Parecer CAOP Saúde Ref. 065 - Centro de Apoio Operacional das

Propaganda
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública
PPR MPPR XXXXXX, da Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública da
Comarca de Ponta Grossa
1. O Senhor Conselheiro do Conselho Superior do
Ministério Público, doutor Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini, encaminhou
os presentes autos de inquérito civil, originário da Comarca de Ponta Grossa, a este
CAO de Proteção à Saúde Pública para manifestação a sobre o arquivamento em
reexame necessário.
2. Cuida-se de inquérito instaurado a partir de
representação de XXXXXXX, noticiando que seu marido, ao ser atendida em caráter
de emergência na Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa, foi internado em
leito de UTI com cobranças de pagamento. Esclarece que trouxe o marido de
ambulância, transferida de hospital da cidade de Wenceslau Braz no qual aguardava
vaga pela Central Estadual de Regulação de Leitos, e que, ao chegar na Santa
Casa, teve que optar pelo tratamento particular, assinando contratos de prestação de
serviços, porque os leitos do SUS estariam todos ocupados, inclusive com
pagamento de cheque como caução. Também alegou que alguns dias depois a
Santa Casa informou existir vaga em outro hospital, mas que a remoção do paciente
somente seria autorizada quando “efetuasse o pagamento de todas as despesas
relativas aos dias que seu marido permaneceu internado”, razão pela qual buscou
intervenção do Ministério Público, para “transferência de seu marido para a UTI do
Hospital Cidade, sem a condição do pagamento imediato das despesas
hospitalares”.
Após remessa do prontuário médico do paciente (fls.
42/47) e prestação de informações por parte da 3ª Regional de Saúde da SESA-PR,
a Promotoria de Justiça solicitou auditoria do Departamento Nacional de Auditorias
do Ministério da Saúde (DENASUS), em fls. 87, cujo relatório final, acostado em fls.
58/65, apresenta quatro recomendações que requerem atenção:
“Que sejam mantidos e intensificados pelo gestor os
mecanismos de controle sobre os leitos de UTI e leitos hospitalares em geral para
assegurar aos usuários do SUS acesso ao tratamento hospitalar, principalmente, nas
situações de urgência/emergência;
Que a Santa Casa de Misericórdia utilize o expediente da
Declaração de Opção pelo Atendimento Particular apenas quando houver a
disponibilidade imediata de internação pelo SUS;
Que ao assinar o Termo de Responsabilidade o paciente
receba informações claras e reais sobre o possível custo final de sua internação em
caráter particular;
1
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública
Que a Santa Casa de Ponta Grossa promova o
ressarcimento dos valores cobrados indevidamente aos pacientes em questão e
busque, junto ao gestor competente, receber, por via administrativa, os valores
referentes a estas internações, calculados pela Tabela SIH/SUS.”
Assim, em que pese a responsabilização criminal ter sido
providenciada em inquérito policial e não deter o Ministério Público, a princípio,
legitimidade ativa para ação de indenização pelos danos morais e materiais, não há
dúvidas que o feito comporta diligências para evitar que situações dramáticas e
ilícitas como aqui noticiadas não se repitam.
A intervenção é oportuna em caráter difuso, na tutela dos
interesses individuais indisponíveis (vida e saúde) de todos as pessoas que venham
a ser atendidas em caráter de urgência ou emergência na Santa Casa de
Misericórdia de Ponta Grossa. Especial atenção é recomendável porque o relatório
de fls. 82/91 deixa evidente que o caso concreto não era episódio isolado, mas fruto
de uma “política equivocada daquele hospital, com prática que contraria os ditames
do SUS, acrescenta sofrimento aos pacientes e seus familiares e vai de desencontro
aos princípios basilares das Santas Casas, a misericórdia e a filantropia” (fls. 86).
No caso vertente, a auditoria do DENASUS concluiu que
o paciente XXXXXXXXX, então em estado de emergência (o que se infere pela mera
leitura de seu prontuário ao ser internado na UTI, em fls. 46 – “em coma”) foi
atendido no ambulatório da Santa Casa e de pronto internada na UTI dessa casa de
saúde de Ponta Grossa.
Portanto, seu atendimento imediato em leito de UTI era
imperativo, sob pena de, não o fazendo, incorrer o médico ou a autoridade
responsável em, no mínimo, delito de omissão de socorro. Assim, não havia ao pai
da paciente possibilidade de “opção” pelo tratamento em caráter particular, como
bem apontou o DENASUS em fls. 86.
Também foi ilícita a exigência de cheque-caução, o que já
era vedado, na época, pela Lei Estadual n. 12.970, de 25 de outubro de 2000, e hoje
é tipificado como crime, pelo art. 1º da Lei n. 12.653, de 28 de maio de 2012, que
acrescentou o art. 135-A ao Código Penal e também em seu art. 2º obriga todos os
estabelecimentos de saúde que realizem atendimento médico-hospitalar
emergencial “a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com a seguinte
informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou
de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários
administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial´”.
É claro que vários anos se passaram desde então, sendo
certamente hoje diversa a situação em Ponta Grossa, inclusive em face de recente
regulamentação da matéria com a atual Política Nacional de Atenção às Urgências,
da Portaria n. 1600/2011, que conferiu ao atendimento em urgência e emergência de
2
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública
natureza clínica (embora evidentemente necessário e devido a todos os que dele
necessitarem em razão dos princípios da integralidade e da resolutividade (art. 7º, II
e VIII, da Lei n. 8080/90), a natureza de diretriz, em seu art. 2º:
“Art. 2° Constituem-se diretrizes da Rede de Atenção às
Urgências:
I - ampliação do acesso e acolhimento aos casos
agudos demandados aos serviços de saúde em todos os pontos de atenção,
contemplando a classificação de risco e intervenção adequada e necessária aos
diferentes agravos;
II - garantia da universalidade, equidade e integralidade
no atendimento às urgências clínicas, cirúrgicas, gineco-obstétricas, psiquiátricas,
pediátricas e às relacionadas a causas externas (traumatismos, violências e
acidentes);
(...)
IV - humanização da atenção garantindo efetivação de
um modelo centrado no usuário e baseado nas suas necessidades de saúde;
(...)
VI - articulação e integração dos diversos serviços e
equipamentos de saúde, constituindo redes de saúde com conectividade entre os
diferentes pontos de atenção;
(...)
XIII - regulação articulada entre todos os componentes
da Rede de Atenção às Urgências com garantia da equidade e integralidade do
cuidado; e
(...)
Nesse sentido, também é útil que a Promotoria de Justiça,
na via própria, apure a respeito da atual organização da rede municipal de atenção
às urgências e emergências, instando a gestão local do SUS a apresentar o Plano
Municipal de Atenção às Urgências e Emergências, de que trata a Portaria GM-MS
n. 1600/2011, a contemplar inclusive e sobretudo a integração na rede estadual do
SAMU e dos transportes de urgência da respectiva Central de Regulação de Leitos,
com todas as garantias ora referidas.
4. Em vista do exposto, sugere-se a conversão do feito
em diligência, nos seguintes termos:
3
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública
a) expedição de recomendação administrativa à 3ª
Regional de Saúde da SESA-PR, com cópia ao Conselho Municipal de Saúde de
Ponta Grossa e ao Conselho Estadual de Saúde do Paraná, para “Que sejam
mantidos e intensificados pelo gestor os mecanismos de controle sobre os leitos de
UTI e leitos hospitalares em geral para assegurar aos usuários do SUS acesso ao
tratamento hospitalar, principalmente, nas situações de urgência/emergência”, como
sugerido pelo DENASUS em fls. 63;”
b) expedição de recomendação administrativa à Santa
Casa de Misericórdia de Ponta Grossa, com cópia ao Conselho Municipal de Saúde
de Ponta Grossa e à 3ª Regional da SESA-PR, para que:
b.1) adote as três providências sugeridas pelo DENASUS
em fls. 63:
“Que a Santa Casa de Misericórdia utilize o expediente da
Declaração de Opção pelo Atendimento Particular apenas quando houver a
disponibilidade imediata de internação pelo SUS;
Que ao assinar o Termo de Responsabilidade o paciente
receba informações claras e reais sobre o possível custo final de sua internação em
caráter particular;
Que a Santa Casa de Ponta Grossa promova o
ressarcimento dos valores cobrados indevidamente aos pacientes em questão e
busque, junto ao gestor competente, receber, por via administrativa, os valores
referentes a estas internações, calculados pela Tabela SI/SUS”;
b.2) providencie a afixação de cartaz, nos termos do art.
85 da Lei Estadual n. 13331, de 23 de novembro de 2001 (Código de Saúde do
Estado do Paraná), em local visível e de maior acesso dos usuários, placa ou cartaz,
onde obrigatoriamente conste a proibição da cobrança pelos serviços prestados pelo
SUS, bem como também nos termos do art. 2º da Lei n. 12.653, de 28 de maio de
2012, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução,
de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de
formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar
emergencial”.
Propõe-se ainda ao Promotor de Justiça a instauração de
inquérito civil ou procedimento preparatório em apartado (instruído pelo menos com
cópia dos documentos de fls. 57/67 e da presente) para apurar a atual organização
da rede municipal de atenção às urgências e emergências, instando a gestão local
do SUS a apresentar o Plano Municipal de Atenção às Urgências e Emergências, de
que trata a Portaria GM-MS n. 1600/2011, a contemplar inclusive e sobretudo a
integração na rede estadual do SAMU e dos transportes de urgência da respectiva
Central de Regulação de Leitos .
4
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública
Essas são as colocações iniciais que este CAO entende
oportunas nesse momento, ressaltando continuar à disposição para esclarecimentos
posteriores que se fizerem necessários.
Curitiba, 30 de agosto de 2012.
FERNANDA NAGL GARCEZ
Promotora de Justiça
MARCO ANTONIO TEIXEIRA
Procurador de Justiça
5
Download