INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA A insuficiência cardíaca é uma síndrome heterogênea na qual uma anormalidade na função cardíaca é responsável pela inabilidade do coração em bombear o sangue a um volume que atenda às necessidades metabólicas dos tecidos ou quando ele desempenha esta atividade apenas a pressões ou volumes diastólicos anormalmente elevados. Qualquer doença que cause necrose miocárdica ou produza sobrecarga de pressão ou de volume pode induzir disfunção miocárdica e insuficiência cardíaca. Uma das formas de ocorrência da insuficiência cardíaca é como resultado de uma contratilidade miocárdica prejudicada (disfunção sistólica, caracterizada por uma fração de ejeção ventricular esquerda reduzida). Esse parece ser o caso do paciente Paulo Ricardo que apresenta uma fração de ejeção de apenas 8%. A insuficiência cardíaca vem crescendo em incidência e em prevalência, estando associada a taxas crescentes de mortalidade. A incidência anual de novos casos de insuficiência eleva-se de menos de 1/1000 pacientes-ano com menos de 45 anos para 10/1000 pacientes-ano com mais de 65 anos de idade, e para 30/1000 pacientes-ano com mais de 85 anos. Os números de prevalência acompanham um padrão exponencial similar, aumentando de 0,1% com menos de 50 a 55 anos para quase 10% com mais de 80 anos. O prognóstico dos pacientes com insuficiência cardíaca é péssimo, apesar dos avanços na terapia. Dos pacientes que sobrevivem ao início agudo da insuficiência cardíaca, apenas 35% dos homens e 50 % das mulheres estão vivos após 5 anos. Como método preventivo em pacientes com fração de ejeção reduzida, os inibidores da enzima conversora de angiotensina e os beta-bloqueadores previnem ou adiam a disfunção e a dilatação ventricular esquerda progressiva e o início ou agravamento da insuficiência cardíaca. Apresentação clínica da insuficiência cardíaca: Pode apresentar-se de forma aguda, crônica ou ainda como uma exacerbação aguda da insuficiência cardíaca crônica. A insuficiência cardíaca aguda geralmente apresenta-se com falta de ar, culminando, algumas vezes em minutos, em um edema pulmonar. Uma apresentação mais subaguda é a de uma dispnéia progressiva associada a uma retenção de líquidos sistêmica ao longo de dias a semanas. A forma imediata geralmente sugere uma extensa lesão aguda, mais comumente um IM em evolução ou recente. Na insuficiência cardíaca crônica a maioria dos pacientes adultos apresenta anormalidades no ventrículo esquerdo (VE). No entanto, a apresentação clínica pode sugerir predominantemente, ou até mesmo exclusivamente uma disfunção ventricular direita. As disfunções do VE podem resultar em dispnéia (eventualmente em repouso, mas geralmente associado com a atividade), edema pulmonar quando grave (associado a estertores e possíveis derrames pleurais). O débito cardíaco pode ser insuficiente para suportar a função de órgãos periféricos, causando fadiga muscular ao esforço, função renal e excreção de sal prejudicadas, ou depressão do estado mental. A falência do coração direito resulta de uma sobrecarga de pressão ventricular direita crônica (ex: hipertensão pulmonar resultante de cor pulmonale ou doença vascular pulmonar). As manifestações primárias da insuficiência do lado direito do coração estão relacionadas a pressões atriais direitas e venosas sistêmicas cronicamente elevadas: distensão venosa jugular, edema periférico, ascite, edema hepático e intestinal e queixas gastrointestinais variadas. Na descompensação aguda da insuficiência cardíaca crônica o paciente vem mantendo um curso estável e repentinamente apresenta-se com sintomas que pioram aguda ou subagudamente. Como causas da descompensação podemos citar: modificação nos medicamentos (pelo paciente ou pelo médico), na dieta, nas atividades, condições cardiovasculares novas ou alteradas superpostas, processos sistêmicos (febre, infecção ou anemia). Avaliação do paciente com possível insuficiência cardíaca: - Sintomas de insuficiência cardíaca: dispnéia, ortopnéia, dispnéia paroxística noturna, edema pulmonar agudo, intolerância ao exercício (fluxo sanguíneo para o músculo em exercício fica prejudicado resultando em fatigabilidade fácil), fadiga, edema e retenção de líquidos (ascite, derrame pleural e derrame pericárdico), sintomas abdominais e gastrointestinais (náusea, desconforto abdominal difuso, congestão hepática, etc.), distúrbios do sono e manifestações do sistema nervoso central (hipoperfusão cerebral pode causar prejuízos à memória, irritabilidade e alteração do estado mental) e caquexia cardíaca. - Achados no exame físico: pacientes que apresentam sintomas mais graves normalmente encontram-se inquietos, dispnéicos e pálidos. As extrasístoles ou arritmias são comuns. O pulso alternante constitui um sinal de falência cardíaca avançada ou um grande derrame pericárdico. A pressão arterial pode ser normal ou alta ou ainda pode estar, nos casos graves, no limite inferior da normalidade ou abaixo. Em 80% dos casos de insuficiência cardíaca avançada é possível observar uma elevação na pressão venosa jugular ou um refluxo abdominojugular anormal. Na ausculta pulmonar é possível observar a presença de estertores em grande parte dos casos. No exame cardíaco a avaliação do ponto de impulso máximo [íctus] pode fornecer informações relativas ao tamanho do coração e a sua função. Pulsações precordiais adicionais podem indicar um aneurisma ventricular esquerdo. Uma elevação paraesternal é uma valiosa evidência de hipertensão pulmonar. B1 pode estar diminuída em amplitude quando a função do VE é ruim, e o componente pulmonar de B2 (P2) pode ser acentuado quando presente uma hipertensão pulmonar. Presença de B3 apical constitui um forte indicador de disfunção ventricular esquerda significativa. B4 geralmente é encontrada em pacientes com disfunção diastólica. Uma B3 na borda esternal inferior esquerda ou direita abaixo do apêndice xifóide indica disfunção ventricular direita. A ascite e o edema devem ser procurados e quantificados. - Testes diagnósticos: Radiografia de tórax: (relação cardiotorácica > 0,5 e, especialmente > 0,6 é um forte indicador de insuficiência cardíaca ou de outra causa de cardiomegalia). No entanto quase 50% dos pacientes com insuficiência cardíaca não têm esta relação cardiotorácica tão alta. Derrames pleurais também podem ser vistos. Eletrocardiografia: a principal importância do eletrocardiograma é avaliar o ritmo cardíaco, identificar um IM prévio e detectar evidências de hipertrofia do VE. Ecocardiografia: fornece uma avaliação quantitativa da função ventricular esquerda e pode confirmar, na presença se sintomas e sinais indicativos, a insuficiência cardíaca resultante de uma disfunção sistólica ou a insuficiência cardíaca com função sistólica preservada. Avalia também o tamanho dos ventrículos, motilidade parietal regional, avaliação das valvas cardíacas e diagnóstico da hipertrofia ventricular esquerda. Medidas do peptídeo natriurético: O peptídeo natriurético tipo B e o peptídeo natriurético pró-B terminal N são marcadores relativamente sensíveis e específicos da insuficiência cardíaca clinicamente confirmada. Tratamento da insuficiência cardíaca: - Algoritmo para o tratamento da insuficiência cardíaca crônica: Passo 1. Estabelecer o diagnóstico de insuficiência cardíaca. Passo 2. Iniciar a terapia com um diurético para estabilizar os sintomas. Passo 3. Usar os inibidores da enzima conversora de angiotensina e os beta bloqueadores para estabilizar a doença. Passo 4. Acrescentar digoxina à terapia em pacientes com sintomas persistentes. - Tratamento não farmacológico: restrição moderada da ingestão de sódio, controle do peso, evitar consumo excessivo de álcool e as temperaturas extremas. - Tratamento farmacológico: Digitálicos: aumenta a contratilidade miocárdica através do aumento de cálcio intracelular. Não prolonga a vida do paciente, mas reduz os sintomas da insuficiência cardíaca. Diuréticos de alça: inibem a reabsorção de sódio, potássio e cloreto no ramo ascendente espesso da alça de Henle. São eficazes por via intravenosa ou oral. São úteis em todas as formas de insuficiência cardíaca. Diuréticos tiazídicos: úteis para pacientes com insuficiência cardíaca leve, isoladamente ou associada a outros diuréticos em pacientes com insuficiência cardíaca grave. Em insuficiência cardíaca leve, o uso de tiazídicos diminui a necessidade de controle rígido da ingestão de sódio. Os tiazídicos acarretam em excreção de urina hipertônica e contribuem para hiponatremia dilucional. A depleção de potássio e alcalose metabólica são os principais efeitos adversos após o uso prolongado. Diuréticos poupadores de potássio: são relativamente fracos e por isso raramente são usados isoladamente. Esse fármaco resulta na excreção de sódio e retenção de potássio. São mais eficazes quando administrados com diuréticos tiazídicos e de alça. Inibidor da enzima conversora de angiotensina: desempenham papel central no tratamento e na prevenção de insuficiência cardíaca em quase todos os estágios. Além de tornar mais lenta a remodelagem do ventrículo lesionado ou anormalmente sobrecarregado, os inibidores da enzima conversora de angiotensina melhoram a ejeção do ventrículo esquerdo. Antagonista do receptor da angiotensina II: para os pacientes que não toleram inibidores da enzima conversora de angiotensina em virtude da tosse e da leucopenia, pode-se utilizar um bloqueador do receptor da angiotensina II que parece igualmente eficaz. β-bloqueador: embora a administração abrupta de altas doses de βbloqueadores possa exarcebar a insuficiência cardíaca, especialmente a insuficiência cardíaca aguda, existem relatos de que administração gradual de doses progressivas pode melhorar os sintomas da insuficiência cardíaca e reduzir a morte. São recomendados para pacientes com insuficiência cardíaca moderadamente grave, mas não para aqueles com insuficiência cardíaca instável, hipotensão, sobrecarga hídrica grave, tratamento recente com inotrópico positivo via IV e na presença de bradicardia sinusal, bloqueio AV ou doença associada à broncoespasmo. - Tratamento cirúrgico: Entre os procedimentos cirúrgicos que podem ser usados para o tratamento da insuficiência cardíaca podemos citar: a contrapulsação com balão intra-aórtico, dispositivos de assistência ventricular esquerda e transplante cardíaco.