É tempo de fazer tempo novo

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Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 9, nº 04, 02/02/09
É TEMPO DE FAZER TEMPO NOVO
“O ano que está chegando
em um ano passará
eu estou me preparando
é esta a novidade!”
Essa epígrafe é a tradução das últimas duas linhas da canção do artista italiano Lucio Dalla,
intitulada “L’anno che verrà” (o ano que vem). A apreciação desencantada do novo ano não fica
restrita à datada música italiana; a continuação das práticas de sempre, dos hábitos que gostaríamos
de ver ultrapassados tem feito dos anos um conjunto de tempos iguais, tingindo de monotonia as
novas quadras temporais, a começar pelas falhas registradas nos janeiros.
Observamos essa regularidade através
das manchetes dos jornais que fazem ver que é
difícil passar o tempo sob forma de hábitos e de
práticas, não obstante o transcurso do tempo
cronológico. Podemos tomar como exemplo um
assunto que foi uma das manchetes do jornal A
Tarde em 28 de janeiro de 2009 sob o título
“Meninas humilhadas”.
Ilustra a matéria a fotografia colorida na
qual se vê uma criança agachada lavando um
chão, obedecendo às ordens de policiais
militares, uma das quais a pega pelas costas e
segura a sua camiseta azul de modo tal que a
maior parte das costas da criança fica exposta,
deixando, também, à vista a calcinha amarela
que, quando do agachamento, fica mais alta que
a bermuda vermelha.
A cena se deu em Barreiras, uma das
cidades que mais tem exibido êxitos
econômicos na estado da Bahia. Os policiais,
por conta própria, submeteram uma criança de
11 e outra de 12 anos a apagar palavrões que as
mesmas teriam escrito na calçada, em frente à
Cesta do Povo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
já completou 18 janeiros e ainda assim são
verificados atos dessa natureza, realizados
publicamente por servidores públicos! É como
se o tempo não passasse ou, ainda, se
proliferassem tempos de modo tal que cada um
pudesse compor a sua era, o seu relógio como
em um self-service. Desse modo, a dieta pode
conter passados, presentes e futuros em
proporções livres ao gosto do freguês. Além
disso, o cardápio varia a cada refeição a
depender do apetite do momento.
A livre escolha aqui indicada pode ser
manifesta nas coisas mais belas e mais sublimes
que o livre arbítrio pode promover, mas no caso
em tela a liberdade aplicada viola o direito das
crianças que foram humilhadas e indica
arbitrariedades de atores em exercício de suas
funções públicas. Desse modo, sai de cena a
beleza da liberdade de agir para entrar em foco
a ação descabida não abrigada pela Lei.
O tempo representado pelas práticas
agora registradas deixou de ser tempo bom, era
normal e passou a ser tempo ilegal. Entretanto,
apesar dos 18 anos de mudança com a criação
da norma específica para a proteção da criança
e do adolescente, o apetite de muitos
operadores públicos e privados continua como
a muitos anos atrás, motivo pelo qual vários
deles alternam a própria conduta entre a
aplicação e a transgressão das normas.
Uma mudança de tempo importante será
manifesta quando cenas como essa noticiada
pelo A Tarde assuma o caráter de notícia
impossível, fato inacreditável, situação
inconcebível. Devemos continuar contando
esses casos até vê-los sumir no horizonte, mas
enquanto esse tempo não vem, esperamos que
cada nova circunstância como a que agora foi
objeto de atenção midiática seja revelada à
opinião pública. Uma tal ação enseja vários
efeitos entre os quais aquele de devolver ao
olhar distraído ante as “banalidades” a condição
de enxergar esses quadros com perplexidade.
Com sorte, trabalho e crítica, quem sabe, a gente não faz o tempo que ainda não fizemos
quanto a esse quesito tão alvissareiro que trata da introjeção entre nós do direito à proteção dos
nossos mais moços. Que bom se pudermos responder ao verso de Dalla com protesto de alegria:
aleluia, estamos fazendo tempo novo!
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