Argentina: A solução final

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Garcia Jr., Renê. “Argentina: A solução final”. São Paulo: Valor Econômico, 26 de julho de2001. Jel: F
Argentina: A solução final
Renê Garcia Jr.
Ao longo dos últimos 40 meses a economia argentina tem passado por uma sucessão de choques de várias
naturezas, sendo que os de origem econômica podem ser resumidos no recente anúncio de "concordata"
requerida pelo governo, materializados no recente projeto de déficit fiscal nulo. A sucessão de fatos que
convergiram para essa "solução final" é de conhecimento público e encontra-se expresso no longo
processo de estagnação da economia argentina
Esse movimento e as mudanças sucessivas de curso produziram efeitos de primeira e segunda ordem na
política do país. Nesse período, o vice-presidente da República renunciou, três ministros já ocuparam a
pasta da economia e praticamente todo o ministério foi reformado. A crise econômica está produzindo
também incertezas que podem resultar em movimentos de caráter populista e até mesmo eclodir numa
grave crise institucional, possivelmente no próximo mês de outubro, quando serão realizadas eleições que
renovarão o Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados).
A grande dúvida e a questão relevante reside nos caminhos possíveis que a economia argentina poderá
tomar pós-eleições, que, em suma, podemos qualificar como sendo um dos seguintes.
Primeiro: O governo De La Rúa perde as eleições para uma frente de oposições liderada pelo Partido
Justicialista. O processo eleitoral é marcado por propostas de conteúdo populista e o povo reage de forma
defensiva convertendo os saldos de seus depósitos em pesos para dólares, dando início a um forte
processo de dolarização, que exigirá do governo um maior esforço fiscal pela elevação do prêmio de risco
do país e eventuais pressões adicionais de setores mais afetados pelo pacote de déficit fiscal nulo. A
dolarização só produz o efeito de acelerar uma eventual crise de inadimplência generalizada, pois não
acarreta nenhum efeito sobre as variáveis macroeconômicas que afetam a competitividade do país.
Segundo: O governo De La Rúa consegue maioria relativa no Congresso e implementa um ousado plano
de saída do regime de conversibilidade, mediante a edição de uma série de leis que reestruturam as
relações entre posições ativas e passivas - todos os ativos denominados em pesos e em dólares seriam
convertidos em uma nova moeda não conversível e seria adotado o regime de câmbio livre - e a diferença
entre a nova relação e a paridade com o dólar seria convertida em uma obrigação governamental de longo
prazo. O governo poderia adotar na transição uma "cesta de referência" para a flutuação da nova moeda.
Adicionalmente, os organismos internacionais poderiam implementar um grande programa de rolagem da
dívida externa argentina à semelhança da recente proposta feita pelo economista Allan Meltzer. A saída
de regimes cambiais complexos, como o de paridade fixa, pode não necessariamente produzir efeitos
desestabilizadores permanentes, como recentemente sugerido pelo professor Eduardo Giannetti do
Ibmec/SP. As crises originadas de políticas de sustentabilidade de regimes cambiais em processo terminal
têm produzido mais estragos em seus três minutos finais do que nos momentos posteriores à deflagração
da ruptura, ou da saída do regime. Ocorreria possivelmente um abalo sísmico na região, mas, ao término
de período relativamente curto, a economia argentina voltaria a exportar e a conquistar confiança dos
investidores e como haveria um forte efeito deflacionista nas cotações dos ativos argentinos,
possivelmente teria início um movimento de repatriação de recursos e conversão de dívidas em capital.
Terceiro: O governo De La Rúa, mesmo perdendo as eleições, consegue implementar com sucesso o
programa de déficit fiscal nulo para os próximos anos. A Argentina consegue formular um programa de
reestruturação bem sucedida de seus passivos internos de curto e médio prazos a taxas inferiores as da
swap de junho. Trabalhadores, pensionistas e rentistas aceitam uma diminuição temporária em suas
remunerações e com isso os produtos argentinos ganham competitividade e os organismos internacionais
concordam com a adoção de um amplo programa de apoio a um projeto de saída do regime de
conversibilidade, produzindo efeitos positivos sobre a taxa de crescimento da economia e a diminuição do
prêmio de risco do país.
Qual das soluções é a mais crível ? Essa é uma pergunta complexa, pois a dinâmica dos fatos e os fatores
de natureza política costumam produzir alternativas e cenários não previsíveis ou factíveis e, como a
experiência recente dos diversos programas de estabilização implementados na Argentina tem revelado, a
criatividade dos economistas argentinos costuma, em momentos como esses, produzir em seus
laboratórios fórmulas e experimentos heterodoxos nunca antes imaginados ou testados e, à semelhança
dos truques de mágica, todos sabemos que é uma farsa ou uma ilusão, mas mesmo assim pagamos para
ver e algumas vezes apostamos no sucesso.
De qualquer forma, a proximidade das eleições deve detonar uma nova composição de forças políticas
capaz de apresentar uma solução final para o longo processo de agonia pelo qual vem passando a
economia argentina, até mesmo por total e absoluta perda de credibilidade do atual governo, que mantém
a população num estado permanente de tensão, acompanhando a cada dia a cotação do risco do país e
tentando saber como e o que fazer para se defender da crise econômica sem fim.
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