1 - Unioeste

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“PÍLULA DO CÂNCER”: UMA ANÁLISE DAS REPORTAGENS DO
PROGRAMA “BEM ESTAR”
Kathya Rogéria da Silva1
Marcia Borin da Cunha2
Introdução
Os meios de comunicação fazem parte do cotidiano da população brasileira.
Um dos meios midiáticos mais difundidos é a televisão, que segundo dados da Pesquisa
Brasileira de Mídia (PBM 2015), 95% dos brasileiros assistem à televisão regularmente
e, 74% a vêem todos os dias (BRASIL, 2014).
A televisão apresenta elementos que despertam o interesse do público, isto é
tem um forte apelo visual, uma linguagem simples, informações rápidas e atuais, efeitos
especiais, entre outros.
O forte apelo visual está ligado diretamente ao fascínio que a imagem em si
promove, pois ela é capaz de representar os seres e o mundo. Nesse sentido, Gutierrez
(1978) afirma que toda imagem está carregada de um sentido e de uma ideologia, que
em um primeiro momento ganha sentido ao ser representar algo, mas que em um
segundo momento pode ter uma significação conotativa, que demonstra a relação da
imagem com o sujeito.
A linguagem utilizada pela televisão é “[...] ágil e sedutora”, capaz de
aproximar o espectador as informações veiculadas, pois é uma linguagem coloquial e de
fácil entendimento (MÓRAN, 1993, p. 61).
Graduada em Química, Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(Unioeste). E-mail: [email protected]
2
Professora Doutora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, curso de Química, campus Toledo/PR
1
As informações veiculadas de entretenimento, publicitárias, jornalísticas,
narrativas ou até mesmo, científicas e tecnológicas, vêm de encontro com as
expectativas do telespectador, isto é, “[...] só entram na edição as notícias que
prometerem maiores vendas”, como consequência, maior audiência (IVANISSEVICH
2001, p. 74).
Desta forma, o conteúdo veiculado na televisão não pode ser entendido apenas
como forma de lazer, pois as informações veiculadas transmitem “[...] valores,
representações, visões de mundo, assim como reforça formas de pensar centradas, por
vezes, no estereótipo e no preconceito” (SIQUEIRA, 2009, s/p.).
O conhecimento científico e tecnológico, em especial, é amplamente divulgado
na televisão, basicamente em três formatos: o da divulgação científica – que prima à
compreensão dos conceitos; o da ficção científica – fazendo que as pesquisas adquiram
uma imagem surrealista; e o apelo noticioso-sensacional – com o objetivo de
sensibilizar e mobilizar a população (SIQUEIRA, 2009).
Desta forma, é preciso que o telespectador compreenda os produtos
socioculturais e científicos divulgados na mídia, a fim de que este seja capaz de
interpretar e reconhecer a intencionalidade das informações veiculadas
Nesse sentido, o presente trabalhou buscou identificar, listar e analisar as
reportagens do programa “Bem Estar”, que apresentem como tema principal a
substância fosfoetanolamina, também chamada de “pílula do câncer”. Essa pesquisa
teve com intuito principal, observar as informações pertinentes sobre esse assunto e
como elas são abordas pelo programa.
O programa “Bem Estar”, que estreou na “Rede Globo” no ano de 2011, como
um programa matutino que vai ao ar de segunda a sexta feira, com duração de quarenta
minutos, com reprises em canais fechados da própria emissora, como o “Canal Viva” e
“GloboNews”, em horários alternativos. Atualmente, o matinal é apresentado por
Fernando Rocha e Mariana Ferrão e tem como editora-chefe Patrícia Carvalho.
Os temas mais abordados no programa são saúde e qualidade de vida. O
programa conta com a participação de médicos especialistas e consultores, que auxiliam
no esclarecimento de dúvidas. Os telespectadores também podem participar durante o
programa, mandando perguntas referentes sobre o assunto abordado durante o programa
ou escolhendo os próximos temas. Apenas algumas dessas perguntas são selecionadas
pelo editor do programa, ou seja, irão ao ar aquelas que forem convenientes com o tema
abordado.
A etapa inicial desse trabalho buscou no site do programa “Bem Estar”, as
reportagens
que
fosfoetanolamina.
apresentaram
como
Essa
foi
busca
tema
realizada
central
por
a
meio
substância
de
química
palavras-chave:
“fosfoetanolamina” e “pílula do câncer”. As reportagens encontradas foram organizadas
em tabelas que continham: o título da reportagem, a data que foram ao ar e a duração.
Em seguida, cada uma das reportagens foi assistida e descrita, observando a
forma que as imagens e as informações são divulgadas. A metodologia de análise segue
uma abordagem de análise do discurso, na qual são observadas as mensagens e os
possíveis significados que esta produz em um interlocutor.
Resultados
A busca pelas reportagens veiculadas pelo programa “Bem Estar”, foi realizada
no site < http://g1.globo.com/bemestar/>, com as seguintes palavras chave:
“fosfoetanolamina” e “pílula do câncer”. Foram obtidos onze vídeos (tabela 01),
correspondentes ao período de fevereiro 2011 (quando o programa foi lançado) a julho
de 2016. Esses vídeos satisfazem às reportagens na íntegra, que foram ao ar durante a
exibição do programa na televisão aberta e, reprisadas em canais fechados da própria
emissora.
Quadro 01 –Reportagens sobre a fosfoetanolamina do programa “Bem Estar”
Titulo da reportagem
Eficácia da pílula de fosfoetanolamina contra
o câncer ainda não está comprovada
Governo de SP anuncia testes clínicos para
testar eficácia da pílula do câncer
Confira os depoimentos sobre a pílula de
Fosfoetanolamina
Paciente fala da melhora após usar a pílula do
Data
18 de dezembro de 2015
Duração
16 minutos
18 de dezembro de 2015
02 minutos
18 de dezembro de 2015
04 minutos
18 de dezembro de 2015
02 minutos
câncer
Governo do estado anunciou novos estudos
para ter mais conclusões sobre a pílula do
câncer
Conheça a história da pílula do câncer
Fosfoetanolamina será testada em estudo;
veja perfil de quem pode participar
Senado aprova projeto que permite
fabricação, distribuição e uso da pílula do
câncer
Paciente revela o que mudou depois que
parou de receber a pílula
Pílula do câncer chegou aos pacientes sem
que todos os testes obrigatórios fossem feitos
18 de dezembro de 2015
09 minutos
18 de dezembro de 2015
18 de dezembro de 2015
03 minutos
01 minuto
23 de março de 2016
01 minuto
06 de junho de 2016
06 minutos
06 de junho de 2016
04 minutos
Fonte: a autora
As reportagens do programa do dia 18 de dezembro de 2015 são referentes a
um programa especial, para falar a respeito sobre a chamada “pílula do câncer”.
Enquanto os demais vídeos são referentes a programas que estavam abordando sobre a
doença câncer e, as possíveis formas de tratamento disponíveis atualmente.
Desta forma, as reportagens correspondentes ao dia 18 de dezembro de 2015,
serão analisadas em conjunto, pois são dependentes entre si.
O programa “Bem Estar” começa em ritmo acelerado, com várias imagens
abordando, segundo um dos apresentadores [...] um dos assuntos mais polêmicos do
momento: a pílula do câncer. Informações são narradas, enquanto pílulas azuis e
brancas aparecem na tela. A eficiência e a comprovação científica das pílulas são
apresentadas em grandes questões para o público. A reportagem afirma que há vinte
anos a pílula é distribuída gratuitamente, mesmo sem ter sido testada e aprovada nos
critérios da vigilância sanitária e, mesmo assim várias pessoas afirmam que ela
“funciona”. A apresentadora afirma confiante que todas as dúvidas serão sanadas por
dois especialistas, médicos oncologistas renomados da cidade de São Paulo.
A dinâmica do programa foi organizada em quatro fatos, que estão
representados em quatro hashtags3. Esses quatro fatos foram distribuídos, cada um em
um expositor grande e chamativo que, ao decorrer do programa, serão discutidos com os
especialistas e reportagens especiais.
A hashtag 1 afirma que a “pílula do câncer” “não tem comprovação científica”,
que logo é dita como verdadeira pelo primeiro especialista e, a discussão é iniciada. O
especialista afirma que são necessárias quatro fases de testes, para que qualquer
medicamento seja considerado seguro. Para uma melhor visualização do público, é
utilizada uma mesa holográfica, que proporciona para o telespectador a sensação da
interação entre as imagens projetadas e as pessoas em tempo real.
Ao telespectador cada uma das fases foi explicada de maneira resumida e
simplista, não sendo abordados assuntos importantes como: o tempo e os índices
mínimos necessários em cada fase, para prosseguir a pesquisa.
O programa trouxe essas fases como: fase 01 → correspondente as
comprovações em laboratório; fase 02 → organização dos pacientes em grupos de
doença e observação a melhora dos mesmos; fase 03 → comparação da droga com o
melhor tratamento que se tem para a doença e fase 04 → comercialização do
medicamento e, a observação de efeitos colaterais ainda não constatados.
Em relação a novos testes, uma reportagem com o oncologista responsável pela
pesquisa em seres humanos, explica que a pesquisa realizada pelo Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) irá começar na fase 02, com 210 pacientes e,
que em menos de seis meses, já terão dados sobre a efetividade e segurança dessa droga.
Durante a reportagem e a entrevista do especialista, não são trazidas informações como:
o que é a efetividade da droga e, como as pesquisas irão prosseguir.
Um fato curioso é que durante a entrevista com o especialista responsável pela
pesquisa, este afirma que [...] um grupo de ‘experts’ na área estudou qual seria a
Muito utilizadas na Internet, com o objetivo de expressar o tema central das publicações nas redes
sociais.
3
situação que a medicação teria uma situação real de uso. Mas afinal, quem são esses
‘experts’? E qual é essa situação real de uso? Nenhuma dessas questões são abordadas
durante o programa.
Diante disso, surge a hashtag 02, que afirma que a pílula do câncer não foi
avaliada em humanos. Outro especialista presente no palco do programa explica que as
pesquisas realizadas até hoje foram in vitro, ou seja, no laboratório e que quando forem
testadas em situações reais podem haver alterações, devido interações entre a medicação
e o sistema imunológico da pessoa, entre outros fatores, que, novamente, não foram
abordados nem explicados durante o programa.
A reportagem sobre a história da pílula do câncer novamente traz a imagem de
diversas pílulas azuis e brancas na tela, trazendo a informação que a pesquisa começou
a mais de vinte e cinco anos, com o químico Gilberto Chierice da USP de São Carlos.
Este estudo inicial foi realizado em pacientes, entretanto não segue as novas da
vigilância sanitária brasileira.
A imagem do pesquisador aparece várias vezes durante a reportagem, porém
suas falas são feitas pelo repórter. O pesquisador tem a chance de falar apenas que as
pessoas buscavam as pílulas por orientação médica.
Com o Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), campus São
Carlos, de plano de fundo da reportagem, foi realizado um retrospecto desde que a
pílula ficou conhecida, passando pelas liminares na justiça até a paralisação nas entregas
das cápsulas. Em segundo plano ficou a explicação aprofundada de como a
fosfoetanolamina funciona no organismo. O pesquisador foi chamado de “inventor” e
em um esquema que buscava mostrar que a substância química tem como objetivo
“marcar” a célula cancerígena, a fim de ajudar o sistema imunológico a “destruir” o
câncer.
A imagem do cientista como inventor ou descobridor de algo, está associada a
“atividade benemérita”, a qual autores como Bernal (1989) e Mayer (1998), citados por
Camillo et al (2007), discutem que o progresso científico está intima e exclusivamente
relacionado ao trabalho de ‘grandes homens’, que é amplamente divulgada pela mídia.
Assim, a atividade científica veiculada pelos meios de comunicação de massa,
normalmente estão relacionadas a grandes revelações, grandes descobertas científicas e
tecnologias, cura de doenças e aumento na qualidade de vida das pessoas.
Ao retornar ao palco, o programa mostra um esquema demonstrativo sobre
várias pesquisas que são realizadas simultaneamente, a fim de se obter uma droga capaz
de curar o câncer. A apresentadora faz dois comentários, sendo o primeiro que as
pílulas precisam passar no vestibular, pois a concorrência para se tornarem um
medicamento é grande. E ainda, que produzir um medicamente eficaz é como procurar
agulha no palheiro.
Na verdade, os comentários realizados pela apresentadora são infelizes, pois as
pílulas não estão concorrendo entre elas (como ocorre em um vestibular), elas fazem
parte de pesquisas com o intuito de determinar quais são as vantagens e desvantagens
em seu uso. E essas pesquisas não são feitas na sorte ou na intuição do pesquisador
(como procurar agulha no palheiro), seguem roteiros e determinações legais para serem
realizadas.
Mas e o que dizem as pessoas que usaram essas pílulas? A reportagem traz a
entrevista de um paciente que teve diminuição nos tumores e do filho de uma paciente
que já faleceu e relatava diminuição na dor. Diante disso, vem a terceira hashtag, que
diz “30% melhoram com placebo”, mas em nenhum momento é explicado o que
significa o efeito placebo, apenas um psiquiatra explica que na pesquisa com
medicamentos é preciso dois grupos: um placebo e o outro com o medicamento, pois as
sensações do paciente também interferem na sua melhora clinica.
Mas em qual das fases apresentadas no início do programa, os pacientes são
separados em dois grupos? E como é feita essa classificação? O que contém os remédios
placebos? Nenhuma dessas dúvidas foi esclarecida ou comentada durante a exibição do
programa.
A última hashtag “cada câncer é uma doença diferente”, visa explicar ao
público que os tratamentos de câncer utilizados para determinado tipo de câncer não
necessariamente são os mais eficientes para outro tipo, ou seja, não há um padrão para
essa doença. Por isso, são necessárias pesquisas que investiguem a ação de cada câncer
no organismo e qual o melhor tratamento indicado para cada indivíduo.
No programa do dia 23 de março de 2016, a “pílula do câncer”, de apenas um
minuto, foi novamente discutida. Entretanto, dessa vez apenas foi noticiada que o
Senado Federal aprovou o projeto de lei que permite a fabricação, a distribuição e o uso
da chamada pílula do câncer.
Alguns fatos são destacados durante a exibição da notícia, como o fato da
pílula não possuir registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e, os
relatórios do MCTI (responsáveis pela pesquisa) apontarem que essa substância
apresenta baixo grau de pureza e pouco ou nenhum efeito sob as células tumorais.
Essa reportagem é sucinta e traz intrinsecamente uma crítica ao governo da
então presidente do Brasil, Dilma Rouseff e ao Senado Federal, pois deixa subentendido
que mesmo sem as devidas autorizações e comprovações científicas, os órgãos
governamentais aprovaram a fabricação e distribuição da fosfoetanolamina.
O assunto principal do programa do dia 06 de junho de 2016 foi o câncer e os
seus tratamentos. As duas reportagens foram exibidas sequencialmente e apresentam
relações, desta forma serão analisadas e descritas em conjunto.
No palco, a apresentadora tem em suas mãos placas com perguntas a serem
respondidas por dois especialistas. A primeira pergunta é “Câncer tem cura?”.
Rapidamente essa pergunta tem a resposta afirmativa, que em muitos casos a cura é
possível.
A próxima pergunta é: “somos capazes de curar todos os tipos de cânceres?”. A
resposta é negativa, sendo apresentada uma placa com coloração vermelha e com a
resposta “Não”. É comentado sobre esse assunto, apenas complementando a resposta da
pergunta anterior, que isso depende do tipo de câncer, do estágio que foi descoberto e
das condições do paciente.
A última pergunta é: “a fosfoetanolamina cura o câncer?”. A resposta do
médico e da placa é “não sabemos”. Sobre isso, o especialista discorre falando que
ainda faltam testes que comprovem a segurança dessa pílula.
Diante de poucas ou quase nenhuma informação, a próxima reportagem conta
como é a vida das pessoas que recebiam a pílula, trazendo consigo uma mistura de
sensacionalismo e informações desconexas.
Participam da reportagem duas pacientes com câncer, a primeira abre a
reportagem, entre lágrimas e mensagens emocionadas, ela conta que enquanto tomava a
pílula teve melhoras significativas. A outra paciência, em um estágio mais avançado,
fecha a reportagem, contando que não teve acesso a esse medicamento, pois a
distribuição foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, pois a pílula não passou nos
testes da ANVISA.
Ambas as pacientes estão acompanhadas de familiares durante a reportagem,
que mostram todo o sofrimento e angústia que estão vivendo pelo fato de não poderem
utilizar a chamada “pílula do câncer”.
Em contrapartida, como explicação para a não distribuição da pílula, mostra-se
imagens do laboratório, que produzia a pílula, fechado e lacrado e, ainda, afirma-se que
o único pesquisador que a produzia não se encontra mais na universidade, pois está
auxiliando nas pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelo MCTI.
Afinal, a pílula não está sendo entregue a população por que a universidade
está com laboratório lacrado, por que não existe mais ninguém para fabricá-la ou por
que a lei que amparava sua distribuição foi suspensa? As repostas são ambíguas durante
a reportagem, que não traz clareza na interelação e relevância dessas informações.
Ainda, na mesma reportagem são trazidas informações disponíveis no site da
Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE), que pede cautela aos
pacientes, pois ainda não foram realizados estudos suficientes para saber os reais
benefícios e malefícios da substância fosfoetanolanima e, que desta forma, [...] não se
pode trocar o certo pelo duvidoso, referindo-se a outros tratamentos já comprovados
cientificamente.
Quando o especialista presente no palco é questionado sobre os motivos que os
pacientes relatam as melhoras, este desvia o assunto e afirma que as pessoas não podem
se apegar a fatos não comprovados pela ciência, explicando que a maioria dos remédios
podem fazer mal em doses erradas, como é o caso da insulina.
Na próxima reportagem, inicialmente fala-se que toda “boa pesquisa” deve
seguir princípios éticos, ou seja, um remédio deve ser testado várias vezes antes do uso
em seres humanos, mas em relação à fosfoetanolamina esse procedimento foi violado.
Deixando subentendido que as pesquisas realizadas até agora sobre essa substância, não
são confiáveis e que não seguem os princípios éticos de uma pesquisa científica.
Várias imagens de um laboratório produzindo medicamentos são veiculadas,
ainda pílulas azuis e brancas são abertas mostrando o seu conteúdo, um pó branco, que
se interpreta como sendo a substância fosfoetanolamina.
Ainda, traz dois resultados de testes realizados pelo MCTI que demonstram
nos testes em camundongos, que a chamada “pílula do câncer” não apresenta resultados
significativos. Como as pesquisas foram realizadas em universidades brasileiras
diferentes, dois responsáveis em cada um dos campos de pesquisa dão o seu
depoimento.
O coordenador da pesquisa no Ceará, conta que nos dois estudos coordenados
por ele não houveram resultados positivos, entretanto pode ser que em tumores com
origens diferentes, que a ação da fosfoetanolanina também seja diferente. A segunda
coordenadora dos estudos, esta do estado de Santa Catarina, se detém ao fato de não se
conhecer os efeitos adversos dessa pílula e, desta forma, não se deve abandonar os
tratamentos comprovados e disponíveis no mercado.
O MCTI já havia divulgado doze relatórios sobre os estudos, sendo que a
reportagem não traz informações sobre esses relatórios, como e onde estão ocorrendo às
pesquisas sobre essa substância.
Para gerar impacto no telespectador, a reportagem termina afirmando que a
pesquisa irá durar três anos e terão como custo dez milhões de reais, para comprovar ou
não a eficácia e segurança dessa droga.
Em relação ao tempo da pesquisa, observa-se que houve um aumento deste em
relação do veiculado inicialmente (três meses), conforme as pesquisas foram avançando,
entretanto, isso não foi discutido e nem trouxeram informações que justifiquem esse
aumento de tempo necessário para a realização desta pesquisa.
A ênfase que a reportagem dá em relação ao custo da pesquisa, faz com que o
telespectador ingênuo acredite ter muito investimento envolvido nessa pesquisa,
especialmente em uma época que o Brasil passa por uma crise política e financeira.
Como faltam informações para o telespectador, ele não tem subsídios suficientes para
avaliar se são ou não necessários esse investimento para a pesquisa, ou mesmo se os
valores a serem investidos são considerados “normais”, ou seja, dentro do padrão
exigido para esse tipo de pesquisa.
Ao retornar ao palco, um telespectador afirma que o maior problema é que
estão tirando a esperança das pessoas, mas logo ele é contrariado pela médica presente
no palco, que afirma que antes de qualquer coisa é preciso segurança aos pacientes e
isso, somente será comprovado com a realização dos testes.
Observações Gerais
Em todas as reportagens aparecem pílulas com as cores azuis e brancas, em
referência as pílulas que eram distribuídas pela USP de São Carlos. Entretanto, não
necessariamente as pílulas serão comercializadas nessas cores (caso se comprove a
eficiência), pois as cores da pílula não interferem na medicação.
Durante as reportagens, as palavras medicamento e remédio são utilizadas
como sinônimos, entretanto remédio está associado a qualquer tipo de cuidado utilizado
para aliviar doenças ou sintomas, normalmente caseiros. Já os medicamentos são
substâncias ou preparações elaboradas, que seguem determinações legais de segurança
que passam por testes de eficiência e qualidade (BRASIL, 2010).
A palavra metástase4 aparece em todas as reportagens, com exceção da
veiculada no dia 23 de março de 2016. Em nenhuma das reportagens, a palavra
Segundo o dicionário Michaelis, metástase é o termo utilizado em oncologia para designar a instalação
de um ou mais focos do tumor distante do local em que ele se originou
4
metástase é definida, sendo essencial a compreensão dessa palavra, a fim de possibilitar
a interpretação da ação de medicamentos no organismo humano.
De forma geral, o programa utiliza a imagem de pessoas doentes ou de parentes
próximos, para tratar com sensacionalismo a matéria. Esse recurso é utilizado para gerar
comoção no telespectador que cria empatia pela história que está sendo contada e, desta
forma, prende sua atenção para as informações que estão sendo veiculadas e por fim,
consegue manter a sua audiência garantida.
A reportagem com o título “Conheça a história da pílula do câncer” é a única
que traz o primeiro pesquisador da fosfoetalonamina, o pesquisador Gilberto Chierice,
da Universidade de São Paulo. Todavia, em nenhum momento ele tem a oportunidade
de explicar quando e como iniciaram as pesquisas sobre essa substância e, ainda, quais
foram às comprovações científicas que o levaram a crer que ela poderia ser utilizada na
cura do câncer e os indicativos para seres humanos.
As frases do cientista são reelaboradas pelo jornalista e apresentadas de
maneira irrelevante. Desta forma, o programa traz o cientista para dar credibilidade a
sua reportagem, entretanto, ele não pode expressar o que pode ser relevante para a
população de maneira geral, compreender as informações que estão sendo transmitidas.
Em contrapartida, aos chamados especialistas é dada a voz e a chance de
explicar ao grande público o que é a “pílula do câncer”. Os organizadores de pauta do
programa chamam de especialistas: três médicos oncologistas, um coordenador de
pesquisas clínicas, dois coordenadores das pesquisas, um psiquiatra e uma médica
pediatra.
Todos os especialistas citados estão ou no palco do programa ou aparecem
durante as reportagens. Todos vestidos de jaleco branco, estereótipo de vestimenta
veiculada a cientistas de respeito ou de um verdadeiro cientista, que tem como objetivo
‘descobrir’ a verdade (GALVÃO, s/a).
Ainda, todos os médicos são chamados de doutores, enquanto o químico
responsável pela pesquisa, que possui doutorado em Química Analítica5 é chamado
apenas de pesquisador. Essa representação vem ao encontro com as concepções sociais,
históricas e culturais da população brasileira, de que médico e advogados são doutores,
enquanto os demais profissionais, mesmo possuindo a titulação necessária para tal
nomeação não o são.
Na maioria dos programas, a opinião dos médicos especialistas é tida como
verdade absoluta e inquestionável, não sendo problematizadas e nem confrontadas com
opiniões adversas. Outro fato curioso é que em nenhum dos outros programas são
levados especialistas de outras áreas envolvidas na pesquisa, como da Farmacêutica, da
Química, entre outras.
Considerações Finais
O programa “Bem Estar” trata de assuntos relativos à qualidade de vida
população, para isso utiliza uma linguagem simples e de fácil entendimento. Para ter
maior credibilidade em suas reportagens, tem especialistas como consultores que ficam
no palco durante a apresentação e, além disso, trazem reportagens com a opinião e dicas
de outros profissionais da área da saúde.
As reportagens veiculadas são tendenciosas, pois mostram apenas o lado
regulamentário da pílula em questão. Em muitos momentos, gera sensacionalismo e
assustando o público em relação a não realização dos testes para creditar ou não a
eficácia da pílula. Mesmo citando que as pesquisas estão sendo realizadas a mais de
vinte anos, pouco se fala sobre o que aconteceu durante esse período e, quais os indícios
que levaram os pesquisadores a distribuírem as pílulas à população.
Em geral, abordam o assunto com o uso indiscriminado de analogias e
metáforas. É compreensível que a televisão utilize desses recursos para facilitar a
Informações
obtidas
no
currículo
lattes
do
pesquisador.
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780789H3>
5
Disponível
em
<
compreensão de conceitos científicos, entretanto, é necessário cuidado ao utilizar
algumas expressões, pois estas podem gerar confusão na compreensão de conceitos
científicos ao público leigo.
Ainda, a imagem dos cientistas veiculada é conturbada, afinal o principal
pesquisador da substância fosfoetanolamina, aparece em apenas uma reportagem, é
chamado de inventor e, por uma questão de edição do matinal, não tem a chance de
explicar como aconteceram as pesquisas envolvendo essa substância.
Já em relação à imagem veiculada dos médicos, tanto dos especialistas quanto
dos consultores, é de que eles são detentores do conhecimento e da razão, pois não
existem em nenhum dos programas analisados opiniões controversas aqueles
apresentam, não gerando discussões.
O programa é carente de informações, pois trata de maneira sucinta e simplista
as pesquisas realizadas, apenas aborda insistentemente que a “pílula do câncer” não
passou pelos testes recomenda dos pela ANVISA. A veiculação de informações
conturbadas e simplistas são intencionais, pois fazem parte de um processo de
construção do posicionamento e conhecimento do telespectador, em relação ao assunto.
Da forma como as reportagens são conduzidas, fica nítida a ideologia presente
nas reportagens, que busca colocar o telespectador em conflito com a regulamentação e
distribuição das pílulas. Entretanto, faltam subsídios e informações relevantes que
contribuam para a construção da opinião do telespectador em relação à “pílula do
câncer”.
Referências Bibliográficas
BRASIL. O que devemos saber sobre medicamentos?. Cartilha da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA). São Paulo: 2010.
_______. Televisão ainda é o meio de comunicação predominante entre os
brasileiros. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/governo/2014/12/televisao-aindae-o-meio-de-comunicacao-predominante-entre-os-brasileiros> acesso: julho de 2016.
CAMILLO, C. A.; et al. Pesquisando sobre as representações do cientista durante o
curso de Graduação em Biologia: uma estratégia didática visando à formação de
professores de Ciências. Revista Multitemas, n. 35, p. 279 – 291, 2007.
GALVÃO, A. Considerações sobre o conceito de ciência. Disponível em: <
ftp://ip20017719.eng.ufjf.br/Public/ArtigosCientificosDiversos/Metodologia_Cientifica/
Metodologia_Cientifica.pdf> acesso em: agosto de 2016.
GUTIERREZ, F. Linguagem total: uma pedagogia dos meios de comunicação. São
Paulo: Summus, 1978.
IVANISSEVICH, A. A Divulgação Científica na Mídia. Revista Ciência e Ambiente,
n. 23, 2001.
SIQUEIRA, D. C. O. Televisão e Divulgação Científica. Revista Pontocom.
Disponível em: < http://revistapontocom.org.br/edicoes-anteriores-artigos/televisao-edivulgacao-cientifica> acesso: junho de 2016.
LINKS DO PROGRAMA CONSULTADOS:
Paciente fala da melhora após usar a pílula do câncer. Disponível em:
<https://globoplay.globo.com/v/4684427/> acesso: julho de 2016.
Paciente revela o que mudou depois que parou de receber a pílula. Disponível em: <
https://globoplay.globo.com/v/5073962/> acesso: julho de 2016.
Pílula do câncer chegou aos pacientes sem que todos os testes obrigatórios fossem
feitos. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/5073983/> acesso: julho de
2016.
Senado aprova projeto que permite fabricação, distribuição e uso da pílula do câncer.
Disponível em: < https://globoplay.globo.com/v/4904379/> acesso: julho de 2016.
Confira os depoimentos sobre a pílula de Fosfoetanolamina. Disponível em:
<https://globoplay.globo.com/v/4684434/> acesso em: julho de 2016.
Conheça a história da pílula do câncer. Disponível em:
<https://globoplay.globo.com/v/5073999/> acesso em: julho de 2016.
Eficácia da pílula de fosfoetanolamina contra o câncer ainda não está comprovada.
Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/4684516/> acesso: julho de 2016.
Governo de SP anuncia testes clínicos para testar eficácia da pílula do câncer.
Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/4684412/> acesso: julho de 2016.
Governo do estado anunciou novos estudos para ter mais conclusões sobre a pílula do
câncer. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/4684487/> acesso: julho de
2016.
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