EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE-MG “É preferível antecipar a esperança da vida do que abreviar o caminho da morte” (Rel. Des. Gaspar Rubik Agravo de Instrumento 9872/TJSC) O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde desta Comarca, com fundamento nos artigos 1º, inciso III; 5º, caput, inciso XXXV e §1º; 6º caput; 23, inciso II; 127, caput; 129, incisos II e III; 196 a 198 e 227 - da Constituição Federal; nos artigos 120, inciso III; 186 e 187 – da Constituição do Estado de Minas Gerais; nos artigos 273, inciso I e 461 – do Código de Processo Civil; nos artigos 5º, caput; 11; 12, caput e §1º; 13; 19 - da Lei 7.347/85; no artigo 2º - da lei n.º 8.437/92; nos artigos 1º, caput; 25, inciso IV, alínea “a” e 27, incisos I e II - da Lei 8.625/93; no artigo 66, inciso Vi, alínea “a” – da Lei Complementar n.º 34/94; nos artigos 2º, § 1º; 6º, inciso I, alínea “d”; 7º, incisos I, II, IV e XII; 8º, e 17, incisos II, III, IV e XI - da Lei Orgânica da Saúde n.º 8.080/90; vem ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face do Estado de Minas Gerais (Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais), observando-se o rito comum ordinário, que deverá ser citado na pessoa do Excelentíssimo Senhor Procurador Geral do Estado, na Praça da Liberdade, s/n.º, bairro Funcionários, neste Município e Comarca, pelos fatos e fundamentos a seguir descritos. I - DOS FATOS Em agosto deste ano, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde – CAO SAÚDE – instaurou Procedimento Administrativo o qual recebeu o número de identificação 031/2003, haja vista a notícia veiculada no Jornal Minas Gerais, de 19 de agosto de 2003, acerca da negativa de fornecimento de medicamentos para tratamento das Doenças de Crohn e Retocolite Ulcerativa pela SES – Secretaria de Estado da Saúde. (documento n.º 01) Após instaurado o referido procedimento, compareceram perante este CAO-Saúde, a Sra. Cléa Batista Gomes, mãe de Luana Mara Batista Gomes, 16 anos, portadora da Doença de Crohn; as Sras. Alessandra Vitoriano de Castro e Elizeth Nardi, integrantes da GADII – Grupo de Apoio aos Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais, aquela portadora da Doença de Crohn e esta da Doença de Retocolite Ulcerativa; a Sra. Genilda Neves Bonfim, portadora de Retocolite Ulcerativa e, ainda, a Dra. Sinara Mônica de Oliveira Leite, CRM/MG n.º 18.656. (documentos n.º 02, 03, 04 e 05) Na oportunidade, relataram que não obtiveram junto à Secretaria de Estado da Saúde os remédios necessários ao tratamento de suas respectivas doenças tendo sido informadas, tão-somente, de que tais remédios não estão disponíveis para fornecimento aos usuários do SUS. Relata, ainda, a Sra. Alessandra Vitoriano de Castro, que impetrou Mandado de Segurança Individual com o fito de obter a MESALAZINA, o que foi concedido em liminar datada de julho/2003, (documento n.º 06), apesar de ter sido contactada a impetrante, pela SES, somente em setembro do corrente ano. Segundo depoimento da Dra. Sinara Mônica de Oliveira Leite e das Sras. Alessandra Vitoriano de Castro e Elizeth Nardi, os exames necessários ao diagnóstico e tratamento das doenças são de difícil acesso pelo SUS, com agendamentos tardios, e que os portadores da Doença de Crohn necessitam de tratamento por equipe multidisciplinar com psicólogos, nutricionistas, enfermeiros (as), estomaterapeutas, além do atendimento médico, clínico e cirúrgico noticiando, ainda, que tais profissionais são disponibilizados pelo SUS, entretanto, insuficientes para atender a demanda. Ademais, a SES sequer tem cadastro dos portadores das doenças supra mencionadas, para controle na aquisição e fornecimentos dos medicamentos. Diante das informações acima relatadas, o Ministério Público solicitou ao Secretário de Estado da Saúde informações acerca da assistência farmacêutica prestadas aos portadores das mencionadas patologias, uma vez que os medicamentos destinados ao tratamento das mesmas são garantidos pelas Portarias SAS/MS n.º 858 e 861 de 04 de novembro de 2002, obtendo como resposta o ofício GAB/AT/342/2003 (documento n.º 07), relatando o seguinte: “As Portaria SAS/MS n.º 858 e n.º 861 citam os diversos medicamentos que podem ser utilizados nas doenças em questão, entretanto, nem todos são considerados medicamentos ocupacionais, ou seja, nem todos foram padronizados na Portaria MS/GM n.º 1.318/02, tendo em vista que alguns são fornecidos pela rede básica, outros são fornecidos em nível hospitalar, e outros possuem legislação específica, como a Talidomida. A Portaria MS/GM n.º 1.318/02 contempla para tratamento da Doença de Crohn e Retocolite Uicerativa, denominadas ‘doenças inflamatórias intestinais’, os medicamentos Sulfasalazina e Mesalazina, além dos imunossupressores Azatiocrina e Ciclosporina. A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais fornece regularmente os medicamentos Sulfasalazina, Azatioprina e Ciclosporina, sendo que a Mesalazina encontra-se em fase de estudos com grupo de especialistas para definição das apresentações que deverão ser adquiridas de acordo com a proposta do cronograma de expansão da implementação da Portaria MS/GM n.º 1.318/02; e de acordo com o Artigo 2º, parágrafo 3º da mesma portaria, que permite às secretarias estaduais a seleção dos itens a serem adquiridos. Tal medida se faz necessária, considerando que a portaria padroniza pelo menos cinco diferentes apresentações da Mesalazina, sendo que nem todas necessitam obrigatoriamente serem disponibilizadas, para o atendimento satisfatório dos portadores das doenças.” O que se verifica, é o descaso da administração pública e tentativas infundadas para justificar a sua omissão no fornecimentos dos medicamentos excepcionais, no presente caso, aqueles necessários ao tratamento da Asma Grave, uma vez que a Portaria 1.318/2002 prevê o custeio dos respectivos medicamentos desde setembro de 2002. Insta-nos esclarecer, que conforme o Boletim Especial da Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (documento n.º 08) “ O Crohn e a retocolite ulcerativa são as principais doenças inflamatórias intestinais. Embora quase não sejam conhecidas por leigos, atingem um contingente razoável de pessoas. Só nos Estados Unidos, há cerca de dois milhões de portadores. Sobre sua causa, a única informação comprovada é que elas têm um forte componente genético – não são psicossomáticas, ao contrário do que os familiares e amigos de muitos pacientes insistem em acreditar. Ambas são crônicas, ou seja, não têm cura ou, ao menos até agora, não foi descoberta nenhuma droga que impeça, de uma vez por todas, o aparecimento de crises. Alguns dos sintomas mais aparentes do Crohn e da retocolite são similares: diarréia, dores abdominais, febre, perda de peso e de apetite e, às vezes, sangramento retal. Ambas são tratadas, em geral, com corticóides, imunossupressores, antiinflamatórios intestinais e antibióticos (...).” “(...) A doença de Crohn afeta principalmente a parte inferior do intestino delgado (íleo) e o intestino grosso (cólon), mas pode atingir qualquer parte do aparelho digestivo, inclusive estômago e esôfago. Provoca ulcerações da mucosa e lesões profundas na parede intestinal. O Crohn é uma doença meio traiçoeira. Quando menos espera, o doente pode ter um estreitamento do intestino ou uma obstrução. Em cerca de 30% dos casos, quando em crise, as pessoas podem ter dores e inchaço nas articulações, abscessos e fístulas. A retocolite ulcerativa atinge, tipicamente, o reto, mas pode estender-se e comprometer parte maior do cólon ou até o cólon inteiro. Também provoca ulcerações na parede intestinal que, durante as crises, costumam sangrar e incomodar bastante. Embora geralmente seja mais simples que o Crohn, a retocolite, em casos extremos, pode levar á perda do reto, o que significa ter que viver com bolsa.” a Portaria SAS/MG n.º 858, de 04 de novembro de 2002 (documento n.º 09) – que contemplou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas assevera que “...Clinicamente ela se apresenta através de sintomas episódicos, principalmente dispnéia, sibilância, tosse seca e sensação de aperto torácico. Caracteristicamente, esses sintomas são reversíveis tanto espontaneamente quanto após a administração de broncodilatadores. “. Consta, ainda, da Portaria acima citada que “O objetivo do tratamento é manter a doença sob controle com a mínima dose possível das medicações e, assim, reduzir a possibilidade de efeitos adversos.” Apresenta, também, como benefícios esperados: alívio dos sintomas, melhora da função pulmonar, redução nas hospitalizações, melhora na qualidade de vida e redução do risco de morte. O Protocolo constante da Portaria apresenta, ainda, outros conceitos sobre a patologia, os critérios de inclusão e exclusão para o tratamento apresentado e a própria dispensação farmacêutica. Segundo Relatório n.º /2003 de autoria do Dr. Alexandre Resende Fraga – Médico e Técnico do Ministério Público (documento n.º 09): “A asma é uma doença crônica de vias aéreas com grande impacto em saúde pública, pois os pacientes portadores desta patologia tem uma grande taxa de internação e mortalidade. Esta doença acomete a população em cerca de 15% dos casos. As medidas no sentido de se evitar uma morbidade maior se refere a educação do paciente e ao uso de medicamentos adequados tanto para o tratamento da crise quanto para evitar que a crise aconteça (medicamentos profiláticos). A Política Nacional de Medicamentos garante aos pacientes com asma, os seguintes medicamentos: Beclometasona, Budesonida, Fenoterol, Formoterol, Salbutamol e Salmeterol. A beclometasona e a budesonida são costicosteróides inalatórios, utilizados nas profilaxias das crises. O fenoterol existe sob a forma de aerossol dosificado, bem como o salbutamol, ambos são chamados ß2–agonistas de curta duração que são usados primordialmente nas crises agudas. O Formoterol e Salmeterol são também ß2–agonistas de ação longa usadas nas crises.” Logo, a litigância reside no fornecimento dos medicamentos Sulfasalazina, Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina, Hidrocortisona, Prednisona, Azatioprina, 6-Mercaptopurina, Metotrexate, Ciclosporina, Infliximab, Talidomida aos pacientes portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa. II - DA LEGITIMIDADE ATIVA A Constituição Federal, em seu artigo 129, inciso II, prevê que incumbe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos e aos serviços de relevância pública dos direitos assegurados na mesma Constituição, promovendo as medidas assecuratórias à sua garantia; no inciso III dá legitimidade ao Ministério Público à propositura da Ação Civil Pública. E o artigo 197 deixa muito claro que os serviços de saúde são de grande relevância para a sociedade brasileira, o que evidencia o interesses processual do Ministério Público em tomar as medidas necessárias à perfeita prestação dos serviços. No mesmo diapasão, a Constituição do Estado de Minas Gerais em seu artigo 120, inciso III; a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n.º 8.625/93), em seu artigo 25, inciso IV, alínea “a” e a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (Lei Complementar n.º 64/94) em seu artigo 66, inciso VI, alínea “a”, remetem o Ministério Público à legitimação ativa para o ajuizamento de ação civil pública para a defesa dos interesses difusos e coletivos indisponíveis. Corroborando tal entendimento, a Organização Panamericana da Saúde e do Escritório Regional da Organização Mundial de Saúde concluíram o seguinte: “O conceito de ações e serviços de relevância pública, adotado pelo artigo 197 do atual texto constitucional, norma preceptiva, deve ser entendido desde a verificação de que a Constituição de 1.988 adotou como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana. Aplicado às ações e aos serviços de saúde, o conceito implica o poder de controle, pela sociedade e pelo Estado, visando zelar pela sua efetiva prestação e por sua qualidade. Ao qualificar as ações e serviços de saúde como de relevância pública, proclamou a Constituição Federal sua essencialidade. Por ‘relevância pública’ deve-se entender que o interesse primário do Estado, nas ações e serviços de saúde, envolve sua essencialidade para a coletividade, ou seja, sua relevância social. Ademais, enquanto direito de todos e dever do Estado, as ações e serviços de saúde como conjunto de medidas dirigidas ao enfrentamento das doenças e suas seqüelas, através da atenção médica preventiva e curativa, bem como de seus determinantes e condicionantes de ordem econômica e social. Tem o Ministério Público a função institucional de zelar pelos serviços de relevância pública, dentre os quais as ações e serviços de saúde, adotando as medidas necessárias para sua efetiva prestação, inclusive em face de omissão do Poder Público.” (Série Direito e Saúde n.º 1, Brasília, 1.994) – grifos nossos Dessa forma, diante dos preceitos legais aduzidos, deve o Ministério Público, legitimado que está, exigir dos Poderes Públicos e daqueles que prestam atividades essenciais o efetivo respeito aos direitos assegurados na Constituição e na legislação infraconstitucional, sobretudo quando se tratam de ações e serviços de relevância pública. III - DA LEGITIMIDADE PASSIVA / DA RESPONSABILIDADE DO GESTOR ESTADUAL NO ÂMBITO DO SUS A Política Nacional de Medicamentos disciplina que a competência para o fornecimento de medicamentos os divide em básicos, excepcionais e especiais. Os primeiros cabem ao Município, que recebe por cada habitante o repasse do Ministério da Saúde para aquisição de uma lista mínima de 42 medicamentos básicos, afetos à atenção básica, porém cabe ao Município, com seus próprios recursos, ampliar a referida lista considerando sua habilitação no sistema e o perfil epidemiológico de seus munícipes. Os medicamentos excepcionais, da competência do Estado, são tidos como medicamentos de uso contínuo e ininterrupto, afetos às clínicas especializadas e evidentemente mais caros. Por fim, os medicamentos especiais, da competência da União, cujo exemplo clássico é a lista de medicamentos para imunodeficiência primária adquirida – AIDS. Os medicamentos excepcionais e especiais são adquiridos pelas instâncias competentes e remetidas aos Municípios, após solicitação planejada e formalizada. Aqueles prescritos ao tratamento de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa são todos excepcionais e, consequentemente, hão de ser fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde – fato que não se discute. É comum que os Municípios, ainda sofrendo a municipalização do sistema de saúde de forma precária e desconhecida, não estabeleçam os protocolos, solicitações e encaminhem as informações necessárias para o recebimento de medicamentos excepcionais e especiais de forma adequada e coerente com a realidade de seus munícipes e os deixe sem receber tais medicamentos, ao argumento de que lhes fogem da competência. Daí o surgimento de demandas judiciais no sentido de garantir o fornecimento de medicamentos. Não obstante entender o Ministério Público que o Sistema Único de Saúde é um sistema em construção, com pouco mais de 12 anos de vida, que ocupa posição de vanguarda na estrutura da administração pública e muito aparece nos meios de comunicação pelo que deixa de fazer e não pelo muito que faz e salva, é inexorável que há medidas que não podem esperar: há doentes que esperam medicamentos ainda não existentes (e lutam contra o tempo!) e há aqueles que esperam medicamentos não contemplados num Protocolo. Ademais, conforme disciplinado na Lei n.º 8.080/90, cabe à direção estadual do SUS, em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde. Nesse sentido, a Política Nacional de Medicamentos, aprovada pela Portaria n.º 3.916, de 30 de outubro de 1998 (documento n.º 07), estabelece como responsabilidades da esfera estadual, dentre outras: - “assegurar a adequada dispensação dos medicamentos promovendo o treinamentos dos recursos humanos e a aplicação das normas pertinentes - definir elenco de medicamentos que serão adquiridos diretamente pelo estado, inclusive os de dispensação em caráter excepcional, tendo por base critérios técnicos e administrativos referidos no capítulo 3, “ Diretrizes”, tópico 3.3, deste documento, e destinando orçamento adequado a sua aquisição.” Da mesma forma, a Portaria n.º 1.318/GM, de 23 de julho de 2.002 (documento n.º 03), prevê em seu art. 7º: “Art. 7º - Determinar que as Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal adotem as providências necessárias ao cumprimento do disposto nesta Portaria, bem como para viabilizar, a contar da competência setembro/2002, o acesso aos pacientes, aos medicamentos cujos procedimentos foram incluídos no Grupo 36 – Medicamentos, da Tabela Descritiva do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde – SIA/SUS pela presente Portaria.” Portanto, cabe ao Estado de Minas Gerais arcar com o ônus de prestar o atendimento à população na assistência à saúde, fornecendo, pois, todos os medicamentos para tratamento da Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, por serem tidos como medicamentos excepcionais. Inegável se torna sua legitimidade passiva ad causam. lV - DO DIREITO Ainda que desnecessária a transcrição das normas jurídicas que tratam do direito do cidadão à saúde, para que se tenha exata compreensão da efetiva proteção que lhe dá o ordenamento jurídico de nosso País, possibilitando-lhe, individual ou coletivamente, o exercício desse direito público subjetivo em face do Estado, é relevante que sejam explicitamente mencionadas. A Constituição Federal, no seu artigo 6º, reconheceu à saúde o status de direito social fundamental; no artigo 23, inciso II, atribuiu à União, aos Estados e aos Municípios o dever de cuidar da saúde e assistência pública; e no artigo 196, assegurou que a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo certo que tal direito há que ser prestado de forma integral e, para tanto, as ações e serviços de saúde devem promovê-la, protegê-la e recuperá-la. A Constituição do Estado de Minas Gerais, no seus artigos 186 e 187, reafirmou as normas federais. Por sua vez, a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) estabelece que a saúde é um direito fundamental, devendo o Estado prover o necessário à plenitude deste direito, inclusive a assistência farmacêutica. Por todo o exposto, observa-se que, em todas as esferas normativas, seja a Constituição Federal, seja a Constituição Estadual, seja a legislação infraconstitucional, a saúde é considerada prioridade, sendo clara a responsabilidade do Poder Público pela saúde de todos. 4.1 - DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA INTEGRAL Relevante é ressaltar que além de todos os princípios constitucionais sobre a saúde (artigos 196 e seguintes e, especificamente o Art. 198, II, estabelecendo como diretriz o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais), existem regras legais a amparar especificamente a assistência farmacêutica integral. De fato, o art. 6, I, “c”, constante do capítulo “Dos Objetivo e Atribuições” do SUS - Lei Federal n.º 8.080/90, estabelece que a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, está incluída no campo de atuação do Sistema Único de Saúde. Assim, é que, por onde se analisa a questão, o direito dos usuários e pacientes do SUS de receberem medicamentos que lhe forem regulamente prescrito é inafastável. 4.2 - DA AUTO-APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS CONCERNENTES À SAÚDE COMO DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO E DIREITO FUNDAMENTAL DO HOMEM Em primeiro lugar, é necessário afirmar que a Constituição de 1998 é dirigente, inclusive tendo em vista as características do Brasil como Estado Democrático de Direito (Art. 1º da CF). Assim, possuem os direitos fundamentais – dentre eles a saúde como será demostrado – evidente caráter vinculativo em relação ao legislador, ao poder público, aos órgãos administrativos, ao Poder Executivo, aos Juizes, aos Tribunais, e, também, no âmbito das relações jurídico-privadas. (Sarvelt, Ingo Wolfgang – A Eficácia do Direitos Fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 1998, 386p.) A Constituição Federal, neste aspecto, reclama eficácia, estando, pois, o Estado juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde e que estes sejam seguros. O Art. 25 da Declaração Universal do Direitos do Homem (ONU) subscrita pelo Brasil, reconhece a saúde como direito fundamental ao asseverar que ela é condição necessária à vida digna. Já que é fundamental ao homem o direito à saúde ele é auto-aplicável, conforme expressa previsão do Art. 5º, parágrafo 1º, da CF: “ As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Tal dispositivo em conjunto com o princípio da inafastabilidade do controle judiciário (Art. 5º XXXV, da CF/88) obriga o Poder Judiciário a manifestar-se sobre o caso que lhe for apresentado. O direito à saúde, pois, é um direito público subjetivo obviamente oponível contra o Estado, podendo sua tutela ser realizada judicialmente. Disso não discorda o Supremo Tribunal Federal: “o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196)” (Recurso Extraordinário 271.286/RS, Relator Ministro Celso de Mello, Informativo STF n.º 210, de 22/11/2000, p.3). Interessante também trazer à colocação (EMI n.º 598526481, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 11/06/1999): “EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO SUBJETIVO À PRESTAÇÃO DETERMINADA NO ÂMBITO DA SAÚDE . Auto-aplicabilidade do art. 196, da CF, que assegura o direito à saúde, reconhecendo, em decorrência, a caracterização do direito subjetivo a determinada prestação nessa área, sempre que, no exame do caso concreto, exsurgir a evidência de que se encontra em jogo o valor básico e maior da preservação da vida humana, pressuposto de todo e qualquer direito. Desacolheram os embargos”. Restasse alguma dúvida sobre ser a saúde um direito fundamental do homem, bastaria a simples leitura do disposto no Art. 2º da Lei Federal n.º 8.080/90: “ A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. Claramente, pois, além de poder ser catalogado como social, o direito à saúde também é fundamental do ser humano e público subjetivo, isto é, auto-aplicável e que pode ser defendido em juízo. Assim, ressalte-se, os dispositivos constitucionais ligados à saúde – direito social conforme o art. 6º da Constituição – não se constituem em meras normas programáticas, não significam promessas de atuação estatal. Têm, por outro lado, eficácia imediata. Segundo José Afonso da Silva os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestação positivas do Estado, enunciadas na Carta Magna e que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a equiparação das situações sociais desiguais. A saúde encontra-se em tal contexto. De tanta relevância é, que vários diplomas legais estabelecem princípios e normas que devem ser observados; e a presente ação visa resguardar a eficácia de tais princípios e mandamentos. Cabe uma palavra sobre o orçamento do Estado para o ano de 2.003. Como é sabido, a Emenda Constitucional n.º 29/00 garantiu dinheiro à saúde, pelo que é obrigatória a aplicação de percentuais sobre o produto da arrecadação de determinados impostos e de outros recursos. 4.3 - DO CONFRONTO ENTRE OS FATOS E A LEGISLAÇÃO É obrigação do Estado de Minas Gerais, portanto, fornecer os medicamentos em questão para todos os pacientes do “SUS” que dele necessite mediante a apresentação do competente receituário médico, em quantidade e qualidade que lhes garanta atendimento integral, permanente, respeitando prioritariamente o direito à vida e à saúde. Não adianta garantir a esses pacientes um tratamento limitado, insuficiente, que abreviará sua vida ou causará danos à saúde, pois essa postura omissa desobedece a diretriz da “resolutividade”. “Meio-tratamento” não é tratamento integral. De que adianta fornecer tratamento inferior, de piores resultados e conseqüências sob o argumento de economia de verbas, para depois gastar outras superiores em valor para a realização de cirurgias, internações, etc.? Outras conclusões jurídicas importantes: a) a situação ilegal descrita no item “Dos fatos” não pode ser justificada sob o argumento da discricionariedade administrativa. Este princípio, criado para garantir a agilidade na administração da coisa pública, com vistas ao interesse público, não pode ser de justificativa para a omissão ilegal, violadora da Lei e dos princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37 da CF. Não tem a pessoa jurídica de direito público estadual o poder de decidir, em última análise, sobre onde e como negará ao cidadão direitos públicos subjetivos fundamentais. b) não se pode concluir, que estamos tratando de matéria sujeita à discricionariedade administrativa. Esse poder não pode servir como funcionamento para decidir sobre a vida ou morte de doentes. É preciso atentar para a seguinte conclusão, única possível diante da Lei: não prestar o atendimento integral, garantido pelas leis e Constituição, significa simplesmente descumprir a lei e a Constituição, proporcionando sérios riscos à vida dos usuários de saúde. c) assim, não exorbita o Poder Judiciário quando, provocado pelo Ministério Público, interfere na Administração Pública para defender direitos dos cidadãos expressos na Legislação, contra omissão do Poder Público ensejadora de situação manifestamente ilegal. Fere o ordenamento jurídico permitir, com fundamento em critérios de oportunidade e conveniência, o Estado não dispor dos medicamentos que seus doentes necessitam, máxime quando tal omissão gera perigo à vida e à saúde. d) não se está, aqui, estabelecendo prioridade na atuação da administração pública, colocando-se na posição do Poder Executivo Estadual. A fixação de prioridades de governo é ampliação acobertada pela Lei, desde que, na sua execução, não se deixe direitos fundamentais e indisponíveis ao desamparo da atuação Estatal. Mesmo na área dos direitos sociais, como a saúde, pode-se estabelecer prioridades, no exercício da discricionariedade. Todavia, sua efetivação não pode ensejar situações ilegais e o respeito à Lei é dever fundamental de qualquer esfera de governo. e) não há que se falar em limites orçamentários ou em observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, como desculpas para a manutenção da situação ilegal narrada nesta inicial. A sociedade, a população, o cidadão têm direitos aqui extraídos do ordenamento jurídico em vigor, identificado em normas jurídicas auto-aplicáveis. Submetê-los ao saldo do “caixa” do Poder Público, de qualquer esfera, significaria, na verdade, negá-la. Note-se que a legislação antes transcrita não sujeita o direito dos cidadãos, dos pacientes portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, que necessitam de assistência farmacêutica, em nenhuma passagem, ao “saldo bancário” da Administração. O Legislador, sábio, percebeu que, assim não fosse, tais direitos seriam sempre negados sob a desculpas da falta de dinheiro, o que dificilmente poderia ser posto em dúvida, pois a ninguém é dado conhecer exatamente e com a necessária rapidez as minúcias do movimento financeiro de qualquer pessoa jurídica de direito público interno. Por outro lado, antes da “Responsabilidades Fiscais” há a “Responsabilidade Social”, muito mais importante – quer nos direitos hierarquicamente superiores que ampara, quer nas conseqüências legais àqueles que a desrespeitam. E não se pode ignorar que nenhum administrador público seria alcançado pelas penalidades previstas na “Lei de Responsabilidade Fiscal” se demonstrasse estar agindo em defesa da vida, no cumprimento da Lei e de Decisão Judicial. Sobre a questão, em casos semelhantes, já se manifestaram os Tribunais: “O Judiciário não desconhece o rigorismo da Constituição ao vedar a realização de despesas pelos órgãos públicos além daqueles em que há previsão orçamentária; este Poder, todavia, sempre consciente de sua importância como integrante de um dos Poderes do Estado, como pacificador dos conflitos sociais e defensor da Justiça e do bem comum, tem agido com maior justeza optando pela defesa do bem maior, veementemente defendido pela Constituição – A VIDA – interpretando a lei de acordo coma as necessidades sociais imediatas que ela se propõe a satisfazer.” (Apelação Cível n.º 98.006204-7, Santa Catarina, Rel. Nilton Macedo Machado, 08/09/98). Mais adiante, nessa mesma Decisão: “Com relação à previsão orçamentária para o custeio dos medicamentos específicos, basta relembrar que já há, no orçamento do Estado, dotação apropriada; da mesma forma não pode o apelante pretender eximir-se de suas responsabilidades sob a alegação de que enfrenta sérios problemas financeiros, em face da escassez de recursos, o que soa falso em face dos gastos publicitários que se vê no meios de comunicação, apregoando obras e realizações governamentais (...)”. Citando o Ministro Celso de Mello em caso também relativo à saúde: “A singularidade do caso(...), a imprescindibilidade da medida cautelar concedida pelo Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina (...) e a impostergabilidade do cumprimento do dever político constitucional que se impõe ao Poder Público, em todas as dimensões da organização federativa, de assegurar a todos a proteção à saúde (CF, art. 6º, c.c. art. 227, Parágrafo 1º.) constituem fatores que, associados a um imperativos de solidariedade humana, desautorizam o deferimento do pedido ora formulado pelo Estado de Santa Catarina (...). Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídico impõem ao julgador uma só e possível opção : o respeito indeclinável à vida.” “... Sendo a saúde direito e dever do Estado (CF, art. 196, CE, art. 153), torna-se o cidadão credor desse benefício, ainda que não haja serviço oficial ou particular no País para o tratamento reclamado. A existência de previsão orçamentária própria é irrelevante, não servindo tal pretexto como escusa, uma vez que o executivo pode socorre-se de créditos adicionais. A vida, dom maior, não tem preço, mesmo para uma sociedade que perdeu o sentido da solidariedade, num mundo marcado pelo egoísmo, hedonista e insensível. Contudo, o reconhecimento do direito à sua manutenção (...) não tem balizamento caritativo, posto que carrega em si mesmo, o seio da legitimidade constitucional e está ancorado em legislação obediente àquele comando.” (TJSP, Des. Xavier Vieira, Agravo de Instrumento n.º 96.012721-6). “A respeito, cabe ver que a Portaria n.º 21 de 21.03.95, do Ministério da Saúde, já recomendava a utilização da combinação de novos medicamentos com o então conhecido AZT, de modo que, somente atribuível à incúria da Administração não ter ela já licitada, - inclusive com previsão orçamentária – de modo a permitir, de modo continuado, o fornecimento de tais medicamentos aos dele necessitados, em quantidades adequadas. Portanto, não socorre a agravante o argumento de necessidade de licitação prévia ou previsão orçamentária, muito menos cabe-lhe colocar em dúvida a eficácia dos remédios em questão, os quais, aliás, são sempre receitados pelos médicos.” (Agravo de Instrumento n.º 82.036-5, 8ª Câm. Dir. Público do TJSP, Rel. José Santana). Como se percebe, mostra-se irrelevante eventual falta de prévia dotação orçamentária prevendo o atendimento integral dos pacientes do SUS, ou seja, o cumprimento da Lei. Consoante enfatiza com lucidez João Angélico (Contabilidade Pública, Ed. Atlas, pág. 35), “durante a execução orçamentária, o Poder Executivo pode solicitar ao Legislativo, e este conceder, novos créditos orçamentários. Eles serão adicionados aos créditos que integram o orçamento em vigor. Por essa razão denominam-se créditos adicionais. Os créditos adicionais aumentam a despesa pública do exercício, já fixada no orçamento.” Por fim, vale transcrever parte da obra de Germano Schwartz (Direito à Saúde – Efetivação em uma Perspectiva Sistêmica, pág. 80/81, Ed. Livraria do Advogado): “Não é por falta de aporte financeiro que o Estado poderá se eximir de seu dever. A saúde reclama prestação sanitária tão-somente. Sarlet (1.998), a respeito da negação das prestações sanitárias com base na ausência de recursos e da incompetência dos órgãos judiciários para decidirem sobre a alocação e destinação de recursos públicos, não nos parece que esta solução possa prevalecer, ainda mais na hipóteses em que está em jogo a preservação da vida humana (p. 298). Ora, a hipótese de não existência de previsão orçamentária não pode ser alegada pelo Estado, até porque não se pode antever com eficácia as necessidades da população, ou ainda, de outra banda, não se pode favorecer a omissão do ente responsável, premiando-o por sua negligência e/ou inércia. Ao se referir ao Sistema Único de Saúde e à sistemática sanitária brasileira instalada pela CF/88, Cláudio Barros Silva (1.995) se posiciona expressamente quanto à impossibilidade de condicionamento para o exercício do direito à saúde: “ Como conseqüência do sistema o acesso à assistência, à saúde, passou a ser universal e igualitário, não havendo, por ser direito subjetivo do cidadão, qualquer condicionamento ao exercício. O papel do Estado é garantir a satisfação desse direito público subjetivo (p. 100) . O Supremo Tribunal Federal – STF, em acórdão no autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 238.328-0 (julgado em 16/11/99), no voto do Relator Ministro Marco Aurélio, quando provocado a se pronunciar sobre a matéria, afirmou que a falta de dispositivo legal para o custeio e distribuição de remédios para AIDS não impede que fique comprovada a responsabilidade do Estado, pois decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei. E, esclareça-se desde já, com base no art. 23 da CF/88, que o cidadão pode demandar contra qualquer dos entes federados na busca da proteção de saúde: SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS POR ENTIDADE PÚBLICA MUNICIPAL PARTICIPANTE DO SUS. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM PLEITO ORDINÁRIO. DIREITO À VIDA. DEVER COMUM DOS ENTES FEDERADOS. ARTS. 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES PRETORIANOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE PENALIZAR O CIDADÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA. As entidades federativas têm o dever ao cuidado da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadores de deficiência de saúde, a teor do disposto no art. 23 da Constituição Federal. Assim, não se pode prestar à fuga de responsabilidade a mera argüição de violação ao princípio do orçamento e das normas de realização de despesa pública, quando verificado que o Estado, na condição de instituição de tributo especial dirigido a suplementar verbas da saúde, não o faz com competência devida.” (Agravo de Instrumento n.º 1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ, Rel. : Des. Marcus Tullius Alves, Julgado em 02/05/2.000). Sobre as alegadas razões de Estado para não fazer valer os direitos públicos subjetivos em questão é interessante referir que decidiu o Pretório Excelso: “É preciso advertir que as razões de Estado – quando invocadas como argumento de sustentação da pretensão jurídica do Poder Público ou de qualquer outra instituição – representam expressão de um perigoso ensaio destinado a submeter, à vontade do Príncipe que é intolerável), a autoridade hierárquico-normativo da própria Constituição da República, comprometendo, desse modo, a idéia de que o exercício do poder estatal, quando praticado sob a égide de um regime democrático, está permanentemente exposto ao controle social dos cidadãos e à fiscalização jurídica constitucional”. (Ag. Reg. em Agravo de Instrumento n. 236.546, relator Ministro Celso de Mello, Revista de Direito Administrativo, out./dez. de 1.999, vol. 218, Edit. Renovar- FGV, pág. 222). Aliás, o Supremo Tribunal Federal, reiteradas vezes, repeliu argumento de ordem política por entender que a alegação das razões do Estado – além de não se legitimar como fundamento idôneo de impugnação judicial – representaria, por efeito das gravíssima conseqüências provocadas por seu eventual reconhecimento, uma ameaça inadmissível às liberdades públicas, à supremacia da ordem constitucional e aos valores democráticos que a informam, culminando por introduzir, no sistema de direito positivo, um preocupante fator de ruptura e desestabilização (vide RTJ – 164/1145-1145, Rel. Ministério Público, Celso de Mello). V - DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA A assistência e o atendimento de saúde, por guardarem estreita relação coma manutenção da vida humana, são sempre relevantes e urgentes. Diante da urgência reclamada pela espécie, requer-se a concessão liminar da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do dispostos nos artigos 273, inciso I, e 461 do Código de Processo Civil. O acolhimento liminar dos efeitos da tutela urge e impera, porquanto o provimento da pretensão, somente ao final, poderá ser inócuo para prevenir os danos à saúde dos doentes, ou mesmo para evitar a morte de alguns deles. Esses doentes, há muito vem suportando sofrimento, devido à omissão do Poder Público Estadual, que lhes nega, sob argumento ilegais, o atendimento integral e prioritário a que fazem jus por força de Lei. Não é possível aquilatar o alcance do danos à saúde da população, podendo ser afirmado, porém, que eles são grandiosos, dramáticos, presentes e contínuos, os quais devem ser rapidamente afastados pelo Poder Judiciário. Relevante é o fundamento da lide, pois pretende-se, em última análise, a manutenção da vida e da saúde de milhares de pessoas neste Estado e presentes estão, o fumus boni juris e o periculum in mora. O fumus boni juris está presente, haja vista a existência de preceito constitucional obrigando o atendimento, somado à comprovação médico-técnica do risco de vida por que passam os pacientes portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa. Da mesma forma, vê-se presente o periculum in mora, talvez mais gritante ainda, já que o perigo maior a um ser humano é a perda de sua vida. Consoante o art. 273 do Código de Processo Civil, “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e (... haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ...” No presente caso o serviço relevante de saúde – dispensação de medicamentos – não está sendo prestado, ferindo dispositivos constitucional e legais com grande prejuízo a direito fundamental – a vida, consubstanciado pela saúde. Sustenta o Professor José Afonso da Silva: “A garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e prerrogativas consubstanciados no Título II, caracterizados como direitos fundamentais só cumprem sua finalidade se as normas que os expressem tiverem efetividade. (...) Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais (...) Por isso, revela-se, por seu alto sentido político, como eminente garantia política de defesa da eficácia jurídica e social da Constituição”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros) Assim sendo, o Ministério Público requer seja o Estado determinado a fornecer, in limine, sem justificação prévia e inaudita autera pars,, ou, em se entendendo necessário, observado o prazo de 72 horas, conforme artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, para compelir o requerido, durante o transcorrer da ação e no prazo de 15 dias, a fornecer os medicamentos Sulfasalazina, Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina, Hidrocortisona, Prednisona, Azatioprina, 6-Mercaptopurina, Metotrexate, Ciclosporina, Infliximab, Talidomida quando houver prescrição médica indicando a utilização de tais medicamentos, para pacientes do Sistema Único de Saúde portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, presentes e futuros, considerando a necessidade da tutela de urgência em prol da defesa do bem maior que é a vida humana, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de atraso no fornecimento em relação a cada paciente, dos medicamentos referidos, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, em caso de descumprimento, a ser revertida para o fundo de reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo art. 13 daquela Lei, sem prejuízo de outras providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial. O prazo estabelecido no pedido, para cumprimento da obrigação de fazer, não deve iludir o julgado quanto ao perigo da demora. É facilmente perceptível que as providências reclamadas nesta inicial não se resolvem da noite para o dia. A administração pública estadual terá de quantificar e redimensionar a demanda desses medicamentos, para a aquisição racional deles. Talvez necessite adquiri-los emergentes num primeiro momento e, depois, mediante procedimentos licitatórios. É prescindível dizer que a Secretaria de Estado da Saúde tem a dispensação dos medicamentos, ainda que em quantidade inferior à demanda que advirá do deferimento da liminar. Todavia, é perfeitamente justificado o receio de ineficácia do provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as providências que ensejarão a observância da ordem Judicial no prazo estabelecido na respectiva Decisão. Esta a razão da necessidade da concessão liminar dos afeitos da tutela pleiteada. Há risco à vida e à saúde dos doentes, facilmente evitável se o Poder Público Estadual for compelido a atuar desde agora, com tempo razoável para alcançar o resultado consubstanciado no pedido desta ação civil pública. VI - DO PEDIDO Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais requer: a) a concessão de medida liminar, sem justificação prévia e inaudita autera pars,, ou, em se entendendo necessário, observado o prazo de 72 horas, conforme artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, para compelir o requerido, durante o transcorrer da ação e no prazo de 15 dias, a fornecer os medicamentos Sulfasalazina, Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina, Hidrocortisona, Prednisona, Azatioprina, 6-Mercaptopurina, Metotrexate, Ciclosporina, Infliximab, Talidomida, quando houver prescrição médica indicando a utilização de tal medicamento, para pacientes do Sistema Único de Saúde portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, presentes e futuros, de todo o Estado de Minas Gerais, prosseguindo-se o fornecimento enquanto perdurar a prescrição médica; b) a cominação ao requerido, em liminar, de multa diária, nos termos do art. 11 da Lei n° 7.347/85, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de atraso no fornecimento em relação a cada paciente, dos medicamentos referidos, que deverá ser revertida para o fundo de reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo art. 13 daquela Lei, sem prejuízo de outras providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial; c) a citação do ESTADO DE MINAS GERAIS (FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE MINAS GERAIS), na pessoa do Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado para, querendo, contestar no prazo legal a presente ação, sob pena de suportar os efeitos da revelia; d) após a instrução, seja julgada procedente a presente ação, para condenar o Estado de Minas Gerais (Fazenda Pública de Minas Gerais) para efetivar o fornecimento dos medicamentos Sulfasalazina, Mesalazina, Metronidazol, Ciprofloxacina, Hidrocortisona, Prednisona, Azatioprina, 6-Mercaptopurina, Metotrexate, Ciclosporina, Infliximab, Talidomida, quando houver prescrição médica indicando a utilização de tais medicamentos, para pacientes do Sistema Único de Saúde portadores de Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, presentes e futuros, de todo o Estado de Minas Gerais, prosseguindo-se o fornecimento enquanto perdurar a prescrição médica; e) a produção de provas, por todos os meios admitidos em direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e perícias, além de oitiva de testemunho e peritos, caso se faça necessário. Dá-se à causa o valor de R$10.000 (dez mil reais), ainda que inestimável o objeto tutelado. Belo Horizonte, 03 de dezembro de 2003. Josely Ramos Pontes Promotora de Justiça Alessandra Viegas Técnica Jurídica do Ministério Público Rita de Cássia Oliveira Leão Silveira Técnica Jurídica do Ministério Público