Concepções de linguagem e gêneros discursivos na formação inicial do professor de Língua Portuguesa Tatiana Fasolo Bilhar de Souza (PICV/Unioeste), Terezinha da Conceição CostaHübes (Orientadora), e-mail: [email protected]. Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Centro de Educação, Comunicação e Artes/Cascavel, PR. Linguística, Letras e Artes/Linguística Palavras-chave: Formação Inicial do Professor de Língua Portuguesa, Concepção Interacionista de Linguagem, Gêneros Discursivos. Resumo O ensino de Língua Portuguesa (LP), conforme os PCN (BRASIL, 1998) e as DCE (PARANÁ, 2008), deve se pautar por uma concepção interacionista de linguagem. Nesse contexto, o que se espera do professor é que trabalhe com seus alunos atividades de leitura, escrita/reescrita e análise linguística dos mais variados gêneros discursivos. No entanto, para que esse ensino se efetive, é necessário que os futuros professores de LP recebam uma formação coerente com tais propósitos. É preciso, então, que voltemos nosso olhar para a formação inicial dos cursos de Letras. Assim, esta pesquisa parte das seguintes indagações: Qual a concepção de linguagem que subsidia a formação do professor de LP no Curso de Letras da UNIOESTE – campus Cascavel? Qual a compreensão de gêneros discursivos que está sendo possibilitada aos acadêmicos desse Curso? No intuito de respondê-las, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, interpretativista, inscrita na Linguística Aplicada, que contou, como instrumentos geradores de dados, com uma análise do PPP e de planos de ensino de disciplinas do referido Curso, além da aplicação de questionários e realização de entrevista focal com acadêmicos do último ano. Como resultado, observamos que o PPP do Curso se assenta em uma concepção interacionista de linguagem. No entanto, essa orientação não se concretiza em todos os planos de ensino analisados. Ainda, a compreensão de gêneros que o Curso possibilita aos acadêmicos é incipiente. Os estudantes apresentam dificuldades para defini-los teoricamente e para explicar como seria um trabalho pautado pela concepção interacionista utilizando os gêneros como ferramentas de ensino. Introdução O ensino de Língua Portuguesa (LP) no Brasil é norteado pela concepção interacionista de linguagem. De acordo com tal concepção, a língua não é mais vista como um sistema abstrato e imutável, ao contrário, “constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2014, p.132). E a linguagem é o local das relações sociais em que os falantes atuam como sujeitos (PERFEITO, 2010). Tal perspectiva começou a figurar nos documentos pedagógicos oficiais desde a década de 1990. O Currículo Básico para a Escola Pública (PARANÁ, 1990) trouxe, como pioneiro, o ensino de LP pautado na concepção interacionista e no texto como objeto de ensino. Em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram publicados e, além de se pautarem na concepção interacionista, apresentaram os gêneros textuais como objeto de ensino. Uma década depois, em 2008, publicaram-se, no Estado do Paraná, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica (DCE). Esse documento, pautado na mesma concepção de linguagem, mas com um viés dialógico, apontou para o uso dos gêneros discursivos como ferramenta de trabalho com a linguagem. Com esse processo de incorporação de uma visão interacionista no trabalho com a linguagem, e da proposição do trabalho com os gêneros na sala de aula, conforme orientam os PCN (BRASIL, 1998) e as DCE (PARANÁ, 2008), espera-se que os professores de LP atuem de maneira coerente com tais documentos. Assim, os docentes devem assumir a concepção interacionista de linguagem na sala de aula e, consequentemente, adotar os gêneros como ferramenta de ensino da LP. No entanto, para que essa orientação teórica realmente se consolide nos encaminhamentos didáticos, é necessário que esses docentes recebam uma formação inicial capaz de subsidiá-los didática e teoricamente para tal. Mas será que essa formação tem se efetivado na prática? Partindo desse contexto, esta pesquisa, reconhecendo a importância do Curso de Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) – campus Cascavel na formação de professores de LP, procurou responder duas questões: Qual a concepção de linguagem que subsidia a formação do professor de LP no Curso? Qual a compreensão de gêneros discursivos que está sendo possibilitada aos acadêmicos desse Curso? O objetivo foi o de observar se tal licenciatura em Letras possibilita, aos seus egressos, uma formação inicial capaz de subsidiar uma prática pedagógica coerente com o que preconizam os documentos pedagógicos oficiais vigentes no país e no Estado. Material e Métodos Buscando responder a nossas perguntas de pesquisa, realizamos uma investigação qualitativa e interpretativista, inscrita na Linguística Aplicada, que contou, como instrumentos geradores de dados, com uma análise documental, além da aplicação de questionários e realização de entrevista. Inicialmente desenvolvemos uma revisão bibliográfica sobre as diferentes concepções de linguagem e suas implicações para o ensino de LP; os gêneros discursivos; as diferenças entre gêneros discursivos e textuais; os documentos pedagógicos oficiais da educação básica no Brasil e no Paraná; e a formação inicial do professor de LP nos cursos de Letras. Para tal, nossa base teórica contou com autores como Bakhtin (2011, 2014), Geraldi (1997), Perfeito (2010), d’Ávila (2007), Nóvoa (1992), Oliveira (2003) e Rojo (2005). Depois, buscando identificar a concepção de linguagem que subsidia o Curso e o tratamento dado aos gêneros discursivos, realizamos análise de seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e de planos de ensino – todos aprovados pelo Colegiado de Letras e vigentes para o ano de 2015 – de dez disciplinas da área de LP, quais sejam: 1) Leitura e Produção Textual; 2) História e Formação da LP; 3) Estudos Linguísticos I; 4) Estudos Linguísticos II; 5) Linguística do Texto e do Discurso; 6) Morfologia, Fonética e Fonologia do Português; 7) Sintaxe do Português I; 8) Sintaxe do Português II; 9) Prática de Ensino e Estágio Supervisionado de Línguas; e 10) Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em LP. Em seguida, aplicamos um questionário com os acadêmicos que em 2015 cursavam o último ano de Letras. Foram respondidos 22 questionários. O objetivo foi o de traçar um perfil da turma e identificar se os futuros professores se sentiam preparados para lecionar LP na educação básica. A aplicação se deu no mês de julho de 2015. Por fim, para analisar que compreensão de gêneros o curso vem possibilitando aos futuros professores de LP, realizamos uma entrevista focal semiestruturada que contou com a participação voluntária de cinco acadêmicos do quarto ano de Letras. Resultados e Discussão Nossa análise documental permitiu observar que, segundo o PPP (UNIOESTE, 2005), o Curso se assenta na concepção interacionista de linguagem. Contudo, essa orientação não se efetiva em todos os planos de ensino de LP. Há planos que se pautam em uma concepção estruturalista de linguagem e sequer consideram os documentos pedagógicos oficiais ao tratar da aplicação de seus conteúdos à educação básica. Com relação aos gêneros, há apenas três planos que os mencionam e tratam gêneros discursivos e textuais como sinônimos, sem explicitar como podem ser trabalhados na prática pedagógica. Logo, embora o PPP preveja um ensino centrado no conceito de linguagem como forma de interação, não é possível afirmar que o Curso, no que tange à LP, de fato seja subsidiado por tal concepção de linguagem. Já a análise das respostas dos questionários e da entrevista apontou que os acadêmicos reconhecem a concepção interacionista de linguagem e os gêneros – embora apresentem dificuldades para defini-los teoricamente e não sejam capazes de diferenciar gêneros discursivos e textuais. Trata-se de uma compreensão, portanto, incipiente. Os futuros professores compreendem que a importância de se trabalhar segundo a perspectiva interacionista diz respeito ao fato de se estudar a língua em contextos reais de uso. Contudo, não esclarecem como esse trabalho poderia ser feito. Ainda, os estudantes afirmam que não se sentem preparados para lecionar LP na educação básica e, como motivos, relatam a dicotomia entre teoria e prática, a insuficiência dos estágios e a dificuldade do próprio Curso para articular os diferentes eixos de LP num trabalho interdisciplinar. Conclusões Nosso entendimento é de que se faz necessário repensar o currículo do Curso de Letras da UNIOESTE – campus Cascavel, observando com mais cuidado a concepção de linguagem de seus planos de ensino e o tratamento dado aos gêneros discursivos. Faz-se necessário, também, que se busquem estratégias para superar a dicotomia teoria e prática, procurando articular, num projeto interdisciplinar, as diferentes disciplinas de LP. Ainda, é preciso repensar as disciplinas de estágio de forma a garantir que os acadêmicos possam vivenciar a realidade das escolas ao longo do Curso de forma mais efetiva. O Curso deveria garantir o trabalho com os gêneros do discurso nas diversas disciplinas de LP, de forma a possibilitar aos acadêmicos o aprendizado, na prática, de como recorrer aos gêneros como ferramentas/instrumentos de ensino de LP, para, assim, possibilitar, de fato, uma formação inicial coerente com o ensino que se espera dos futuros professores na educação básica. Agradecimentos Agradecemos à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG) pela possibilidade de realizarmos esta pesquisa na modalidade de Iniciação Científica Voluntária; ao Colegiado do Curso de Letras da UNIOESTE – campus Cascavel, que gentilmente nos cedeu os documentos aqui analisados; e aos acadêmicos que concordaram em participar, respondendo ao questionário e à entrevista, sem os quais a realização desta pesquisa não seria possível. Referências BAKHTIN, M. (2011). Estética da Criação Verbal. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. ______ ; VOLOCHINOV. (2014). Marxismo e filosofia da linguagem. 16. ed. São Paulo: Hucitec. BRASIL. (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental. D'AVILA, C. M. (2007). Universidade e formação de professores: qual o peso da formação inicial sobre a construção da identidade profissional docente. In: NASCIMENTO, A. D.; HETKOWSKI, T. M. (Org.). Memória e formação de professores. (p. 219 – 240). Salvador: EDUFBA. GERALDI, J. W. (1997). Portos de Passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes. NÓVOA, A. (1992). Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e sua formação. (p. 13 – 33). Lisboa: Dom Quixote. OLIVEIRA, M. B. F. de. (2003). Sala de Aula de língua e práticas cidadãs. Trabalhos de Lingüística Aplicada 41, 65-74. PARANÁ. (1990). Currículo Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná. Curitiba: SEED. ______. (2008). Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná: Língua Portuguesa. Curitiba, SEED. PERFEITO, A. M. (2010). Concepções de linguagem, teorias subjacentes e ensino de língua portuguesa. In: MENEGASSI, R.; SANTOS, A. R. dos; RITTER, L. C. B. (Org.). Concepções de Linguagem e ensino. (p. 11 – 38). Maringá: Eduem. ROJO, R. (2005). Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. (p. 184 – 207). São Paulo: Parábola Editorial. UNIOESTE. (2005). Projeto Político Pedagógico do Curso de Letras – Cascavel. http://www.cascavel.unioeste.br/images/stories/pdf-letras/ANEXOIRESOLUcao_3592005-CEPE_PROJETO_PEDAGoGICO_DO_CURSO.pdf. Acesso em 30 de março de 2015.