ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML CÍVEL/2003 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRANSPORTE COLETIVO TURÍSTICO E ESCOLAR. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. CARÊNCIA DE AÇÃO. Preliminar afastada. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ART. 22 DA LEI MUNICIPAL Nº 8.133/98. Reputa-se inconstitucional o disposto no § 2º do art. 22 da Lei Municipal nº 8.133/98 de Porto Alegre, pois condicionar a liberação do veículo ao pagamento de todas as quantias devidas pelo infrator é um modo de violar direito fundamental garantido pela Constituição Federal que preconiza que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Ação procedente em parte. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE TRIBUNAL PLENO N.º 70006185052 PORTO ALEGRE SINDICATO DA EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS DO ESTADO DO RS MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE EXMO. SR. ESTADO DR. PROCURADOR-GERAL PROPONENTE REQUERIDOS DO INTERESSADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça deste Estado, por unanimidade, em rejeitar a preliminar e, por maioria, em julgar 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 procedente em parte a ação, declarando a inconstitucionalidade do § 2º do artigo 22 da Lei Municipal nº 8.133/98, do Município de Porto Alegre. Custas na forma da lei. Participaram Excelentíssimos Senhores do julgamento, Desembargadores além José do signatário, Eugênio os Tedesco (Presidente, com voto), Cacildo de Andrade Xavier, Alfredo Guilherme Englert, Élvio Schuch Pinto, Antonio Carlos Netto Mangabeira, Osvaldo Stefanello, Antonio Carlos Stangler Pereira, Aristides P. de Albuquerque Neto, Ranolfo Vieira, Vladimir Giacomuzzi, Araken de Assis, Paulo Moacir Aguiar Vieira, Vasco Della Giustina, Antonio Janyr Dall’ Agnol Junior, Luiz Ari Azambuja Ramos, Leo Lima, Marcelo Bandeira Pereira, Marco Aurélio dos Santos Caminha, Wellington Pacheco Barros, Marco Antonio R. de Oliveira, Sylvio Batista Neto, Jaime Piterman e José Antonio Hirt Preiss. Porto Alegre, 22 de setembro de 2003. DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES, RELATOR. RELATÓRIO DES. PAULO AUGSUTO MONTE LOPES (RELATOR) – O SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – SINFRERS ajuizou ação direta de inconstitucionalidade 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 contra o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE e a CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, alegando que o Município, através de seus órgãos de fiscalização, tem se utilizado de norma totalmente inconstitucional contra trabalhadores de fretamento turístico ou escolar, retendo os veículos no depósito e somente liberando-os sob a condição de pagamento compulsório de multa. Sustenta irregularidade nesse proceder e objetiva a suspensão da vigência do art. 22 da Lei Municipal nº 8.133/98, por incompatibilidade vertical com o artigo 5º, incisos XV, XXII, XXIII, XXIV, XXX, LIII, LIV, LV, LVII e §1º da Constituição Federal, combinado com o artigo 1º e 132 da Constituição Estadual, que recepcionou os princípios fundamentais e os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos, reconhecidos na Carta Magna. Requereu a concessão de tutela antecipada, sustentando que a demora da decisão prejudicará centenas de trabalhadores. A medida liminar restou indeferida (fl.70). A Câmara Municipal de Porto Alegre manifestou-se argüindo a carência de ação em face de pedido juridicamente impossível e, no mérito, pelo julgamento de improcedência do pedido (fls. 81/93). Citado o Procurador-Geral do Município, manifestou-se pela improcedência do pedido, sustentando, em síntese, que nada há de irregular no procedimento adotado pelo Município no que respeita ao transporte coletivo na sua circunscrição, seja público ou prestado pelas empresas de turismo e transportes escolares, exercitando seu poder de polícia conforme a legislação pertinente (fls. 324/329). Parecer do Procurador-Geral improcedência da ação (fls. 335/344). É o relatório. de Justiça no sentido da 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 VOTO DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES (RELATOR) – Preliminarmente, quanto à alegada impossibilidade jurídica do pedido por terem sido indicadas como paradigmas do controle normas da Constituição Federal, sem razão o argüente, na medida em que, conforme assentado no parecer do ilustrado Dr. Procurador-Geral de Justiça em exercício, “tratam-se – os direitos fundamentais – de matéria cuja reprodução nas Constituições dos entes federados periféricos é obrigatória. E, apesar de inexistir no sistema brasileiro controle abstrato da constitucionalidade de atos normativos municipais frente à Constituição Federal, já se firmou entendimento de que, no caso de normas reproduzidas na Carta Estadual, cabível o pedido” (fl. 336). Quanto ao mérito, a ação tem por objeto a declaração de inconstitucionalidade do art. 22 da Lei Municipal nº 8.133/98, que dispõe sobre o sistema de transporte e circulação no Município de Porto Alegre, adequando a legislação municipal à federal, em especial, ao Código de Trânsito. Dispõe o referido artigo: A prestação de qualquer tipo de serviço de transporte local em desacordo com o disposto nesta lei e demais normas complementares, implicará a aplicação das seguintes sanções: Imediata apreensão do(s) veículo(s); Multa de 2000 (duas mil) UFMs (unidade financeira municipal); Ressarcimento das despesas decorrentes dos custos de remoção e estadia dos veículos; 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 §1º - Em caso de reincidência a multa prevista na alínea “b” será aplicada em dobro e os custos previstos na alínea “c” serão acrescidos de multa de igual valor. §2º - Fica, desde já, o município autorizado a reter o(s) veículo(s) até o pagamento de todas as quantias devidas pelo infrator. Em verdade, em que pese tenha a requerente pretendido a declaração de inconstitucionalidade da integralidade do art. 22, o pedido deve restringir-se ao § 2º desse dispositivo de lei, na medida em que não é a aplicação da multa correspondente à infração de trânsito ou sua retenção que provoca a restrição do poder inerente ao veículo, mas sua indevida retenção, privando seus titulares da atividade profissional. No ponto, sem embargo do entendimento do d. ProcuradorGeral de Justiça em exercício, que, como sempre, analisou o tema posto em causa focalizando todos os pontos invocados de forma fundamentada e precisa, a Corte em 25.08.2003, no Incidente de Inconstitucionalidade nº 70006161483, relatado pelo Des. Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, declarou a inconstitucionalidade do § 2º do art. 22 da Lei Municipal nº 8.133/98, resultando o aresto assim ementado: “INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. PORTO ALEGRE. TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS. RETENÇÃO DE VEÍCULO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE DÉBITOS. ART. 22, §2º, DA LEI MUNICIPAL Nº 8.133, de 12.01.98. Exibe-se inconstitucional preceito que condicione a liberação de veículo ao “pagamento de todas as quantias devidas pelo infrator”, porque ignora o princípio do devido processo legal, quer em sua face processual quanto 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 ao seu aspecto substancial, inclusive no que diz com indevida restrição de poder inerente ao domínio. A inconstitucionalidade, no caso, decorre justamente da desproporção (falta de razoabilidade do preceito) entre a autorização legalmente concedida ao ente público – reter o veículo – e o comportamento exigido do cidadão – satisfazer todos os créditos daquele. Incidente julgado procedente”. Portanto, ainda que possam ocorrer os sancionamentos previstos, a retenção do veículo deve perdurar apenas pelo período necessário para o procedimento de autuação ou para sanar eventual irregularidade que o impeça de circular com segurança, implicando em verdadeiro confisco o condicionamento de liberação ao atendimento de todas as pendências como previsto no § 2º do aludido art. 22, da Lei Municipal de Porto Alegre nº 8.133/98, por colidir com a garantia constitucional inserida no art. 5º, LIV, da CF, que assegura a ninguém ser privado de seus bens sem o devido processo legal. Com efeito, tenho por presente a inconstitucionalidade do § 2º do art. 22 da Lei Municipal nº 8.133/98, julgando, em conseqüência, procedente em parte o pedido. DES. ARAKEN DE ASSIS - Sr. Presidente. Parece-me que a inconstitucionalidade resulta, à diferença de outras hipóteses, dentre as quais avulta o art. 131, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro, do fato de que há retenção do veículo e, portanto, violação do direito de propriedade, da cláusula do devido processo legal e do princípio da razoabilidade, conforme o precedente citado. Assim, acompanho o eminente Relator. 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 DES. OSVALDO STEFANELLO – Sr. Presidente, peço vênia para divergir. Voto no sentido de denegar a ordem impetrada, porque não vejo abuso de autoridade na apreensão do veículo e muito menos violação ao direito de propriedade. No tocante à preliminar, acompanho o eminente Relator. Quanto ao mérito, tenho que o Ministério Público colocou a situação nos seus devidos termos, sob os pontos de vista legal e constitucional, daí por que agrego a meu voto os termos do parecer, assim escrito, no que importa: “3. NO MÉRITO: “Dispõe o art. 22 da Lei Municipal n.º 8.133/98 de Porto Alegre: ‘A prestação de qualquer tipo de serviço de transporte local em desacordo com o disposto nesta Lei e demais normas complementares, implicará a aplicação das seguintes sanções: a) imediata apreensão do(s) veículo(s); b) multa de 2000 (duas mil) UFM’S (Unidades Financeiras Municipais); c) ressarcimento das despesas decorrentes dos custos de remoção e de estadia dos veículos dos veículos; §1º- Em caso de reincidência a multa prevista na alínea ‘b’ será aplicada em dobro e os custos previstos na alínea ‘c’ serão acrescidos de multa de igual valor. §2º- Fica, desde já, o Município autorizado a reter o(s) veículo(s) até o pagamento de todas as quantias devidas pelo infrator.’ “Sustenta o proponente que o art. 22 da Lei Municipal n.º 8.133/98 de Porto Alegre seria inconstitucional por ofensa ao art. 8 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 5º, VX, XXII, XXIII, XXIV, XXX, LIII, LIV, LV, LVII e § 1º, da CF c/c arts. 1º e 132 da CE. “Data vênia, parece que o dispositivo impugnado pode subsistir, desde que interpretado com a Constituição. “Quanto ao direito de propriedade, não pode ser entendido, segundo Perez Luño, ‘en terminos abstractos e interporales’ (em ‘Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución’, 6ª ed., Madrid, Editorial Tecnos, 1999, p. 406). E, modernamente, a propriedade, em todas as Constituições ocidentais, está condicionada à sua função social, não mais existindo como direito ilimitado e pré-estatal. “Desse modo, são inúmeras as limitações ou restrições que podem ser impostas ao direito de propriedade pela legislação infraconstitucional, desde que preservado o seu núcleo essencial. Nesse sentido, há a retribuição em geral, a desapropriação, o poder de polícia, as requisições, entre tantas outras. “Constrições a bens privados, nessa linha de argumentação, não seriam ofensivas à Constituição, se garantido o direito de gozar e fruir da propriedade por seu titular. Em sendo assim, condicionar a liberação de veículo apreendido ao pagamento de quantias devidas pelo infrator em nada afetaria a titularidade do direito de propriedade sobre tal bem, nem sua disposição. Ora, satisfeita a obrigação legal, o titular voltaria a, livremente, usar o veículo – e o poder de disposição poderia ser exercido a qualquer tempo. Trata-se, em verdade, de política legislativa, integralmente adequada ao Estado de Direito. “Por essas mesmas razões, também não se vislumbra qualquer ofensa ao direito de herança e à proibição de confisco, os quais não se encontram – nem remotamente – afetados pela disposição legal impugnada. 9 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 “Por outro lado, no que toca ao direito de livre locomoção, não é a eventual constrição a veículo automotor que constituirá obstáculo ao exercício de tal direito fundamental. O proprietário, mesmo sem poder usar de automóvel, não estará impedido de valer-se de seu direito de ir e vir por outros meios. “Sobre essas questões, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça Paulista, com pertinência, decidiu, em situação que pode ser tida como referencial, que, ‘quando a lei federal impõe a quitação das multas, como condição para expedição do novo certificado de registro ou para licenciamento anual, não está afetando a propriedade, mas disciplinando o trânsito do mesmo pelas vias públicas. Por isso, o condicionamento de tais atos ao prévio recolhimento das multas não restringe o direito de propriedade, não tem caráter confiscatório e nem impede o acesso à jurisdição’ (RT 780/231). “Não se verifica, ainda, nenhuma violação à liberdade de trabalho, a qual, por não ser absoluta, submete-se às limitações legais, como expressamente determinado pelo inc. XIII do art. 5º da CF. Quanto ao transporte coletivo, a Constituição confere aos Municípios a competência legislativa regulamentar, conforme disposto no art. 30, V. Aliás, é facilmente vislumbrável o caos urbano que se instalaria se se pudesse prestar serviço de transporte coletivo sem qualquer controle do Poder Público local. “Já a proibição de imposição de penas cruéis, a garantia da intranscendência das penas e o princípio da presunção de inocência dizem respeito ao processo penal, sendo estranhas ao deslinde do presente caso. “Porém, no que toca à possível ofensa ao art. 5º, XXXV, da Constituição, que inclui também as decorrências do respeito ao devido processo penal, a questão apresenta-se mais delicada. 10 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 “De fato, os demais direitos fundamentais indicados como afetados na inicial não sofrem, ao que parece, qualquer limitação irrazoável com o dispositivo impugnado. Aliás, o Código de Trânsito Brasileiro também contém dispositivo prevendo sanção similar- art. 262 e §§. “Portanto, nada impede que o Poder Público se valha da apreensão do veículo como sanção, mesmo que indiretamente sirva como meio de racionalizar e agilizar a cobrança da multa e demais cominações legais. Veja-se que a apreensão, em si, também constitui penalidade por infração à legislação municipal que regulamenta a prestação do serviço de transporte coletivo; sanção essa adequada à natureza da infração, pois de nada adiantaria a aplicação de multas se o proprietário pudesse continuar a utilizar o seu veículo, prestando o serviço público indevidamente. O escopo da apreensão do veículo, portanto, não é apenas a arrecadação dos valores devidos pelo infrator, a própria apreensão, conforme se verifica no do dispositivo impugnado, constitui penalidade autônoma, necessária para coibir a prática ilícita. “Contudo, havendo discussão judicial acerca da sanção decorrente de infração de trânsito, resta vedada a exigência de seu pagamento como condição para a liberação do veículo, pois isso significaria desrespeito ao art. 5º, XXXV, da Constituição. “Igual entendimento pode ser adotado relativamente ao disposto no art. 5º, LVI e LV, da Constituição, para a esfera administrativa. Ou seja, até mesmo eventual discussão administrativa sobre o cabimento da multa impede que a sanção se torne obstáculo à liberação do veículo apreendido. Caso contrário, ter-se-ia meio indireto de cobrança de crédito do Poder Público, em ofensa à Constituição. 11 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 “Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que a interposição de recurso administrativo impede que o pagamento da multa seja exigido como condição para renovação da licença de veículo (Resp 249.078/MG, 2ª Turma, rel. Min. Franciulli Neto, RSTJ 136/189). Nesse sentido, também vão as Súmulas n.º 70 e n.º 323 do STF, indicadas na inicial. “Ainda nessa linha de raciocínio, as quantias devidas referidas no art. 22 da Lei Municipal n.º 8.133/98 de Porto Alegre dizem respeito, evidentemente, apenas àquelas decorrentes da infração que gerou a apreensão do veículo. Não se poderia, por exemplo, exigir o pagamento de tributos pendentes ou sanções pecuniárias por infrações outras como condição para liberar o veículo, pois a se estaria valendo de meio indireto de cobrança de crédito do Poder Público, o que, como já se indicou, não é admitido pela ordem jurídico-constitucional. “Cumpre esclarecer, finalmente, que o contraditório diferido não é incompatível com o sistema de garantias da Constituição, haja vista a possibilidade até mesmo da prisão em flagrante no âmbito penal, muito mais grave que a constrição a bens móveis. Assim, a imediata apreensão do veículo não configura medida inconstitucional, desde que entendida com as limitações antes indicadas, de modo a compatibilizá-la com os direitos fundamentais do art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição. “Do que foi dito verifica-se que o dispositivo legal, em si, não revela contrariedade à Constituição. Apenas há que se restringir as hipóteses de sua aplicação, através de sua interpretação conforme à Lei Maior, já que o juízo de nulidade da lei há de ocorrer apenas ‘beyond all reasonale doubt’. Trata-se de técnica de jurisdição constitucional, desenvolvida sobretudo na Alemanha na segunda metade do século 20, mas já acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. 12 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 “Pela interpretação conforme à Constituição, preserva-se a integralidade do texto legal, mas condiciona-se a aplicação à sua compatibilidade com a Constituição, através da irradiação das regras e princípios nesta previstos. Não há redução do texto da norma infraconstitucional. “A inovação normativa compete ao Poder Legislativo, e suas deliberações hão de ser respeitadas, desde que compatíveis ou compatibilizáveis com a principiologia constitucional. “Desse modo, pode-se entender que o disposto no art. 22 da Lei Municipal n.º 8.133/98 de Porto Alegre é constitucional, desde que sua aplicação respeite os direitos fundamentais garantidos no art. 5º, XXXV, LIV e LV, da CF. Ou seja, havendo discussão judicial ou administrativa acerca da transação imposta, a liberação do veículo não pode restar condicionada ao pagamento da multa devida e das demais cominações legais. Igualmente, ‘as quantias devidas’ constante do §2º do art. 22 impugnado diz respeito apenas àquelas decorrentes da mesma infração que gerou a apreensão do veículo. “4. Isto posto, manifesta-se o Ministério Público pela improcedência da presente ADIn, desde que em sua aplicação ao art. 22 da Lei Municipal n.º 8.133/98 de Porto Alegre seja interpretado conforme à Constiuição, com respeito às garantias previstas no art.5º, XXXV, LIV e LV, da Lei Maior” (fls. 339/345). Devo acrescer apenas que o veículo que trafega devendo multas - e aqui quando a norma fala em multas ou dívidas do veículo, por evidente, trata-se de multas de trânsito - está trafegando de forma irregular. Seria a mesma coisa que pegar um veículo sem faróis à noite, ou com os pneus lisos, ou com a direção solta, verificar, examinar e a autoridade policial não poder apreender o veículo. Ou seja, existem os elementos 13 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 mecânicos que impedem a circulação do veículo, assim como há elementos monetários, como a aplicação de multa. E, se existe aplicação de multa, é porque existe irregularidade praticada pelo motorista, até prova em contrário, porque a autoridade pública, enquanto no exercício de sua atividade, merece fé pública. Além do que cabe, sim, à administração municipal regulamentar, no âmbito do município, normas de fiscalização e controle de tráfego, especialmente de transporte escolar. O próprio Código Nacional de Trânsito o prevê, sendo que a fiscalização do transporte escolar tanto pode ser preventiva quanto repressiva. Preventiva se o veículo está trafegando mal por defeitos materiais, e repressiva se está trafegando mal por ter sido multado em uma, duas ou mais vezes. Há que ser ressaltado que o próprio Código de Trânsito, em seu art. 256, IV, prevê, como uma das sanções ao motorista que trafega irregularmente, a apreensão do veículo. E, pelo que sei, nunca se cogitou de levantar a inconstitucionalidade dessa norma federal. Realço mais: que a apreensão do veículo, por estar trafegando irregularmente, em momento algum fere o direito de propriedade. O direito de propriedade permanece íntegro em favor do proprietário do veículo. Mas para poder usá-lo – que é outra coisa -, para poder trafegar com o veículo, principalmente de transporte escolar, há a exigência de que esteja regular sob todos os aspectos, jurídicos e legais. Portanto, não vejo como se possa invocar o inc. LIV da Constituição, sob o argumento de que o veículo só poderá ser apreendido depois de haver um processo administrativo. 14 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 DES. PAULO A. MONTE LOPES (RELATOR) – V. Exa. me concede um aparte? A discussão não é sobre a apreensão - a apreensão é possível fazer, como também multar; é apenas quanto à liberação, que fica condicionada, pelo § 2º, ao pagamento de todos os débitos que existam na Fazenda Municipal acerca daquele veículo. DES. OSVALDO STEFANELLO – Mas eu estou argumentando exatamente nesse sentido. Não é possível à autoridade liberar o veículo se ele está circulando irregularmente. Não é possível, sob pena, inclusive, de responsabilidade da autoridade policial. Essa é a verdade. E, se o veículo deve multas, o proprietário que as pague e prove que o veículo trafega regularmente e faça o Estado devolver as multas. Para tudo existe o caminho legal e adequado, mas, se o veículo está sendo multado, ou tem multas anteriores – e desimporta quantas são -, ele está trafegando irregularmente. Assim como, aliás, a autoridade policial não é obrigada a licenciar , se estiver com pendência de débitos decorrentes de infrações de trânsito. Daí por que, com toda vênia e respeito, não vejo sequer como a autoridade pode, em constatando problemas, liberar um veículo que está trafegando, ou para que continue a transitar, mesmo que de maneira irregular. Não vislumbro nenhuma inconstitucionalidade na norma contida no inc. XXII, letra a, da Lei Municipal nº 833, uma vez que, senão literalmente, substancialmente, está a repetir a norma contida no art. 256, IV, do Código Nacional de Trânsito, e não vejo violação ao inc. LIV do art. 5º da Constituição, com a vênia dos votos em contrário. 15 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 Estou, conseqüentemente, rejeitando a preliminar e denegando a ordem, eminentes Colegas. DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA – Inobstante o brilho do voto do eminente Des. Stefanello, peço vênia para acompanhar o Des. Paulo Augusto Monte Lopes. DES. VASCO DELLA GIUSTINA - Eminentes Colegas, quando da suscitação dessa problemática no julgamento anterior a que faz menção o eminente Relator e da relatoria do eminente Des. Antonio J. Dall'Agnol Junior, realmente me preocupei com a matéria, porque me parecia, na ocasião, que já tínhamos julgado algo assemelhado em decisão anterior. Efetivamente, estava mais ou menos definida a posição do Colegiado, parece que faltava um voto, mas, no Incidente nº 70005081377, este Augusto Plenário, há alguns meses, enfrentou matéria análoga à presente. Pequenos detalhes talvez levem à conclusão do eminente Relator ou à posição do eminente Des. Stefanello. Naquela ocasião, o incidente relacionava-se com o art. 131, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro, que diz que o veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais vinculados ao veículo, independentemente de responsabilidade pelas infrações cometidas. DES. ARAKEN DE ASSIS - Eminente Des. Vasco: naquela espécie, o veículo não fica retido, respeitando a regra do Código de Trânsito à circulação do veículo. É outro problema. O veículo não precisa circular, e, portanto, de licenciamento. 16 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 Como lembrou o Des. Ranolfo, alguém pode ter um veículo, na sua casa, utilizando-o para morar, sem que ele saia do lugar. Assim, não precisa de licenciamento. DES. VASCO DELLA GIUSTINA – Não estou divergindo do Des. Araken, apenas estou trazendo uma dúvida minha para o Plenário. Na realidade, naquele processo do Código de Trânsito, quando o incidente foi julgado improcedente, entendeu o Plenário que deveria emprestar interpretação conforme a Constituição, ou seja, naquele caso, que, como disse o Desembargador em princípio seria diferente desse, este Plenário julgou improcedente o incidente, emprestando interpretação conforme a Constituição a esse art. 131, § 2º, para o fim de declarar que o referido dispositivo legal é constitucional desde que sua aplicação respeite os direitos fundamentais previstos no art. 5º, XXXV, XLIV e XLV, da Carta Federal, ou seja, ausente notificação prévia do devedor ou havendo discussão judicial ou administrativa sobre sanção imposta, o licenciamento do veículo não pode ser condicionado, portanto, ao pagamento da multa respectiva. Como disse o eminente Des. Araken, aqui parece que a situação é um pouco diversa. A legislação municipal ora sub judice já estaria retendo o veículo, aí estaria incidindo, realmente, em inconstitucionalidade. Colocados esses problemas perante o Colegiado, eu estaria por aderir a essa posição, mas entendo que merece preocupação a posição do eminente Des. Stefanello, no sentido de que já enfrentamos matéria análoga e entendemos que o Código de Trânsito não seria inconstitucional se fosse aplicado no espírito da Constituição. Aquele dispositivo não fala 17 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 efetivamente em retenção do veículo, que ocorreria no presente, daí então a diferença e a decisão na linha do voto do Relator. Encaminho voto na linha do Relator com essas considerações. DES. ANTONIO J. DALL'AGNOL JUNIOR – Eminente Presidente, fui o Relator do incidente referido pelo digno Relator desta ação e reafirmo-o, aqui, em todos os seus termos. Permito-me, apenas, fazer algumas considerações. O que se vê aqui, lamentavelmente, e eu já dissera naquela ocasião, é a dificuldade de compreensão do que seja o devido processo legal substancial, porque é disso que se está a cuidar, embora, às vezes, fique-se a fazer elucubrações que não digam respeito ao núcleo do problema, que é justamente, num estado democrático de direito, reconhecer ao cidadão um mínimo de liberdade para que se possa opor a um estado avassalador, burocratizado e às vezes carrasco do cidadão. O que ocorre é o que os americanos chamam de balance of convenience rule, ou seja, a regra do equilíbrio conveniente, e isso é exercício de poder, eminente Presidente, e cabe a nós, exatamente numa espécie de ação como esta de inconstitucionalidade, exercer o poder que nos foi conferido pela Constituição Federal e pela Constituição Estadual, que é o de verificar profundamente a atividade não só do administrador - e isso tem feito a seção de Direito Público um sem-número de vezes, eu tive oportunidade de lembrar aqui os eminentes Colegas -, mas também a do legislador. Aqui não se trata absolutamente de entender que haja vício, como equivocadamente disse o Des. Stefanello, no art. 22, a. O que está 18 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 sendo objeto de exame é o art. 22, § 2º, como está muito bem realçado no voto do eminente Relator. A circunstância eventual de uma legislação federal conter regra semelhante ou mesmo igual não a faz isenta de vício. E tanto não a faz que - também aqui um pequeno equívoco do Des. Stefanello – há, sim, reação em nível federal. O Conselho Federal da OAB entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra esses dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, justamente esses que calcam sobre o cidadão, retirando-lhe um mínimo de exercício de liberdade. O Conselho fez bem, porque esses são momentos em que o cidadão sozinho tem de pagar mesmo a multa. Retenção do veículo não atinge o direito de propriedade? Mas o núcleo desse direito não é o uso? Data venia, acho que há um equívoco manifesto nessa questão. DES. OSVALDO STEFANELLO – Eminente Des. Dal’Agnol, antes do encerramento do voto de V. Exa., faço apenas uma observação. V. Exa. citou o Direito americano. No Direito americano, eles não apreendem o veículo apenas, apreendem o veículo e o proprietário do veículo, que levam preso se não pagar a multa. DES. ANTONIO J. DALL'AGNOL JUNIOR – Eu não citei o Direto americano, citei um princípio de Direito. Se eles fazem isso, fazem muito mal, mereceriam de mim a mesma resposta que estou dando aqui. O que eu quero é que o Estado permaneça nos limites da sua atividade lícita. Houve a infração, muito bem, lavre o auto de infração, devolva o veículo. O que é isso? Tanto é verdade que são duas coisas, e a lei claramente fala. Ela fala, diferente, em apreensão, na letra a do art. 22, e 19 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 em retenção no § 2º do art. 22, que são coisas bem diferentes. Apreender para lavrar-se o auto de infração e nada mais. Vá cobrar como qualquer cidadão! A verdade, eminentes Colegas, é que aqui mais uma vez se vê não só o administrador, mas o administrador confortado pela legislação. Eu, naquela oportunidade, fiz um comentário e vou reafirmálo, não obstante o denodo do Ministério Público no sentido da utilização de mecanismos para o entendimento da constitucionalidade da lei, mecanismos que só nós pudemos utilizar, portanto o cidadão terá de vir a juízo para buscar de nós a interpretação conforme a Constituição, porque não vai ser do administrador que ele vai receber isso, do legislador muito menos. Eu disse, naquela ocasião, que por isso o despropósito alçava o nível da desrazão, porque se veria ampliado o despropósito à desproporção da medida de retenção e se haveria de somar a exigência de recurso contínuo ao Judiciário ao efeito de desencadear o processo de funcionamento de algum mecanismo assim da interpretação conforme. Há regras, e esta é uma que não merece sobreviver, que deve ser abatida. Se a idéia era de cobrança apenas da multa, sobre cuja constitucionalidade também tenho dúvida, que se colocasse, mas não, como bem disse o Des. Monte Lopes, de todas as quantias. Com a vênia do voto do eminente Des. Stefanello, que, a bem da verdade, não participou do debate que tivemos, S. Exa. não se encontrava no dia 25-08-03, estou reafirmando o que o Pleno, por unanimidade, fez relativamente a essa regra, embora apenas incidentalmente, para decretar nos precisos termos do voto do Relator, Des. Monte Lopes, isto é, relativamente ao art. 22, § 2º, a inconstitucionalidade da regra. 20 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS – Sr. Presidente, participei da votação do incidente e também o acolhi. Reitero aquele posicionamento, chamando a atenção, como já foi destacado, que não se está a discutir no caso a possibilidade da retenção do veículo, tanto é que o caput do art. 22 permanece íntegro, e nas suas alíneas subseqüentes, permitindo a apreensão, a incidência de multa e o ressarcimento das despesas decorrentes, inclusive as conseqüências da reincidência pela mesma infração. O que se está a vedar é o caráter coercitivo dessa retenção, como meio de execução do pagamento dos encargos devidos pela falta administrativa cometida pelo motorista infrator. Com a liberação, também não se está autorizando a trafegabilidade com o veículo, mas apenas não se permite a sua retenção - repito - como meio coercitivo para exigir o pagamento da multa. Com essas observações, estou acompanhando o eminente Relator. DES. LEO LIMA – Também estou acompanhando o eminente Relator. DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA – Sr. Presidente, também participei do precedente mencionado pelo eminente Relator e agora reafirmo o voto lá lançado. De acordo com o eminente Relator. DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA – Não participei do julgamento do precedente, mas, rogando vênia ao eminente Des. Stefanello, estou acompanhando o Relator. 21 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 DES. WELLINGTON PACHECO BARROS – Eminente Presidente, tenho manifestado, na 4ª Câmara, esse posicionamento não só com relação a esse aspecto, mas com o outro. Por exemplo, acabei de receber uma multa da EPTC por uso de celular na direção, só que eu não tenho celular, não uso celular, mas, no entanto, já fui multado, ou seja, isso demonstra realmente a situação em que nós estamos. Parece-me que, quando a Constituição estabeleceu, acima de qualquer outra estrutura, os direitos individuais, e esses direitos individuais, pela primeira vez na história, são antecipados aos direitos do Estado, colocou um norte ao administrador, porque, nas demais Constituições, os direitos individuais eram pospostos. Pela primeira vez, os direitos individuais são antepostos. Quer-me parecer que o Estado já tem benesses demais, e criarse, por meio de uma legislação municipal, uma maior benesse, a possibilidade, como bem disse o Des. Luiz Ari, de coagir para receber, isso não existe no nosso sistema jurídico. Em decorrência disso, eminente Presidente, estou, com o mesmo ímpeto do Des. Dall’Agnol, com a mesma incontingência no sentido da manifestação dessa pretensão, no sentido de acompanhar o eminente Relator, rogando vênia ao eminente Des. Stefanello. DES. MARCO ANTÔNIO R. DE OLIVEIRA – Com o Relator. DES. SYLVIO BAPTISTA NETO – Com o Relator. DES. JAIME PITERMAN – Com o Relator. 22 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 DES. JOSÉ ANTÔNIO HIRT PREISS – Eminente Presidente, assim como o Des. Caminha, não participei da sessão em que foi discutido o incidente que foi colocado agora em pauta pelo eminente Des. Dall’Agnol, mas eu ouvi atentamente a manifestação do eminente Des. Stefanello e, se me permite V. Exa., estou vendo duas situações diferenciadas – por favor, corrija-me se eu estiver errado. No exemplo dado pelo eminente Des. Stefanello, colocou-se a nu problemas no veículo: falta de farol, pneu liso e direção solta. Isso quer dizer com a trafegabilidade do bem. Um bem nessas condições não pode trafegar, tem de ser recolhido incontinenti, principalmente se é transporte escolar. Esse é o primeiro ponto. O que se discute aqui são incidências de ônus sobre o veículo, ônus pecuniários, multa e outros que tais. Um carro com multas, com IPVA atrasado e outras licenças atrasadas ou não-deferidas pode trafegar tranqüilamente, porque não dizem com as condições do veículo, e sim com as condições legais para as quais aquele veículo foi destinado – exemplo: transporte escolar. Penso eu que essas duas coisas foram colocadas aqui. Estamos discutindo retenção de veículo para pagamento de todos os ônus. Então, nessa contingência, no momento em que se pede que o veículo seja retido para que satisfaça uma pecúnia, impedindo que o veículo trafegue na mão do proprietário, o Estado está extrapolando a sua condição. No entanto, eu ouvi da tribuna – por favor, se eu estiver errado, corrijam-me – que, em inúmeros casos, que são do nosso conhecimento, para se discutir em juízo, é preciso garantir o juízo com o pagamento do valor. Então, só depois se discute. Ninguém está anuindo que, 23 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 com o pagamento, se diz “eu errei e estou pagando a multa”. Não, eu estou garantindo o juízo para depois discutir o valor da multa. A devolução depois, mais tarde, é outra coisa, caso seja infeliz na ação judicial. Posto isso, com a devida vênia do eminente Des. Stefanello, eu adiro ao voto do eminente Des. Monte Lopes, com os adendos do Des. Dall’Agnol. DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO (PRESIDENTE) – Também peço vênia ao eminente Des. Stefanello para acompanhar o eminente Relator, com as achegas do Des. Dall’Agnol. DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER – Sr. Presidente, também acompanho o eminente Relator, com as brilhantes achegas dos Des. Araken de Assis e Antonio Janyr Dall’Agnol Junior. SR. PROCURADOR DO MUNICÍPIO – Uma questão de ordem. A questão da irregularidade do veículo, por exemplo, um débito com licenciamento, está intimamente relacionada com as condições do veículo, porque o licenciamento para a funcionalidade vai aferir as condições. As condições materiais de segurança são no licenciamento. Então, o débito pode ser do licenciamento. Nessas condições, não vai haver nenhuma garantia de que ele retorna com as condições de trafegabilidade. DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT – Mas aí o problema é o pagamento das multas, isso é outro detalhe. Acompanho o Relator. 24 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 DES. ÉLVIO SCHUCH PINTO – Sr. Presidente, é antiga a jurisprudência brasileira, especialmente da Corte Suprema, também no STJ e neste Tribunal, na seção de Direito Público, no sentido de coibir o uso de instrumentos assemelhados de coerção, como a imposição de multa e retenção de bens, para, ao fim e ao cabo, obter o pagamento de penas pecuniárias ou tributo, entendidos devidos pela Administração. Isso ocorre com o ICMS, no Estado, cujo regulamento - com base na lei -, atribui ao Fisco o poder de apreensão de mercadorias em trânsito com documentação irregular, sem o ICMS regularmente anotado, destacado ou pago; e essas apreensões de mercadorias se estendem até a apreensão do veículo transportador. Centenas ou milhares de mandados de segurança têm sido deferidos neste Tribunal contra essa prática adotada pela Fazenda, que a sustenta sempre com base na legalidade estrita e no interesse público. E tem-se sempre entendido que as apreensões nesses casos e a conseqüente retenção, só se justificam até o momento em que identificado o infrator, definida a infração e dimensionados o tributo e multa aplicáveis. Daí, então, ficam sem sustentação a apreensão e retenção. No caso presente, há uma referência - na alínea a do art. 22 - à imediata apreensão dos veículos. Ouviu-se aqui, durante a sustentação dos votos dos eminentes Colegas e até em questão de ordem da tribuna, que essa apreensão diria respeito tão-só a questões materiais, e não as formais. Não vejo isso escrito na lei. O licenciamento de um veículo para transporte escolar, ao que me parece, não passa apenas e tão-só pela aferição de suas condições materiais ou de funcionamento. Há questões formais: não são liberáveis quaisquer veículos. Não se vai liberar uma jamanta, um “cegonheiro” para transportar escolares. Sob tal enfoque, a questão se prestaria a um exame casuístico da inconstitucionalidade do agir 25 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 da Administração, caso a caso, em razão do fato que legitimou a apreensão, e até da manutenção dessa apreensão, enquanto não afastadas suas causas. Se o veículo está sem freio, sem condições de trafegar, que o proprietário vá lá no DETRAN, ou no depósito do Município, e diligencie no conserto para levantar a retenção. De qualquer maneira, não me parece que possa haver dúvida, como sustentou, com toda a lucidez, o eminente Des. Dall’Agnol, com relação à inconstitucionalidade desse § 2º, que autoriza a retenção do veículo, se em razão dele o proprietário estiver em dívida para com o Município. Como disse o Des. Dall’Agnol, nós temos de fiscalizar também a legalidade do agir do legislador, não só do administrador. E este é o momento para dizer não, ou sim, ao questionado § 2º. Não podemos admitir que, por qualquer dívida - ainda que sejam daquelas 2.000 UFMS aplicadas pelo fato que determinou a apreensão -, o Município se legitime para reter o veículo, até o pagamento. Ele que formalize o auto de apreensão e de notificação, instaure o procedimento administrativo em que ensejada a defesa; e que jamais condicione ao pagamento dessa multa - que pode ser mantida ou não, ou que pode ser revisada depois, ou até cassada judicialmente -, a devolução do veículo. Isso realmente fere a liberdade do cidadão; e excede os poderes do legislador, segundo o sistema posto na Constituição de 1988, no nosso festejado Estado de Direito Democrático. Com essas achegas, estou acompanhando inteiramente o eminente Relator. DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA – Acompanho o eminente Relator em seu voto. 26 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAML ADIN 70006185052 DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA – Eminentes Colegas, o controle de tráfico de veículos é o que sustenta a lei impugnada no que respeita à apreensão do veículo em débito com o pagamento de multa. Trata-se de veículo trafegando irregularmente e reincidente na infração das normas de trânsito. Voto com o eminente Des. Stefanello. DES. ARISTIDES P. DE ALBUQUERQUE NETO – Com o eminente Relator. DES. RANOLFO VIEIRA – Também estou votando com o eminente Relator, pedindo vênia aos que entendem em sentido contrário. DES. VLADIMIR GIACOMUZZI – Pedindo vênia, estou votando com o eminente Relator. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70006185052, DE PORTO ALEGRE: “POR UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR E, POR MAIORIA, JULGARAM PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO E DECLARARAM A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ARTIGO 22 DA LEI MUNICIPAL Nº 8.133/98, DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE”. SBDS