Gonçalves, José Botafogo. “Desafio Sebrae : o Mercosul e a cultura empreendedora” São Paulo: Valor Econômico, 4 de setembro de 2003. JEL: M. Desafio Sebrae : o Mercosul e a cultura empreendedora José Botafogo Gonçalves O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Associação Dirigentes de Empresas da Argentina se associaram à Embaixada do Brasil em Buenos Aires e a outros parceiros para organizar o Desafio Sebrae Argentina 2003. O Desafio segue os moldes do programa brasileiro, cuja última edição envolveu cerca de 54 mil estudantes universitários na competição que consiste em um jogo virtual de simulação empresarial destinado a fortalecer o espírito empreendedor. Cerca de 2 mil estudantes argentinos de todo o país se inscreveram para participar do Desafio Sebrae na Argentina. O jogo se desenvolverá, inicialmente, pela internet. As equipes terão de tomar decisões sobre distintos aspectos da vida cotidiana da empresa e os melhores do país participarão da grande final em Buenos Aires. A equipe vencedora receberá como prêmio uma viagem de estudos ao Rio de Janeiro para conhecer centros de excelência de Universidades e do setor privado. O Desafio Sebrae é parte do amplo leque de atividades do Sebrae com vistas a fomentar o espírito empreendedor. É um de tantos êxitos do Sebrae no Brasil. Ao levar o Desafio para a Argentina, com as devidas adaptações, o Sebrae e os demais organizadores procuram dar uma contribuição concreta ao projeto de integração do Mercosul. Vale ressaltar três dimensões dessa contribuição do Desafio Sebrae Argentina ao projeto do Mercosul. A primeira é eminentemente cultural: o projeto compartilha com a Argentina a experiência brasileira de criação e consolidação de uma cultura empreendedora entre as novas gerações. Não se trata de um simples jogo virtual de simulação de administração de empresas sem conseqüências práticas. O aspecto lúdico não é senão uma estratégia para atrair a atenção dos jovens, mas a simulação expõe os participantes a situações complexas que reproduzem a realidade do mercado. O Desafio cumpre o mesmo papel reservado aos simuladores de vôo na formação dos pilotos, que necessitam do treinamento em ambientes que reproduzem todas as variáveis que enfrentarão quando estiverem no comando de um avião de passageiros. Os participantes do Desafio vão jogar e divertirse, mas terão de tomar decisões como se estivesse administrando sua própria empresa. A importância de fomentar a cultura empreendedora deve ser avaliada à luz das exigências para se alcançar o desenvolvimento nos dias de hoje. Para que possamos inserir-nos na economia mundial em condições de participar das correntes mais dinâmicas de comércio, não basta abrir novos mercados por meio de negociações multilaterais, ainda que isso seja essencial. Há outro lado da mesma moeda: devemos ser competitivos. Para tanto, é preciso contar com empresário inovadores, dotados de espírito empreendedor, que é o que se busca com o Desafio Sebrae. E como estamos em um projeto de integração, não é suficiente que o Brasil logre esse objetivo. Os parceiros do Mercosul devem trilhar o mesmo caminho, de modo a criar uma sinergia regional que nos permita enfrentar juntos os desafios da globalização. A segunda dimensão, intimamente ligada à primeira, é a econômica, que tem a ver com a modernização das práticas empresariais como forma de alcançar o desenvolvimentos e a prosperidade de nossas sociedades. Não é mais possível aplicar o velho modelo de relação entre Estado e empresários caracterizado pela privatização dos lucros e pela socialização dos prejuízos. De fato, o empresário moderno não pode se acomodar. Com a abertura crescente dos mercados, o apoio do Estado está sempre condicionado a metas de produtividade. Os empresários que não são inovadores, que não têm a capacidade ou a vontade de investir na modernização de seus processos produtivos, constituem uma espécie em extinção devido à marca implacável da economia mundial. Por essa razão, se queremos o desenvolvimento, devemos combinar a luta por uma ordem econômica mundial mais eqüitativa com a busca de sinergias na região, para que nossos países gerem uma estrutura produtiva a um só tempo integrada e competitiva internacionalmente. Finalmente, é importante mencionar também o aspecto político da realização do Desafio Sebrae na Argentina. O Desafio é uma das faces palpáveis da cooperação entre dois países que compartilham o sonho da integração e possuem a consciência de que têm um futuro comum. É uma maneira de, juntos, rejeitar mecanismos anacrônicos de proteção comercial para solucionar os problemas de competitividade. Afinal, estamos convidando os jovens da região a olhar para frente, com os olhos voltados para a modernização das práticas empresariais em um ambiente internacional cada vez mais competitivo. Esse tipo de cooperação e seu significado para o processo de integração nem sempre alcançam a visibilidade das manchetes dos jornais de grande circulação. No entanto, trata-se do tipo de cooperação capaz de vertebrar o processo de integração, já que traduz em fatos a aliança estratégica entre o Brasil e a Argentina como eixo central do Mercosul. O pilar da integração é algo muito simples: a evidência de que juntos estaremos melhor preparados para enfrentar o futuro do que se estivéssemos separados. A construção da integração pressupõe aprender tanto com os erros que cometemos como com os êxitos que os sócios alcançam individualmente. Temos de repetir os êxitos e as experiências positivas nesse processo permanente de aprendizagem recíproca. Creio que o Desafio Sebrae é indubitavelmente um êxito brasileiro que se converterá em um êxito argentino e em um êxito do Mercosul. Nesse jogo, só há vencedores.