Schwartz, Gilson. “Lobby da velha economia dos EUA ameaça o Napster”. São Paulo: Folha de São Paulo, 30 de julho de 2000. Lobby da velha economia dos EUA ameaça o Napster GILSON SCHWARTZ A Internet produz cada vez mais questões sociais e estratégicas, ainda em aberto. A nova economia está acumulando um repertório impressionante de problemas judiciais, conflitos regulatórios e mobilizações políticas. Jeremy Rifkin, um dos mais ágeis pensadores contemporâneos sobre economia e novas tecnologias, abre seu livro mais recente, "The Age of Access: the new culture of hypercapitalism, where all of life is a paid for experience" (A Era do Acesso: a nova cultura do hipercapitalismo, onde tudo na vida é uma experiência paga), sentenciando: "Está em jogo nada menos que o conceito de propriedade". A Internet é uma rede pública. O acesso a ela e as formas em que é utilizada, no entanto, são motivo de sérios conflitos, em geral relativos ao exercício de direitos de propriedade. O caso Microsoft é, sem dúvida, exemplar, mas está longe de ser o único e talvez nem seja o mais complicado nessa seara. Na quinta-feira passada, a Justiça dos Estados Unidos determinou o fechamento temporário do site Napster (mecanismo de busca na Internet que permite aos usuários compartilhar músicas gravadas em seus computadores, usando uma codificação digital conhecida como MP3). Alegou violação de direitos autorais. Imediatamente, grupos de usuários que apóiam o Napster se mobilizaram e convocaram um boicote às grandes gravadoras. Dois dias depois a Justiça voltou atrás. O que é grátis, o que não pode ser distribuído gratuitamente? O que ocorre quando, em boa medida como fruto da inovação tecnológica, mudam as bases comerciais e financeiras de atuação em mercados de massa? Proliferam comunidades de usuários. Por que a lei defende o CD contra comunidades que trocam CDs entre si sem fins comerciais? Até onde vai o direito do usuário, onde começa o do produtor e o do distribuidor? A questão (quais os limites da propriedade privada) está reaberta, não por obra de anarquistas ou socialistas, mas por uma nova revolução tecnológica. É semelhante à questão que surgiu em vários países quando houve a disseminação de serviços gratuitos de acesso à Internet. No Brasil, os provedores pagos se mobilizaram contra. E até que ponto o produto CD é de fato idêntico a uma música distribuída em formato MP3? Há gravadoras, por exemplo, que estão produzindo CDs interativos em que, além da música, há acesso a outros conteúdos multimídia. A resposta da indústria fonográfica não estaria também na busca de inovações tecnológicas e mercadológicas, em vez de se restringir à defesa intransigente das regras da velha economia? E os artistas? No Brasil, há poucos meses, o cantor e guitarrista Lobão lançou-se ao mercado sob um formato organizacional inovador, independente das grandes gravadoras. Faturou mais por CD, incluiu no produto um encarte enorme, foi vender CD em bancas. Quem gosta de Lobão foi atrás do pacote, não da versão MP3. O MP3 pode até ter servido como "aperitivo" do produto completo. Há muitas outras questões pendentes no campo da regulamentação da economia virtual, das novas tecnologias às novas formas de organização entre usuários e membros de comunidades de interesse. A Justiça dos Estados Unidos, ao proibir temporariamente o Napster, quase deu uma vitória aos poderes instituídos. Mas essa é apenas uma batalha a mais numa guerra global que está apenas começando. -------------------------------