Construção institucional e democracia no Mercosul Luiz Augusto Estrella Faria * e Carlos Augusto Cardoso Gorito ** 1. Introdução Os princípios a regerem o processo de integração no Mercosul são o equilíbrio, a reciprocidade, o gradualismo e a flexibilidade. A obediência a tais princípios foi o caminho traçado pelos Estados parte para a consecução dos objetivos de um desenvolvimento compartilhado com democracia e justiça social. Depois de 16 anos de vigência, os passos dados até o presente na construção institucional do Mercosul estão não apenas distantes da fidelidade ao compromisso original como ainda muito longe da meta de um futuro de prosperidade comum. Para avaliar as razões dessa situação, é necessário o estudo do processo de construção institucional do bloco econômico sulamericano, analisando seus instrumentos na forma de normas e organismos tendo em vista verificar sua eficácia e seu compromisso com os princípios e objetivos do Mercosul. O Tratado de Assunção definiu que “a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social” (Tratado, 1991). Igualmente, estabeleceu que a formação do bloco era uma maneira de alcançar “uma adequada inserção internacional para seus países”. Em um trabalho anterior (Faria, 2004), analisou-se tanto a formação do Mercosul como as perspectivas para a consecução desses objetivos comuns à luz dos fatos e conquistas da integração até o ano 2000. As dificuldades externas dos países, resultado de um endividamento com o exterior agudizado pela abertura comercial, traduziu-se em desequilíbrio na conta * Economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre. ** Acadêmico de relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre e Bolsista PIBIC do CNPq. corrente dos balanços de pagamentos, condicionando o processo em sua fase inicial de expansão e, posteriormente, crise, entre 1991 e 1999. De lá para cá, muitas dessas circunstâncias se modificaram. A restrição externa foi, em larga medida, neutralizada pelo grande crescimento do comércio internacional depois de 2001, o qual propiciou um acúmulo de saldos positivos em conta corrente em favor dos membros do bloco. Da mesma forma, esse crescimento das exportações propiciou taxas positivas de variação do PIB bastante expressivas para a maior parte dos países da região, criando a possibilidade de superação de outro obstáculo, o baixo crescimento do mercado interno regional. Na primeira fase do Mercosul, a coexistência dos regimes cambiais quase fixos viabilizou um aumento da corrente de comércio intrabloco, responsável pela consolidação do processo de integração. Entretanto, a elevação do passivo externo, conseqüência da necessidade de financiar a manutenção da paridade cambial, está na raiz da crise da região. Após a sucessão de choques nos mercados financeiros internacionais que começou em 1995 no México, passou pela Ásia em 1997 e pelo Brasil em 1998, até atingir Nova Iorque em 2000, um novo regime cambial mais flexível foi adotado, primeiramente pelo Brasil em 1999 e depois pela Argentina em 2001. Embora a perspectiva de uma solução definitiva para a restrição externa permaneça controversa na literatura, novas oportunidades surgiram. A retomada do crescimento mundial desde 2001 possibilitou uma melhoria significativa na situação do balanço de pagamentos. O começo do novo século descortinou um novo quadro para as relações externas do Brasil e da região, que combina crescimento acelerado das exportações e uma maior solvência externa. Uma questão central que precisa ser respondida é se essa combinação pode representar uma superação duradoura da restrição externa, como sugere, entre outros, Tavares (2005), e, em que medida, a nova situação afeta o processo de integração sul-americano. O processo de integração foi, em sua primeira etapa, orientado para o mercado interno regional. Paradoxalmente, o ambiente macroeconômico resultante do padrão de política econômica adotado tem sido um fator permanentemente restritivo para a demanda efetiva dentro do bloco. Principalmente no caso do Brasil, adepto de uma ortodoxia particularmente rígida em seu regime de metas de inflação, mas também nos demais países, combinam-se aperto monetário e contenção de gasto público, fatores restritivos ao investimento e sinalizadores de expectativas negativas para a iniciativa privada. Além disso, a livre movimentação de capitais gerou uma circunstância em que a taxa de câmbio passou ser fortemente influenciada pelo mercado financeiro, em razão do que, seu curso pode-se tornar um fator negativo para o bom desempenho do comércio exterior. A pergunta central diz respeito a quais são as características dessa nova etapa. A preponderância do mercado interno caracterizou a fase anterior, ao passo que, nesta etapa, a integração estaria mais orientada para o mercado mundial. Necessariamente, a resposta a essa questão vai depender principalmente do que se passa no Brasil, a principal economia do bloco, das iniciativas de seus principais atores, o governo e as grandes empresas. Um caso específico é o da industria automotiva, que vem sinalizando para uma nova estratégia mais orientada para a exportação. Um segundo ponto de grande relevância é o processo de ampliação da união aduaneira pela adesão de novos membros, especialmente o significado do ingresso da Venezuela que forma, junto com Brasil e Argentina, um eixo industrial na América do Sul.1 Neste trabalho, procuraremos levantar algumas questões preliminares para uma análise da construção institucional do Mercosul, avaliando os limites dados por sua natureza intergovernamental, os avanços até o presente e as contingências para um aprofundamento da integração e para seu conteúdo democrático, mais especificamente, a participação da sociedade no processo. 2. A Dimensão Social da Integração Para que a participação política e a democracia dentro do Mercosul sejam discutidas, faz-se necessário tratar da chamada dimensão social dos processos de integração. Segundo a análise de Bianculli (2005, p. 5-6), a dimensão social da integração regional pode ser dividida em três linhas principais: a) reação defensiva contra as externalidades negativas da integração; b) a construção de uma “identidade comunitária”; e c) a participação da sociedade civil. Na linha da reação defensiva, a dimensão social se refere às políticas cujo foco são os efeitos sociais negativos que surgem como conseqüência do processo de 1 Colômbia e Peru também seriam parte desse eixo industrial. Entretanto, sua adesão à proposta de livrecomércio norte-americana, coloca-os numa perspectiva bem diversa. integração e que não podem ser tratadas apenas no âmbito nacional ou sub-nacional. Assim, “mais do que se fixar nos danos compensatórios, a dimensão social tem como objetivo avançar a integração prestando atenção ao desenvolvimento social” (PODESTÁ apud PAOLO, 2003). Uma vez que a integração regional traz grandes benefícios, mas também altos custos sociais, é fundamental evitar que as assimetrias se aprofundem e que o déficit de participação social não seja ignorado, de maneira a permitir a continuidade e sustentabilidade deste processo. Por outro lado, há autores que interpretam que, mesmo sendo tomada, em geral, como um conjunto de mecanismos compensatórios dos efeitos negativos da integração, o componente mais importante da dimensão social é exatamente promover a integração em conjunto com o desenvolvimento social, “gerando condições favoráveis para uma maior simetria em termos de oportunidades, benefícios e direitos como parte da construção de uma rede regional de proteção social” (VAZ, 2001, p. 6). Entretanto, tais vieses não comportam uma terceira linha da dimensão social, a saber, a participação da sociedade civil, na medida em que tais atores são também os “destinatários últimos do processo de integração” (BIZZOZERO, 2000). Ainda, contribuiria para o reforço de tal discussão os debates sobre a “insuficiência de democracia nas instituições democráticas, falta de transparência nos procedimentos de tomada de decisão, debilidade dos parlamentos, excessivo poder de certos paísesmembro e sobretudo o déficit democrático da parte do cidadão comum que se sente impotente para influir sobre tomadas de decisão distantes do seu entorno, mas que incidem em seu cotidiano” (GRANDI, 1998, p. 84). Grandi (1998) aborda a dimensão social nos processos de integração a partir de dois déficits principais, um social e um democrático. Enquanto o primeiro seria relacionado com o “déficit social histórico, o déficit da ‘década perdida’, e o déficit social originado por certas políticas de ajuste”2, o déficit democrático viria da participação de atores governamentais em formular uma direção, uma orientação e uma liderança, além da negociação e execução dos processos de integração, com escassa ou nula atuação de outros agentes (GRANDI, 1998, p. 96). 2 GRANDI, 1998, p. 96. Tradução dos autores. É a partir desta abordagem que pretendemos analisar a democracia e a construção institucional no Mercosul. Conforme colocam Geneyro e Vazquez (2006), o debate em torno da construção institucional de um bloco leva implicitamente a outras questões, como o modelo de integração, o modelo de democracia, e o modelo de desenvolvimento nacional e regional. “Dependendo dos atores que participam no processo decisório, as opções de política de integração serão, evidentemente, diferentes, e fundamentalmente, mais ou menos legítimas e eficazes” (GENEYRO & VAZQUEZ, 2007, p. 12). Dessa forma, a partir de suas duas principais instituições destinadas à representação da sociedade civil, o Foro Consultivo Econômico e Social e o Parlamento do Mercosul, pretende-se analisar a participação política e o chamado “déficit democrático” do Mercosul. 3. A evolução da dimensão social no Mercosul A evolução da dimensão social mercosulina pode ser dividida, segundo a interpretação de Draibe (2007) e Paolo (2003), em dois períodos básicos: a primeira etapa, chamada de “transição”, seria compreendida entre a assinatura do Tratado de Assunção (1991) e o Protocolo de Ouro Preto (1994); a segunda, ou “consolidação” 3, ocorreria após a entrada em vigência do dito protocolo. Tal periodização, bastante lógica, está diretamente relacionada à estrutura institucional existente nos dois primeiros períodos. Draibe (2007, p. 177) afirma que “o MERCOSUL não nasceu com uma agenda social dotada de autonomia, embora certas dimensões sociais da integração tenham estado obviamente presentes em suas preocupações originais”. Dentro destas preocupações originais, refere-se aqui ao Preâmbulo do Tratado de Assunção, que assinala como fim último do processo de integração “o desenvolvimento econômico com justiça social” e “melhorar a qualidade de vida dos habitantes da região”. Entretanto, conforme destacado por Paolo (2000), o Tratado não estabelece nenhum espaço institucional específico para o tratamento dos temas sociais. O mesmo autor afirma que, neste primeiro período, a dimensão social do Mercosul tem como 3 PAOLO, 2003. Tradução dos autores. protagonista a Subcomissão 11, Subgrupo de Trabalho de Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social, integrada por representantes patronais, trabalhistas e governamentais, oriunda da pressão dos setores sindicais, e cujas atividades centraramse na elaboração de um diagnóstico da situação sócio-trabalhista nos países membros. Bizzozero (2000) acrescenta ainda a conformação da Reunião de Ministros de Educação e Cultura como um outro componente da dimensão social do Mercosul na fase de transição, e reforça a idéia de Paolo de que tais espaços são oriundos da pressão das Centrais Sindicais e não do Tratado em si. A assinatura do Protocolo de Ouro Preto e a posterior criação da nova estrutura institucional do Mercosul marcam uma nova fase para a dimensão social do bloco, ao estabelecer dois órgãos que reestruturam e incorporam a representação de setores políticos e sociais: o Foro Consultivo Econômico e Social (FCES) e a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC). O FCES tem funções consultivas, e se manifesta mediante Recomendações ao Grupo Mercado Comum. Ainda, tem como objetivos o desenvolvimento de atividades e propostas destinadas a promover a coesão, assim como o progresso econômico e social da região, no marco da criação de um mercado comum; acompanhar e analisar os impactos econômicos e sociais das políticas de integração, em nível setorial, nacional e sub-regional; sugerir políticas socioeconômicas e normas destas derivadas aplicáveis ao processo de integração; e promover a participação da sociedade civil e sua integração ao processo de construção do Mercosul, destacando sua dimensão social (PAOLO, 2003). Ainda que o Protocolo de Ouro Preto seja superficial sobre a conformação do FCES, estabelecendo apenas que este será integrado por igual número de representantes por Estado Parte (art. 28), a necessidade de homologação do regimento interno pelo Grupo Mercado Comum (art. 30) e que o valor jurídico das recomendações que venha a fazer ao GMC terá apenas caráter consultivo (art. 29), Bizzozero afirma que “sua constituição, a possibilidade de ampliar os setores que participam já ativamente, como observadores ou em comissões específicas, seu âmbito de competência (...) e seu próprio funcionamento, deixaram aberta a porta de uma perspectiva de construção da participação dos atores” (BIZZOZERO, 2000). Para Paolo, “o FCES representa o avanço mais significativo da estrutura institucional do Mercosul na temática social” (PAOLO, 2003). O Regimento interno do FCES, homologado pelo Grupo Mercado Comum através da Resolução 68/96 estabeleceu a estrutura do Foro, cujo órgão máximo é o Plenário, e no qual cada Seção Nacional tem nove delegados, num total de 36, realizando no mínimo uma reunião por semestre. A determinação e a escolha das organizações representativas dos setores econômicos sociais é determinada pela Seção Nacional correspondente, desde que seja observada paridade na designação de delegados de organizações de trabalhadores e empresários. As decisões e recomendações do Plenário devem ser tomadas por consenso, salvo se sua atuação se der em resposta a uma consulta de outro órgão do Mercosul, quando na ausência de consenso são elevadas todas as posições. Para Almeida (1999), sendo as bases reais do bloco econômicas e comerciais, a questão social o processo de integração acaba sendo deixado em segundo plano, de modo que “dificilmente pode colocar-se de maneira prioritária nos movimentos de aproximação econômica” (ALMEIDA, 1999, p.21). Para o autor, a própria tipologia da de integração partiria do pressuposto comercial, seguindo a seqüência clássica dos processos de integração. O autor coloca ainda que o Mercosul ganhe uma “face social”, através do FCES, “seu impacto efetivo é propriamente secundário, para não falar de escassos resultados práticos para o desenvolvimento do processo de integração” (ALMEIDA, 1999, p. 29). A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) foi criada pelo Protocolo de Ouro Preto como parte da estrutura do Mercosul e órgão representativo dos Parlamentos dos Estados partes. A CPC teria funções colaborativas para com o Conselho Mercado Comum, a quem se manifesta, a saber: procurar a acelerar os procedimentos de incorporação das normas emanadas dos órgãos do Mercosul junto aos ordenamentos jurídicos internos; coadjuvar na harmonização das legislações dos Estados partes, onde pertinente, a fim de fortalecer o processo de integração; examinar temas prioritários por solicitação do Conselho Mercado Comum; e encaminhar recomendações ao Conselho, por meio do Grupo Mercado Comum. Faria (2002, p. 38) destaca que, dada sua atuação em nome dos Parlamentos Nacionais, a CPC não teria a rigor natureza de órgão da estrutura do Mercosul, uma vez que agiria no interesse dos Congressos Nacionais. Além disso, destaca o autor, “o fato de não poder enviar recomendações diretamente ao Conselho inferioriza a (...) Comissão na estrutura interna do Mercosul (...) [pois] a interposição do Grupo no encaminhamento das recomendações desequilibra a posição da Comissão na estrutura organizacional do Mercosul” (FARIA, 2002, p.38). Geneyro e Vazquez (2006) destacam o papel dos Parlamentos e Congressos nas democracias representativas, enquanto “espaços para o exercício mediado da soberania popular, para a busca pacífica do consenso, da resolução de conflitos em sociedades complexas e, finalmente, para a legitimação do processo político” (GENEYRO & VAZQUEZ, 2006, p. 12-13). Dessa forma, o desempenho de certas funções, como a representativa, a de legitimação, a legislativa, e a de controle, está intrinsecamente vinculado ao papel histórico destas instituições. Continuam os autores: “A reflexão sobre a dimensão parlamentar de um processo de integração é, portanto, indispensável e implica pensar sobre até que ponto há uma intervenção real das construções parlamentares no processo político, quer dizer, na elaboração de decisões políticas, a fim de garantir sua correspondência com a vontade popular” 4. O caráter secundário tanto do FCES como da CMC, a incapacidade desta em exercer suas funções fundamentais, e a condição consultiva a que se reduzem suas resoluções, põem em xeque a competência e capacidade destes órgãos enquanto representantes efetivos dos povos do Mercosul. Faria (2002, p.38) destaca a posição de inferioridade do Foro, acentuada em relação à Comissão Parlamentar, uma vez que o Regimento interno desta não está sujeito à homologação pelo Grupo Mercado Comum. Ainda, o caráter nacional das representações presentes na CMC, na acepção de Geneyro e Vazquez (2006), “impede a expressão das divergências internas de cada delegação, assim como uma possível estratégia de construção de alianças ideológicas que transcenda as fronteiras nacionais”5. A decisão do Conselho Mercado Comum 49/04 apresentaria uma mudança importante no quadro institucional de representação do Mercosul. Trata-se da proposta para a constituição de um “Parlamento do Mercosul”, que, aprovada em dezembro de 2005 pelo CMC, afirma convencer-se de que “(...) a instalação do Parlamento do MERCOSUL, com uma adequada representação dos interesses dos cidadãos dos Estados Parte, Significara uma contribuição a qualidade e equilíbrio institucional do MERCOSUL, criando um espaço comum que reflita o pluralismo e as diversidades da região, e que contribua para a democracia, a 4 GENEYRO & VAZQUEZ, 2006, p. 12. Tradução dos autores. 5 GENEYRO & VAZQUEZ, 2006, p. 12-13. Tradução dos autores. participação, a representatividade, a transparência e a legitimidade social no desenvolvimento do processo de integração e de suas normas” 6. O Protocolo estabelece também que, após um período de transição, a CPC seria substituída pelo Parlamento, sendo este integrado por representantes eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, segundo a legislação interna de cada um dos Estados partes, com um mandato de quatro anos. Entre os propósitos do Parlamento do Mercosul, destaca-se, além da natural representação dos povos do bloco, a proposta de “garantir a participação dos atores da sociedade civil no processo de integração”7. Dentre suas numerosas competências, as principais são as seguintes: “velar por la preservación del régimen democrático en los Estados Partes; efectuar pedidos de informes u opiniones por escrito a los Órganos decisorios y consultivos del Mercosur sobre cuestiones vinculadas al desarrollo del proceso de integración; invitar a representantes de los órganos del Mercosur para informar y/o evaluar el desarrollo del proceso de integración; organizar reuniones públicas, sobre cuestiones vinculadas al desarrollo del proceso de integración, con entidades de la sociedad civil y de los sectores productivos; recibir, examinar y canalizar hacia los Órganos decisorios, peticiones de cualquier particular de los Estados Partes; emitir declaraciones, recomendaciones e informes sobre cuestiones vinculadas al desarrollo del proceso de integración, por iniciativa propia o a solicitud de otros Órganos del Mercosur; con el fin de acelerar los procedimientos internos correspondientes a la entrada en vigor de las normas en los Estados Parte, elaborar dictámenes sobre los proyectos de normas del Mercosur que requieran aprobación legislativa en uno o varios Estados Parte; proponer proyectos de normas del Mercosur para su consideración por el CMC; elaborar estudios y anteproyectos de normas nacionales, orientados a la armonización de las legislaciones nacionales de los Estados Partes, los que serán comunicados a los Parlamentos nacionales a los efectos de su eventual consideración; y desarrollar acciones y trabajos conjuntos con los Parlamentos nacionales, con el fin de asegurar el cumplimiento de los objetivos del Mercosur, en articular aquellos relacionados con la actividad legislativa. La aprobación del Protocolo para la constitución del PM constituye un primer paso importante, una condición sine qua non, para avanzar hacia la ampliación de la representación política, la democratización y la legitimación del proceso de integración regional.” 8 6 MERCOSUL/CMC/DEC Nº 23/05. “Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul”. 7 MERCOSUL/CMC/DEC Nº 23/05. “Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul”, Art. 2, §3. 8 GENEYRO & VAZQUEZ, 2006, p. 14. É inegável que a implantação do Parlamento do Mercosul tenha significado um avanço na direção de um bloco mais representativo e democrático. Ainda que suas atribuições sejam limitadas, houve uma ampliação do escopo e da capacidade de ação em relação à CMC, o que permite um maior controle político por parte de seus membros e um salto qualitativo no tipo de relação institucional do bloco. Entretanto, é possível concordar com Geneyro e Vazquez (2006, p. 14), uma vez que “o Parlamento não resolve por si só o importante déficit democrático que caracteriza o Mercosul”. Faz necessária ainda a garantia que o Foro Consultivo Econômico e Social, enquanto representante das organizações sociais dos países membros, seja capaz de emitir resoluções obrigatórias nos assuntos que digam respeito à vida econômica e social dos atores nele representados. 4. A representatividade e o problema do déficit democrático Para avaliarmos a crucial questão do déficit democrático, cujas duas dimensões são a representatividade tanto do Fórum quanto do Parlamento e o escopo de suas atividades, em outras palavras, o seu poder real de influenciar o processo de integração pelo controle que possam exercer sobre as ações dos agentes protagonistas na construção do Mercosul. Se, no plano econômico, o Mercosul pode ser caracterizado como um processo de integração em que está em marcha uma interpenetração de cadeias produtivas com potencial de unificar as economias em um sistema supranacional, o que é verificável através do crescimento do comércio intrafirma, dos processos de fusões e aquisições de empresas e do investimento externo “cruzado”, podemos dizer que esse processo pode ir além do crescimento comercial e se desdobrar na unificação das estruturas produtivas dos países participantes, formando um espaço econômico contínuo, um só mercado. O ponto de chegada dessa trilha seguida até aqui seria a constituição de um sistema econômico unificado em escala regional, através do qual a “construção interrompida”, como chamou Furtado (1992) pudesse retomar seu caminho de desenvolvimento de um capitalismo relativamente autônomo dentro de um novo sistema de fronteiras ampliadas, auto-referenciado, capaz de se autoproduzir e competindo com os outros sistemas assemelhados presentes na cena internacional. A possibilidade da retomada de um desenvolvimento capitalista autônomo no Cone Sul, no entanto, enfrenta dois obstáculos difíceis de transpor. O primeiro é o legado da adoção do padrão de política econômica “fundamentalista” como chamou Ferrer (1997). A expectativa de seus defensores era que a desregulamentação, a liberalização e a desconstrução dos instrumentos de intervenção do Estado dariam lugar a um regime de crescimento dirigido pelo investidor privado, notadamente internacional, e regulado pelo mecanismo de mercado. Ora, essa opção não apenas entravou o desenvolvimento de um capitalismo autônomo na região, como o fez retroceder através da desconstrução de seus pressupostos, tanto institucionais, na forma dos mecanismos de regulação, quanto estruturais, na forma da desmontagem de setores e encadeamentos do tecido produtivo. Para que a integração possa avançar, o que deveria estar em marcha seria exatamente o contrário, uma aceleração do desenvolvimento institucional e dos encadeamentos da estrutura produtiva para proporcionar, tanto ao regime de acumulação quanto ao modo de regulação (BOYER, SAILLARD, 1995), sua transformação e deslocamento para o plano regional. Sobre este tópico, um conjunto de indagações permanece em aberto e deve responder pela capacidade dinâmica da ampliação da dimensão espacial do sistema e de sua relação com a distribuição da renda e a absorção do progresso técnico. O potencial de uma expansão horizontal da estrutura produtiva herdada do fordismo, da ocupação dos vazios geoeconômicos e da perequação das assimetrias regionais são possibilidades que o processo pode tornar reais. Igualmente, o deslocamento dos níveis de regulação em adequação à nova dimensão espacial do sistema é também uma possibilidade condicionada tanto pelo que já foi mudado nas formas institucionais pelas reformas neoliberais, quanto pela própria construção institucional do bloco em direção à criação dos requisitos para um modo de regulação estabelecido no plano regional. O segundo obstáculo é uma causalidade externa ao Mercosul, o ambiente internacional em que está operando e, dentro deste, os desígnios do ator hegemônico, os Estados Unidos. A abordagem de Faria (2004) privilegiou uma perspectiva endógena, fazendo apenas referência aos condicionantes externos do processo, o que deixou em aberto um tratamento sistemático dos limites criados pelo regime internacional, particularmente aqueles decorrentes da internacionalização financeira e da globalização econômica (Chesnais, 2005). A mencionada retomada da hegemonia norte-americana implicou uma nova atitude daquele país em relação a seus vizinhos continentais, na qual a percepção da necessidade de consolidação de uma dominação econômica hemisférica faz parte de uma estratégia extremamente agressiva de recuperação de sua liderança mundial (Tavares, 1999, Fiori, 2004). Em razão disso, o Mercosul, que fora tido como uma iniciativa de menor importância e até visto com simpatia na medida em que possibilitava a ampliação dos negócios de empresas estadunidenses (caso da indústria automotiva), passou a merecer uma atenção distinta, ao ser visto como elemento catalisador para a formação de um pólo de poder regional cuja afirmação poderia implicar a tomada de posições eventualmente antagônicas aos interesses nacionais dos EUA. A materialização de uma vaga “iniciativa para as Américas” na proposta concreta da ALCA, e com um cronograma tão encurtado – lançada em 1994, deviria entrar em vigor em janeiro de 2005 – dá a dimensão dessa nova postura (Bahadian, 2004). A estratégia estadunidense tinha em vista garantir um mercado ampliado como base para a disputa econômica e comercial com a Europa e a Ásia. Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, entretanto, houve uma mudança substancial de parte dos EUA. A agenda comercial foi relevada em razão da centralidade adquirida pela questão da segurança. Além disso, a partir de 2003, com as mudanças políticas ocorridas no Brasil e na Argentina, e também no Uruguai em 2005, uma outra atitude na política externa do Mercosul foi inaugurada. Em lugar do alinhamento quase automático às iniciativas dos EUA, a busca de afirmação dos interesses nacionais e de fortalecimento do bloco. A essa nova situação, vieram se somar mudanças políticas em outros países da região, como Venezuela e Bolívia. Toda uma zona de atrito com os interesses da União Européia e dos EUA em torno das negociações comerciais internacionais, que tem como centro a Rodada de Doha da OMC, ganhou importância à luz dessa postura do Mercosul e seus aliados na cena internacional, organizados no G-20 (Faria, 2007). Mais ainda, uma série de contenciosos foi aberta a partir da iniciativa de acionar o mecanismo de solução de controvérsias da OMC, a exemplo dos casos do algodão ou do aço. Tal cenário regional teve como conseqüência uma mudança na estratégia dos EUA para o continente, que buscou, de um lado isolar Brasil, Argentina e Venezuela e, de outro lado, avançar na obtenção de acordos bilaterais com os demais países. A mencionada mudança nas dimensões espaciais dos sistemas econômicos, na forma de uma nova escala do regime de acumulação e do modo de regulação alcançada pela formação dos blocos regionais requer não só a interpenetração das cadeias produtivas, antes restritas aos espaços nacionais, como o deslocamento dos níveis de regulação. Neste sentido, dois modelos estão em marcha, um dos quais é o de uma integração assimétrica, a exemplo do NAFTA e da expansão da União Européia para o leste, em que uma economia maior captura espaços em seu entorno para incorporá-los a seus esquemas de reprodução e, ao mesmo tempo, transborda suas formas estruturais da regulação e subsume as instituições dos parceiros dependentes. O segundo modelo é o da Europa dos 15, inspiradora do Tratado de Assunção em muitos aspectos, que se propôs o tratamento das assimetrias em favor dos países menores através de diversos mecanismos de compensação, regras de transição e fórmulas de adesão diferenciadas. Se o Mercosul vai seguir a letra do Tratado e adotar o segundo modelo ou se vai persistir no rumo assimétrico assumido até o presente, o qual beneficia principalmente os dois grandes, é algo que está por se definir e que tem como base para sua compreensão a análise da evolução das relações internas do bloco e das mudanças na configuração da ordem mundial, novos elementos surgidos neste novo século. Essas possibilidades, entretanto, serão definidas pelas escolhas dos atores sociais relevantes. A questão, então, passa a ser como os diferentes grupos sociais, classes e frações de classes podem se constituir em tais atores relevantes. Essa questão será respondida na luta política interna de cada nação, na projeção para a arena regional das forças sociais atuantes nessa luta no sentido de alcançarem a constituição de um espaço político regional. Definitivamente, os desdobramentos desse processo político estarão condicionados e ao mesmo tempo serão condicionantes da evolução da estrutura institucional do Mercosul. A análise aqui esboçada do Parlamento e do Fórum Econômico e Social aponta um conjunto de obstáculos, principalmente no que se refere à possibilidade de intervenção das forças sociais vinculadas ao mundo do trabalho, sindicatos e organizações de trabalhadores do campo e das cidades. Na medida em que, tanto sua representação mais direta no Fórum, como sua representação delegativa no Parlamento, têm hoje a limitação do caráter meramente consultivo desses órgãos. Em razão disso, sua agenda deve ser a de uma ampliação do poder dessas instâncias de representação em direção à possibilidade de iniciativas próprias e capacidade decisória vinculante sobre os organismos executivos do Mercosul. Um segundo aspecto diz respeito à representatividade dessas estruturas. No caso do Parlamento, uma agenda já foi acordada entre os Estados partes que aponta para uma definição futura sobre um critério de proporcionalidade para as bancadas nacionais no legislativo do bloco, com eleição direta de seus membros. Indiscutivelmente, haverá um difícil processo de negociação para a construção de um consenso nessa matéria, em razão da maior de todas as assimetrias no Mercosul ser a demográfica. A proporcionalidade entre a bancada que vai representar os 3 milhões de uruguaios e aquela constituinte dos 190 milhões de brasileiros é um caso a desafiar a engenhosidade da formulação política. Já em relação do Fórum, cuja representatividade tem um caráter corporativo, seu maior risco é o inerente a essa forma. A saber, a possibilidade de burocratização de seu funcionamento ou da cooptação de seus membros. Ambos os riscos são dependentes da realidade de seu caráter consultivo, a qual pode provocar o desinteresse das forças sociais em incidir sobre seu funcionamento. Por fim, um último tópico que afeta o conteúdo democrático da integração sulamericana é sua característica intergovernamental. Normalmente tido como um problema a ser superado pela literatura, a exemplo de Werter Faria (2002), quem aponta a natureza intergovernamental como mais adequada a processos de cooperação, enquanto um formato institucional supra-estatal seria mais condizente com um processo de integração, o tema merece ser aprofundado em suas múltiplas determinações. A eficácia do modelo europeu supranacional em alcançar um aprofundamento sem precedentes daquele processo integracionista é sempre referida no debate. Entretanto, no que nos concerne aqui, a União Européia também é seguidamente apontada como exemplo de déficit democrático. Embora conte com um parlamento representativo, com a articulação de forças políticas no plano continental, até o presente o que se construiu foi uma Europa do capital. Como a arquitetura institucional concentra os poderes executivo e legislativo na Comissão Européia, num aparente paradoxo em face da predominância do regime parlamentarista nos Estados membros da EU, um espectro muito amplo da sociedade acaba por não ter acesso aos seus órgãos decisórios, ficando essa possibilidade restrita aos bem articulados, bem informados e influentes representantes do grande capital. O mundo do trabalho tem sua zona de influência contida no espaço dos Estados nacionais e suas representações parlamentares. Esse exemplo histórico sugere a hipótese de a alternativa intergovernamental adotada pelo mercosul surgir como possibilidade de um arranjo, embora de exeqüibilidade muito mais difícil na medida em que dependente de um processo decisório bastante mais complexo, também mais democrático, na medida em que a participação da sociedade possa se manifestar, para além do espaço político nacional, onde o contraditório dos interesses sociais influencia as decisões legislativas e executivas, também no plano das instituições regionais. Tais possibilidades dependem, entretanto, da capacidade das forças sociais hoje menos influentes no Mercosul alcançarem uma posição mais proeminente no sentido de se fazerem ouvir. Isso está sujeito menos ao formato das instituições e mais à luta política. Bibliografía ALMEIDA, P. R. (1999). “A dimensão social nos processos de integração” en CHALOUT, Y.; ALMEIDA, P.R. Mercosul, Nafta e Alca: A dimensão social. São Paulo: LTr, pp. 17-38. BAHADIAN, Adhemar G. (2004). 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