ii - da legitimidade ativa

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA
VARA DA FAZENDA PÚBLICA
ESTADUAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE-MG
“É preferível antecipar a esperança da vida
do que abreviar o caminho da morte”
(Rel. Des. Gaspar Rubik
Agravo de Instrumento 9872/TJSC)
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais,
através da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde desta Comarca, com
fundamento nos artigos 1º, inciso III; 5º, caput, inciso XXXV e §1º; 6º caput; 23,
inciso II; 127, caput; 129, incisos II e III; 196 a 198 e 227 - da Constituição
Federal; nos artigos 120, inciso III; 186 e 187 – da Constituição do Estado de
Minas Gerais; nos artigos 273, inciso I e 461 – do Código de Processo Civil; nos
artigos 5º, caput; 11; 12, caput e §1º; 13; 19 - da Lei 7.347/85; no artigo 2º - da
lei n.º 8.437/92; nos artigos 1º, caput; 25, inciso IV, alínea “a” e 27, incisos I e II
- da Lei 8.625/93; no artigo 66, inciso Vi, alínea “a” – da Lei Complementar n.º
34/94; nos artigos 2º, § 1º; 6º, inciso I, alínea “d”; 7º, incisos I, II, IV e XII; 8º, e
17, incisos II, III, IV e XI - da Lei Orgânica da Saúde n.º 8.080/90; vem ajuizar a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face do Estado de Minas Gerais (Fazenda Pública do
Estado de Minas Gerais), observando-se o rito comum ordinário, que deverá ser citado na
pessoa do Excelentíssimo Senhor Procurador Geral do Estado, na Praça da Liberdade, s/n.º,
bairro Funcionários, neste Município e Comarca, pelos fatos e fundamentos a seguir descritos.
I - DOS FATOS
Em agosto deste ano, o Centro de Apoio Operacional
das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde – CAO SAÚDE – instaurou
Procedimento Administrativo o qual recebeu o número de identificação
031/2003, haja vista a notícia veiculada no Jornal Minas Gerais, de 19 de
agosto de 2003, acerca da negativa de fornecimento de medicamentos para
tratamento das Doenças de Crohn e Retocolite Ulcerativa pela SES –
Secretaria de Estado da Saúde. (documento n.º 01)
Após
instaurado
o
referido
procedimento,
compareceram perante este CAO-Saúde, a Sra. Cléa Batista Gomes, mãe de
Luana Mara Batista Gomes, 16 anos, portadora da Doença de Crohn; as Sras.
Alessandra Vitoriano de Castro e Elizeth Nardi, integrantes da GADII – Grupo
de Apoio aos Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais, aquela portadora
da Doença de Crohn e esta da Doença de Retocolite Ulcerativa; a Sra. Genilda
Neves Bonfim, portadora de Retocolite Ulcerativa e, ainda, a Dra. Sinara
Mônica de Oliveira Leite, CRM/MG n.º 18.656. (documentos n.º 02, 03, 04 e
05)
Na oportunidade, relataram que não obtiveram junto
à Secretaria de Estado da Saúde os remédios necessários ao tratamento de
suas respectivas doenças tendo sido informadas, tão-somente, de que tais
remédios não estão disponíveis para fornecimento aos usuários do SUS.
Relata, ainda, a Sra. Alessandra Vitoriano de Castro,
que impetrou Mandado de Segurança Individual com o fito de obter a
MESALAZINA, o que foi concedido em liminar datada de julho/2003,
(documento n.º 06), apesar de ter sido contactada a impetrante, pela SES,
somente em setembro do corrente ano.
Segundo depoimento da Dra. Sinara Mônica de
Oliveira Leite e das Sras. Alessandra Vitoriano de Castro e Elizeth Nardi, os
exames necessários ao diagnóstico e tratamento das doenças são de difícil
acesso pelo SUS, com agendamentos tardios, e que os portadores da Doença
de Crohn necessitam de tratamento por equipe multidisciplinar com psicólogos,
nutricionistas, enfermeiros (as), estomaterapeutas, além do atendimento
médico, clínico e cirúrgico noticiando, ainda, que tais profissionais são
disponibilizados pelo SUS, entretanto, insuficientes para atender a demanda.
Ademais, a SES sequer tem cadastro dos portadores
das doenças supra mencionadas, para controle na aquisição e fornecimentos
dos medicamentos.
Diante das informações acima relatadas, o Ministério
Público solicitou ao Secretário de Estado da Saúde informações acerca da
assistência
farmacêutica
prestadas
aos
portadores
das
mencionadas
patologias, uma vez que os medicamentos destinados ao tratamento das
mesmas são garantidos pelas Portarias SAS/MS n.º 858 e 861 de 04 de
novembro de 2002, obtendo como resposta o ofício GAB/AT/342/2003
(documento n.º 07), relatando o seguinte:
“As Portaria SAS/MS n.º 858 e n.º 861 citam os
diversos medicamentos que podem ser utilizados nas doenças em questão,
entretanto, nem todos são considerados medicamentos ocupacionais, ou seja,
nem todos foram padronizados na Portaria MS/GM n.º 1.318/02, tendo em vista
que alguns são fornecidos pela rede básica, outros são fornecidos em nível
hospitalar, e outros possuem legislação específica, como a Talidomida.
A Portaria MS/GM n.º 1.318/02 contempla para
tratamento da Doença de Crohn e Retocolite Uicerativa, denominadas ‘doenças
inflamatórias intestinais’, os medicamentos Sulfasalazina e Mesalazina, além
dos imunossupressores Azatiocrina e Ciclosporina.
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais
fornece
regularmente
os
medicamentos
Sulfasalazina,
Azatioprina
e
Ciclosporina, sendo que a Mesalazina encontra-se em fase de estudos com
grupo de especialistas para definição das apresentações que deverão ser
adquiridas de acordo com a proposta do cronograma de expansão da
implementação da Portaria MS/GM n.º 1.318/02; e de acordo com o Artigo 2º,
parágrafo 3º da mesma portaria, que permite às secretarias estaduais a seleção
dos itens a serem adquiridos. Tal medida se faz necessária, considerando que
a portaria padroniza pelo menos cinco diferentes apresentações da Mesalazina,
sendo que nem todas necessitam obrigatoriamente serem disponibilizadas,
para o atendimento satisfatório dos portadores das doenças.”
O que se verifica, é o descaso da administração pública e
tentativas infundadas para justificar a sua omissão no fornecimentos dos medicamentos
excepcionais, no presente caso, aqueles necessários ao tratamento da Asma Grave, uma vez
que a Portaria 1.318/2002 prevê o custeio dos respectivos medicamentos desde setembro de
2002.
Insta-nos
esclarecer,
que
conforme
o
Boletim
Especial da Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn
(documento n.º 08) “ O Crohn e a retocolite ulcerativa são as principais
doenças inflamatórias intestinais. Embora quase não sejam conhecidas por
leigos, atingem um contingente razoável de pessoas. Só nos Estados Unidos,
há cerca de dois milhões de portadores. Sobre sua causa, a única informação
comprovada é que elas têm um forte componente genético – não são
psicossomáticas, ao contrário do que os familiares e amigos de muitos
pacientes insistem em acreditar. Ambas são crônicas, ou seja, não têm cura ou, ao menos até agora, não foi descoberta nenhuma droga que impeça, de
uma vez por todas, o aparecimento de crises.
Alguns dos sintomas mais aparentes do Crohn e da
retocolite são similares: diarréia, dores abdominais, febre, perda de peso e de
apetite e, às vezes, sangramento retal. Ambas são tratadas, em geral, com
corticóides, imunossupressores, antiinflamatórios intestinais e antibióticos (...).”
“(...) A doença de Crohn afeta principalmente a parte
inferior do intestino delgado (íleo) e o intestino grosso (cólon), mas pode atingir
qualquer parte do aparelho digestivo, inclusive estômago e esôfago. Provoca
ulcerações da mucosa e lesões profundas na parede intestinal. O Crohn é uma
doença meio traiçoeira. Quando menos espera, o doente pode ter um
estreitamento do intestino ou uma obstrução. Em cerca de 30% dos casos,
quando em crise, as pessoas podem ter dores e inchaço nas articulações,
abscessos e fístulas.
A retocolite ulcerativa atinge, tipicamente, o reto, mas
pode estender-se e comprometer parte maior do cólon ou até o cólon inteiro.
Também provoca ulcerações na parede intestinal que, durante as crises,
costumam sangrar e incomodar bastante. Embora geralmente seja mais
simples que o Crohn, a retocolite, em casos extremos, pode levar á perda do
reto, o que significa ter que viver com bolsa.”
a Portaria SAS/MG n.º 858, de 04 de novembro de
2002 (documento n.º 09) – que contemplou o Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas assevera que
“...Clinicamente
ela
se
apresenta
através
de
sintomas episódicos, principalmente dispnéia, sibilância, tosse seca e sensação
de aperto torácico. Caracteristicamente, esses sintomas são reversíveis tanto
espontaneamente quanto após a administração de broncodilatadores. “.
Consta, ainda, da Portaria acima citada que “O
objetivo do tratamento é manter a doença sob controle com a mínima dose
possível das medicações e, assim, reduzir a possibilidade de efeitos adversos.”
Apresenta, também, como benefícios esperados: alívio dos sintomas, melhora
da função pulmonar, redução nas hospitalizações, melhora na qualidade de
vida e redução do risco de morte.
O Protocolo constante da Portaria apresenta, ainda,
outros conceitos sobre a patologia, os critérios de inclusão e exclusão para o
tratamento apresentado e a própria dispensação farmacêutica.
Segundo Relatório n.º
/2003 de autoria do Dr.
Alexandre Resende Fraga – Médico e Técnico do Ministério Público
(documento n.º 09): “A asma é uma doença crônica de vias aéreas com
grande impacto em saúde pública, pois os pacientes portadores desta patologia
tem uma grande taxa de internação e mortalidade. Esta doença acomete a
população em cerca de 15% dos casos. As medidas no sentido de se evitar
uma morbidade maior se refere a educação do paciente e ao uso de
medicamentos adequados tanto para o tratamento da crise quanto para evitar
que a crise aconteça (medicamentos profiláticos).
A Política Nacional de Medicamentos garante aos pacientes
com asma, os seguintes medicamentos: Beclometasona, Budesonida, Fenoterol, Formoterol,
Salbutamol e Salmeterol.
A
beclometasona
e
a
budesonida
são
costicosteróides inalatórios, utilizados nas profilaxias das crises. O fenoterol
existe sob a forma de aerossol dosificado, bem como o salbutamol, ambos são
chamados ß2–agonistas de curta duração que são usados primordialmente nas
crises agudas. O Formoterol e Salmeterol são também ß2–agonistas de ação
longa usadas nas crises.”
Logo, a litigância reside no fornecimento dos medicamentos
Sulfasalazina, Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina, Hidrocortisona, Prednisona,
Azatioprina, 6-Mercaptopurina, Metotrexate, Ciclosporina, Infliximab, Talidomida aos
pacientes portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa.
II - DA LEGITIMIDADE ATIVA
A Constituição Federal, em seu artigo 129, inciso II,
prevê que incumbe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos poderes
públicos e aos serviços de relevância pública dos direitos assegurados na
mesma Constituição, promovendo as medidas assecuratórias à sua garantia; no
inciso III dá legitimidade ao Ministério Público à propositura da Ação Civil
Pública.
E o artigo 197 deixa muito claro que os serviços de
saúde são de grande relevância para a sociedade brasileira, o que evidencia o
interesses processual do Ministério Público em tomar as medidas necessárias à
perfeita prestação dos serviços.
No mesmo diapasão, a Constituição do Estado de
Minas Gerais em seu artigo 120, inciso III; a Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (Lei n.º 8.625/93), em seu artigo 25, inciso IV, alínea “a” e a Lei
Orgânica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (Lei Complementar
n.º 64/94) em seu artigo 66, inciso VI, alínea “a”, remetem o Ministério Público à
legitimação ativa para o ajuizamento de ação civil pública para a defesa dos
interesses difusos e coletivos indisponíveis.
Corroborando tal entendimento, a Organização Panamericana da Saúde e do Escritório Regional da Organização Mundial de
Saúde concluíram o seguinte:
“O conceito de ações e serviços de relevância
pública, adotado pelo artigo 197 do atual texto constitucional, norma preceptiva,
deve ser entendido desde a verificação de que a Constituição de 1.988 adotou
como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana.
Aplicado às ações e aos serviços de saúde, o conceito implica o poder de
controle, pela sociedade e pelo Estado, visando zelar pela sua efetiva prestação
e por sua qualidade. Ao qualificar as ações e serviços de saúde como de
relevância pública, proclamou a Constituição Federal sua essencialidade. Por
‘relevância pública’ deve-se entender que o interesse primário do Estado, nas
ações e serviços de saúde, envolve sua essencialidade para a coletividade, ou
seja, sua relevância social. Ademais, enquanto direito de todos e dever do
Estado, as ações e serviços de saúde como conjunto de medidas dirigidas ao
enfrentamento das doenças e suas seqüelas, através da atenção médica
preventiva e curativa, bem como de seus determinantes e condicionantes de
ordem econômica e social. Tem o Ministério Público a função institucional
de zelar pelos serviços de relevância pública, dentre os quais as ações e
serviços de saúde, adotando as medidas necessárias para sua efetiva
prestação, inclusive em face de omissão do Poder Público.” (Série Direito e
Saúde n.º 1, Brasília, 1.994) – grifos nossos
Dessa forma, diante dos preceitos legais aduzidos, deve o
Ministério Público, legitimado que está, exigir dos Poderes Públicos e daqueles que prestam
atividades essenciais o efetivo respeito aos direitos assegurados na Constituição e na
legislação infraconstitucional, sobretudo quando se tratam de ações e serviços de relevância
pública.
III - DA LEGITIMIDADE PASSIVA / DA RESPONSABILIDADE DO GESTOR ESTADUAL NO
ÂMBITO DO SUS
A Política Nacional de Medicamentos disciplina que a
competência para o fornecimento de medicamentos os divide em básicos,
excepcionais e especiais. Os primeiros cabem ao Município, que recebe por
cada habitante o repasse do Ministério da Saúde para aquisição de uma lista
mínima de 42 medicamentos básicos, afetos à atenção básica, porém cabe ao
Município, com seus próprios recursos, ampliar a referida lista considerando
sua habilitação no sistema e o perfil epidemiológico de seus munícipes. Os
medicamentos excepcionais, da competência do Estado, são tidos como
medicamentos de uso contínuo e ininterrupto, afetos às clínicas especializadas
e evidentemente mais caros. Por fim, os medicamentos especiais, da
competência da União, cujo exemplo clássico é a lista de medicamentos para
imunodeficiência primária adquirida – AIDS.
Os medicamentos excepcionais e especiais são
adquiridos pelas instâncias competentes e remetidas aos Municípios, após
solicitação planejada e formalizada.
Aqueles prescritos ao tratamento de Doença de
Crohn e Retocolite Ulcerativa são todos excepcionais e, consequentemente,
hão de ser fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde – fato que não se
discute.
É comum que os Municípios, ainda sofrendo a
municipalização do sistema de saúde de forma precária e desconhecida, não
estabeleçam os protocolos, solicitações e encaminhem as informações
necessárias para o recebimento de medicamentos excepcionais e especiais de
forma adequada e coerente com a realidade de seus munícipes e os deixe sem
receber tais medicamentos, ao argumento de que lhes fogem da competência.
Daí o surgimento de demandas judiciais no sentido de garantir o fornecimento
de medicamentos.
Não obstante entender o Ministério Público que o
Sistema Único de Saúde é um sistema em construção, com pouco mais de 12
anos de vida, que ocupa posição de vanguarda na estrutura da administração
pública e muito aparece nos meios de comunicação pelo que deixa de fazer e
não pelo muito que faz e salva, é inexorável que há medidas que não podem
esperar: há doentes que esperam medicamentos ainda não existentes (e lutam
contra o tempo!) e há aqueles que esperam medicamentos não contemplados
num Protocolo.
Ademais, conforme disciplinado na Lei n.º 8.080/90, cabe à
direção estadual do SUS, em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a
política de insumos e equipamentos para a saúde.
Nesse sentido, a Política Nacional de Medicamentos, aprovada
pela Portaria n.º 3.916, de 30 de outubro de 1998 (documento n.º 07), estabelece como
responsabilidades da esfera estadual, dentre outras:
-
“assegurar
a
adequada
dispensação
dos
medicamentos promovendo o treinamentos dos recursos humanos e a
aplicação das normas pertinentes
-
definir elenco de medicamentos que serão
adquiridos diretamente pelo estado, inclusive os de dispensação em caráter
excepcional, tendo por base critérios técnicos e administrativos referidos no
capítulo 3, “ Diretrizes”, tópico 3.3, deste documento, e destinando orçamento
adequado a sua aquisição.”
Da mesma forma, a Portaria n.º 1.318/GM, de 23 de julho de
2.002 (documento n.º 03), prevê em seu art. 7º:
“Art. 7º - Determinar que as Secretarias de Saúde dos Estados
e do Distrito Federal adotem as providências necessárias ao cumprimento do disposto nesta
Portaria, bem como para viabilizar, a contar da competência setembro/2002, o acesso aos
pacientes, aos medicamentos cujos procedimentos foram incluídos no Grupo 36 –
Medicamentos, da Tabela Descritiva do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema
Único de Saúde – SIA/SUS pela presente Portaria.”
Portanto, cabe ao Estado de Minas Gerais arcar com o ônus de
prestar o atendimento à população na assistência à saúde, fornecendo, pois,
todos os
medicamentos para tratamento da Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, por serem tidos
como medicamentos excepcionais. Inegável se torna sua legitimidade passiva ad causam.
lV - DO DIREITO
Ainda que desnecessária a transcrição das normas
jurídicas que tratam do direito do cidadão à saúde, para que se tenha exata
compreensão da efetiva proteção que lhe dá o ordenamento jurídico de nosso
País, possibilitando-lhe, individual ou coletivamente, o exercício desse direito
público subjetivo em face do Estado, é relevante que sejam explicitamente
mencionadas.
A Constituição Federal, no seu artigo 6º, reconheceu à saúde o
status de direito social fundamental; no artigo 23, inciso II, atribuiu à União, aos Estados e aos
Municípios o dever de cuidar da saúde e assistência pública; e no artigo 196, assegurou que a
saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo certo que tal direito há que ser prestado de
forma integral e, para tanto, as ações e serviços de saúde devem promovê-la, protegê-la e
recuperá-la.
A Constituição do Estado de Minas Gerais, no seus artigos 186
e 187, reafirmou as normas federais.
Por sua vez, a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) estabelece
que a saúde é um direito fundamental, devendo o Estado prover o necessário à plenitude deste
direito, inclusive a assistência farmacêutica.
Por todo o exposto, observa-se que, em todas as esferas
normativas, seja a Constituição Federal, seja a Constituição Estadual, seja a legislação
infraconstitucional, a saúde é considerada prioridade, sendo clara a responsabilidade do Poder
Público pela saúde de todos.
4.1 - DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA INTEGRAL
Relevante é ressaltar que além de todos os princípios
constitucionais sobre a saúde (artigos 196 e seguintes e, especificamente o Art. 198, II,
estabelecendo como diretriz o atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais), existem regras legais a amparar
especificamente a assistência farmacêutica integral.
De fato, o art. 6, I, “c”, constante do capítulo “Dos Objetivo e
Atribuições” do SUS -
Lei Federal n.º 8.080/90, estabelece que a assistência terapêutica
integral, inclusive farmacêutica, está incluída no campo de atuação do Sistema Único de Saúde.
Assim, é que, por onde se analisa a questão, o direito dos
usuários e pacientes do SUS de receberem medicamentos que lhe forem regulamente prescrito
é inafastável.
4.2 - DA AUTO-APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
CONCERNENTES À SAÚDE COMO DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO E
DIREITO FUNDAMENTAL DO HOMEM
Em primeiro lugar, é necessário afirmar que a Constituição de
1998 é dirigente, inclusive tendo em vista as características do Brasil como
Estado
Democrático de Direito (Art. 1º da CF). Assim, possuem os direitos fundamentais – dentre eles
a saúde como será demostrado – evidente caráter vinculativo em relação ao legislador, ao
poder público, aos órgãos administrativos, ao Poder Executivo, aos Juizes, aos Tribunais, e,
também, no âmbito das relações jurídico-privadas. (Sarvelt, Ingo Wolfgang – A Eficácia do
Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 1998, 386p.)
A Constituição Federal, neste aspecto, reclama eficácia,
estando, pois, o Estado juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde e que
estes sejam seguros.
O Art. 25 da Declaração Universal do Direitos
do Homem
(ONU) subscrita pelo Brasil, reconhece a saúde como direito fundamental ao asseverar que ela
é condição necessária à vida digna.
Já que é fundamental ao homem o direito à saúde
ele é auto-aplicável, conforme expressa previsão do Art. 5º, parágrafo 1º, da
CF: “ As normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata”. Tal dispositivo em conjunto com o princípio da
inafastabilidade do controle judiciário (Art. 5º XXXV, da CF/88) obriga o Poder
Judiciário a manifestar-se sobre o caso que lhe for apresentado.
O direito à saúde, pois, é um direito público subjetivo
obviamente oponível contra o Estado, podendo
sua tutela ser realizada
judicialmente. Disso não discorda o Supremo Tribunal Federal: “o direito
público subjetivo
à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível
assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República
(art. 196)” (Recurso Extraordinário 271.286/RS, Relator Ministro Celso de Mello,
Informativo STF n.º 210, de 22/11/2000, p.3).
Interessante também trazer à colocação (EMI n.º
598526481, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Desembargador
Luiz
Felipe
Brasil
Santos,
Julgado
em
11/06/1999):
“EMBARGOS
INFRINGENTES. DIREITO SUBJETIVO À PRESTAÇÃO DETERMINADA NO
ÂMBITO DA SAÚDE . Auto-aplicabilidade do art. 196, da CF, que assegura o
direito à saúde, reconhecendo, em decorrência, a caracterização do direito
subjetivo a determinada prestação nessa área, sempre que, no exame do caso
concreto, exsurgir a evidência de que se encontra em jogo o valor básico e
maior da preservação da vida humana, pressuposto de todo e qualquer direito.
Desacolheram os embargos”.
Restasse alguma dúvida sobre ser a saúde um direito
fundamental do homem, bastaria a simples leitura do disposto no Art. 2º da Lei Federal n.º
8.080/90: “ A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
Claramente, pois, além de poder ser catalogado como social, o
direito à saúde também é fundamental do ser humano e público subjetivo, isto é, auto-aplicável
e que pode ser defendido em juízo.
Assim, ressalte-se, os dispositivos constitucionais ligados à
saúde – direito social conforme o art. 6º da Constituição – não se constituem em meras normas
programáticas, não significam promessas de atuação estatal. Têm, por outro lado, eficácia
imediata. Segundo José Afonso da Silva os direitos sociais, como dimensão dos direitos
fundamentais do homem, são prestação positivas do Estado, enunciadas na Carta Magna e que
possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a
equiparação das situações sociais desiguais. A saúde encontra-se em tal contexto.
De tanta relevância é, que vários diplomas legais estabelecem
princípios e normas que devem ser observados; e a presente ação visa resguardar a eficácia de
tais princípios e mandamentos.
Cabe uma palavra sobre o orçamento do Estado para o ano de
2.003. Como é sabido, a Emenda Constitucional n.º 29/00 garantiu dinheiro à saúde, pelo que é
obrigatória a aplicação de percentuais sobre o produto da arrecadação
de determinados
impostos e de outros recursos.
4.3 - DO CONFRONTO ENTRE OS FATOS E A LEGISLAÇÃO
É obrigação do Estado de Minas Gerais, portanto, fornecer os
medicamentos em questão para todos os pacientes do “SUS” que dele necessite mediante a
apresentação do competente receituário médico, em quantidade e qualidade que lhes garanta
atendimento integral, permanente, respeitando prioritariamente o direito à vida e à saúde.
Não adianta garantir a esses pacientes um tratamento limitado,
insuficiente, que abreviará sua vida ou causará danos à saúde, pois essa postura omissa
desobedece a diretriz da “resolutividade”. “Meio-tratamento” não é tratamento integral. De que
adianta fornecer tratamento inferior, de piores resultados e conseqüências sob o argumento de
economia de verbas, para depois gastar outras superiores em valor para a realização de
cirurgias, internações, etc.?
Outras conclusões jurídicas importantes:
a) a situação ilegal descrita no item “Dos fatos” não pode ser
justificada sob o argumento da discricionariedade administrativa. Este princípio, criado para
garantir a agilidade na administração da coisa pública, com vistas ao interesse público, não
pode ser de justificativa para a omissão ilegal, violadora da Lei e dos princípios da
Administração Pública, previstos no artigo 37 da CF. Não tem a pessoa jurídica de direito
público estadual o poder de decidir, em última análise, sobre onde e como negará ao cidadão
direitos públicos subjetivos fundamentais.
b) não se pode concluir, que estamos tratando de matéria
sujeita à discricionariedade administrativa. Esse poder não pode servir como funcionamento
para decidir sobre a vida ou morte de doentes. É preciso atentar para a seguinte conclusão,
única possível diante da Lei: não prestar o atendimento integral, garantido pelas leis e
Constituição, significa simplesmente descumprir a lei e a Constituição, proporcionando sérios
riscos à vida dos usuários de saúde.
c) assim, não exorbita o Poder Judiciário quando, provocado
pelo Ministério Público, interfere na Administração Pública para defender direitos dos cidadãos
expressos na Legislação, contra omissão do Poder Público ensejadora de situação
manifestamente ilegal. Fere o ordenamento jurídico permitir, com fundamento em critérios de
oportunidade e conveniência, o Estado não dispor dos medicamentos que seus doentes
necessitam, máxime quando tal omissão gera perigo à vida e à saúde.
d) não se está, aqui, estabelecendo prioridade na atuação da
administração pública, colocando-se na posição do Poder Executivo Estadual. A fixação de
prioridades de governo é ampliação acobertada pela Lei, desde que, na sua execução, não se
deixe direitos fundamentais e indisponíveis ao desamparo da atuação Estatal. Mesmo na área
dos direitos sociais, como a saúde, pode-se estabelecer prioridades, no exercício da
discricionariedade. Todavia, sua efetivação não pode ensejar situações ilegais e o respeito à
Lei é dever fundamental de qualquer esfera de governo.
e) não há que se falar em limites orçamentários ou
em
observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, como desculpas para a manutenção da
situação ilegal narrada nesta inicial. A sociedade, a população, o cidadão têm direitos aqui
extraídos do ordenamento jurídico em vigor, identificado em normas jurídicas auto-aplicáveis.
Submetê-los ao saldo do “caixa” do Poder Público, de qualquer esfera, significaria, na verdade,
negá-la. Note-se que a
legislação antes transcrita não sujeita o direito dos cidadãos, dos
pacientes portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, que necessitam de
assistência farmacêutica, em nenhuma passagem, ao “saldo bancário” da Administração. O
Legislador, sábio, percebeu que, assim não fosse, tais direitos seriam sempre negados sob a
desculpas da falta de dinheiro, o que dificilmente poderia ser posto em dúvida, pois a ninguém é
dado conhecer exatamente e com a necessária rapidez as minúcias do movimento financeiro
de qualquer pessoa jurídica de direito público interno. Por outro lado, antes da
“Responsabilidades Fiscais” há a “Responsabilidade Social”, muito mais importante – quer nos
direitos hierarquicamente superiores que ampara, quer nas conseqüências legais àqueles que
a desrespeitam.
E não se pode ignorar que nenhum administrador público seria
alcançado pelas penalidades previstas na “Lei de Responsabilidade Fiscal” se demonstrasse
estar agindo em defesa da vida, no cumprimento da Lei e de Decisão Judicial.
Sobre a questão, em casos semelhantes, já se manifestaram os
Tribunais:
“O Judiciário não desconhece o rigorismo da Constituição ao
vedar a realização de despesas pelos órgãos públicos além daqueles em que há previsão
orçamentária; este Poder, todavia, sempre consciente de sua importância como integrante de
um dos Poderes do Estado, como pacificador dos conflitos sociais e defensor da Justiça e do
bem comum, tem agido com maior justeza optando pela defesa do bem maior, veementemente
defendido pela Constituição – A VIDA – interpretando a lei de acordo coma as necessidades
sociais imediatas que ela se propõe a satisfazer.” (Apelação Cível n.º 98.006204-7, Santa
Catarina, Rel. Nilton Macedo Machado, 08/09/98).
Mais adiante, nessa mesma Decisão:
“Com relação à previsão orçamentária para o custeio dos
medicamentos específicos, basta relembrar que já há, no orçamento do Estado, dotação
apropriada; da mesma forma não
pode o apelante pretender eximir-se de suas
responsabilidades sob a alegação de que enfrenta sérios problemas financeiros, em face da
escassez de recursos, o que soa falso em face dos gastos publicitários que se vê no meios de
comunicação, apregoando obras e realizações governamentais (...)”. Citando o Ministro Celso
de Mello em caso também relativo à saúde: “A singularidade do caso(...), a imprescindibilidade
da medida cautelar concedida pelo Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (...) e a
impostergabilidade do cumprimento do dever político constitucional que se impõe ao Poder
Público, em todas as dimensões da organização federativa, de assegurar a todos a proteção à
saúde (CF, art. 6º, c.c. art. 227, Parágrafo 1º.) constituem fatores que, associados a um
imperativos de solidariedade humana, desautorizam o deferimento do pedido ora formulado
pelo Estado de Santa Catarina (...). Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se
qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República
(art. 5º, caput) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse
financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões
de ordem ético-jurídico impõem ao julgador uma só e possível opção : o respeito indeclinável à
vida.”
“... Sendo a saúde direito e dever do Estado (CF, art. 196, CE,
art. 153), torna-se o cidadão credor desse benefício, ainda que não haja serviço oficial ou
particular no País para o tratamento reclamado. A existência de previsão orçamentária própria é
irrelevante, não servindo tal pretexto como escusa, uma vez que o executivo pode socorre-se
de créditos adicionais. A vida, dom maior, não tem preço, mesmo para uma sociedade que
perdeu o sentido da solidariedade, num mundo marcado pelo egoísmo, hedonista e insensível.
Contudo, o reconhecimento do direito à sua manutenção (...) não tem balizamento caritativo,
posto que carrega em si mesmo, o seio da legitimidade constitucional e está ancorado em
legislação obediente àquele comando.” (TJSP, Des. Xavier Vieira, Agravo de Instrumento n.º
96.012721-6).
“A respeito, cabe ver que a Portaria n.º 21 de 21.03.95, do
Ministério da Saúde, já recomendava a utilização da combinação de novos medicamentos com
o então conhecido AZT, de modo que, somente atribuível à incúria da Administração não ter
ela já licitada, - inclusive com previsão orçamentária – de modo a permitir, de modo continuado,
o fornecimento de tais medicamentos aos dele necessitados, em quantidades adequadas.
Portanto, não socorre a agravante o argumento de necessidade de licitação prévia ou previsão
orçamentária, muito menos cabe-lhe colocar em dúvida a eficácia dos remédios em questão, os
quais, aliás, são sempre receitados pelos médicos.” (Agravo de Instrumento n.º 82.036-5, 8ª
Câm. Dir. Público do TJSP, Rel. José Santana).
Como se percebe, mostra-se irrelevante eventual falta de prévia
dotação orçamentária prevendo o atendimento integral dos pacientes do SUS, ou seja, o
cumprimento da Lei. Consoante enfatiza com lucidez João Angélico (Contabilidade Pública, Ed.
Atlas, pág. 35), “durante a execução orçamentária, o Poder Executivo pode solicitar ao
Legislativo, e este conceder, novos créditos orçamentários. Eles serão adicionados aos créditos
que integram o orçamento em vigor. Por essa razão denominam-se créditos adicionais. Os
créditos adicionais aumentam a despesa pública do exercício, já fixada no orçamento.”
Por fim, vale transcrever parte da obra de Germano Schwartz
(Direito à Saúde – Efetivação em uma Perspectiva Sistêmica, pág. 80/81, Ed. Livraria do
Advogado):
“Não é por falta de aporte financeiro que o Estado poderá se
eximir de seu dever. A saúde reclama prestação sanitária tão-somente. Sarlet (1.998), a
respeito da negação das prestações sanitárias com
base na ausência de recursos e da
incompetência dos órgãos judiciários para decidirem
sobre a alocação e destinação de
recursos públicos, não nos parece que esta solução possa prevalecer, ainda mais na hipóteses
em que está em jogo a preservação da vida humana (p. 298). Ora, a hipótese de não existência
de previsão orçamentária não pode ser alegada pelo Estado, até porque não se pode antever
com eficácia as necessidades da população, ou ainda, de outra banda, não se pode favorecer a
omissão do ente responsável, premiando-o por sua negligência e/ou inércia. Ao se referir ao
Sistema Único de Saúde e à sistemática sanitária brasileira instalada pela CF/88, Cláudio
Barros Silva (1.995) se posiciona expressamente quanto à impossibilidade de condicionamento
para o exercício do direito à saúde: “ Como conseqüência do sistema o acesso à assistência, à
saúde, passou a ser universal e igualitário, não havendo, por ser direito subjetivo do cidadão,
qualquer condicionamento ao exercício. O papel do Estado é garantir a satisfação desse direito
público subjetivo (p. 100) . O Supremo Tribunal Federal – STF, em acórdão no autos do Agravo
Regimental em Agravo de Instrumento n.º 238.328-0 (julgado em 16/11/99), no voto do Relator
Ministro Marco Aurélio, quando provocado a se pronunciar sobre a matéria, afirmou que a falta
de dispositivo legal para o custeio e distribuição de remédios para AIDS não impede que fique
comprovada a responsabilidade do Estado, pois decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o
direito assegurado em lei. E, esclareça-se desde já, com base no art. 23 da CF/88, que o
cidadão pode demandar contra qualquer dos entes federados na busca da proteção de saúde:
SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS POR ENTIDADE
PÚBLICA MUNICIPAL PARTICIPANTE DO SUS. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
EM PLEITO ORDINÁRIO. DIREITO À VIDA. DEVER COMUM DOS ENTES FEDERADOS.
ARTS. 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES PRETORIANOS.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE PENALIZAR O CIDADÃO.
AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA. As entidades federativas têm o dever ao
cuidado da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadores de
deficiência de saúde, a teor do disposto no art. 23 da Constituição Federal. Assim, não se pode
prestar à fuga de responsabilidade a mera argüição de violação ao princípio do orçamento e
das normas de realização de despesa pública, quando verificado que o Estado, na condição de
instituição de tributo especial dirigido a suplementar verbas da saúde, não o faz com
competência devida.” (Agravo de Instrumento n.º 1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ, Rel. :
Des. Marcus Tullius Alves, Julgado em 02/05/2.000).
Sobre as alegadas razões de Estado para não fazer valer os
direitos públicos subjetivos em questão é interessante referir que decidiu o Pretório Excelso: “É
preciso advertir que as razões de Estado – quando invocadas como argumento de sustentação
da pretensão jurídica do Poder Público ou de qualquer outra instituição – representam
expressão de um perigoso ensaio destinado a submeter, à vontade do Príncipe que é
intolerável), a autoridade hierárquico-normativo da própria Constituição da República,
comprometendo, desse modo, a idéia de que o exercício do poder estatal, quando praticado
sob a égide de um regime democrático, está permanentemente exposto ao controle social dos
cidadãos e à fiscalização jurídica constitucional”. (Ag. Reg. em Agravo de Instrumento n.
236.546, relator Ministro Celso de Mello, Revista de Direito Administrativo, out./dez. de 1.999,
vol. 218, Edit. Renovar- FGV, pág. 222).
Aliás, o Supremo Tribunal Federal, reiteradas vezes, repeliu
argumento de ordem política por entender que a alegação das razões do Estado – além de não
se legitimar como fundamento idôneo de impugnação judicial – representaria, por efeito das
gravíssima conseqüências provocadas por seu eventual reconhecimento, uma ameaça
inadmissível às liberdades públicas, à supremacia da ordem constitucional e aos valores
democráticos que a informam, culminando por introduzir, no sistema de direito positivo, um
preocupante fator de ruptura e desestabilização (vide RTJ – 164/1145-1145, Rel. Ministério
Público, Celso de Mello).
V - DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
A assistência e o atendimento de saúde, por guardarem estreita
relação coma manutenção da vida humana, são sempre relevantes e urgentes. Diante da
urgência reclamada pela espécie, requer-se a concessão liminar da antecipação dos efeitos
da tutela pretendida, nos termos do dispostos nos artigos 273, inciso I, e 461 do Código de
Processo Civil.
O acolhimento liminar dos efeitos da tutela urge e impera,
porquanto o provimento da pretensão, somente ao final, poderá ser inócuo para prevenir os
danos à saúde dos doentes, ou mesmo para evitar a morte de alguns deles. Esses doentes, há
muito vem suportando sofrimento, devido à omissão do Poder Público Estadual, que lhes nega,
sob argumento ilegais, o atendimento integral e prioritário a que fazem jus por força de Lei. Não
é possível aquilatar o alcance do danos à saúde da população, podendo ser afirmado, porém,
que eles são grandiosos, dramáticos, presentes e contínuos, os quais devem ser rapidamente
afastados pelo Poder Judiciário.
Relevante é o fundamento da lide, pois pretende-se, em última
análise, a manutenção da vida e da saúde de milhares de pessoas neste Estado e presentes
estão, o fumus boni juris e o periculum in mora.
O fumus boni juris está presente, haja vista a existência de
preceito constitucional obrigando o atendimento, somado à comprovação médico-técnica do
risco de vida por que passam os pacientes portadores de Doença de Crohn e Retocolite
Ulcerativa.
Da mesma forma, vê-se presente o periculum in mora, talvez
mais gritante ainda, já que o perigo maior a um ser humano é a perda de sua vida.
Consoante o art. 273 do Código de Processo Civil, “o juiz
poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da
verossimilhança da alegação e (... haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação ...”
No presente caso o serviço relevante de saúde – dispensação
de medicamentos – não está sendo prestado, ferindo dispositivos constitucional e legais com
grande prejuízo a direito fundamental – a vida, consubstanciado pela saúde.
Sustenta o Professor José Afonso da Silva:
“A garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade
imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e prerrogativas consubstanciados
no Título II, caracterizados como direitos fundamentais só cumprem sua finalidade se as
normas que os expressem tiverem efetividade. (...)
Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos
aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e aplicabilidade
imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais (...)
Por isso, revela-se, por seu alto sentido político, como eminente
garantia política de defesa da eficácia jurídica e social da Constituição”. (SILVA, José Afonso
da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros)
Assim sendo, o Ministério Público requer seja o Estado
determinado a fornecer, in limine, sem justificação prévia e inaudita autera pars,, ou, em se
entendendo necessário, observado o prazo de 72 horas, conforme artigo 2º da Lei n.º 8.437/92,
para compelir o requerido, durante o transcorrer da ação e no prazo de 15 dias, a fornecer os
medicamentos Sulfasalazina, Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina, Hidrocortisona,
Prednisona,
Azatioprina,
6-Mercaptopurina,
Metotrexate,
Ciclosporina,
Infliximab,
Talidomida quando houver prescrição médica indicando a utilização de tais medicamentos,
para pacientes do Sistema Único de Saúde portadores de Doença de Crohn e Retocolite
Ulcerativa, presentes e futuros, considerando a necessidade da tutela de urgência em prol da
defesa do bem maior que é a vida humana, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) por dia de atraso no fornecimento em relação a cada paciente, dos medicamentos
referidos, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, em caso de descumprimento, a ser
revertida para o fundo de reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo art.
13 daquela Lei, sem prejuízo de outras providências tendentes ao cumprimento da ordem
judicial.
O prazo estabelecido no pedido, para cumprimento da
obrigação de fazer, não deve iludir o julgado quanto ao perigo da demora. É facilmente
perceptível que as providências reclamadas nesta inicial não se resolvem da noite para o dia. A
administração pública estadual terá de quantificar e redimensionar a demanda desses
medicamentos, para a aquisição racional deles. Talvez necessite adquiri-los emergentes num
primeiro momento e, depois, mediante procedimentos licitatórios. É prescindível dizer que a
Secretaria de Estado da Saúde tem a dispensação dos medicamentos, ainda que em
quantidade inferior à demanda que advirá do deferimento da liminar.
Todavia, é perfeitamente justificado o receio de ineficácia do
provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as providências
que ensejarão a observância da ordem Judicial no prazo estabelecido na respectiva Decisão.
Esta a razão da necessidade da concessão liminar dos afeitos da tutela pleiteada. Há risco à
vida e à saúde dos doentes, facilmente evitável se o Poder Público Estadual for compelido a
atuar desde agora, com tempo razoável para alcançar o resultado consubstanciado no pedido
desta ação civil pública.
VI - DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado de
Minas Gerais requer:
a) a concessão de medida liminar, sem justificação prévia e
inaudita autera pars,, ou, em se entendendo necessário, observado o prazo de 72 horas,
conforme artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, para compelir o requerido, durante o transcorrer da ação
e no prazo de 15 dias, a fornecer os medicamentos Sulfasalazina, Mesalazina, Metronidazol,
Ciprofloxacina, Hidrocortisona, Prednisona, Azatioprina, 6-Mercaptopurina, Metotrexate,
Ciclosporina, Infliximab, Talidomida, quando houver prescrição médica indicando a utilização
de tal medicamento, para pacientes do Sistema Único de Saúde portadores de Doença de
Crohn e Retocolite Ulcerativa, presentes e futuros, de todo o Estado de Minas Gerais,
prosseguindo-se o fornecimento enquanto perdurar a prescrição médica;
b) a cominação ao requerido, em liminar, de multa diária, nos
termos do art. 11 da Lei n° 7.347/85, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de atraso
no fornecimento em relação a cada paciente, dos medicamentos referidos, que deverá ser
revertida para o fundo de reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo art.
13 daquela Lei, sem prejuízo de outras providências tendentes ao cumprimento da ordem
judicial;
c) a citação do ESTADO DE MINAS GERAIS (FAZENDA
PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS), na pessoa do Excelentíssimo Procurador-Geral do
Estado para, querendo, contestar no prazo legal a presente ação, sob pena de suportar os
efeitos da revelia;
d) após a instrução, seja julgada procedente a presente ação,
para condenar o Estado de Minas Gerais (Fazenda Pública de Minas Gerais) para efetivar o
fornecimento dos medicamentos Sulfasalazina, Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina,
Hidrocortisona, Prednisona, Azatioprina, 6-Mercaptopurina, Metotrexate, Ciclosporina,
Infliximab, Talidomida, quando houver prescrição médica indicando a utilização
de tais
medicamentos, para pacientes do Sistema Único de Saúde portadores de Doença de Crohn e
Retocolite Ulcerativa, presentes e futuros, de todo o Estado de Minas Gerais, prosseguindo-se o
fornecimento enquanto perdurar a prescrição médica;
e) a produção de provas, por todos os meios admitidos em
direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e perícias, além de oitiva de testemunho e
peritos, caso se faça necessário.
Dá-se à causa o valor de R$10.000 (dez mil reais), ainda que
inestimável o objeto tutelado.
Belo Horizonte, 03 de dezembro de 2003.
Josely Ramos Pontes
Promotora de Justiça
Alessandra Viegas
Técnica Jurídica do Ministério Público
Rita de Cássia Oliveira Leão Silveira
Técnica Jurídica do Ministério Público
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