a parceria estratégica brasil-frança na área da defesa

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A PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL-FRANÇA NA ÁREA DA DEFESA
Sérgio Luiz Cruz Aguilar (UNIVEM/UNESP- Marília/SP)
Palavras-chave: Defesa – Brasil - França
INTRODUÇÃO
No final de 2008, foi anunciado o estabelecimento de uma parceria estratégica na
área de Defesa entre o Brasil e a França, compreendendo a cooperação militar e as áreas de
altas tecnologias como do submarino nuclear e sistemas de defesa territorial e de
comunicações. No entanto, a participação da França no campo militar brasileiro remonta ao
início do século passado com a instalação das missões de instrução junto à Força Pública de
São Paulo e ao Exército Brasileiro. O artigo apresenta os antecedentes da presença francesa
nos assuntos de segurança e defesa do Brasil e aborda as condições do acordo atual relativo
à cooperação no domínio da defesa e ao estatuto das Forças Armadas. Finalizando, analisa
a parceria estratégica estabelecida sob o prisma das políticas de defesa e dos interesses
estratégicos dos dois países.
ANTECEDENTES
No início do século XX, o governo de São Paulo contratou a Primeira Missão
Francesa de Instrução Militar que iniciou seus trabalhos em 21 de março de 1906, com a
finalidade de instruir a então Força Pública, remodelando sua organização.1 Naquele
mesmo ano, por proposta da Missão, foi criada a Escola de Educação Physica, dando início
à implementação de uma série de atividades físicas entendidas como necessárias para o
preparo profissional dos policiais. A Missão, contratada inicialmente para um período de
dois anos, acabou permanecendo em São Paulo até 4 de agosto de 1914.2
1
AZEVEDO, José Eduardo. Polícia militar de São Paulo: Elementos para a construção de uma cartografia
social da questão policial no Brasil. Revista LEVS, São Paulo, v.1, n. 1, p. 11-24, 2008. Disponível em
http://www.levs.marilia.unesp.br/revistalevs/edicao1/Autores/Azevedo.pdf. Acesso em 12 mar. 2009.
2
Idem, p. 17.
Em 1912, o então tenente do Exército Ricardo Kirk realizou curso de piloto na
École d'Aviation d'Etampes.3 Durante a Primeira Guerra Mundial, o Exército Brasileiro
enviou para a França o capitão José Pessoa Cavalcante de Albuquerque, que iniciou seus
estudos de motorização e mecanização na Escola de Carros-de-Combate de Versalhes.
Posteriormente, o capitão serviu no 503º Regimento de Artilharia de Carros-de-Assalto, em
1919, onde teve a oportunidade de conhecer os carros-de-combate franceses. Foi
estabelecida, então, uma parceria com a França para a modernização e a reestruturação do
equipamento do Exército que envolveu a compra dos carros-de-combate Renault FT-17.4 A
aquisição resultou na criação da Seção de Carros-de-Combate do Batalhão de Guardas e da
Seção de Motomecanização no Estado-Maior do Exército.5
Em 28 de maio de 1919 foi autorizada a contratação da Missão Militar Francesa de
Instrução (MMFI), através do Decreto Nº. 3.741, para fins de instrução no Exército
Brasileiro.6 A MMFI foi incumbida da direção da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
(EsAO), da Escola de Intendência e da Escola Superior de Guerra (hoje Escola de
Comando e Estado-Maior)7 e criou o curso de medicina veterinária e a Escola de
Veterinária do Exército. Elaborou “relatórios, inclusive de reconhecimento de áreas físicas
e sua sistematização em cartas topográficas, para servir a exercícios e manobras militares” e
implementou o ensino da História Militar.8 Editou regulamentos do ensino militar, planos e
diretrizes para a formação do oficial do Exército, nos quais ficou evidenciado o equilíbrio
3
O tenente Kirk foi brevetado em 22 de outubro de 1912. AVIAÇÃO DO EXÉRCITO. Disponível em
http://www.cavex.eb.mil.br/historico.htm. Acesso em 13 mar. 2009.
4
BASTOS, Expedito Carlos Stephani. O Brasil na Era dos Blindados Renault FT-17 no Exército Brasileiro
1921-1942. Revista Da Cultura, ano I, n 2. Rio de Janeiro, jul. a dez. de 2001, p. 40 a 46 (41).
5
Idem, p. 45.
6
O contrato foi assinado em 8 de setembro de 1919 e os primeiros instrutores franceses chegaram ao Brasil
em março de 1920. ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Documentos Históricos do Estado-Maior do
Exército. Brasília: EME, 1996, p.85-87.
7
RODRIGUES, Fernando da Silva. Os anos 1930 e a formação de uma cultura política no Exército
Brasileiro. Textos Completos do II Simpósio de Política e Cultura 2006. Universidade Severino Sombra. Rio
de Janeiro: Vassouras, 2006. Disponível em http://www.uss.br/web/arquivos/textos_historia/Fernanado
_da_Silva_Os_Anos_30_e_a_Formacao_de_uma_Cultura.pdf. Acesso em 13 mar. 2009.
8
AMARAL, Antônio Barreto do. A Missão Francesa de Instrução da Força Pública de São Paulo. Revista do
Arquivo Municipal. São Paulo, 1966, separata.
entre os componentes da formação da cultura científica geral com os da formação técnica
do especialista, uma característica francesa.9
A MMFI organizou a instrução dos pilotos da Escola de Aviação Militar do
Exército, estabelecida no Campo dos Afonsos – Rio de Janeiro, imprimindo aspectos
administrativos da doutrina militar francesa10, e foi a responsável pela criação da Escola de
Educação Física do Exército11 e da Escola de Engenharia Militar, embrião do atual Instituto
Militar de Engenharia (IME).12 Foi responsável, também, pela criação do Conselho de
Defesa Nacional, em 1927, com o objetivo de elaborar um plano de mobilização nacional
para a defesa do Brasil e uma melhor definição das operações militares do Exército no
país.13
A MMFI foi encerrada em 1938, deixando uma forte influência na formação e no
aperfeiçoamento dos militares brasileiros, na instrução e na estrutura organizacional do
Exército. Deixou, ainda, “numerosa bibliografia e desenvolveu entre a oficialidade
brasileira o gosto pelo estudo de assuntos estratégicos, contribuindo para o
desenvolvimento do pensamento militar brasileiro”.14
Com o advento da 2ª Guerra Mundial e o alinhamento estabelecido com os Estados
Unidos e, posteriormente, o acordo militar firmado entre os dois países, a doutrina militar e
as ações dela decorrente, passaram a sofrer a influência norte-americana.
9
GRUNENNVALDT, José Tarcísio. A educação militar nos marcos da Primeira República: estudo dos
regulamentos do ensino militar (1890-1930). Tese de Doutorado. São Paulo: PUC, 2005.
10
BASTOS FILHO, Jayme de Araújo. A Missão Militar Francesa no Brasil. Brasília: SENAI, 1983, p. 99. A
primeira unidade aérea da Aviação Militar só seria criada em maio de 1931 no Campo dos Afonsos,
denominada Grupo Misto de Aviação.
11
GRUNENNVALDT, José Tarcísio. Os Militares e a Construção das Condições para Criação de Escolas
para Formação de Profissionais de Educação Física: um Caso de Revolução Passiva. IV Congresso Brasileiro
de História da Educação. Curitiba: Sociedade Brasileira de História da Educação, p. 5. Disponível em
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-coautorais/eixo03/Jose%20Tarcisio%20
Grunennvaldt%20-%20Texto.pdf. Acesso em 13 mar. 2009.
12
OLIVEIRA, Nilda Nazaré Pereira. A missão modernizadora das forças armadas, a segurança nacional e o
projeto do Brasil Potência. I Encontro da ABED. São Carlos: UFSCAR, 2007. Disponível em
http://www.abed-defesa.org/page4/page7/page23/files/NildaOliveira.pdf. Acesso em 10 mar. 2009.
13
CARVALHO, José Murillo de. As Forças Armadas na Primeira República: o Poder Desestabilizador. In:
FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, v. 2., liv. 2, cap. V. 2ª ed. Rio de
Janeiro/São Paulo: DIFEL, 1978, p. 181- 234 (200).
14
MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. O Exército na História do Brasil, v. 3. Rio de Janeiro: Bibliex, 1998.
Com isso, a presença francesa nos assuntos de defesa do Brasil só voltaria a
acontecer na década de 1970 quando uma nova parceria Brasil-França se materializou por
meio da compra de aeronaves Mirage III instaladas na Base Aérea de Anápolis – GO.15
Além de serem os primeiros supersônicos utilizados pela Força Aérea Brasileira (FAB),
foram também os primeiros aviões a utilizar radares de bordo e sistemas de mísseis ar-ar,
incluindo o míssel Piranha de fabricação nacional. Essa aquisição introduziu uma nova
concepção de interceptação e superioridade aérea na FAB, cujos conceitos de defesa aérea
ainda eram baseados nos conhecimentos adquiridos na Segunda Guerra Mundial. Os aviões
permaneceram em atividade por 32 anos até serem desativados em dezembro de 2005,
sendo substituídos pelas versões mais modernas do Mirage 2000 C/B.16
Em 1976, a estatal francesa Aerospatiale apresentou ao governo brasileiro um
projeto de investimento no país, o que possibilitou a criação de sua subsidiária a
Helicópteros do Brasil (Helibras) em 14 de abril de 1978. No ano seguinte, a empresa
firmou um contrato com a Marinha do Brasil (MB) para venda de helicópteros Ecureuil
(Esquilo) e, entre 1983 e 1985, foram firmados novos contratos de venda e de
desenvolvimento e instalação do sistema de armamento para esses helicópteros. Em 1984,
firmou contrato para fornecimento de 71 helicópteros para a FAB, dos quais 22 eram do
tipo Esquilo industrializados na própria Helibras.
Na década de 1980, o Exército verificou a necessidade de possuir unidades de
aviação próprias. Em 1986, foram criadas a Diretoria de Material de Aviação do Exército
(DMAvEx) e o 1º Batalhão de Aviação do Exército (1º BAvEx).17 Os estudos e a
concorrência realizada em 1987, resultaram na aquisição de helicópteros Esquilo e Pantera
(HM1), fabricados pelo Consórcio Aeroespatiale/Helibras.18 O contrato incluiu o
“fornecimento de ferramental especializado para manutenção, suprimentos para os anos
iniciais de operação, treinamento de mais de 200 pilotos e mecânicos militares, documentação
técnica com atualização permanente, serviços de nacionalização da manutenção e assistência
15
Os Mirage III iniciaram a operação no Brasil em 27 de março de 1973 na 1ª ALADA, posteriormente
denominado 1º Grupo de Defesa Aérea (1º GDA).
16
AGÊNCIA BRASIL Lula assiste em Anápolis à incorporação de novos aviões Mirage a FAB. Disponível
em http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2006/09/03/materia.2006-09-03.8116622212/view. Acesso em
13 mar. 2009.
17
O 1º BAvEx começou a operar em Taubaté-SP, a partir de janeiro de 1988.
18
Foram adquiridas 72 aeronaves AS 550 A2 FENNEC. AVIAÇÃO DO EXÉRCITO. Disponível em
http://www.cavex.eb.mil.br/historico.htm. Acesso em 13 mar. 2009.
técnica em campo com base operacional nas instalações da AvEx, assistência renovada
periodicamente até os dias atuais”.19
A partir dessa parceria, militares brasileiros realizaram vários cursos na área da
aviação na França, como os de especialização em vôo com óculos de visão noturna e em
técnicas de helicópteros para engenheiros, o Curso Interforças de Defesa, além de ter sido
criada a função de Oficial de Ligação junto à Aviação do Exército Brasileiro na França. 20
A PARCERIA ATUAL
A parceria atual começou a ser construída em maio de 2005 quando a Ministra da
Defesa da França, em visita ao Brasil, apresentou o interesse em estabelecer um amplo
programa de cooperação em diversos setores da defesa que contemplava a transferência de
tecnologia para a produção de alguns equipamentos. Ainda naquele ano, os dois governos
assinaram o Protocolo de Intenções na Área das Tecnologias Avançadas e suas Aplicações
e o Acordo Relativo ao Fornecimento de Materiais e Serviços no Âmbito da Aeronáutica
Militar que visava à aquisição das aeronaves que substituiriam ao antigos Mirage III. 21
As negociações que se seguiram permitiram que, em junho de 2007, o então
Ministro da Defesa Waldir Pires, assinasse em Paris um memorando de intenções que
previa o desenvolvimento de ações conjuntas de treinamento em cursos teóricos e práticos,
estágios, eventos culturais e cooperação nas áreas de ciência e tecnologia.22
Na seqüência, em janeiro de 2008, os ministros da defesa dos dois países assinaram
um acordo versando sobre a livre circulação de militares entre os países, o que facilitaria a
realização de exercícios conjuntos entre suas Forças Armadas. Os encontros que se
seguiram entre os presidentes Lula e Sarkozy serviram para consolidar a aliança Brasil19
GALANTE, Solange. Helibrás 30 anos. As Asas Rotativas do Brasil, n. 428, mai. 2008, p. 66-74 (69). Em
1992, com a criação da Eurocopter na França, resultado da fusão das divisões de helicópteros das empresas
Aerospatiale e Daimler Chrysler Aerospace, a Helibras tornou-se uma das quatro subsidiárias do novo Grupo.
20
EXÉRCITO BRASILEIRO. Aditamentos da DCEM 5A ao Boletim do DGP, n. 008 de 23 fev. 2005, n. 014
de 6 abr. 2005 e outros.
21
BRASIL. Diário do Senado Federal. Mensagem n. 546 de 2005. Enviou o texto do Acordo entre o Governo
da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa relativo ao Fornecimento de Materiais
e Serviços no âmbito da Aeronáutica Militar, assinado em Paris, em 15 de julho de 2005. Brasília, 30 nov.
2005, p. 41664 a 41668.
22
INFOREL. Brasil quer estreitar relação estratégica com a França na área da Defesa. Disponível em
http://www.armtecbrasil.com/upload/clipping/a_industria_brasileira_de_defesa.pdf. Acesso em 05 mar. 2009.
França na área de defesa com a assinatura do protocolo formal em dezembro daquele ano
que criou grupos de trabalho bilaterais para definirem novos programas em diferentes áreas.
Embora o acordo fosse amplo, envolvendo diversas áreas civis, no campo da
segurança e defesa previu: na área espacial, a cooperação em matéria de sistemas satelitais
geoestacionários de telecomunicações, navegação e meteorologia, incluindo comunicações
militares23; a construção de quatro submarinos de propulsão convencional (dieselelétrico)24; a transferência tecnológica e assistência técnica para o desenvolvimento e a
construção da parte não-nuclear (desenvolvimento de casco e sistema eletrônico) do
primeiro submarino de propulsão nuclear, além de apoio para a construção de um novo
estaleiro no Rio de Janeiro e de uma base para submarinos25; e a construção de helicópteros
franceses no Brasil26. O acordo abriu, ainda, a possibilidade do Brasil adquirir caças
franceses para a FAB por meio do programa de modernização denominado FX-2.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PARCERIA ESTRATÉGICA
Bernal-Meza, ao tratar da política externa brasileira, apresentou que a eleição de
parcerias estratégicas foi fruto da necessidade de levar adiante “aproximações específicas
(eleitas como opção) que permitem alcançar objetivos comuns com potências regionais
semelhantes, tirar proveito de oportunidades e enfrentar desafios”27. Já a noção antiga de
estratégia, originalmente relacionada com a “arte de empregar as forças militares para
23
O programa do Satélite Geoestacionário Brasileiro visa dotar o país de independência em comunicações
governamentais, inclusive militares, de controle de tráfego aéreo e de produção de dados meteorológicos.
24
A empresa francesa DCNS atuará como a prime contractor (contratante principal) dos quatro submarinos,
que serão construídos por uma joint-venture a ser constituída entre o estaleiro francês e a empresa de
construção brasileira Odebrecht. MILESKI, André M. Indústria francesa comemora negócios no Brasil.
Disponível em
http://www.tecnodefesa.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=334:
industria-francesa-comemora-negocios-no-brasil&catid=36:materias&Itemid=54. Acesso em 15 mai. 2009.
25
BRASIL. MRE. Parceria Estratégica entre a República Federativa do Brasil e a República Francesa.
Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/b_fran_193.htm. Acesso em 25 abr. 2009.
26
O pacote previu a instalação na fábrica da Helibrás no Brasil da linha de helicópteros Panther e sua versão
civil, o Dauphin, além de projetar, em médio prazo, um modelo próprio. GODOY,y Roberto. MONTEIRO,
Tânia. Jobim vai a França e Rússia discutir reequipamento. O Estado de São Paulo. São Paulo, 25 jan. 2009.
27
BERNAL-MEZA, Raúl. Política Exterior do Brasil 1990-2002. RBPI, n. 45, v. 1. Brasília: IPRI, 2002, p.
36-71 (40).
atingir resultados fixados pela política”28, foi sendo “politizada”29 e, atualmente, transcende
o campo militar, abarcando “temas políticos e as questões sociais, econômicas, tecnológicas
e culturais...”.30
Lessa, ao abordar a “universalidade seletiva” da política externa brasileira e a
construção contemporânea das relações bilaterais do país, definiu parcerias estratégicas
como “relações políticas econômicas prioritárias reciprocamente remuneradas, constituídas
a partir de um patrimônio de relações bilaterais universalmente configurado”. Elas se
dariam para compatibilizar a vocação histórica para a universalidade com a necessidade de
aproximações seletivas e se tornariam operacionais em determinadas conjunturas.31
Assim, parceria estratégica seria a aproximação entre Estados, em um ou mais
campos do poder, para alcançar objetivos comuns. Ela partiria de uma avaliação
prospectiva em torno de oportunidades, potencialidades, fragilidades e semelhanças, para,
por meio de uma coordenação política e do aporte de recursos, permitir a concretização de
objetivos mútuos. Como resultado, haveria um maior dinamismo de intercâmbio, as
relações bilaterais se dariam num campo mais amplo que o das simples trocas comerciais e
o aperfeiçoamento dessas relações poderia se espraiar (spillover) para outros campos não
previstos inicialmente na parceria.
Dessa forma, quais os fatores, então, que conduziriam Brasil e França a firmarem a
parceira atual? No campo da segurança e defesa, as diversas regiões do globo possuem
dinâmicas e estruturas próprias, embora estejam ligadas a uma estrutura e a uma dinâmica
global. No caso de Brasil e França, ambos respondem a dinâmicas e estruturas regionais
específicas, com diferentes percepções de ameaças, hipóteses de emprego, além da
assimetria econômica e, principalmente, em termos de tecnologia de material de defesa.
28
BEAUFRE, André. Introdução a Estratégia. Rio de Janeiro: Bibliex, 1998, p. 26.
LAFER, Celso. Proposições para uma futura concepção estratégica. Premissas, n. 1. Campinas:
UNICAMP, set. 1992, p. 44.
30
SARDENBERG, Ronaldo Mota. Panorama Estratégico Brasileiro. Parcerias Estratégicas, n. 5, set. 1998,
p. 216-134 (217).
31
LESSA, Antônio Carlos. A diplomacia universalista do Brasil: a construção do sistema contemporâneo de
relações bilaterais. RBPI, n. 41. Brasília: IPRI, 1998, p. 29-41 (31).
29
A França é um país nuclearizado, detentor de alta tecnologia espacial e
aeronáutica32 e integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Sua
Política de Defesa preconiza preservar os interesses vitais do país, honrar os compromissos
internacionais para o sucesso das missões em favor da paz e contribuir para a defesa do
espaço europeu e do mediterrâneo.33 O país esteve à frente da Política Externa e de
Segurança Comum européia, pregando o estabelecimento de uma força militar regional,
extra-OTAN. Sua indústria de armamento ocupa o segundo lugar na Europa (atrás apenas
do Reino Unido) empregando 165 mil pessoas direta ou indiretamente, área que constitui a
terceira maior fonte de exportações do país.34
O Brasil tem seus interesses de segurança e defesa voltados para o entorno subregional da América do Sul e procura uma maior inserção em temas globais, especialmente
por conta da participação das missões de paz. Talvez o seu maior problema nessa área
esteja relacionada com a defasagem tecnológica de seu material de emprego militar. Em
meados de 2007, fruto da Política de Defesa Nacional, foi estabelecido um comitê presidido
pelo Ministro da Defesa e coordenado pelo Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos
Estratégicos encarregado de elaborar a Estratégia Nacional de Defesa do país, concluída em
setembro de 2008.
A Estratégia apresentou macrodiretrizes, com destaque para o desenvolvimento da
capacidade de monitorar o território e a necessidade de reorganização da indústria de
defesa.35 Nesse aspecto, apresentou a intenção de buscar parcerias com outros países com o
propósito de desenvolver a capacitação tecnológica e a fabricação de produtos de defesa
que deveriam, sempre que possível, serem construídas como expressões de uma associação
32
Na área espacial a França presta serviços de lançamento de satélites a partir da Base de Koreau na Guiana
Francesa. A Aeroespatiale Matra (aeronáutica e defesa) e a Lagardere (defesa e comunicação) estão entre as
30 empresas francesas com maior faturamento no exterior. TAULI, José Ricardo. JURUÁ, Ceci.
Características estruturais da economia francesa. In GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. CARDIM, Carlos
Henrique (Orgs.). França: Visões Brasileiras. Brasília: IPRI/FUNAG, 2003, p. 39 – 69 (45).
33
O Livro Branco de Defesa foi publicado em 1994. Em 1996 foi aprovada uma lei de programação militar
que previa uma ampla modernização das Forças Armadas até 2010. AQUINO, Paulo Neves. A política
francesa na Europa “aspectos estratégicos e militares”. In: GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. CARDIM, Carlos
Henrique (Orgs.), op. cit., p. 165 – 193 (186).
34
The French White Paper on Defence and National Security. Nova Iorque: Odile Jacob Publishing
Corporation, 2008, p. 252.
35
BRASIL. Presidência da República. Mensagem ao Congresso Nacional, 2009: 3ª Sessão Legislativa
Ordinária da 53ª legislatura. Brasília: Secretaria Geral da Presidência da República, 2009, p. 238.
estratégica mais abrangente pautada por motivações básicas de ordem internacional e
nacional.36 No caso da primeira, uma das etapas disse respeito à “reestruturação das
organizações internacionais, inclusive a do regime internacional de comércio, para que se
tornem mais abertas às divergências, às inovações e aos experimentos do que são as
instituições nascidas ao término da Segunda Guerra Mundial”. Nesse ponto, a parceria
incluiu o apoio francês à ambição brasileira de ocupar um assento permanente no Conselho
de Segurança das Nações Unidas (CSNU), oficializado no acordo firmado em dezembro de
2008. Esse apoio formal está de acordo com a política de defesa francesa que declarou ser
imperativa a reforma do Conselho.
It should bring together as permanent members those Member States that have the
capacity and the resolve to contribute to international peace and security, such as
Germany, Japan, India, and Brazil, as well as permitting fair representation of
Africa. The membership of the Council should also be broadened to new nonpermanent members in order to better reflect the ongoing geopolitical
transformations. Finally, the reform must go beyond the question of enlargement to
improve the way the Council and the instruments at its disposal are working, and
make them more effective37.
A parceria firmada com a França estaria de acordo com as diretrizes da Estratégia
Nacional de Defesa, especialmente as relacionadas com o segundo eixo estruturante –
reorganização da industria nacional de defesa e, deste modo, iniciar a adequação da defesa
do país ao projeto político de maior projeção do Brasil no sistema internacional. Estaria,
também, de acordo com a estratégia francesa de buscar parcerias no Oriente Médio, Ásia,
América Latina e África, na qual a França “acting alone or with Europe, can find partners
whose approach to the challenges of security and the necessary balance in international
relationships is close to its own. Its security policy must seek to forge substantive new links
with these countries” seguindo as prioridades estabelecidas pela política externa francesa38
e o desejo de promover uma indústria competitiva na França e na Europa.39
36
BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 6 703. Aprova a Estratégia Nacional de Defesa e dá outras
providências. Brasília, 15 dez. 2008.
37
The French White Paper on Defence and National Security, op. cit., p. 108.
38
Idem, p. 64 e 156.
39
Idem, p. 254.
CONCLUSÃO
Além da importante influência cultural francesa no Brasil, a área da segurança e
defesa parece ser a que permitiu, desde o início do século passado, uma maior aproximação
entre os dois países. A parceria atual, apesar de abarcar diversas áreas, permite que os dois
países se firmem como parceiros preferenciais no campo da defesa. Isso se dá porque ela
extrapola o campo meramente comercial e permite a ambos auferirem ganhos concretos em
outros campos. A França, além de garantir dividendos pela venda de material de emprego
militar, procura atingir o objetivo maior de tornar sua indústria de armamento mais
competitiva.
O Brasil, além de modernizar alguns setores de suas Forças Armadas, obtém
transferência de tecnologia em áreas sensíveis como a espacial, nuclear e satelital. No
campo político, obteve o apoio formal francês a um de seus objetivos, a condição de
membro permanente do CSNU reformado. A relação preferencial está inserida num projeto
de longo prazo que, pela primeira vez está presente nos planejamentos de defesa do país.
A parceria estaria, também, relacionada com a percepção de ambos sobre a
necessidade de estabelecer mecanismos alternativos frente à hegemonia militar norteamericana. Assim, os dois países estariam adequando interesses, por conta de uma análise
dos constrangimentos internacionais e de uma visão de futuro, aproveitando nichos de
oportunidades, a partir de potencialidades, fragilidades e objetivos comuns para estabelecer
uma relação prioritária que permita tanto atingir objetivos internos como maximizar a
inserção de ambos no sistema internacional.
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