O OLHAR SOCIOCULTURAL: POSSIBILIDADES TEÓRICAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER Leandro Forell1 Marcelo Rampazzo2 RESUMO O presente artigo procura fazer o debate teórico sobre a necessidade de um olhar sociocultural para os estudos em Políticas Públicas de Esporte e Lazer. Procura fazer uma revisão de teorias explicativas enfatizando que a escolha das mesmas deve se dar em função do objeto de pesquisa e não de uma forma pré-estabelecida. Palavras Chave: Políticas Públicas, Analise Cultural, Perspectivas Teóricas ABSTRACT This article seeks to make the theoretical debate about the need for a look sociocultural studies in Public Policy for Sporting Goods. Looking to do a review of explanatory theories escolhga emphasizing that the same should be given according to the research object and not a pre-established. Keywords: Public Policy, Cultural Analysis, Theoretical Perspectives RESUMEN Este artículo pretende hacer que el debate teórico sobre la necesidad de una mirada sociocultural en los estudios de Políticas Públicas para Artículos deportivos. Buscando hacer una revisión de las teorías explicativas escolhga haciendo hincapié en que la misma se debe dar de acuerdo con el objeto de la investigación y no una preestablecida. Palabras clave: Política Pública, Análisis de la Cultura, las perspectivas teóricas INTRODUÇÂO 1 Professor Assistente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Doutorando no Programa de Pós- Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS e Membro do GESEF. 2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS e Membro do GESEF. A idéia central deste ensaio parte de um pressuposto que tanto as decisões políticas quanto as movimentações da população na recepção destas Políticas não são “coisas” desconexas, muito menos que elas operem em uma lógica de causa e efeito uma em relação à outra. Parte-se aqui do princípio que são acontecimentos que se relacionam. Porém, para fazer tal afirmação, bastaria fazer uma citação de Gramsci ou Weber. Mas, o que move o tencionamento deste ensaio neste momento, é a problemática processual, ou seja, a curiosidade em compreender como, nas situações cotidianas, isso ocorre. A intenção neste ensaio é contribuir com o intuito de possibilitar uma compreensão em maior densidade e profundidade, fugindo de respostas previamente estabelecidas e distanciadas da relação “face-a-face” dos seus protagonistas. Com isso tomamos como referência os estudos socioculturais, sustentados na Sociologia e Antropologia, possibilitando pela investigação etnográfica um olhar de perto e de dentro, seguindo a proposta de Magnani (2002, 2003). O pesquisador ao olhar de perto e de dentro uma sociedade, ele pode perceber suas mudanças que por vezes podem passar despercebidas por um olhar de fora e de longe (MAGNANI, 2002). A partir disso nos distanciamos das noções generalistas e homogeneizadoras das teorias explicativas da sociedade, e procuramos nos aproximar da compreensão/problematização de como estas teorias contribuem para uma interpretação da sociedade, a partir de seus próprios referenciais, ou seja, de como cada grupo, em cada contexto, se compreende, e se relaciona com as agências e agentes responsáveis pelas Políticas Públicas de Esporte e Lazer. Assim abandonamos noções ou estereótipos impostos de fora e de longe como: marginais, excluídos, vulneráveis, etc. Não partimos de parâmetros balizadores, ou, de referência de uma sociedade em comparação a outra, mas procuramos compreender como as teorias sociais (da Sociologia e Antropologia) nos ajudam a interpretar determinado contexto social, e torná-lo inteligível, e passível de discussões no meio acadêmico. A partir disso, defendemos que se faz necessário, neste ensaio, revisitar teorias explicativas que são potenciais instrumentos de trabalho para a compreensão e exposição do que pretendemos problematizar. Para isso, parte-se do conceito de sociedade civil discutido por vários autores clássicos como Hobbes, Hegel, Marx, Gramsci, Kant, Rosseau, Marcuse (BOBBIO, 1987). A utilização deste termo é cada vez mais recorrente tanto nos discursos quanto nos trabalhos acadêmicos no campo da Educação Física. Em uma perspectiva marxista-gramsciana, a sociedade civil e a sociedade política seriam um par dialético e o tencionamento destas duas esferas determinaria, na relação com a totalidade, os acontecimentos no bloco histórico (PORTELLI, 1983). Gramsci aponta, ainda, que a sociedade civil não é um bloco homogêneo e que restaria ao proletariado fazer a disputa por dentro das superestruturas. Max Weber (1968), por sua vez, afirma que a sociedade política também é heterogênea e que a burocracia é o espaço no qual o funcionário público tem a possibilidade de exercer poder. Compreendemos que na atual conjuntura política do Brasil, a correlação de forças, aliada à necessidade dos governos, lotearem os cargos públicos com seus aliados e isso tem proporcionado um processo grande de desideologização da política partidária e, ao mesmo tempo, uma crescente fragmentação do Estado. Quando um grupo de pessoas faz algum tipo de movimento em prol de uma reivindicação, não se relaciona materialmente com a totalidade do Estado, e sim com um fragmento do Estado que naquele momento se coloca como interlocutor para tratar da situação. Se pensássemos hipoteticamente e se mudássemos os interlocutores, provavelmente mudariam os resultados da negociação, pois lidar com este tipo de situação mobiliza a racionalidade e as subjetividades destes interlocutores que são únicas. Temos aqui, portanto, de um lado, representantes de fragmento da sociedade civil e de outro fragmento do Estado, que são pessoas e que estão em constantes trocas. É neste sentido que a noção de intersubjetividade (PIVA e Col. 2010) emerge uma vez que estamos pensando nas relações que as diferentes subjetividades dos diferentes atores produzem. Por outro lado, o individualismo contido nesta lógica da intersubjetividade deve ser relativizado em função de significados sociais mais amplos e homogenizadores como a cartilha do partido político ou a ordem do prefeito. Grandes teorias explicam muitas coisas, mas, não explicam tudo (GEERTZ, 1989) inclusive no campo das Políticas Públicas de Esporte e Lazer. O que nos chama atenção é que no campo da Sociologia vêm-se desenvolvendo teorias específicas para a compreensão de acontecimentos específicos como a mudança, ou, a manutenção de políticas públicas. A partir disso, questionamos: Como o olhar sociocultural pode contribuir na compreensão/problematização das teorizações das Políticas Públicas de Esporte e Lazer? Deste ponto em diante, apresentamos as teorizações para que possam pensar o problema de estudo deste ensaio. Essa necessidade se dá em função de uma compreensão mais específica, mais contextual e menos generalista, superando, assim, as explicações produzidas por teorias mais abrangentes. ALGUMAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS A primeira proposição teórica é de Elenor Ostron, prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2009. Ela compreende de que forma se estabelecem as relações de governança em objetos de uso coletivo. Pauta-se pela lógica da escolha racional (rational choice), dizendo que os atores, ao tomar suas decisões, o fazem sob uma lógica racional e individualizada. Porém, esta escolha está envolta de padrões de interação e critérios de avaliação desenvolvidas pela moral estabelecida pelo ambiente cultural no qual está envolvido, como mostra a figura 1 abaixo: Figura 1 – Esquema de “Institutional Rational Choice” Fonte: Adaptação para o Português do modelo desenvolvido por Ostron (2007) Para Ostron (2007), as intervenções governamentais proporcionam mudanças na forma como está-se fazendo a disputa. Logo, o governo possui a capacidade limitada de induzir mudanças de comportamento, embora a mesma admita sua influência: “The policy decisions then affect the structure of arenas where individuals are making operational decisions and thus directly impacting a physical world (p.27)3”. As principais críticas com relação a este modelo apontam para dois problemas: o primeiro é de uma excessiva individualização dos processos políticos e o segundo que é um modelo muito mais interessado em compreender a lógica de funcionamento de um sistema de tomada de decisões do que em compreender de que forma ocorrem as mudanças e os conflitos provenientes destes movimentos. O segundo modelo teórico é o “The Network approach” (ADAM e KRIESI, 2007) pautado pela Teoria das Relações em Rede onde as Políticas Públicas (Policy) acontecem dentro de um subsistema político em que os atores se relacionam aos pares, tendo como pano de fundo as variáveis de composição e estruturais: Social Networks consist of two basic elements: a set of actors and relations between pairs of actors. Accordingly, networks are characterized by two types of variables: composition variables (referring to actors’ attributes) and structural ones(referring to specific types of ties between the actors). The two dimension of our typology actors attributes are systematically combined with modes of interaction (Adam e Kriesi, 2007, p.132).4 Quando se referem à composição, procuram fazer uma referência às características do ator e quando falam em variáveis estruturais querem se referenciar a estrutura dos tipos de interação. A seguir, a figura 2 mostra um esquema desta teoria. 3 "As decisões políticas, em seguida, afetam a estrutura de arenas onde os indivíduos estão tomando decisões operacionais e, portanto, impactando diretamente o mundo físico (p.27)". 4 Redes Sociais consistem em dois elementos básicos: um conjunto de atores em relações entre pares (assim, as redes são caracterizadas por dois tipos de variáveis: variáveis de composição - referindo-se aos atributos dos atores- e as estruturais (referindo-se a tipos específicos de laços entre os atores). As duas dimensões da nossa tipologia são sistematicamente combinadas com os modos de operação (p.132). Figura 2 – Esquema de “The Network Aproach” Fonte: Adaptação para o Português do modelo desenvolvido por Adam e Kriski (2007) Como pontos positivos desta formulação, a compreensão dos processos de mudança política são bastante valorizados, pois, a volatilidade como a rede se constrói favorece o olhar para relações em transformação. Por outro lado, esta formulação leva pouco em conta questões da estrutura da sociedade como um todo porque, embora no modelo ela aponte para contextos mais amplos, no momento de pensar nas suas análises estas variáveis ficam marginalizadas. A terceira formulação que se vislumbra como possibilidade teórica é o modelo de “Advocacy Coaition Freamwork” formulada por Sabatier e Weible (2007) que, sob meu ponto de vista, é mais complexo que os anteriormente descritos. Procura ser mais minuciosa na descrição das possíveis variáveis nas quais o processo político se decide. Para estes teóricos, as Políticas Públicas também acontecem dentro de um subsistema político restrito e que pertence, por sua vez, a um sistema social mais amplo. Nestes espaços diferentes, grupos de pessoas (coalizões) defendem determinadas posturas e pautadas por suas crenças e interesses. Estas coalizões, por sua vez, contam com seus recursos políticos frente aos formuladores de políticas. Estes, por sua vez, determinam regras e alocam recursos, possibilitando soluções políticas e resultados. Para os autores, este subsistema ocasiona alguns eventos externos como: mudança nas condições socioeconômicas, mudanças na opinião pública, mudança nos arranjos políticos de governo, decisões políticas e impacto para outros subsistemas. Estas mudanças retroagem nas disputas de coalizões para dentro do subsistema político. Abaixo, a esquematização esta teoria (fig.3): Figura 3 – Esquema de “Advocacy Coaition Freamwork”. Fonte: Adaptação para o português do modelo desenvolvido por Sabatier e Weible (2007) Além destes elementos, alguns fatores relativos à estabilidade política enfraquecem a lógica de mudança como: consensos sobre o que vem a ser um problema, distribuição de forças políticas na população, valores culturais e estrutura social e um marco constitucional estável. Estes fatores proporcionam uma contraposição ao dinamismo que as disputas do subsistema político possui. E, além disso, induz a uma coalizão de maior prazo que também é outro elemento que interfere no jogo político no interior do subsistema. Esta formulação demonstra uma robustez ao se pensar na interferência das crenças dos grupos sociais sobre o que é ou não uma boa política e faz uma mediação entre a volatilidade do jogo político cotidiano e as estruturas políticas historicamente estabelecidas. A crítica que se pode fazer a respeito desta teoria é que, ao levá-la em conta de forma tão veemente, a moral estabelecida se enfraquece enquanto teoria explicativa em processos políticos recentes que ainda estão se definindo. Os próprios autores apontam que para uma boa utilização desta teoria é importante que o sistema político analisado já possua alguma estabilidade. Por fim, a formulação de Zahariadis (2007) denominada “The Multiple Streams Framework”. Neste modelo, as políticas são sempre definidas em janelas de oportunidades que são, por sua vez, atravessadas por correntes de problemas da sociedade, correntes da correlação política e por correntes de políticas estabelecidas na sociedade. Esta ultima, por sua vez, aponta que existem agentes políticos que fazem a mediação entre as políticas dos valores e as janelas de oportunidade, como se percebe no “esquema” da figura 4, abaixo: Figura 4 – Esquema de “The Multiple Streams Framework” Fonte: Adaptação para o Português do modelo desenvolvido por Zachariadis (2007) Este modelo possui a grande virtude de ser pensado para compreender um mundo político em transformação a fim de se entender de que forma acontecimentos eventuais podem ocasionar mudanças políticas. Por outro lado, se comparado com o modelo de Sabatier, é um pouco simplório para compreender as variáveis em questão dentro do jogo político. Além destas formulações apresentadas, seria possível pensar em algumas outras já debatidas no campo da Educação Física como, por exemplo, a Teoria dos Campos (Pierre Bourdieu), a Teoria do da Micropolítica (Stephen Ball), a Teoria Configuracionalista (Norbert Elias) ou, ainda, teorias Foulcaltianas ou Marxistas. Como a proposição a partir deste ensaio é realizar uma futura pesquisa etnográfica, não está em questão, aqui, partindo de pressupostos dos estudos socioculturais, saber qual a melhor teoria para estudar Políticas Públicas de Esporte e Lazer, mas, sim o que está em questão é saber qual teoria faz mais sentido para compreender os significados sociais a partir dos dados produzidos junto aos colaboradores (sujeitos a serem investigados) na futura pesquisa. Porém, embora não sejam teorias a priori, todas ajudam a tomar algumas decisões para está proposta de pesquisa. De uma forma ou, de outra, todas apontam que a agência/protagonismo da sociedade em relação ao Estado (ou fragmentos dele) estão pautados por pessoas ou grupos sociais que fazem a mediação destas duas esferas. É neste sentido que a teoria ajuda em uma estratégia inicial de pesquisa, pois, ao me posicionar junto a estes atores responsáveis pela mediação, terei maior possibilidade de perceber o contexto social, os interesses que são compartilhados, e disputados pelos diversos sujeitos a serem estudados. WELLFARE STATE EM DEBATE: TEORIAS, POLÍTICAS, E PROBLEMAS Além de todo este debate sobre teorias, outro ponto é importante para se pensar Políticas Públicas de Esporte e Lazer é o ponto de vista histórico sobre o estado de bemestar social, pois a noção de política social despreendida de uma lógica de assistência social se ergue no Ocidente a partir das demandas do pós-Segunda Guerra Mundial na Europa. Afirmações como “o estado de bem-estar social nunca aconteceu no Brasil”, por exemplo, denotam uma superficialidade sobre o debate do mesmo. Esping-Andersen (1993) aponta que não existe apenas um modelo de estado de bem-estar social. Para ele, vários modelos foram se erguendo em diferentes países, tendo como fundamentos concepções de Estado e de responsabilidades civis. Aponta na Europa para três diferentes modelos de Estado de bem-estar social: o primeiro de matriz liberal ou residual; o segundo, de matriz conservadora e o terceiro de matriz social-democrata. Embora se considere as diferenças, o Estado conservador e o liberal se aproximam politicamente em causas comuns como, por exemplo, a manutenção da propriedade privada, um estado enxuto com pequena taxa de tributos e da lei de mercado. Esping-Andersen aponta como exemplos de estados liberais os Estados Unidos e a Inglaterra e como exemplo de estado conservador a Itália de maioria católica. No terceiro modelo descrito como social-democrata, onde a Suécia é um bom exemplo, o bem-estar está pautado na possibilidade de acesso dos cidadãos aos bens históricos da sociedade. Nesta formulação, os cidadãos não deveriam se sentir lesados ao contribuir através de impostos uma vez que todos eles seriam atendidos em suas necessidades básicas através das ações do Estado. O que é importante pensar é que não existe consenso nas nações sobre os modelos de estado de bem-estar social, o que ocorre é um debate político a respeito deles. Portanto, a ênfase de um modelo ou de outro depende diretamente das configurações políticas de determinado momento histórico. A grande critica a este modelo e a todos os outros é que, com o passar dos tempos, as demandas sociais extrapolam a capacidade de arrecadação, criando, assim, a crise fiscal dos Estados. A ascensão das teorias econômicas neoliberais é pautada principalmente pelo debate da crise fiscal, onde, nesta perspectiva, quanto mais se criam demandas sociais mais se necessita do aumenta dos impostos e mais se prejudica a economia de mercado e o desenvolvimento da sociedade. O enfraquecimento dos estados de bem-estar social possui algumas explicações: a primeira, de cunho neoliberal, é que cada vez que o Estado intervém, abala as leis do mercado, enfraquece a economia e diminui as possibilidades dos cidadãos de garantir seus direitos no mercado, criando uma “bolha” onde menos pessoas trabalhando geram maior custo e menos pessoas trabalhando geram menos riquezas. Outra, de cunho Marxista-economicista (MÉZAROS, 2011), afirma que a crise não é do modelo de bem-estar e sim de uma crise estrutural do capitalismo. Este modelo é produtor de desigualdades e a solução para os problemas sociais dar-se-ia com o rompimento deste modelo. Uma terceira explicação (OFFE, 1989), mais próxima de um debate político, aponta que os liberais ganham apoio político da classe emergente que, por sua vez, ascenderam em função das políticas sociais. Em decorrência disso, aquele cidadão que antes era beneficiado, agora passa a ter que contribuir e isto faz com que mude de posição política e passe a defender um estado mais enxuto e com menos impostos. Este fenômeno é o que sustenta, segundo (OFFE, 1989), uma mudança da correlação de força e que, em última instancia, implementa o Estado Mínimo na Europa. Em sendo assim, é o produto do estado de bem-estar social que determina o seu declínio. Todas essas vertentes de Estado e políticas, de uma forma ou, de outra são passiveis de críticas, a que procuramos neste momento é expor as possibilidades diversas de olhar para cada uma destas vertentes, e levantar seus problemas, principalmente no que se refere às Políticas Públicas, ou a ausência delas. A diante abordamos como os estudos socioculturais contribuem para se compreender os protagonistas das Políticas Públicas de Esporte e Lazer, e problematizar alguns pontos de algumas propostas de políticas públicas. CONTRIBUIÇÕES SOCIOCULTURAIS PARA A COMPREENSÃO/PROBLEMATIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER Segundo Draibe e Riesco (2009), o que podemos ver na America Latina e no Brasil é um misto destes modelos de Estado: ele é social-democrata quando analisamos o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Educação Básica que possuem pretensão de ser universais; ele é conservador quando vemos políticas de assistência social como o Bolsa-família porque pressupõe uma troca entre manutenção do beneficio em função de presença da criança na escola e com o benefício sendo creditado na conta da mãe e não do pai; e ele é liberal quando reduzem-se os incentivos a determinadas áreas como o Esporte, por exemplo, impondo uma competição entre iguais por consequência de Políticas Focalistas. Para Ingran (2007), este modelo de Políticas Focalistas possuem um caráter indutor das lógicas culturais e identitárias. Por exemplo, se antes vivíamos sobre uma grande identidade “pobre”, agora, e para receber algum tipo de benefício, é necessário agregar mais um qualificador a este “pobre”: precisa-se reconhecer como “pobre-negro” ou “pobre-mulher”. Instituídas estas duas diferenças hipotéticas, os “pobres-negros” passam a competir em grau de necessidade com as “pobres-mulheres” e em função de configurações políticas um ou outro grupo recebe benefício. Digamos que o grupo das “pobres- mulheres” sejam vitoriosas, a consequência disso é que passa ocorrer uma nova fragmentação entre “pobres-mulheres-negras” e “pobres-mulheres- catadoras” e, a partir daí, passa a existir uma nova disputa, ou seja, esta fragmentação política se materializa no reforço de identidades que sempre existiram, porém, não eram tão importantes, pois o debate se pautava por outros patamares. Uma das principais consequências deste processo de focalização é o esvaziamento da categoria “classe social” e, por consequência, uma fragmentação da luta do campo popular. No campo da Antropologia, trabalho de João Paulo Macedo e Castro (2009), é enigmático para pensarmos as consequências do processo de focalização. Intitulado “A Invenção da juventude violenta: Análise da elaboração de uma política pública”, o texto descreve o processo no qual a Organizações das Nações Unidas (ONU), através da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) lançam mão de estratégias com o intuito de implementar políticas de combate à violência na juventude carioca. Para tal, fazem pesquisas onde se “comprova” que esta juventude é violenta. Como alternativa para este fato, implementam, em consonância como Estado do Rio de Janeiro, o Programa Escola da Paz5. Segundo os dados demonstrados pelo autor, não existia uma identidade de jovem violento nas comunidades e depois do Programa sim. A tese que o autor defende é que esta relação se deu a partir da implementação do Programa. Assim, uma política que seria responsável para resolver um problema, acabou o criando. Este trabalho aponta para uma perspectiva que outros (DAMO, 2005; COSTA, 2005, NETO, 2005), do campo da Antropologia Política, vêm descrevendo, ou seja, de que esta interação dentro do “jogo” político de participação vai além dos resultados medidos por indicadores e sim são modificadoras das verdades coletivas e dos costumes em comum. Enfim, o que podemos perceber deste debate é ao aguçar o olhar para objetos de pesquisa mais distantes dos policy makers, começamos a compreender que as políticas públicas de esporte e lazer não são nem um mundo imaculado das lógicas culturais dominantes, nem a concretização mecânica das formulações das mesmas. O que queremos dizer com isso é que um olhar relativisador dos dilemas sociais implícitos a essas políticas apontam para uma compreensão mais refinada dos acontecimentos da realidade. A diversidade proporcionada no cotidiano, aponta para a necessidade de compreender estas políticas de forma particular, sabendo que estas particularidades são plausíveis de similaridades com os outros espaços, porém a generalização de uma apropriação para outras sempre é uma violência com a realidade. ADAM, Silke; e Hanspeter KRIESI. The network approach. In: Paul A. Sabatier (org), Theories of the policy process, Cambridge, MA: Westview Press. 2007. p. 129-154. BOBBIO, Norberto. O conceito de Sociedade Civil. Rio de Janeiro: Graal, 1987. CASTRO, João Paulo Macedo. A invenção da Juventude Violenta: Análise da elaboração de uma política pública. E-papers: Rio de Janeiro, 2009. 5 No Rio Grande do Sul e em outras partes do Brasil, este Programa foi denominado Programa Escola Aberta. COSTA, Delaine Martins. 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