Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados Ácidos gordos e derivados Definição de ácido gordo Um ácido gordo é um ácido carboxílico cuja cadeia carbonada é formada por 4 a 36 átomos de carbono R-COOH A cadeia pode estar totalmente saturada ou pode conter insaturações. Em geral as duplas ligações presentes têm uma geometria cis. R-(CH2)m-CH=CH-(CH2)n-COOH m,n0 Nos ácidos gordos de origem natural, em geral, sempre que esteja presente mais do que uma dupla ligação, essas duplas ligações estão separadas por um grupo metileno. R-(CH2)m-CH=CH-CH2-CH=CH-(CH2)n-COOH Metileno m,n0 Os ácidos gordos fazem parte de uma grande classe de compostos químicos chamada de lípidos. Segundo uma definição antiga, mas que ainda é utilizada, lípidos são substâncias apolares que se dissolvem em solventes apolares. São principalmente formados por moléculas que contêm apenas átomos de carbono e hidrogénio e portanto dissolvem-se bem em solventes apolares, como por exemplo os hidrocarbonetos. Os triglicéridos, que são ésteres do glicerol e de ácidos gordos e ainda os ácidos gordos livres são os constituintes maioritários dos óleos e das gorduras. Óleos e das gorduras são lípidos simples. Não existe diferença do ponto de vista químico entre óleos e gorduras. A diferença é um pouco arbitrária uma vez que se chamam óleos às substâncias líquidas à temperatura ambiente e gorduras às substâncias sólidas a essa mesma Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 1 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados temperatura. Óleos e gorduras são uma das principais formas de os seres vivos armazenarem energia. Abundância dos ácidos gordos Os ácidos gordos saturados mais abundantes são o caprílico, o cáprico, o láurico, o mirístico, o palmítico e o esteárico. Os ácidos gordos que contêm cadeias carbonadas superiores a C20 são raros e ocorrem nas ceras naturais como ésteres de esteróis ou de alcoóis alifáticos de cadeia longa, C16 a C30. Os ácidos carboxílicos de cadeia curta ocorrem principalmente nas gorduras animais (Tabela 3.1). A gordura do leite de vaca é principalmente constituída por ácido butanóico (ou butírico), C4, com pequenas quantidades de ácido hexanóico, caprílico, cáprico e láurico. Tabela 3.1 – Nomes correntes e sistemáticos dos ácidos gordos mais comuns Fórmula Nome sistemático Nome corrente C8H16O2 Ácido octanóico Ácido caprílico C10H20O2 Ácido decanóico Ácido cáprico C12H24O2 Ácido dodecanóico Ácido láurico C14H28O2 Ácido tetradecanóico Ácido mirístico C16H32O2 Ácidohexadecanóico Ácido palmítico C16H30O2 Ácido 9-hexadecenóico Ácido palmitoleico C18H36O2 Ácido octadecanóico Ácido esteárico C18H34O2 Ácido 9-octadecenóico Ácido oleico C18H32O2 Ácido 9,12 octadecadienóico Ácido linoleico C18H32O2 Ácido 9,11 octadecadienóico Ácido linoleico conjugado, CLA C18H30O2 Ácido 9,12,15-octadecatrienóico Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) Ácido linolénico 2 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados Fórmula Nome sistemático Nome corrente C18H30O2 Ácido cis,trans,trans-9,11,13- Ácido -elaeoesteárico octadecatrienóico C18H34O3 Ácido 12-hidroxi-9-octadecenóico Ácido ricinoleico C20H32O2 Ácido 5, 8, 11, 14-eicosatetraenóico Ácido araquidónico C22H32O2 Ácido 4,7,10,13,16,19- DHA docosahexaenóico, C22:6 (n-3) C20H30O2 Ácido 5, 8, 11, 14, 17, - EPA eicosapentaenóico, C20:5(n-3) A maior parte dos óleos vegetais são líquidos à temperatura ambiente e a maior parte das gorduras animais são sólidas. Há contudo excepções como a manteiga de cacau de origem vegetal que é sólida à temperatura ambiente e o óleo de fígado de bacalhau que, como o nome indica, é líquido. A temperatura de fusão de óleos e gorduras é uma consequência das temperaturas de fusão dos ácidos gordos que entram na sua constituição. A Tabela 3.2 indica a estrutura e o ponto de fusão de alguns ácidos gordos mais vulgares. Tabela 3.2 - Estrutura e o p.f. de alguns ácidos gordos mais comuns Fórmula HO2C HO2C HO2C Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) Nome Ácico Nº de átomos p.f. Carbono 6 -3 8 17 10 31 capróico Ácico caprílico Ácico cáprico 3 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados Fórmula HO2C Nome Ácico 12 44 14 58 16 63 18 70 18 4 18 -12 18 -11 laurico Ácico HO2C Nº de átomos p.f. Carbono mirístico Ácico HO2C palmítico Ácico HO2C esteárico HO2C HO2C HO2C Ácico oleico Ácico linoleico Ácico linolénico Os ácidos gordos, na forma de ésteres, são os constituintes principais das ceras naturais e dos óleos das sementes. Nas ceras os ácidos estão esterificados com alcoóis de cadeia carbonada comprida, por exemplo o alcool cetílico (C16H13OH). Nos óleos e gorduras os ácidos encontram-se na forma de triglicéridos, isto é, ésteres destes ácidos e do glicerol , Figura 3.1. Nos fosfolípidos.um dos grupos do glicerol está esterificado com um derivado do ácido fosfórico Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 4 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados HO OH (1) OH O HO (2) HO (3) O O O O O O O (4) O R1 O O O O R2 PO3R' (5) Figura 3.1 – Estrutura do glicerol (1), dos ácidos esteárico (2) e oleico (3), de um triglicérido (4) e de um fosfolípido Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 5 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados Devido á via biossintética que está na sua origem, os ácidos gordos naturais possuem em geral um número par de átomos de carbono, embora também existam ácidos gordos naturais com um número ímpar. Estes surgem principalmente em organismos de origem marinha. A maior parte dos ácidos insaturados que ocorre na natureza possuem uma cadeia carbonada com 18 átomos de carbono, C18, sendo os ácidos de cadeia mais curta do que C14 ou mais comprida do que C22 raros. Na Tabela 3.3 está indicada a composição, em ácidos gordos de alguns óleos e gorduras Tabela 3.3 - Composição, em % de ácidos gordos saturados e insaturados, de alguns óleos e gorduras Ácido gordo 16:0 18:0 18:1 18:2 18:3 outros Óleo ou gordura Azeite 8-18 2-5 56 82 4-19 0,3-1 Óleo de girassol 5-6 4-6 17-51 38-74 Óleo de coco 8-11 1-3 5-8 1-2 Óleo de papoila 10 2 11 72 Óleo de noz 3-7 0.5-3 9-30 57-76 2-16 Óleo de linhaça 6-7 3-6 14-24 14-19 48-60 Óleo de rícino 1-2 1.2 3-6 4-7 Banha de porco 20-28 13-16 42-45 8-10 0,5-2 Sebo de vaca 23-30 14-29 40-50 1-3 0-1 Sebo de carneiro 26 30 30 1,5 0,2 Gema de ovo 27 8 44 13,5 0,5 Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 6 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados Convenções na indicação das duplas ligações Existem várias maneiras de indicar abreviadamente a presença, ou não, das duplas ligações Exemplo.1: ácido oleico – uma dupla ligação (Figura 3.1) 9 7 10 8 11 4 6 O 3 5 2 1 OH 12 13 14 15 16 17 18 Figura 3.1 – Estrutura do ácido oleico A cadeia é numerada a partir do carboxilato, sendo atribuído a este o nº 1. A posição da dupla ligação é indicada pelo nº do átomo de carbono em que começa. O ácido oleico pode então ser indicado como C18:1 (9.) Exemplo 2: ácido linolénico –três duplas ligações (Figura 3.2) 9 10 11 5 7 8 6 O 3 4 2 1 OH 12 13 14 17 15 16 18 Figura 3.2 – estrutura do ácido linolénico Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 7 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados Como tem três duplas ligações nas posições 9, 12 e 15 será indicado como C18:3 (9,12,15). Existe outra maneira de indicar a posição das duplas ligações que consiste em iniciar a numeração no grupo metilo terminal e indicar apenas o nº de ligações duplas. Como estas estão sempre separadas por um metileno basta de facto assinalar a primeira que as outras ficam automaticamente e inequivocamente indicadas. Nesta terminologia utiliza-se a letra grega para indicar a “distância” ao metilo terminal. Assim um ácido -3 terá uma dupla ligação no terceiro carbono a contar do metilo terminal; um ácido -3 (n=3) terá três duplas ligações em que a primeira está no terceiro carbono a contar do metilo terminal. e as outras sucedem-se em direcção ao carboxilato separadas por um grupo metileno. Como é evidente esta nomenclatura só se aplica a ácidos em que as duplas ligações não estão conjugadas. Nesta nova nomenclatura o ácido oleico será indicado por C18:1 (-9) e o ácido linolénico por C18:3 (-3). Identificação estrutural dos óleos e gorduras A identificação de uma substância como um triglicérido pode ser feita a partir dos respectivos espectros de RMN de protão (Figura 3.3). O espectro a seguir apresentado foi obtido de uma amostra de óleo de girassol. O intenso pico a 1,5 ppm indica que se está em presença de uma substância com uma cadeia hidrocarbonada longa e o pequeno pico perto dos 5 ppm indica a presença de duplas ligações. A indicação de que se trata de um triglicérido é dada pelos dois multipletos entre 4 e 4,5 ppm que correspondem aos protões do glicerol. Estes picos estão ausentes do espectro correspondente à mistura de ésteres metílicos obtida a partir deste mesmo óleo (Figura 3.4). Esta técnica não permite contudo identificar os ácidos presentes na amostra. Quando se pretende conhecer a composição de um óleo/gordura a amostra é primeiramente hidrolisada á mistura dos correspondentes ácidos gordos os Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 8 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados quais são em seguida transformados nos correspondentes ésteres metílicos. Esta mistura de ésteres é analisada por cromatografia gas-líquido (GC) e os ésteres são identificados por comparação com padrões. Se ao cromatógrafo gas-líquido estiver acoplado um espectrómetro de massa, que permita obter o espectro de massa de cada substância que origina um pico no cromatograma, a análise dos vários espectros de massa permite identificar facilmente os ésteres metílicos presentes. Figura 3.3 – Espectro de RMN de protão de um óleo Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 9 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados Figura 3.4 – Espectro de RMN de protão da mistura de ésteres metílicos constituintes do óleo da Fig 3.3 Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 10 Química dos Produtos Naturais Ácidos gordos e derivados Figura 3.5 – Espectro de RMN de protão da mistura do glicerol Maria Eduarda M. Araújo DQB 2012(www.dqb.fc.ul.pt) 11