Computês: salve-se quem puder! Julieta Thomé

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Computês: salve-se quem puder!
Julieta Thomé - 15.01.07
Venha provar meu brunch
saiba que eu tenho approach
na hora do lunch
eu ando de ferryboat
eu tenho savoir-faire
meu temperamento é light
minha casa é hi-tec
toda hora rola um insight
já fui fã do jethro tull
hoje me amarro no Slash
minha vida agora é cool
meu passado é que foi trash
O “Samba do Approach”, de Zeca Baleiro, já diz tudo. A língua inglesa se misturou com a língua
portuguesa de uma maneira irreversível. Há quem defenda o controle do uso da língua por meio de
decretos, como é o caso do projeto de lei do deputado Aldo Rebelo, muito criticado por lingüistas, que
resultou no livro “Estrangeirismos: Guerras em Torno da Língua” (Parábola, 2004), organizado por
Carlos Alberto Faraco. Mas a aceitação com o crescimento do uso é que vai consolidar ou não a
permanência dessas palavras no nosso vocabulário.
No século XXI, era da difusão do conhecimento tecnológico, percebe-se que, ao importarmos a
tecnologia, trazemos de fora também palavras associadas a ela. Usuários de computador e técnicos
criaram um jargão próprio, o computês. Isso ocorre quando se acrescenta uma terminação portuguesa a
verbos ingleses, tais como “printar”, “startar”, “linkar”, “plugar”, “atachar”, “chatiar”, etc. – embora
existam verbos em nossa língua que traduzem perfeitamente essas palavras inglesas: imprimir, iniciar,
conectar, ligar, anexar, conversar (bater papo). O uso é tão freqüente que alguns desses verbos
perderam a condição periférica de jargão e entraram para os dicionários brasileiros, como “plugar” (em
1970), “escanear” (1964) e “acessar” (1962).
“A grande disseminação do computador e de sua tecnologia, certa dose de preguiça mental e
traduções errôneas são componentes de uma equação que explica esse fenômeno. Juntem-se a isso
desconhecimento do significado original em Inglês, artifícios para facilitar a memorização de vocábulos,
promoções de marketing e um pouco de esnobismo. As razões são várias, e é difícil determinar a causa
e a origem quando o uso já está consagrado.
Empréstimos lingüísticos existem e sempre existirão em todos os idiomas. As línguas têm uma
tendência natural e constante à renovação, resultado da criatividade humana. Quando o Latim era
ensinado nas escolas, várias palavras migraram para o uso cotidiano e para a escrita. Quando o
Francês tinha mais prestígio, foram importadas diversas palavras que hoje convivem naturalmente com
o Português”, explica Décio Torres Cruz, autor do livro “Inglês.com: Textos para Informática” (Disal,
2003), doutor em Literatura Comparada, mestre em Teoria da Literatura e bacharel em Letras.
Leia abaixo trechos do artigo escrito por Décio Torres Cruz, dividido em tópicos, entitulado
“Cuidado com o Download”
A crescente informatização tem incluído centenas de palavras inglesas no Português e promovido uma
verdadeira revolução lingüística
Necessidade e bom senso
A aceitação de palavras que faltavam em português consolidou expressões como cartum (de
"cartoon"), "joystick" (literalmente significa “vara da alegria” ou “vara do prazer”, e refere-se à alavanca
de comando, ou seja, ao controle manual de jogos eletrônicos), "recall" (ainda não dicionarizada),
"hacker", "drive-in" e, recentemente, "drive-thru".
A própria língua inglesa tornou-se uma das mais ricas em termos lexicais devido aos
empréstimos de outros idiomas como latim, francês e espanhol. Muitos desses empréstimos devem-se
ao escritor William Shakespeare, que contribuiu para a expansão do vocabulário do inglês no século
XVI e cuja influência se faz sentir até hoje.
Os empréstimos são necessários para todas as línguas – melhor se forem feitos de maneira
justificada, quando não houver equivalentes no nosso idioma. São as chamadas lacunas funcionais,
situações em que falta uma palavra conveniente para o falante expressar o necessário ou quando o
equivalente não possui a força do empréstimo, ou se seu uso é bastante limitado.
É bom tomar cuidado para não usar somente palavras inglesas para denominar tudo de novo
que importamos ou criamos, sem nenhuma atitude crítica e bom senso. Revoluções e evoluções se
justificam quando se prestam a verdadeiras mudanças para o aprimoramento e o bem-estar do homem,
mas não quando terminam por enfraquecer o pensamento crítico por meio de atitudes e imposições
com ares colonialistas.
Mestrado em enrolação
O fenômeno da globalização vem criando neologismos em diversas áreas além da computação,
mais notadamente nos setores de comércio, negócios e telecomunicações. A grande maioria tem
perfeitos substitutos em nosso idioma.
Veja alguns exemplos:
• MBA (abreviatura de master in business administration): mestrado em Administração de Empresas
• Ph.D (philosophiae doctor): doutor em Filosofia,
correspondente a doutorado
• workshop: oficina
• quiz: adivinhas
• teen: adolescente
• sale: liquidação
• delivery: entrega
• fast food: lanche (este também é anglicismo já consagrado, vindo de "lunch" que significa almoço)
Reconhecimento formal
O verbo “deletar” (dicionarizado em 1975) já faz parte de uma edição atualizada do Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras em 2004. O curioso é
que seu ingresso no Português não ocorreu por meio da raiz latina "delere", como seria esperado de um
idioma românico, mas se deu com o uso de palavras inglesas relacionadas à computação.
Outra curiosidade: a palavra “delir” já existia na Língua Portuguesa com o mesmo sentido de
“apagar” ou “destruir”, formas cujo uso é ainda aconselhado pelo Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa.
Você é ROM?
A expressão técnica ROM, de "read only memory" (que indica a memória permanente da
máquina sem interferência do usuário), passou a ser usada – entre os maníacos por computador – para
se referir às pessoas que possuem memória curta ou que são intelectualmente limitadas.
Interface ou talk?
"Interface" originalmente poderia significar interação, ou uma superfície considerada como um
limite comum entre dois corpos ou espaços. Também era usada para referir-se a idéias ou fatos
compartilhados por duas ou mais disciplinas. O jargão computacional, porém, introduziu um novo
significado: equipamentos ou programas projetados para comunicar informação entre um sistema e
outro, ou entre o usuário e o sistema.
O verbo "interface" também já existia com o sentido de comunicar, interagir. No Vale do Silício –
região da Califórnia que se notabilizou pela concentração de empresas e faculdades voltadas à
informática –os usuários de computador passaram a substituir o verbo "talk" (“conversar”) por
"interface", e esse uso começou a se expandir.
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