RESUMO EXPANDIDO O trabalho analisa o perfil do grupo que se impôs como a elite das ciências sociais no Brasil pós-1968. A intenção é a de situar essa experiência geracional tendo em vista o processo mais abrangente de mudanças no domínio da produção intelectual, associadas ao declínio das feições aristocráticas da sociedade brasileira, desde a década de 1930. De um lado, trata-se de observar se o padrão do recrutamento de classe dos cientistas sociais se alterou, considerando a extração social elevada da maioria dos pensadores sociais e literatos atuantes até os anos de 1960. De outro, é preciso indicar se os laços de quase imbricação entre os intelectuais e a política se afrouxaram, com a melhoria da infra-estrutura material e institucional da prática acadêmica, a partir da década de 1970. A análise toma por referência o conjunto de trajetórias que se associaram às atividades do Iuperj, do Museu Nacional e do Cebrap, cujo momento de entrada na carreira coincide com o adensamento da institucionalização da ciência social, em fins da década de 1960. Foi possível constatar o fato de que os membros do grupo não são originários do curso da USP, onde se encontravam até então as condições mais favoráveis à consolidação da carreira sociológica, como o único nicho institucional que oferecia títulos de mestre e doutor na área. Na verdade, em meados dos anos de 1960, o grau de incerteza profissional entre os formandos em sociologia era considerável, o que não excluía o caso dos alunos da universidade paulista. No entanto, os horizontes de uma carreira acadêmica a ser trilhada em Minas Gerais e no Rio de Janeiro eram ainda mais estreitos. Nessa época, era recente a inauguração dos cursos de “Sociologia e Política” da PUC/RJ e da Face/MG, nos quais se formou quase a totalidade do grupo em questão, sem falar no fato de que a sociologia era uma alternativa profissional desconhecida aos olhos da maioria. Não por acaso a militância de esquerda foi quase generalizada entre eles, tendo sido a politização do meio estudantil um aspecto decisivo como móvel de adesão à carreira. As origens de classe são examinadas tendo em vista as mudanças que permitiram às camadas médias desfrutar de uma inserção inédita no nível universitário, considerando o grau de escolaridade de boa parte das famílias. Trata-se da experiência geracional que se associou ao peso cada vez maior da formação especializada no âmbito da vida intelectual, o que viria a se constituir como trunfo decisivo capaz de compensar os efeitos desfavoráveis de uma origem culturalmente modesta. Na verdade, o que parece de fato se modificar ao longo das décadas de 1960 e de 1970 é o perfil da formação necessária ao ingresso na carreira acadêmica. Ao longo do tempo, os capitais herdados na família vão deixando de ser prerrogativa à vida intelectual, na medida em que os laços estreitos entre a erudição humanística e a ciência social vão se desfazendo. Um dos indícios do avanço de tal processo é a incorporação dos métodos quantitativos, associados à cultura acadêmica norte-americana, não por acaso entre os que eram culturalmente mais destituídos, ou seja, na condição de recémchegados ao universo da ciência e das letras. Tal foi o caso dos cientistas políticos mineiros, com o doutorado realizado nos Estados Unidos. A titulação no exterior assumiu um lugar decisivo como princípio distintivo do grupo. Trata-se da primeira geração de cientistas sociais a se deslocar sistematicamente às universidades européias e norte-americanas, fenômeno que só foi possível graças às bolsas oferecidas por parte das fundações estrangeiras e das agências nacionais de fomento à pesquisa. A chancela dessas viagens teve uma importância crucial devido às circunstâncias da época, em que o sistema brasileiro de pós-graduação ainda estava em vias de se consolidar, conferindo-se um peculiar valor à instância estrangeira de legitimação. A valorização desses títulos obtidos no exterior se liga a um processo de alcance mais amplo, que começa a alterar o perfil profissional dos altos escalões burocráticos do poder central. Trata-se de uma mudança revelada no valor que passa a ter o capital sob a forma de diplomas de pós-graduação, especialmente no que se refere ao recrutamento das elites técnicas de governo. Não por acaso, a formação do grupo de cientistas sociais corre em paralelo à ida de toda uma geração de economistas brasileiros aos Estados Unidos, onde receberam o treinamento que serviu de chancela à assunção dos mais importantes postos decisórios no governo federal, a partir da redemocratização. Se, de um lado, o perfil social dessa elite de cientistas sociais se revela na afirmação das classes médias no ensino universitário, o que sinaliza certo avanço no vagaroso processo de democratização do país, por outro, o anseio em alcançar posições políticas relevantes, marca dessa geração que vive a redemocratização, sugere que a esfera estatal manteve parte de seu estatuto como instância de consagração intelectual, a despeito da expansão do mercado de trabalho acadêmico. Esse é um resquício do fenômeno que fez com que o mundo intelectual brasileiro se viabilizasse orbitando ao redor do Estado, a exemplo do que mostrou a literatura existente sobre a relação dos literatos e o funcionalismo público até os anos 1940. O que se observa é que o trânsito por cargos de naturezas diversas, em agências de fomento à pesquisa e nas comissões federais – em alguns casos, registre-se a ambição de chegar à Assembléia Constituinte – , é uma das marcas mais importantes desse grupo geracional. Tal é a característica que se liga aos dilemas da autonomização da vida intelectual numa sociedade de matriz colonial e de dinamismo econômico tardio. Nesse cenário, as relações estreitas entre os intelectuais e a burocracia pública parece ser um traço estrutural, inerente à dinâmica histórica que desequilibrou a balança de poder favoravelmente ao Estado, em relação aos setores da sociedade civil. No Brasil, a constituição de um espaço acadêmico de práticas é recente, se compararmos com o caso das nações desenvolvidas, o que reforça o peso dos cargos burocráticos, por parte dos intelectuais, como estratégia de legitimação. De um lado, o que se constatou é que o perfil dessa elite de cientistas sociais sinaliza uma inflexão, no que se refere à abertura do sistema intelectual aos setores socialmente emergentes pela via da escolarização universitária. A valorização dos títulos e da formação no exterior corresponde à afirmação progressiva de um ideal de “mérito escolar”, que também se verifica na recomposição dos grupos dirigentes no Brasil pós-1985. De outro, as trajetórias revelam que a estratégia de profissionalização em jogo na época não cancelou o espírito que marcou gerações anteriores, de almejar a condição de “guias da nação”, engajados na luta pela edificação do Estado de Direito. O fato é que, nos anos 1980, o mundo das ciências sociais era ainda marcado por uma relação estreita entre cientistas sociais, o tema da nação e a ambição de alcançar postos importantes no interior da vida política nacional.