UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP NUTRIÇÃO – CIÊNCIAS SOCIAIS PROFA. MARILNE T. M. FERNANDES Ap_9 Política e Relações de Poder A QUESTÃO DEMOCRÁTICA Tanto o liberalismo como o Estado de Bem-Estar Social definem a democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Isso significa em primeiro lugar, que identificam liberdade e competição – tanto a competição econômica da chamada “livre iniciativa” quanto a competição política entre partidos que disputam eleições. Em segundo lugar, que identificam a lei como a potência judiciária para limitar o poder político, defendendo a sociedade contra a tirania, pois a lei garante os governos escolhidos pela vontade da maioria. Em terceiro lugar, que identificam a ordem com a potência do Executivo e do Judiciário para conter e limitar os conflitos sociais, impedindo o desenvolvimento da luta de classes, seja pela repressão, seja pelo atendimento das demandas por direitos sociais (emprego, boas condições de trabalho e salário, educação, moradia, saúde, transporte, lazer). E em quarto lugar, que, embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia. Em outras palavras, defendem a democracia porque lhes parece um regime favorável à apatia política – a política seria assunto dos representantes, que são políticos profissionais -, que, por seu turno, favorece a formação de uma elite de técnicos competentes ais quais cabe a direção do Estado, evitando, dessa maneira, uma participação política que traria à cena os “extremistas” e “radicais” da sociedade, isto é, os “incompetentes”. A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos e manifestando-se no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas ( e não políticas) para os problemas sociais. As eleições significam o essencial numa democracia: que o poder não se identifica com os ocupantes do governo, não lhes pertence, mas é sempre um lugar vazio que os cidadãos, periodicamente, preenchem com um representante, podendo revogar seu mandato se não cumprir o que lhe foi delegado para representar. Numa democracia, as idéias de situação e oposição, de maioria e minoria significam que a sociedade não é uma comunidade indivisa voltada para o bem comum obtido por consenso, mas, ao contrário, que está internamente dividida e que as divisões são legítimas e devem expressar-se publicamente. A democracia é a única forma política que considera o conflito legítimo e legal, permitindo que seja trabalhado politicamente pela própria sociedade. Afirmar que as idéias de igualdade e liberdade como direitos civis dos cidadãos, vão muito além de sua regulamentação jurídica formal significa que os cidadãos são sujeitos de direitos e que, onde tais direitos não existam nem estejam garantidos, tem-se o direito de lutar por eles e exigi-los. Esse é o cerne da democracia. Uma sociedade – e não um simples regime de governo – é democrático quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos. Os três direitos fundamentais que definem o cidadão na Grécia antiga são: igualdade, liberdade e participação no poder. A observação de Aristóteles e, depois, de Marx, a respeito da igualdade, indicam algo preciso: a mera declaração do direito à igualdade não faz existir os iguais, mas abre o campo para a criação da igualdade através das exigências e demandas dos sujeitos sociais. Em outras palavras, declarado o direito à igualdade, a sociedade pode instituir formas de reivindicação para criá-lo como direito real. Privatização é o abandono pelo Estado das políticas sociais; “desregulação”, o abandono, também pelo Estado, do planejamento econômico. Ambos os termos asseveram que o capital é racional e pode, por si mesmo, resolver os problemas econômicos e sociais. Aliado à privatização e à “desregulação”, o desenvolvimento espantoso das novas tecnologias eletrônicas trouxe a velocidade da comunicação e da informação e a automação da produção e distribuição dos produtos. Essa mudança nas forças produtivas (pois a tecnologia alterou o processo social do trabalho) vem causando o desemprego em massa, movimentos raciais contra imigrantes e migrantes, exclusão social, política e cultural de grandes massas da população. Com o neoliberalismo, houve um encolhimento da esfera pública e um aumento da esfera privada. Representando um perigo para os direitos econômicos e sociais conquistados nas lutas populares. Hoje, o capital acumula-se e se reproduz excluindo cada vez mais as pessoas do mercado de trabalho e de consumo. Não precisa mais de grandes massas trabalhadoras e consumidoras, pode ampliar-se graças ao desemprego em massa e não precisa preocupar-se em garantir direitos econômicos e sociais aos trabalhadores porque não necessita de seus trabalhos e serviços. Nossa sociedade é autoritária porque é hierárquica, pois divide as pessoas, em qualquer circunstância, em inferiores, que devem obedecer, e superiores, que devem mandar. Não há percepção nem prática da igualdade como um direito. Nossa sociedade também é autoritária porque é violenta (nos termos em que, no estudo da ética, definimos a violência): nela vigoram racismo, machismo, discriminação religiosa e de classe social, desigualdades econômicas entre as maiores do mundo, exclusões culturais e políticas. Não há percepção nem prática do direito à liberdade. Uma carência é sempre específica, sem conseguir generalizar-se num interesse comum nem universalizar-se num direito. Um privilégio, por definição, é sempre particular, não podendo generalizar-se num interesse comum nem universalizar-se num direito, pois, se tal ocorresse, deixaria de ser privilégio. A democracia é criação e garantia de direitos. Nossa sociedade, polarizada entre a carência e o privilégio, não consegue ser democrática, pois não encontra meios para isso. Esse conjunto de determinações sociais manifesta-se na esfera política. Em lugar de democracia, temos instituições vindas dela, mas operando de modo autoritário. Assim, por exemplo, os partidos políticos costumam ser de três tipos: os clientelistas, que mantêm relações de favor com seus eleitores, os vanguardistas, que substituem seus eleitores pela vontade dos dirigentes partidários, e os populistas, que tratam seus eleitores como um pai de família trata seus filhos menores. Favor, substituição e paternidade evidenciam que a prática da participação política, por meio de representantes, não consegue se realizar no Brasil. Os representantes, em lugar de cumprir o mandato que lhes foi dado pelos representados, surgem como chefes, mandantes, detentores de favores e poderes, submetendo os representados, transformando-os em clientes que recebem favores dos mandantes. A “indústria política” é a criação da imagem dos políticos pelos meios de comunicação de massa para a venda do político aos eleitores-consumidores. As lideranças políticas são sempre imaginadas como chefes salvadores da nação, verdadeiros messias escolhidos por Deus e referendados pelo voto dos eleitores. As leis, porque exprimem ou os privilégios dos poderosos ou a vontade pessoal dos governantes, não são vistas como expressão de direitos nem de vontades e decisões públicas coletivas. O poder judiciário aparece como misterioso, envolto num saber incompreensível e numa autoridade quase mística. Por isso mesmo, aceita-se que a legalidade seja, por outro lado, incompreensível, e, por outro, ineficiente, e que a única relação possível com ela seja a da transgressão (o jeitinho). Segundo Chauí (2000), a democracia no Brasil, ainda está por ser inventada. Tendências Contemporâneas Os últimos 25 anos são marcados por uma rápida e intensa reordenação da política e da economia em todo o mundo. Na política, o principal fator de mudança é o fim da polarização Estados Unidos-União Soviética. A perestroika de Gorbatchov e a queda do muro de Berlim precipitam o desmonte da União Soviética. Emergem conflitos localizados, antes abafados pela polarização. Muitos deles têm caráter étnico ou religioso. O racismo e o extremismo de direita ganham novo fôlego. E o crescimento do fundamentalismo islâmico assusta o Ocidente. Na economia, novos blocos são formados. Os Tigres Asiáticos aceleram seu desenvolvimento, os Estados Unidos enfrentam dura concorrência do Japão em seu próprio território e a velha idéia da unificação da Europa é mais uma vez retomada com a criação da Comunidade Econômica Européia – hoje, União Européia. Multipolaridade O fim da Guerra Fria, o declínio econômico relativo dos Estados Unidos e da União Soviética, a unificação econômica e política da Europa, o crescimento econômico do Japão, o surgimento dos tigres asiáticos e o rápido desenvolvimento das reformas chinesas liquidaram com a bipolaridade que opunha Estados Unidos e União Soviética. Embora os Estados Unidos se mantenham como uma superpotência militar, o mundo tende para uma multipolaridade econômica e política que pode evoluir também para uma multipolaridade militar. Neonacionalismo A desagregação da União Soviética e a derrocada dos regimes comunistas do Leste Europeu fazem ressurgir fortes tendências e movimentos nacionalistas, de fundo étnico e religioso, tanto no Leste Europeu quanto na Europa Ocidental. Neonazismo Manifesta-se principalmente na Alemanha e na Áustria, onde os grupos de extrema direita mais antigos, formados por saudosistas do regime de Adolf Hitler, ganham novo alento com a adesão de grupos de jovens conhecidos como cabeças-peladas (skinheads). Na Alemanha esses grupos desencadeiam no início da década de 90 uma onda de ataques racistas contra comunidades estrangeiras, em particular contra os imigrantes turcos, africanos e vietnamitas, causando várias mortes. Grupos racistas também cometem atos de violência na Itália, na França e na Inglaterra. Na França, a extrema direita racista emerge, na década de 80, como uma poderosa força eleitoral, com a ascensão da Frente Nacional, liderada por Jean-Marie Le Pen. O ultranacionalismo russo também ganha espaço, com a expressiva votação obtida pelos partidários de Vladimir Jirinovski nas eleições parlamentares de dezembro de 1993. Na Áustria, a extrema direita avança com o Partido da Liberdade, de Jorg Hauser. Fundamentalismo Religioso Uma das principais causas dos conflitos atuais, o fundamentalismo ganha força principalmente a partir da vitória da revolução iraniana e da transformação do islamismo xiita em religião de Estado. A onda de intolerância religiosa que tem produzido conflitos, de diferentes graus de intensidade, em quase todos os países de maioria islâmica, em particular a Argélia, o Egito e os territórios de Gaza e Cisjordânia ocupados por Israel e atualmente em processo de transição para uma autonomia palestina sob a liderança da OLP, também é impulsionada pela ação de radicais sionistas. Liberalismo e Neoliberalismo O liberalismo como doutrina econômica e política do capitalismo se enfraquece após a crise mundial dos anos 30, sendo substituído pelo dirigismo econômico de Keynes e, em parte, pelas doutrinas fascista e nazista. Durante a Segunda Guerra Mundial o dirigismo econômico é reforçado, mas a democracia é retomada como o grande símbolo de luta contra o nazismo. Essa combinação de democracia política liberal e dirigismo estatal na economia torna-se responsável, entre os anos 50 e 80, pela afluência das sociedades de consumo e bem-estar social (welfare States). Nos anos 80, porém, a crise econômica e os novos parâmetros de produtividade e rentabilidade estabelecidos pela revolução tecnológica colocam em questão o Estado de bem-estar e as políticas de benefício social nos Estados Unidos e na Inglaterra. Reagan e Thatcher lideram a implantação de uma nova política econômica, baseada em conceitos liberais extremados: Estado mínimo, desregulamentação do trabalho, privatizações, funcionamento do mercado sem interferência estatal, cortes nos benefícios sociais. Socialismo e Social-Democracia A desagregação da União Soviética e o fracasso das experiências socialistas no Leste Europeu, assim como as reformas de mercado na China, disseminam a idéia de que a doutrina socialista está morta. A solução para alcançar a justiça econômica e social passa a ser a socialdemocracia, que desde a década de 50 administra o sistema capitalista em bem-sucedidas sociedades européias, ou o próprio liberalismo ou neoliberalismo, que pretende deixar o capitalismo funcionar sem qualquer amarra. Entretanto, a social-democracia e o neoliberalismo também entram em crise no início da década de 90, por sua incapacidade em dar solução aos problemas sociais postos pelos novos parâmetros da revolução tecnológica. Novo Mapa-Múndi A década de 90, sob a ação das tendências à multipolaridade, formação de blocos regionais, desenvolvimento mais rápido de alguns países, ressurgimento do nacionalismo e da xenofobia religiosa e reformulações doutrinárias, configura uma nova divisão mundial de nações ricas, ao norte do Equador, e pobres, ao sul, e tendências contraditórias de crescimento da democracia em algumas regiões, manifestações autoritárias em outras, agravamentos dos conflitos em certas áreas e distensão em outras. Crescimento da Democracia O regime democrático de governo torna-se paulatinamente o tipo de governo universal. Embora com restrições e diferentes interpretações sobre seu funcionamento e grau de participação cívica, faz parte do sistema político de todos os países da Europa e América do Norte, de todos os países da América Latina com exceção de Cuba e de parcela considerável dos países da África e Ásia. Divisão Norte-Sul Divisão simbólica para caracterizar as diferenças de riqueza e renda entre os países do chamado Primeiro Mundo, a maioria situada ao norte do equador, e os países pobres do Terceiro Mundo, a maior parte deles ao sul. Referências Bibliográficas: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia,.São Paulo: Ática, 2000. COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da Sociedade. São Paulo: Moderna, 2005 OLIVEIRA, Pérsio S. Introdução à Sociologia. 22ed. São Paulo: Ática, 1999. LAKATOS, E. M. Sociologia Geral. 4ed. São Paulo: Atlas, 1982. Sugestões para Leitura: O populismo na América Latina - Maria Lígia Prado. São Paulo: Brasiliense, 1996. (Col. Tudo é História). Sociedade tecnológica – Ciro Marcondes Filho. São Paulo: Scipione, 1994. Como o congresso se enxerga – Matéria da revista Época de 06/jul/2009. Dicas de vídeo: Taxi blues (URSS/França, 1990. Direção de Pavel Lounguine. Duração: 110 min.). Em Moscou, no auge da perestroika (abertura econômica), o filme mostra a história da relação entre um taxista e um músico. ATIVIDADE 1. Tanto o liberalismo como o Estado de Bem-Estar-Social definem a democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. O que isso significa? 2. Qual o significado das eleições numa democracia? 3. O que é privatização e desregulação? Em que medida afetam o modo de produção capitalista? 4. De que forma os meios de comunicação de massas se constituem num obstáculo ao direito à participação política? 5. O que se entende por “indústria política” ? Elabore e responda mais 05 questões sobre o texto.