DEFICIÊNCIA VISUAL NA PERSPECTIVA DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA: DELINEAMENTO DE UMA APLICAÇÃO DIDÁTICA PARA O ENSINO DE FÍSICA VIVEIROS, ER de, CAMARGO, EP de Programa de Pós Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/UNESP de Bauru Endereço: Av. Engº Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Bairro: Vargem Limpa – Bauru – SP CEP: 17033-360 Referência: Anais da X Jornada de Educação Especial: Educação Especial e o uso das tecnologias da informação e comunicações em práticas pedagógicas inclusivas.. Marilia : Oficina Universitária, 2010. v. 1. p. 1-9. Resumo: Apresentamos resultados parciais de uma pesquisa de doutorado, na fase exploratória, envolvendo uma aplicação didática no Ensino de Física para deficientes visuais. A investigação se centralizou no levantamento bibliográfico de pesquisas em neurociência cognitiva em deficientes visuais (cegos recentes e inatos). O objetivo foi identificar e analisar conceitos, resultados experimentais e teóricos que serão utilizados para delinear procedimentos para as demais fases desta pesquisa. Os conceitos e parâmetros analisados foram: plasticidade cerebral, plasticidade cross-modal, imageria mental, neurofeedback, funções cognitivas de atenção, memória e raciocínio disjuntivo. Estes resultados sugerem a pertinência e relevância em relação ao desenvolvimento das fases subsequentes deste projeto, descrito a seguir. O projeto objetiva o desenvolvimento de uma metodologia didática para o ensino de conceitos e do formalismo matemático na Física para cegos inatos, através de representações mentais (imageria mental). Serão desenvolvidas situações didáticas num contexto comunicativo, utilizando o conceito de neuroplasticidade cross-modal mediado pela interface cérebro computador OpenVibe no modo neurofeedback. Espera-se a otimização na performance das funções de cognição emocional, atenção, memória e raciocínio disjuntivo. O referencial teórico epistemológico é a teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas. A coleta de dados empregará registros gráficos realizados pelos sujeitos, e entrevista do tipo think aloud method. A análise dos dados utilizará a teoria semiótica de Charles Sanders Peirce e o enfoque psicanalítico de Jacques Lacan. Palavras-chave: Ensino de Física para deficientes visuais, interface cérebro computador, tecnologias assistivas Introdução É crescente o número de publicações em Neurociência e Educação, tanto na pesquisa quanto em aplicações didáticas (Salas Silva, 2008). Tabacow (2006) mostrou esta relação, especialmente no processo de formação docente. Segundo Bartoszeck (2007) a pesquisa em Neurociência por si não produz novas estratégias educacionais, mas pode sim elucidá-las. Comentando o livro de Blakemore e Frith (2005), Howard-Jones (2005) destaca a importância da interdisciplinaridade para estudar as aplicações e implicações da Neurociência e ciências correlatas para a área educacional. Ao citar Wagenschein , Niedderer (2001) apresenta a proposta daquele autor em relação ao desenvolvimento de um modelo que evidencia a aprendizagem como um processo cognitivo. Desenvolve um modelo com características semelhantes ao da Física para explicar os fenômenos cognitivos. É inquestionável a contribuição da Neurociência para a compreensão dos processos relacionados com a deficiência visual. Selecionamos os conceitos que consideramos mais pertinentes para a área educacional. 1.Plasticidade cerebral É a função que permite o cérebro adaptar-se a alguma alteração ou disfunção, produzindo um rearranjo ou remapeamento das funções (Das et al, 2001). Relaciona-se a atenção, memória, cognição emocional, linguagem oral, percepção tátil, auditiva e espacial e, principalmente com o processo de imageria mental. 2.Plasticidade cross-modal A plasticidade cerebral no deficiente visual produz o remapeamento cerebral, estimulando a associação das áreas visuais não ativadas com outras áreas perceptivas (como o tato e a audição). É o conceito de plasticidade intermodal ou cross-modal (Rokem e Ahissar, 2009; Théoret, Merabet, Pascual-Leone, 2004). Cada deficiente visual pode ter seu próprio padrão de plasticidade intermodal. Um exemplo disto é descrito no estudo de caso de um pintor turco cego inato estudado por Amedi (Amedi et al, 2008). 3.Imageria mental Em videntes, a formação de imagens mentais ativa o córtex visual, hipótese estendida aos deficientes visuais (Kosslyn, Thompson, Kim e Alpert, 1995; Kosslyn et al, 1993; Farah, 1988). Embora cegos de nascença criem imagens mentais (Aleman et al, 2001; Ardit, Holtzman e Kosslyn, 1988), alguns estudos mostram que determinados indivíduos apresentam dificuldade neste processo (Knauff e May, 2006), pois esta capacidade diminui com o tempo (Hollins, 1985). Contrariando o senso comum, cegos inatos produzem imagens visuais através dos sonhos, sugerindo a existência de algum mecanismo genético de preservação destas representações (Bértolo e Paiva, 2001). É conveniente o deficiente visual efetuar o treino perceptivo de locomoção e integração ao ambiente, minimizando o atrofiamento destas habilidades (Cattaneo et al, 2007). A imageria mental de determinada habilidade (p.ex. a motora) produz a estimulação respectiva às mesmas áreas sensoriais (Hwang e Kwon, 2009; Neuper, Scherer, Wriessnegger, Pfurtscheller, 2009;Neuper, Scherer, Reiner e Pfurtscheller, 2005). Segundo Grush (2004), a experiência motora estimula a construção de circuitos neurais que contribuem na composição das imagens mentais, principalmente em crianças (Raynard, 1991; Gaunet e Thinus-Blanc, 1996). 4.Neurofeedback A plasticidade cerebral pode ser monitorada e controlada pela própria pessoa (autoregulação ou biofeedback) ou através de uma interface cérebro computador (neurofeedback), otimizando a neuroplasticidade no nível do comportamento e neurologicamente (Ros et al. 2010; Zacksenhouse et al., 2007; Pinkers, 1988). Aplicações de neurofeedback estabeleceram protocolos em situações de déficit de atenção, hiperatividade e memória (Levesque, Beauregard, Menseur, 2006; Heinrich, Gevensleben e Strehl, 2007), distúrbios de aprendizagem (Fernandez et al., 2003), autismo (Coben, Sherlin e McKeon, 2009), atenção, memória e cognição emocional (Zhuang, Zhao e Tang, 2009; Gruzelier, Egner e Vernon, 2006). 5.Funções cognitivas de atenção, memória e raciocínio disjuntivo Há uma correlação positiva entre a supressão da visão e a performance mais desenvolvida nas funções cognitivas de atenção e memória, devido ao mecanismo da neuroplasticidade compensatória (Raz, Amedi e Zohary, 2005; Amedi et al, 2003). Inclusive há uma relação direta entre o cálculo matemático mental e as áreas da locomoção (Knops et al, 2009). No domínio de conceitos e raciocínio lógico no ensino de Física, é interessante e sugestivo que os deficientes visuais demonstrem padrões semelhantes de conceituação comparativamente aos videntes (Viveiros e Camargo, 2009; Camargo, 2008), enquanto alguns acreditam (equivocadamente) que a visão desempenha papel fundamental para as funções cognitivas superiores, como o pensamento lógico. Muito pelo contrário, a disjunção racional (ou disracionalidade) é uma função cognitiva que se relaciona com a maneira como os conceitos e as asserções verbais ou perceptivas são formulados para o indivíduo, e isto não possui relação direta com a visão (West, Stanovich e Toplak, 2008; Stanonich, 2003). Provavelmente a compreensão mais profunda desta função nos deficientes visuais esclarecesse a neuroplasticidade envolvida nos processos de conceituação, raciocínio lógico e resolução de problemas, notadamente os de natureza Física e Matemática. Conclusões A neurociência cognitiva avançou no estudo de fenômenos relacionados com a deficiência visual, e alguns resultados transpostos para a área educacional. Conceitos como plasticidade cerebral cross-modal, imageria cerebral e mecanismo de neurofeedback podem ser estrategicamente explorados e estruturados em um sistema didático que otimizasse a performance das funções cognitivas emocional, da atenção, da memória e do raciocínio disjuntivo, podendo ser aplicável em situações didáticas de ensino-aprendizagem dos conceitos e do formalismo matemático no Ensino de Física. Bibliografia Aleman, A; Van Lee, L; Mantione, M; Verkoijen, I.; De Haan, EHD. Visual Imagery Without Visual Experience: Evidence from Congenitally Totally Blind People. NeuroReport (12).2001. Amedi, A; Merabet, LB.;Camprodon, J; Bermpohl, F; Fox, S; Ronen, I; Kim, D-S;PascoalLeone, A. Neural and behavioral correlates of drawing in an early blind painter: A case study. Brain Research XX.2008. Amedi A, Raz N, Pianka P, Malach R, Zohary E. Early ‘visual’ cortex activation correlates with superior verbal memory performance in the blind Nat Neurosci 6.2003. Arditi, A; Holtzman, JD;Kosslyn, SM Mental Imagery and Sensory Experience in Congenital Blindness Neuropsychologia (26).1988. Bartoszeck, AB Neurociência na Educação (apostila de curso). Universidade Federal do Paraná. Laboratório de Neurofisiologia,2007. Bértolo, H; Paiva, T Conteúdo visual em sonhos de cegos. Psicologia, Saúde e Doenças. II(1).2001. Blakemore, SJ; Frith, U The learning brain: Lessons for education. Oxford: Blackwell,2005. Camargo, EP de. Ensino de Física e Deficiência Visual: dez anos de investigações no Brasil. São Paulo: Plêiade/FAPESP, 2008. Cattaneo, Z; Vecchi, T; Monegato, M; Pece, A; Cornoldi, C. Effects of late visual impairment on mental representations activated by visual and tactile stimuli Brain Research 1148.2007. Coben, R; Sherlin, L; Hudspeth, WJ; McKeon, K. Connectivity guided EEG biofeedback for autism spectrum disorder: evidence of neurophysiological changes Journal of Autism and Devel Disorders.2009. Das, A; Franca, JG; Gattass, R; Kaas, JH; Nicolelis, MAL; Timo-Iaria, C.; Vargas, C.D.; Weinberger, N.M.; Volchan, E. The brain decade in debate: VI. Sensory and motor maps: dynamics and plasticity Brazilian Journal of Medical and Biological Research. 34.2001. Farah, MJ Is Visual Imagery Really Visual? Overlooked Evidence From Neuropsychology. Psychological Review 95(3).1988. Fernandez, T ; Herrera, W ; Harmony, T ; Diaz-Comas, L ; Santiago, E ; Sanchez, L, et al. EEG and behavioral changes following neurofeedback treatment in learning disabled children. Clinical Electroencephalography 34.2003. Gaunet, F; Thinus-Blanc, C Les représentations spatiales chez Le déficient visuel : apprendre à apprendre l'espace. Enfance et cécité 23.1996. Grush, R. The Emulation Theory of Representation: Motor Control, Imagery, and Perception. Behavioral And Brain Sciences 27 (3). 2004. Gruzelier, JH; Egner, T., Vernon, D Validating the efficacy of neurofeedback for optimising performance. In C. Neuper , W. Klimesch, Event-related dynamics of brain oscillations. Progress in Brain Research 159.2006. Heinrich, H; Gevensleben, H; Strehl, U. Annotation: neurofeedback train your brain to train behaviour. J Child Psychol. Psychiatry 48.2007. Hollins, M. Styles of mental imagery in blind adults. Neuropsychologia. 23(4).1985. Howard-Jones, P. An invaluable foundation for better bridges. Blackwell Publishing Ltd.2005. Hwang HJ, Kwon K, Im CH. Neurofeedback-based motor imagery training for braincomputer interface. J Neurosci Methods.179(1).2009. Knauff, M; May, E. Mental imagery, reasoning, and blindness. The Quarterly Journal of Experimental Psychology.V.59.2006. Knops, A;Thirion, B;Hubbard, EM;Michel, V;Dehaene, S. Recruitment of an Area Involved in Eye Movements During Mental Arithmetic. Scienceexpress, 7 may 2009. Kosslyn, SM; Thompson, W.L; Kim, IJ; Alpert, NM. Topographical representations of mental images in primary visual cortex. Nature, 378. 1995. Kosslyn, SM; Alpert, NM; Thompson, W L; Maljkovic, V;Weise, S. B.; Chabris, CF; Hamilton, SE;Rauch, SL;Buonanno, FS. Visual-mental imagery activates topographicallyorganized visual cortex: PET investigations. Journal of Cognitive Neuroscience, 5.1993. Lévesque, J; Beauregard, M; Mensour B. Effect of neurofeedback training on the neural substrates of selective attention in children with attention-deficit/hyperactivity disorder: a functional magnetic resonance imaging study. Neuroscience Letter. 2006 Feb 20;394(3). 2005. Neuper, C; Scherer, R; Wriessnegger, S; Pfurtscheller, G. Motor imagery and action observation: modulation of sensorimotor brain rhythms during mental control of a braincomputer interface. Clin Neurophysiol.120(2).2009. Neuper C, Scherer, R; Reiner, M; Pfurtscheller, G. Imagery of motor actions: differential effects of kinesthetic and visual-motor mode of imagery in single-trial EEG. Brain Res Cogn Brain Res.25(3).2005. Niedderer, H. Physics Learning as Cognitive Development. In R. H. Evans, A. M. Andersen, H. Sørensen: Bridging Research Methodology and Research Aims. Student and Faculty Contributions from the 5th ESERA Summerschool in Gilleleje, Danmark. The Danish University of Education.2001. Pinkers, S. A computational theory of the mental imagery medium. NATO advanced research workshop on imagery and cognition.41,1988. Raz, N; Amedi, A; Zohary, E V1 Activation in Congenitally Blind Humans is Associated with Episodic Retrieval Cereb Cortex,15(9).2005. Raynard, F. Se mouvoir sans voir. Education et rééducation fonctionnelle des aveugles et des malvoyants. - Corcelles-le-Jorat (Suisse):Yva Peyret.1991. Rokem, A ; Ahissar, M. Interactions of cognitive and auditory abilities in congenitally blind individuals. Neuropsychologia 47.2009. Ros, T; Munneke, MAM.; R, Diane; Gruzelier, J H.; Rothwell, J C. Endogenous control of waking brain rhythms induces neuroplasticity in humans European Journal of Neuroscience.31(4).2010. Salas Silva, ER. Estilos de aprendizaje a la luz de la Neurociencia. Bogotá:Cooperativa Editorial Magistério,2008. Stanovich, KE. Dysrationalia: a new specific learning disability. Journal of learning disabilities.26(8)1993. Tabacow, LS. Contribuições da Neurociência Cognitiva para a formação de Professores e Pedagogos. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação na Área de Ensino Superior do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2006. Théoret, H; Merabet, L; Pascual-Leone, A. Behavioral and neuroplastic changes in the blind: evidence for funcionally relevant cross-modal interactions. Journal of Physiology. Paris 98, 2004. Viveiros, ER de. Camargo, EP de. Pressupostos e critérios pedagógicos para uma prática inclusiva para o Ensino de Física. In: Neto, A.Q.; Orrú, S.E. Docência e Formação de Professores na Educação Superior: múltiplos olhares e múltiplas perspectivas. Curitiba: Editora CRV, 2009. West, RF.; Stanovich, KE.; Toplak, M E. Heuristics and Biases as Measures of Critical Thinking: Associations with Cognitive Ability and Thinking Dispositions. Journal of Educational Psychology,100(4), 2008. Zacksenhouse M; Lebedev, MA; Carmena, JM; O’Doherty, JE; Henriquez, C;Nicolelis MA. Cortical modulations increase in early sessions with brain-machine interface. PLoS ONE 2:e619, 2007. Zhuang, T; Zhao, H; Tang, Z. A Study of Brainwave Entrainment Based on EEG Brain Dynamics. Computer and information science. 2(2).2009.