A geopolítica da gripe suína A gripe mata no inverno, mas foi na primavera que a gripe suína surgiu no México. Entre abril e junho ela se espalhou rapidamente pelos EUA, Europa e Japão. Para espanto dos epidemiologistas os casos de gripe suína continuam aumentando mesmo com a chegada do verão nos EUA e na Europa. O pouco que aprendemos sobre o comportamento da gripe suína do vírus H1N1é o resultado de observações feitas durante a primavera e o verão em países ricos. Não só desconhecemos o comportamento do vírus no inverno como desconhecemos seus efeitos sobre a população de países pobres. A grande maioria dos afetados até agora reside em países desenvolvidos, cuja população dispõe de hospitais bem equipados e amplos estoques de anti-retrovirais. Neste ambiente a primeira onda de infecção foi relativamente branda. Excluindo o fato de o vírus atacar jovens adultos e continuar atuando durante o verão, o vírus não causou grandes estragos. Mesmo a taxa de morbidade (fração dos infectados que morrem) é provavelmente muito menor que os 0,4% calculados a partir dos dados informados para a Organização Mundial da Saúde (OMS). Isto porque o número de infectados é sempre subestimado enquanto o número de mortos é mais confiável. Nos EUA, onde o número de mortos é de 140, o número de infectados reportado à OMS é de 28.000, mas o governo estima que mais de um milhão de pessoas já contraíram a gripe. Nas últimas semanas diversos epidemiologistas têm declarado que será importante observar o comportamento da gripe suína nos países do hemisfério sul. Em bom português o que desejam saber é o estrago que este novo vírus pode fazer quando ataca populações pobres, que vivem em favelas e têm a saúde debilitada pela subnutrição e por outras doenças. Como a epidemia vai se desenvolver em países com hospitais mal equipados e sem estoques significativos de drogas anti-retrovirais? No hemisfério sul o vírus começou a se espalhar de maneira exponencial exatamente no início do inverno. E será aqui, no sul do planeta, onde se concentra grande parte do terceiro mundo, que nos próximos meses observaremos como o H1N1 se comporta durante o inverno. O pouco que sabemos sobre os efeitos do vírus sobre populações pobres foi publicado esta semana. É a descrição do progresso da doença nos pacientes com H1N1 que foram internados em um hospital para pacientes sem seguro saúde na Cidade do México. A amostra é pequena e só nos resta esperar que ela não seja representativa do que vai ocorrer nas favelas do hemisfério sul. Os pacientes foram internados três dias após o aparecimento dos sintomas, grande parte teve que ser colocada em ventiladores mecânicos e 39% morreram, em média, nove dias após a internação. Enquanto dura o inverno e este inevitável experimento epidemiológico se desenrola no hemisfério sul, no hemisfério norte as empresas produtoras de vacina correm contra o tempo para desenvolver uma vacina contra o H1N1 e produzir um número suficiente de doses que permita vacinar parte da população já em outubro de 2010. Se esta corrida for bem sucedida a população do hemisfério norte enfrentará seu primeiro inverno de H1N1 já vacinada. Praticamente toda a produção futura de vacina já está comprada antecipadamente e menos de 10% do total das doses produzidas vai ser doada para a OMS. Se um deus maligno fosse o responsável pela criação do H1N1 ele seguramente teria escolhido a primavera e o hemisfério norte para soltar o vírus entre os homens. Mais informações: Pneumonia and Respiratory Failure from Swine-Origin influenza A (H1N1) in Mexico. N.Engl.J.Med. 10.1056/NEJMoa0904252 2009 Fernando Reinach ([email protected])