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Tudo por fama, glória e dinheiro
Em 23 de abril de 1984, uma descoberta atraiu a atenção até mesmo de quem não
se interessa por ciência. Em Bethesda, cidade no estado americano de Maryland, o
Instituto Nacional de Saúde anunciou que o vírus da Aids havia sido isolado pelo
doutor Robert Gallo. Em 28 de maio do ano seguinte, os americanos registraram a
patente do método de diagnóstico dos anticorpos por meio de exame sorológico. O
problema é que o mesmo anúncio tinha sido feito, em 1983, pelo francês Luc
Montagnier, do Instituto Pasteur de Paris. Começava, então, uma briga, por fama,
glória e dinheiro, repleta de idas e vindas.
De acordo com Montagnier, Gallo fizera seus estudos com amostras enviadas da
França. Gallo negou. O francês, então, alegou ser possível que o americano não
tivesse roubado a descoberta intencionalmente, apenas se precipitado ao divulgar
os resultados de suas pesquisas. A longa briga envolveu periódicos científicos,
como a revista Nature, em mais um capítulo intrincado, numa discussão que durou
dez anos.
Em 1985, o Instituto Pasteur iniciou um processo judicial contra seu congênere
americano, pelo direito à patente do método de diagnóstico, que tentava registrar
nos Estados Unidos desde 1983 e do qual havia perdido a prioridade. Gallo foi
acusado de falsificar suas pesquisas para patentear o método de diagnóstico, que
rende milhões de dólares em royalties. Em 1987, a querela ainda perdurava, e
Montagnier e Gallo insistiam em reivindicar os direitos sobre a descoberta. Naquele
ano, fariam um acordo, assinado também pelos presidentes dos Estados Unidos e
da França, para serem declarados co-descobridores e dividirem os US$ 6 milhões
anuais em direitos.
O acordo foi desfeito, em dezembro de 1992, depois de o Departamento de Saúde
e Serviços Humanos dos Estados Unidos julgar que Gallo mentira para tirar todo o
mérito do trabalho de Montagnier. No ano seguinte, o Escritório para a Integridade
das Pesquisas, ao qual caberia decidir se Gallo responderia pela acusação,
considerou as provas insuficientes, aceitando a argumentação de que não ocorrera
má-fé ou fraude. Na verdade, o americano foi salvo por um terceiro personagem,
Mikulas Popovic. O tcheco, que trabalhava no mesmo laboratório de Gallo, era alvo
de um processo paralelo, acusado de ser o principal fraudador das pesquisas.
Posteriormente, o Departamento de Saúde admitiu que o processo contra Popovic
foi conduzido de forma apressada e que não existiam evidências para incriminá-lo.
Por não conhecer perfeitamente o idioma inglês, ele teria cometido erros de
linguagem. Finalmente, em 1994, as autoridades americanas admitiram que a
primazia da descoberta era dos franceses.
Fonte
TUDO por fama, glória e dinheiro. O Globo. Rio de Janeiro, n. 30, 1999. Globo
2000, p. 702.
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