MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MINAS GERAS
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS
PRE/J/2012 - RE - P _____
RECURSO ELEITORAL nº 132-32.2012.6.13.0304
RECORRENTE: Partido Progressista – PP
RECORRIDA: Lázara Maria Paulino Rosa
RELATOR: Juiz Maurício Pinto Ferreira
304ª ZE – Iguatama/MG
O
MINISTÉRIO
PÚBLICO
ELEITORAL,
por
intermédio
da
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, devidamente instado a manifestar-se, o
faz nos seguintes termos.
Trata-se de recurso interposto contra decisão que deferiu o
alistamento eleitoral da recorrida para o município de Iguatama/MG.
O recorrente sustenta, em síntese, que não restou comprovado o
domicílio da recorrida na cidade, devendo o pedido de transferência eleitoral
ser indeferido.
A recorrida apresentou contrarrazões às fls. 23/24, defendendo
que reside na cidade, tendo em vista o contrato de arrendamento acostado,
assinado pelo seu marido, ressaltando que o referido instrumento foi
devidamente registrado em cartório. Desta forma, afirma que mora no imóvel
arrendado com seu marido e filhos.
É o relatório.
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Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais
Avenida Brasil, 1877, salas 1803/1804. Bairro Funcionários. CEP 30.140-002
Telefone: (31) 2123.9011 - Belo Horizonte/MG
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No que tange ao necessário vínculo com o município, impende
salientar que o conceito de domicílio eleitoral, para fins de inscrição e
transferência, extrai-se dos artigos 4º, parágrafo único e 8º da Lei nº
6.996/82, que assim dispõem:
Art. 4º - O alistamento se faz mediante a inscrição do eleitor.
Parágrafo único - Par a efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar
de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais
de uma, considerar -se-á domicílio qualquer delas.
(...)
Art. 8º - A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as
seguintes exi gências:
(...)
III - residência mí ni ma de 3 (três) meses no novo domicílio, declarada,
sob as penas da lei, pelo próprio eleitor.
Por sua vez, o Provimento nº 017/CRE/2011 da CRE/MG, que
“Expede instruções para revisão do eleitorado com identificação biométrica
em Municípios do Estado de Minas Gerais” estabelece:
Art. 4º A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou
mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente no município
ou nele possuir vínculo familiar, pr ofissional, patrimoni al ou
comunitário a abonar a residência exigida. ( Arts. 64 e 65 da Resol ução nº
21.538/2003/TSE c/c Ac. TSE nº 371.C, de 19.9.96).
(...)
§ 4º Ocorrendo a i mpossibili dade de apresentação de qualquer documento
que identifique o domicílio do eleitor ou subsistindo dúvida quanto à
idoneidade do compr ovante de domicílio apresentado, declarando o
eleitor, sob penas da lei, ter domicílio no município, o Juiz El eitoral
decidirá de plano ou deter minará as providências necessárias à obtenção
da prova, inclusi ve por meio de verificação no local.
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A extensão do conceito de domicílio eleitoral, realizada pelo
referido Provimento 017/CRE/2011, encontra apoio em diversos precedentes
do Tribunal Superior Eleitoral, que em geral definem como sendo o lugar em
que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos . 1
Esta Procuradoria Regional Eleitoral vinha seguindo essa
orientação. Ou seja, entendia -se que se provados vínculos pol íticos, afetivos
ou sociais do eleitor com o município, restaria atendido o requisito
domiciliar para fins de inscrição ou transferência eleitoral.
Contudo, conhecidas e não raras fraudes praticadas em ano
eleitoral com a finalidade de arregimentação de eleitores comprometidos com
determinado candidato, e que resulta, muitas vezes, em um fenômeno
demográfico no município que acaba por ter mais eleitores que habitantes,
como parece ser o caso dos autos, levaram a uma melhor reflexão e mudança
de posição sobre o assunto.
Oportuno o resgate da definição de domicílio da pessoa natural,
segundo o Código Civil que, no artigo 70, estabelece que domicílio é o lugar
onde ela estabelece residência com ânimo definitivo. Vê -se que o legislador,
para definir o domicíl io civil, reuniu dois elementos: um material, ou externo
– a residência, e outro psíquico, ou interno – a intenção de permanecer.
Domicílio civil, pressupõe, portanto, a relação física (residência ou moradia)
da pessoa com o local, além de um outro element o anímico ou subjetivo, a
intenção de ali permanecer.
RESPE Ac. nº 23.721/2004. Publicação: DJ, v. 1, 18/03/2005, p. 184. Relator: Humberto Gomes de
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Barros.
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Não se desconhece que o legislador civil admitiu a pluralidade
de domicílios, considerando a possibilidade de o indivíduo possuir mais de
uma residência de maneira não eventual (art. 71). Para além di sso, pode ser
considerado o domicílio da pessoa natural o lugar onde ela exerça suas
atividades (art. 72), e, por fim, pode -se ainda considerar domiciliada a pessoa
onde for encontrada, desde que não tenha residência permanente (art. 73).
No
entanto,
para
fins
eleitorais,
especificamente
para
a
inscrição eleitoral, o legislador não edificou a definição de domicílio sobre
os mesmos elementos (residência e ânimo de permanência), tendo se
contentado apenas com o primeiro. Assim é que, para fins eleitorais,
considera-se domicílio o lugar de residência ou moradia do eleitor (Lei nº
9.096/82, art. 4º).
Mas isso não autoriza a inferência de que vínculos de natureza
econômica,
profissional,
política,
social
ou
afetiva
possam
instar
a
qualificação jurídica do luga r como domicílio.
Isso
porque,
como
parece
óbvio,
o
elemento
descritivo
(residência ou moradia), que é o ponto nuclear da definição formulada pela
lei eleitoral, traz ínsita a ideia de relação física entre o lugar e a pessoa. Em
outros termos, é necessár io, para a configuração de um domicílio eleitoral,
que no lugar considerado a pessoa disponha de casa, apartamento, barracão
ou outro tipo de imóvel, próprio, alugado ou cedido em comodato, para onde
se recolha, que lhe sirva de abrigo. E, diga -se mais, essa relação física
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somente haverá de se caracterizar como residência ou moradia se for não
eventual.
Não obstante a clareza e perfeita delimitação da definição de
domicílio conferida pela lei eleitoral, diversos precedentes do TSE, como já
apontado, têm emprestado à expressão domicílio eleitoral uma exagerada e
desarrazoada
amplitude
conceitual,
ao
ponto
de
abarcar
no
espectro
conceitual de residência ou moradia situações como a de vínculos políticos,
afetivos ou de parentesco, econômicos, e outros mais.
Com isso se quer dizer que a amplitude conferida ao significado
de domicílio eleitoral nos apontados precedentes refoge, evidentemente, às
possibilidades semânticas que o texto do artigo 4º da Lei nº 9.096/82 oferece.
Não se pretende aqui afirmar que seja a interpretação resultante
do método de análise puramente literal ou gramatical do texto a única
possível. É certo, como há muito já se afirma, que o sentido ou os sentidos
possíveis de um enunciado normativo devem ser revelados a partir de um
processo de interpretação que, conforme o caso, haverá de ser mais ou menos
complexo, mais ou menos elaborado, podendo chegar -se à consideração de
elementos históricos, de análise sistemática, de integração da norma à
realidade (social, política e econômica) e de inte rdisciplinariedade.
É possível que a interpretação, exercitada com apoio em tais
elementos, venha a revelar vários sentidos possíveis da norma, caso em que o
intérprete deverá manifestar preferência por aquele que melhor se ajuste à
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pauta axiológica do sistema ou subsistema normativo em que inserida a
disposição normativa objeto da interpretação.
De ver-se que a demasiada extensão do espectro conceitual de
domicílio eleitoral, apontada nos precedentes do TSE, é uma posição que se
apresenta em desconformidade evidente com o sentido gramatical do
enunciado normativo em exame.
Para ser sustentável juridicamente, essa posição jurisprudencial
dependeria de muito bem articulada fundamentação, digna de um vigoroso
esforço hermenêutico. Entretanto, ao exame das peças do inteiro teor dos
julgados referidos não se encontra mais do que lacônicos argumentos,
reportados nas notas remissas abaixo. 2
Em suas ponderações, Luiz Lênio Streck, considerou a assertiva
de que o sentido gramatical de um enunciado normativo nã o traduz
exatamente o conteúdo da norma, porquanto esse conteúdo só é possível de
ver-se revelado a partir de um processo de interpretação.
Mas é fora de dúvida que não se pode buscar o sentido da
norma absolutamente desconectado do sentido gramatical do texto. Os textos
“Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e
econômicos. A residência é a materialização desses atributos.” Voto do Min. Humberto Gomes de Barros no RESPE
23721.
“ (…) o TSE, ao interpretar os arts. 42 e 55 do Código Eleitoral, tem liberalizado a caracterização do domicílio
eleitoral e admitido o seu deferimento em lugar distinto daquele em que o eleitor mantém o domicílio civil, desde que
demonstrado o vínculo.” Voto do Min. Francisco Peçanha Martins no RESPE 21.829.
“O conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio do direito comum, regido pelo Código
Civil. Mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos políticos e
sociais.” Voto do Min. Sávio de Figueiredo no RESPE 16.397.
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que integram o direito positivo contêm a norma. São textos jurídicos, não
textos contábeis ou religiosos.
Os enunciados normativos podem não dizer exatamente o que é
a norma; podem não esgotar ou mesmo transbordar o seu conteúdo. Porém, a
compreensão do sentido da norma há que partir de um enunciado normativo e
não pode se produzir sem a compreensão de que entre texto e norma,
respectivamente, se estabelece uma relação tal qual aquela que há entre o
ente e o ser.
Por essa razões, e ped indo venia àqueles que comungam da
interpretação conferida pelo c. TSE à norma em questão, está a merecer
revisão o entendimento esposado por aquela Corte Superior. Não se pode
aceitar como domicílio eleitoral, para fins de inscrição ou transferência
eleitoral, qualquer outro vínculo do eleitor com o município que não seja a
residência ou a moradia, conforme estabelece o artigo 4º da Lei nº 9.096/82.
Qualquer outra interpretação da norma que admita diferente
espécie de vínculo transborda os limites hermen êuticos, indo além da leitura
construtiva do direito para contrariar o objeto da interpretação, não podendo
ser aceita sob pena de completa desconexão entre a norma e sua aplicação.
Ainda assim, levando-se em conta que a simples moradia 3 foi considerada
pelo legislador como critério de definição do domicílio eleitoral, é possível
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, moradia e residência se distinguem numa escala de gradação,
onde moradia estaria colocada antes de residência e o que definiria essa posição seria a estabilidade na
habitação. (Instituições de Direito Civil, v. I, 21ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 371)
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que o eleitor possua dois domicílios, podendo legitimamente inscrever -se ou
transferir sua inscrição para qualquer um deles.
Seria, por exemplo, o caso daqueles que durante a se mana
trabalham nos grandes centros e lá estabelecem moradia para esse fim, no
entanto residem em município do interior, onde pretendem permanecer
independentemente de eventuais alterações em suas atividades profissionais.
Nesses casos estaria estabelecido o vínculo exigido pela lei eleitoral para
inscrição ou transferência em qualquer dos municípios. Porém não em meras
relações familiares, econômicas ou sociais.
Nessa linha de ideias, no caso em apreço a recorrida logrou
êxito em comprovar o domicílio na cidade de Iguatama. Juntou a cópia do
contrato de arrendamento, com o reconhecimento de firmas datado da época
da celebração do negócio, referente à imóvel situado no município. Além
disso, a recorrida foi encontrada no endereço constante do contrato, conf orme
mandado de citação de fls. 20/21.
Como para a transferência eleitoral cabe ao interessado provar
o vínculo, e foi produzida prova pela demandada, não merece provimento o
pleito.
Ante o exposto, manifesta -se o MINISTÉRIO PÚBLICO
ELEITORAL,
por
intermédio
da
PROCURADORIA
REGIONAL
ELEITORAL, pelo não provimento do recurso .
Belo Horizonte, 17 de julho de 2012.
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EDUARDO MORATO FONSECA
PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL
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