forma de tradição, à luz do seu futuro, em vez de deixá-lo pura e simplesmente determinar o seu
presente, um existente que se perspectiva através de algo distinto de si, isto é, de um fim que não é e que ele
projeta no outro lado do mundo, eis aquilo a que chamamos um existente livre. É evidente que a liberdade não
se refere tanto aos atos e às volições particulares como ao projeto fundamental em que eles se encontram
compreendidos, o qual constitui a possibilidade última da realidade humana, a sua escolha originária. O projeto
fundamental deixa sem dúvida uma certa margem de contingência às volições e aos atos particulares, mas a
liberdade originária é aquela que é inerente à escolha do próprio projeto. E é uma liberdade incondicionada. A
modificação do projeto inicial é a todo momento possível. A angústia que, quando revelada, manifesta à nossa
2
consciência a nossa liberdade, testemunha a modificabilidade perpétua do nosso projeto inicial. Nós estamos
perpetuamente ameaçados de nulificação da nossa escolha atual, perpetuamente ameaçados de escolhermos
ser, e portanto tornar-mo-nos, diferentes do que somos. A nossa escolha é frágil pelo simples fato de ser
absoluta: assentando sobre a escolha a nossa liberdade, colocamos simultaneamente a sua perpétua
possibilidade de tornar-se um aquém ultrapassado pelo além que eu serei. Certamente, a liberdade do projeto
inicial não é a possibilidade de fugir ao mundo e anular o próprio mundo. Se a liberdade significa fugir ao dado
ou ao facto, ela é o facto do fugir ao facto. A liberdade permanece nos limites da factualidade, isto é, do mundo.
Mas esta factualidade é indeterminada: a liberdade põe o mundo em ser com a sua escolha. Por isso o homem
é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser. Tudo o que acontece no mundo reportase à liberdade e à responsabilidade da escolha originária; por isso, nada daquilo que acontece ao homem pode
ser dito inumano. As mais atrozes situações da guerra, as piores torturas não criam de fato um estado de
coisas inumano. Não existe aí uma situação inumana: somente pelo medo, pela fuga ou pelo recurso a
comportamento mágicos, decidiremos sobre aquilo que é inumano; mas esta decisão é humana e dela terei
inteira responsabilidade. Sou eu que decido sobre a adversidade das coisas e até da sua imprevisibilidade
decidindo de mim própria. Não existem casos acidentais: um acontecimento social que ocorre subitamente e
me arrasta não é exterior a mim; se sou mobilizada para uma greve, esta é a minha greve, a minha própria
imagem, e eu mereço-a . Mereço-a por que a escolhi, trata-se sempre de uma escolha.
É o homem, que se escolhe: a sua liberdade é incondicional e ele pode mudar seu projeto original ou
inicial a qualquer momento. E, assim como a náusea constitui aquela experiência metafísica que revela a
gratuidade e o absurdo das coisas, da mesma forma a angústia , como já dissemos, é a experiência metafísica
do nada, isto é, da liberdade incondicional. Com efeito, o homem e só o homem é o ser para o qual todos os
valores existem.
As coisas do mundo são gratuitas e um valor não é superior a outro. As coisas são desprovidas de
sentido e fundamento e as ações dos homens são desprovidas de valor. Em suma, a vida é uma aventura
absurda, onde o homem se projeta continuamente além de si mesmo, como para tornar-se deus. Escreve
Sartre: "o homem é o ser que projeta ser Deus, mas, na realidade, ele se mostra como aquilo que é, uma
paixão
inútil
"
(p.515) O homem é fundamentalmente desejo de ser Deus. Deus não é senão este desejo mal sucedido. O
ser-em-si do mundo e o ser-para-si da consciência se encontram num estado de perpétua ruptura com relação
a uma síntese ideal que jamais existiu, mas que é sempre indicada, embora sempre impossível.
A liberdade consiste na escolha do próprio ser. E essa escolha é absurda. Assim o existencialismo
sartreano afirmava a realidade dos homens, através da consciência como liberdade.
Bibliografia
SARTRE, Jean-Paul. L'Être et le N'éant - Essai d'Ontologie Phénoménologique. Paris. Gallimard, 1953.
_______. La Nausée. Paris. Gallimard, 1938
3
Download