PRE/2001 - RE - P - TRE-MG

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS
PRE/D/2012 - RE - P - _________
RECURSO ELEITORAL Nº 119 -33.2012.6.13.0304
RECORRENTE: Partido Progressista - PP
RECORRIDO (A): Adriana Aparecida Alves
RELATOR (A): Juiz Maurício Soares
DESEMBARGADOR IMPEDIDO: Wander Marotta
O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL , por intermédio da
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL , devidamente instado a se
manifestar, o faz nos seguintes termos.
Trata-se de recurso interposto contra decisão que deferiu o
requerimento d e transferência de domicílio eleitoral da recorrida para o
município de Iguatama/MG.
O partido recorrente aponta indícios de fraude na transferência
requerida, alegando que a ora recorrida, juntamente com mais quatro
membros de sua família, firmaram compr omisso com a pré -candidata ao
cargo de vereadora no referido município, Rita de Cássia da Silva Campos
Nascimento.
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A recorrida, por sua vez, apresentou contrarrazões ao recurso
sustentando a flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral, que se
comprova por vínculos sócias e afetivos e, por fim, que a documentação
constante dos autos comprova sua residência no município.
É o relatório.
Para o deslinde da demanda instalada nos autos, necessário
verificar a existência de vínculo juridicamente relevant e da recorrida para
com o município de Iguatama/MG, a que corresponde a ZE para a qual
pretende a transferência de seu cadastro eleitoral.
Para tanto, impende salientar que o conceito de domicílio eleitoral,
para fins de inscrição e transferência, extrai -se dos artigos 4º, parágrafo
único e 8º da Lei nº 6.996/82, que assim dispõem:
Art. 4º - O alistamento se faz mediante a inscrição do
eleitor.
Parágrafo único - Para efeito de inscrição, domicílio
eleitoral é o lugar de residência ou moradia do requerent e,
e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar -se-á
domicílio qualquer del as.
(...)
Art. 8º - A transferência do eleitor só será admitida se
satisfeitas as seguintes exigências:
(...)
III - residência mí ni ma de 3 (três) meses no novo
domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio
eleitor.
Por sua vez, o Provimento nº 017/CRE/2011 da CRE/MG, que
“Expede
instruções
para
revisão
do
eleitorado
com
identificação
biométrica em Municípios do Estado de Minas Gerais” estabelece:
Art. 4º A compro vação de domicílio poderá ser feita
mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o
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eleitor residente no município ou nele possuir vínculo
familiar, profissional, patrimonial ou comunitário a abonar
a residência exigida. (Arts. 64 e 65 da Resoluçã o nº
21.538/2003/TSE c/c Ac. TSE nº 371.C, de 19.9.96).
(...)
§ 4º Ocorrendo a impossibilidade de apresentação de
qualquer documento que identifique o domi cílio do eleitor
ou subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante
de domicílio apresentado, d eclarando o eleitor, sob penas
da lei, ter domicílio no município, o Juiz El eitoral decidirá
de plano ou deter mi nará as providências necessárias à
obtenção da prova, inclusive por meio de verificação no
local.
A extensão do conceito de domicílio eleitoral , realizada pelo
referido
Provimento
017/CRE/2011,
encontra
apoio
em
diversos
precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, que em geral definem como
sendo o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e
afetivos.
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Esta Procuradoria Regional E leitoral vinha seguindo essa
orientação. Ou seja, entendia -se que se provados vínculos políticos,
afetivos ou sociais do eleitor com o município, restaria atendido o
requisito domiciliar para fins de inscrição ou transferência eleitoral.
Contudo, conheci das e não raras fraudes praticadas em ano
eleitoral, com a finalidade de arregimentação de eleitores comprometidos
com determinado candidato, e que resulta, muitas vezes, em um fenômeno
demográfico no município que acaba por ter mais eleitores que habitant es,
como parece ser o caso dos autos, levaram a uma melhor reflexão e
mudança de posição sobre o assunto.
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RESPE nº 23.721/2004, RESPE nº 16.397, RESPE nº 21.829.
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Oportuno o resgate da definição de domicílio da pessoa
natural, segundo o Código Civil que, no artigo 70, estabelece que
domicílio é o lugar onde el a estabelece residência com ânimo definitivo.
Vê-se que o legislador, para definir o domicílio civil, reuniu dois
elementos: um material, ou externo – a residência, e outro psíquico, ou
interno – a intenção de permanecer. Domicílio civil, pressupõe, portan to, a
relação física (residência ou moradia) da pessoa com o local, além de um
outro elemento anímico ou subjetivo, a intenção de ali permanecer.
Não se desconhece que legislador civil admitiu a pluralidade
de domicílios, considerando a possibilidade de o indivíduo possuir mais de
uma residência de maneira não eventual (art. 71). Para além disso, pode
ser considerado o domicílio da pessoa natural o lugar onde ela exerça suas
atividades (art. 72), e, por fim, pode -se ainda considerar domiciliada a
pessoa onde for encontrada, desde que não tenha residência permanente
(art. 73).
No entanto, para fins eleitorais, especificamente para a
inscrição eleitoral, o legislador não edificou a definição de domicílio
sobre os mesmos elementos (residência e ânimo de p ermanência), tendo se
contentado apenas com o primeiro.
Assim é que, para fins eleitorais,
considera-se domicílio o lugar de residência ou moradia do eleitor (Lei nº
9.096/82, art. 4º).
Mas isso não autoriza a inferência de que vínculos de natureza
econômica, profissional, política, social ou afetiva possam instar a
qualificação jurídica do lugar como domicílio. Isso porque, como parece
óbvio, o elemento descritivo ( residência ou moradia ), que é o ponto
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nuclear da definição formulada pela lei eleitoral, traz ínsita a ideia de
relação física entre o lugar e a pessoa. Em outros termos,
é necessário,
para a configuração de um domicílio eleitoral, que no lugar considerado a
pessoa disponha de casa, apartamento, barracão ou outro tipo de imóvel,
próprio, alugado ou cedido em comodato, para onde se recolha, que lhe
sirva de abrigo. E, diga -se mais, essa relação física somente haverá de se
caracterizar como residência ou moradia se for não eventual .
Não obstante a clareza e perfeita delimitação da definição de
domicílio conferida pela lei eleitoral, diversos precedentes do TSE, como
já
apontado,
têm
emprestado
à
expressão
domicílio
eleitoral
uma
exagerada e desarrazoada amplitude conceitual, ao ponto de abarcar no
espectro conceitual de residência ou moradia si tuações como a de vínculos
políticos, afetivos ou de parentesco, econômicos, e outros mais.
Com isso se quer dizer que a amplitude conferida ao
significado de domicílio eleitoral nos apontados precedentes refoge,
evidentemente, às possibilidades semântica s que o texto do artigo 4º da
Lei nº 9.096/82 oferece.
Não se pretende aqui
afirmar que seja a interpretação
resultante do método de análise puramente literal ou gramatical do texto a
única possível. É certo, como há muito já se afirma, que o sentido ou os
sentidos possíveis de um enunciado normativo devem ser revelados a partir
de um processo de interpretação que, conforme o caso, haverá de ser mais
ou menos complexo, mais ou menos elaborado, podendo chegar -se à
consideração de elementos históricos, de a nálise sistemática, de integração
da
norma
à
realidade
(social,
política
e
econômica)
e
de
interdisciplinariedade.
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É possível que a interpretação, exercitada com apoio em tais
elementos, venha a revelar vários sentidos possíveis da norma, caso em
que o intérprete deverá manifestar preferência por aquele que melhor se
ajuste à pauta axiológica do sistema ou subsistema normativo em que
inserida a disposição normativa objeto da interpretação.
De ver-se que a demasiada extensão do espectro conceitual de
domicílio eleitoral, apontada nos precedentes do TSE, é uma posição que
se apresenta em desconformidade evidente com o sentido gramatical do
enunciado normativo em exame.
Para
ser
sustentável
juridicamente,
essa
posição
jurisprudencial dependeria de muito b em articulada fundamentação, digna
de um vigoroso esforço hermenêutico. Entretanto, ao exame das peças do
inteiro teor dos julgados referidos não se encontra mais do que lacônicos
argumentos, reportados nas notas remissas abaixo. 2
Em
suas ponderações,
Luiz
Lênio Streck,
considerou
a
assertiva de que o sentido gramatical de um enunciado normativo não
traduz exatamente o conteúdo da norma, porquanto esse conteúdo só é
possível de ver -se revelado a partir de um processo de interpretação. Mas é
fora de dúvid a que não se pode buscar o sentido da norma absolutamente
“Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e
econômicos. A residência é a materialização desses atributos.” Voto do Min. Humberto Gomes de Barros no
RESPE 23721.
“ (…) o TSE, ao interpretar os arts. 42 e 55 do Código Eleitoral, tem liberalizado a caracterização
do domicílio eleitoral e admitido o seu deferimento em lugar distinto daquele em que o eleitor mantém o
domicílio civil, desde que demonstrado o vínculo.” Voto do Min. Francisco Peçanha Martins no RESPE
21.829.
“O conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio do direito comum, regido
pelo Código Civil. Mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem
vínculos políticos e sociais.” Voto do Min. Sávio de Figueiredo no RESPE 16.397.
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desconectado do sentido gramatical do texto. Os textos que integram o
direito positivo contêm a norma. São textos jurídicos, não textos contábeis
ou religiosos. Os enunciados normativos podem não di zer exatamente o
que é a norma; podem não esgotar ou mesmo transbordar o seu conteúdo.
Porém, a compreensão do sentido da norma há que partir de um enunciado
normativo e não pode se produzir sem a compreensão de que entre texto e
norma, respectivamente, se estabelece uma relação tal qual aquela que há
entre o ente e o ser.
Por essa razões, e pedindo venia àqueles que comungam da
interpretação conferida pelo c. TSE à norma em questão, está a merecer
revisão o entendimento esposado por aquela Corte Superior . Não se pode
aceitar como domicílio eleitoral, para fins de inscrição ou transferência
eleitoral, qualquer outro vínculo do eleitor com o município que não seja a
residência ou a moradia, conforme estabelece o artigo 4º da Lei nº
9.096/82. Qualquer outra interpretação da norma que admita diferente
espécie de vínculo transborda os limites hermenêuticos, indo além da
leitura construtiva do direito para contrariar o objeto da interpretação, não
podendo ser aceita sob pena de completa desconexão entre a norma e sua
aplicação.
Ainda assim, levando -se em conta que a simples moradia 3 foi
considerada pelo legislador como critério de definição do domicílio
eleitoral, é possível que o eleitor possua dois domicílios, podendo
legitimamente inscrever -se ou transferir sua inscrição para
qualquer um
deles. Seria, por exemplo, o caso daqueles que durante a semana trabalham
nos grandes centros e lá estabelecem moradia para esse fim, no entanto
3
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, moradia e residência se distinguem numa escala de gradação,
onde moradia estaria colocada antes de residência e o que definiria essa posição seria a estabilidade na
habitação. (Instituições de Direito Civil, v. I, 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 371)
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residem
em
município
independentemente
de
do
interior,
eventuais
onde
alterações
pretendem
em
permanecer
suas
atividades
profissionais. Nesses casos estaria estabelecido o vínculo exigido pela lei
eleitoral para inscrição ou transferência em qualquer dos municípios.
Porém não em meras relações familiares, econômicas ou sociais.
Nessa linha de ideias, e tendo em vista que no caso em apreço
o recorrente aduz que a recorrida não reside no município de Iguatama,
impende a análise da prova dos autos.
In casu, a própria recorrida declara, quando de sua defesa, que
não reside no referido m unicípio, mas em Divinópolis, invocando a
existência de vínculo específico, e consequentemente a flexibilidade do
conceito
de
domicílio
eleitoral,
para
comprovar
sua
residência
no
município. Outrossim, fora certificado pelo chefe do Cartório Eleitoral de
Iguatama às fls. 22, cf. informações prestadas pela cunhada da genitora da
ora recorrida, que esta reside, efetivamente, em Divinópolis/MG.
Desta forma, não há nos autos nenhuma prova, sequer uma
informação, acerca de uma razão plausível para que a ora rec orrida venha
a ser cadastrada como eleitora no município de Iguatama/MG.
Diante disso, duas alternativas se apresentam a essa Corte de
Justiça: seguir e aplicar aquela noção conceitual de domicílio eleitoral
cristalizada na jurisprudência ou, ao contrário , problematizá-la, como aqui
se propõe, submetendo -a ao crivo de uma reflexão em que não podem ser
havidos como irrelevantes os dados dessa lamentável realidade política, do
ambiente em que o direito deve operar. Se parecer evidente a essa Corte,
como parece ao Ministério Público Eleitoral, que ao direito objetivo se
propõe, para além de uma função conformadora, também uma função
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transformadora das estruturas de dominação social e política, é natural que
a inclinação se estabeleça em prol da segunda alterna tiva aventada.
De acordo, portanto, com o conceito de domicílio eleitoral
aqui adotado, a recorrida não possui vínculo domiciliar com o município
de Iguatama/MG.
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ,
por
intermédio
da
PROCURADORIA
REGIONAL
ELEI TORAL,
manifesta-se pelo provimento do recurso.
Não obstante, ante o apontamento no recurso de indícios de
fraude, e consequente prática de crime de natureza eleitoral, entre eles os
capitulados no arts. 289 e 299 do Código Eleitoral 4 - o partido recorre nte
sustenta que a ora recorrida e alguns familiares firmaram o compromisso
de votar na pré-candidata ao cargo de vereadora do município de Iguatama,
Rita de Cássia da Silva Campos Nascimento, tendo como contraprestação a
imediata aposentadoria de Daluz Ma dalena Alves -, e tendo -se em vista a
necessidade de apuração de suposto ilícito criminal, o MPE comunica a
esse TRE-MG que determinou a extração de cópias dos presentes autos,
assim
como
a
autuação
com
peças
de
informação,
com
vistas
a
encaminhamento à Pol ícia Judiciária, para abertura de inquérito policial.
Belo Horizonte, 20 de julho de 2012.
4
Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:
Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.
Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou
qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta
não seja aceita:
Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.
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Eduardo Morato Fonseca
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