Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública PPR MPPR XXXXXX, da Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública da Comarca de Ponta Grossa 1. O Senhor Conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público, doutor Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini, encaminhou os presentes autos de inquérito civil, originário da Comarca de Ponta Grossa, a este CAO de Proteção à Saúde Pública para manifestação a sobre o arquivamento em reexame necessário. 2. Cuida-se de inquérito instaurado a partir de representação de XXXXXXX, noticiando que seu marido, ao ser atendida em caráter de emergência na Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa, foi internado em leito de UTI com cobranças de pagamento. Esclarece que trouxe o marido de ambulância, transferida de hospital da cidade de Wenceslau Braz no qual aguardava vaga pela Central Estadual de Regulação de Leitos, e que, ao chegar na Santa Casa, teve que optar pelo tratamento particular, assinando contratos de prestação de serviços, porque os leitos do SUS estariam todos ocupados, inclusive com pagamento de cheque como caução. Também alegou que alguns dias depois a Santa Casa informou existir vaga em outro hospital, mas que a remoção do paciente somente seria autorizada quando “efetuasse o pagamento de todas as despesas relativas aos dias que seu marido permaneceu internado”, razão pela qual buscou intervenção do Ministério Público, para “transferência de seu marido para a UTI do Hospital Cidade, sem a condição do pagamento imediato das despesas hospitalares”. Após remessa do prontuário médico do paciente (fls. 42/47) e prestação de informações por parte da 3ª Regional de Saúde da SESA-PR, a Promotoria de Justiça solicitou auditoria do Departamento Nacional de Auditorias do Ministério da Saúde (DENASUS), em fls. 87, cujo relatório final, acostado em fls. 58/65, apresenta quatro recomendações que requerem atenção: “Que sejam mantidos e intensificados pelo gestor os mecanismos de controle sobre os leitos de UTI e leitos hospitalares em geral para assegurar aos usuários do SUS acesso ao tratamento hospitalar, principalmente, nas situações de urgência/emergência; Que a Santa Casa de Misericórdia utilize o expediente da Declaração de Opção pelo Atendimento Particular apenas quando houver a disponibilidade imediata de internação pelo SUS; Que ao assinar o Termo de Responsabilidade o paciente receba informações claras e reais sobre o possível custo final de sua internação em caráter particular; 1 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Que a Santa Casa de Ponta Grossa promova o ressarcimento dos valores cobrados indevidamente aos pacientes em questão e busque, junto ao gestor competente, receber, por via administrativa, os valores referentes a estas internações, calculados pela Tabela SIH/SUS.” Assim, em que pese a responsabilização criminal ter sido providenciada em inquérito policial e não deter o Ministério Público, a princípio, legitimidade ativa para ação de indenização pelos danos morais e materiais, não há dúvidas que o feito comporta diligências para evitar que situações dramáticas e ilícitas como aqui noticiadas não se repitam. A intervenção é oportuna em caráter difuso, na tutela dos interesses individuais indisponíveis (vida e saúde) de todos as pessoas que venham a ser atendidas em caráter de urgência ou emergência na Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa. Especial atenção é recomendável porque o relatório de fls. 82/91 deixa evidente que o caso concreto não era episódio isolado, mas fruto de uma “política equivocada daquele hospital, com prática que contraria os ditames do SUS, acrescenta sofrimento aos pacientes e seus familiares e vai de desencontro aos princípios basilares das Santas Casas, a misericórdia e a filantropia” (fls. 86). No caso vertente, a auditoria do DENASUS concluiu que o paciente XXXXXXXXX, então em estado de emergência (o que se infere pela mera leitura de seu prontuário ao ser internado na UTI, em fls. 46 – “em coma”) foi atendido no ambulatório da Santa Casa e de pronto internada na UTI dessa casa de saúde de Ponta Grossa. Portanto, seu atendimento imediato em leito de UTI era imperativo, sob pena de, não o fazendo, incorrer o médico ou a autoridade responsável em, no mínimo, delito de omissão de socorro. Assim, não havia ao pai da paciente possibilidade de “opção” pelo tratamento em caráter particular, como bem apontou o DENASUS em fls. 86. Também foi ilícita a exigência de cheque-caução, o que já era vedado, na época, pela Lei Estadual n. 12.970, de 25 de outubro de 2000, e hoje é tipificado como crime, pelo art. 1º da Lei n. 12.653, de 28 de maio de 2012, que acrescentou o art. 135-A ao Código Penal e também em seu art. 2º obriga todos os estabelecimentos de saúde que realizem atendimento médico-hospitalar emergencial “a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial´”. É claro que vários anos se passaram desde então, sendo certamente hoje diversa a situação em Ponta Grossa, inclusive em face de recente regulamentação da matéria com a atual Política Nacional de Atenção às Urgências, da Portaria n. 1600/2011, que conferiu ao atendimento em urgência e emergência de 2 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública natureza clínica (embora evidentemente necessário e devido a todos os que dele necessitarem em razão dos princípios da integralidade e da resolutividade (art. 7º, II e VIII, da Lei n. 8080/90), a natureza de diretriz, em seu art. 2º: “Art. 2° Constituem-se diretrizes da Rede de Atenção às Urgências: I - ampliação do acesso e acolhimento aos casos agudos demandados aos serviços de saúde em todos os pontos de atenção, contemplando a classificação de risco e intervenção adequada e necessária aos diferentes agravos; II - garantia da universalidade, equidade e integralidade no atendimento às urgências clínicas, cirúrgicas, gineco-obstétricas, psiquiátricas, pediátricas e às relacionadas a causas externas (traumatismos, violências e acidentes); (...) IV - humanização da atenção garantindo efetivação de um modelo centrado no usuário e baseado nas suas necessidades de saúde; (...) VI - articulação e integração dos diversos serviços e equipamentos de saúde, constituindo redes de saúde com conectividade entre os diferentes pontos de atenção; (...) XIII - regulação articulada entre todos os componentes da Rede de Atenção às Urgências com garantia da equidade e integralidade do cuidado; e (...) Nesse sentido, também é útil que a Promotoria de Justiça, na via própria, apure a respeito da atual organização da rede municipal de atenção às urgências e emergências, instando a gestão local do SUS a apresentar o Plano Municipal de Atenção às Urgências e Emergências, de que trata a Portaria GM-MS n. 1600/2011, a contemplar inclusive e sobretudo a integração na rede estadual do SAMU e dos transportes de urgência da respectiva Central de Regulação de Leitos, com todas as garantias ora referidas. 4. Em vista do exposto, sugere-se a conversão do feito em diligência, nos seguintes termos: 3 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública a) expedição de recomendação administrativa à 3ª Regional de Saúde da SESA-PR, com cópia ao Conselho Municipal de Saúde de Ponta Grossa e ao Conselho Estadual de Saúde do Paraná, para “Que sejam mantidos e intensificados pelo gestor os mecanismos de controle sobre os leitos de UTI e leitos hospitalares em geral para assegurar aos usuários do SUS acesso ao tratamento hospitalar, principalmente, nas situações de urgência/emergência”, como sugerido pelo DENASUS em fls. 63;” b) expedição de recomendação administrativa à Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa, com cópia ao Conselho Municipal de Saúde de Ponta Grossa e à 3ª Regional da SESA-PR, para que: b.1) adote as três providências sugeridas pelo DENASUS em fls. 63: “Que a Santa Casa de Misericórdia utilize o expediente da Declaração de Opção pelo Atendimento Particular apenas quando houver a disponibilidade imediata de internação pelo SUS; Que ao assinar o Termo de Responsabilidade o paciente receba informações claras e reais sobre o possível custo final de sua internação em caráter particular; Que a Santa Casa de Ponta Grossa promova o ressarcimento dos valores cobrados indevidamente aos pacientes em questão e busque, junto ao gestor competente, receber, por via administrativa, os valores referentes a estas internações, calculados pela Tabela SI/SUS”; b.2) providencie a afixação de cartaz, nos termos do art. 85 da Lei Estadual n. 13331, de 23 de novembro de 2001 (Código de Saúde do Estado do Paraná), em local visível e de maior acesso dos usuários, placa ou cartaz, onde obrigatoriamente conste a proibição da cobrança pelos serviços prestados pelo SUS, bem como também nos termos do art. 2º da Lei n. 12.653, de 28 de maio de 2012, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial”. Propõe-se ainda ao Promotor de Justiça a instauração de inquérito civil ou procedimento preparatório em apartado (instruído pelo menos com cópia dos documentos de fls. 57/67 e da presente) para apurar a atual organização da rede municipal de atenção às urgências e emergências, instando a gestão local do SUS a apresentar o Plano Municipal de Atenção às Urgências e Emergências, de que trata a Portaria GM-MS n. 1600/2011, a contemplar inclusive e sobretudo a integração na rede estadual do SAMU e dos transportes de urgência da respectiva Central de Regulação de Leitos . 4 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Essas são as colocações iniciais que este CAO entende oportunas nesse momento, ressaltando continuar à disposição para esclarecimentos posteriores que se fizerem necessários. Curitiba, 30 de agosto de 2012. FERNANDA NAGL GARCEZ Promotora de Justiça MARCO ANTONIO TEIXEIRA Procurador de Justiça 5