Visualização do documento Dívida externa - Artigo de Laudeir.doc (108 KB) Baixar 22 COMENTÁRIOS SOBRE A DÍVIDA EXTERNA Setembro/2000 Laudeir Frauches É difícil falar do Brasil sem lembrar da monumental dívida externa. De fato, ela nasceu no momento da independência do país. Celso Furtado (1998, p. 94) afirma que a unidade política do Brasil no século XIX, quando o restante da América Latina se esfacelava em vários estados após tornar-se independente do império espanhol, deve muito à decisão do governo brasileiro de responsabilizar-se por parte da dívida que Portugal assumira com a Inglaterra. Isto é, o reconhecimento da independência do Brasil por Portugal implicou o nascimento da nossa dívida externa. Ainda Furtado (p. 94) lembra que, se tal fato não ocorresse, seria quase impossível o país manter a unidade territorial, pois não havia, naquela época, nenhuma região com poder de impor controle sobre as demais. O que Furtado não comenta é que o dinheiro que Portugal pegou com a Inglaterra havia sido usado pelos portugueses para financiar o envio das tropas do general Madeira, que resistiram até 1824, na Bahia, contra a independência brasileira. Vale lembrar que as tropas brasileiras eram comandadas por um escocês, o almirante Cochrane: claro, os grandes vencedores, como sempre, foram os banqueiros ingleses. Afinal, por que nos endividamos tanto no exterior? É difícil para qualquer brasileiro entender que um país vasto e tão rico de recursos naturais sempre recorra ao capital estrangeiro para implementar os seus projetos de crescimento. Porém, a resposta é encontrada em qualquer livro de história econômica: o Brasil produz bem menos do que precisa e é obrigado a importar mercadorias, capitais e tecnologia para atender suas necessidades. Fazendo uma revisão histórica, verifica-se que, na pauta de importação brasileira do século XIX e do início do século XX, incluía-se uma série de produtos, desde caixão funerário até minério de ferro (sic), sem falar, é claro, em tecidos (quem pode esquecer do famoso Tratado de Methuen, o acordo dos panos e vinhos entre Portugal e Inglaterra, do qual o Brasil pagou a conta, pois até mesmo a roupa dos escravos era de procedência inglesa?). Tudo isto teve repercussões sobre o desenvolvimento industrial brasileiro, na medida em que, tornando-se Portugal um país agrícola, ficou dificultada a vinda de mão-de-obra com algum conhecimento técnico em indústria para a região de Minas Gerais, durante o ciclo de ouro: apesar do uso da mula como meio de transporte, sequer se sabia fazer ferradura para “ferrar” o casco daqueles animais. Na opinião de Furtado (p. 79), foi uma grande oportunidade perdida. Enquanto hoje ocorrem protestos contra a dívida externa e até mesmo a realização de um plebiscito popular sobre o assunto, no passado recente a dívida externa era vista de outra maneira, pelo menos por parte dos governantes no regime militar. Especialmente nos governos Médice, Geisel e Figueiredo, quando a dívida externa brasileira cresceu a taxas elevadíssimas, o fato era visto como bastante positivo, pois demonstrava a alta credibilidade de nossa economia junto aos credores externos. De fato, foi nos governos acima citados que a dívida externa bruta brasileira aumentou de US$4,4 bilhões, em 1969, para US$91,0 bilhões, em 1984, representando um crescimento de 1.968%, cerca de 20 vezes, no curto período de 15 anos (vale registrar que em 146 anos, da independência do país até o ano de 1968, no governo do marechal Arthur da Costa e Silva, a dívida externa bruta não ultrapassou US$4,0 bilhões). Detalhe importante, segundo Paulo Sandroni (1989, p. 67), é que a evolução de nossa dívida externa não foi feita de modo contínuo: em muitos momentos nossas reservas superavam a própria dívida, como ocorreu logo após a 2ª Guerra Mundial, de 1947 a 1950, quando, se quiséssemos, poderíamos mudar nossa situação de devedores para credores do mundo. O que ocorreu para, num curto espaço de tempo, nos endividarmos tanto? Por que estatizamos a dívida externa? Quais a conseqüências dessa estatização? É o que vamos tentar mostrar. O desafio é muito difícil, pois várias são as explicações para o endividamento e suas conseqüências para a economia brasileira. Achar que foi apenas uma decisão do regime militar para tornar o Brasil uma grande potência na virada do milênio, como queria Geisel com o II PND, é muito simplório. Na verdade, houve um conjunto de circunstâncias que alteraram profundamente a conjuntura mundial e nacional na década dos sessenta e setenta. AS CONSEQUÊNCIAS DO PLANO DE METAS Existem economistas que buscam a causa da crise que o país passou durante os anos 80 no modelo de acumulação implantado com o Plano de Metas, durante o governo Kubitschek. É o caso de Francisco Oliveira (1977, p. 83), que afirma que, no governo JK, houve uma reversão da estratégia getulista de basear a expansão industrial do país no setor de bens de produção, sustentado pelo capital nacional: em uma mudança radical, o padrão de acumulação passou a se centrar numa expansão sem precedentes do setor de bens de consumo duráveis. Tal fato, segundo Francisco Oliveira (p. 84), agravou a já conhecida tendência brasileira da convivência de elevadas taxas de crescimento econômico com profundos desequilíbrios setoriais. Isto é, apesar de significativo crescimento do setor de bens de capital durante o período JK, uma parte considerável do setor de produção e intermediários situou-se no interior dos países capitalistas centrais. O interessante é que Francisco Oliveira lembra que essas transformações não foram produto de “maquiavelismo” do capital internacional, resultado de uma imposição autoritária. Foram decisões nacionais, de um governo eleito democraticamente, que contou com o apoio dos segmentos mais representativos da sociedade brasileira. Usando metodologia de Marx, Francisco Oliveira (p. 87) entende o capitalismo como um sistema internacional do qual participam os países capitalistas centrais e os periféricos (caso do Brasil), que são submetidos a uma relação de dominação expressa numa divisão de trabalho. Desse modo, o que ocorreu com a economia brasileira no governo JK foi uma simples promoção de mera produtora de matéria-prima para um novo patamar: produtora de manufaturas de consumo. Isso ocorreu sem alterar a essência da divisão internacional do trabalho, pois os países capitalistas centrais mantiveram a quase exclusividade de produtores de bens de produção e intermediários. Muito bem, o que isso tem a ver com a dívida externa? Tudo, é o que diz Francisco Oliveira, pois essas transformações no padrão de acumulação, que privilegiaram o setor de bens de consumo duráveis em detrimento de outros setores industriais, exigiram enorme dispêndio de recursos para obter, no exterior, bens de capital, bens intermediários e até mesmo matérias-primas. Desse modo, a necessidade de meios de pagamentos internacionais aumentou e o Brasil só teve um meio de obtê-los, a exportação de suas “commodities”: açúcar, café, minério de ferro, soja, cacau, etc. O resultado, como se sabe, foi o desequilíbrio na balança de pagamentos (a velha e boa escola da Cepal explica o fenômeno: deterioração dos termos de troca, como preconizava o professor Raul Prebisch). Apesar das críticas, pois muitos economistas sustentam que o Plano de Metas montou uma estrutura integrada verticalmente com dominância dos setores D1 e D2, não havendo mais necessidade de substituição de importações, a análise de Francisco de Oliveira tem o mérito de deslocar a causa fundamental dos problemas do balanço de pagamento do Brasil de uma simples conspiração do capitalismo internacional, como muitos analistas na época entendiam, para o modo como se deu a expansão industrial no Plano de Metas. Ou seja, a causa dos problemas do balanço de pagamentos derivou de um crescimento desproporcional entre o setor de bens de consumo duráveis sem correspondência do setor de bens de capital e intermediários. E o mais importante, por opção do governo brasileiro. Claro que, sem a instrução 113 da Sumoc, de 17/01/55, e a mudança ocorrida na conjuntura internacional, o Plano de Metas não passaria de um “sonho de uma noite de verão”. É importante registrar que o movimento de capitais externos, até o século XIX, não se dirigiu para a instalação de plantas industriais e sim para garantir o suprimento de matérias-primas e alimentos (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal). A crise dos anos 30 interrompeu uma série de investimentos que os Estados Unidos fizeram em plantas industriais nos países periféricos, nos anos 20. Só após a 2ª Guerra Mundial, com o Plano Marshall, as empresas americanas, sentindo necessidade de se expandirem, dirigiramse para a Europa. Lá encontraram resistência das empresas européias, que, sem condições de competir com as americanas, optaram pelos países periféricos, no momento da implantação do Plano de Metas. Nesse período, a quase totalidade dos investimentos era procedente da Europa. A presença do capital europeu na periferia do sistema capitalista pode ser vista como um aprendizado de maturidade administrativa para, posteriormente, ingressar na economia norte-americana (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal). Após o governo JK, ocorreu um período de crises de caráter político e econômico nos governos Jânio Quadros e João Goulart. A crise desembocou no golpe militar de 1964, que, rompendo o pacto populista, não alterou o padrão de acumulação implantado no governo JK. Pelo contrário, as medidas tomadas pelo governo Castelo Branco, com o PAEG, foram na direção de ordenar a penetração do capital estrangeiro, especialmente de empresas multinacionais, e acelerar a concentração de renda e de capitais, condição para o sucesso de uma indústria de bens de consumo duráveis numa sociedade caracterizada pela carência. AS REFORMAS GERADAS PELO PAEG O governo Castelo Branco defrontou-se com uma crise, que caracterizou-se principalmente por (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal): Inadequação da estrutura da oferta e da demanda, problemas de realização dinâmica; Esgotamento dos mecanismos de financiamento da economia setor público e privado; e Crise de hegemonia. A resposta à crise acima descrita foi a execução do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), que tinha como proposta, a curto prazo, erradicar a inflação e, a longo prazo, realizar as reformas necessárias para o crescimento sustentado da economia (reforma do Estado, reforma do planejamento, reforma tributária e reforma financeira e do mercado de capitais). Vale citar algumas reformas institucionais que foram realizadas nesse período: Criação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), Lei 4.357/64, títulos públicos com prazo de resgate de 1, 2, 5 e 8 anos, mais correção monetária ou cambial e juros que variavam de 6 a 8% ao ano. As ORTN’s destinavam-se a cobrir déficits orçamentários do governo federal; Reforma bancária (Lei 4.595/64), da qual surgiu o Banco Central do Brasil (Bacen), como órgão executor e fiscalizador da política financeira estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional; Reestruturação do mercado de capitais (Lei 4.728/65), com o objetivo de ampliar a captação de poupanças para atender à capitalização das empresas e possibilitar maior negociação dos títulos da dívida pública, através de uma nova estrutura do Sistema Financeiro Nacional. Um festival de mudanças institucionais foi realizado pela dupla Campos e Bulhões de Carvalho, respectivamente ministros do planejamento e da fazenda do governo Castelo Branco. Algumas merecem ser registradas: Criação do Plano de Habitação Nacional (Lei 4.380/64); Instituição do Banco Nacional da Habitação como executor da política habitacional; Estabelecimento das Cadernetas de Poupança e das Letras Imobiliárias; Aprovação do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66); Reformulação da Lei de Remessa de Lucros (Lei 4.131/62, que considerava só o capital originalmente investido e não os lucros reinvestidos. Essa reformulação feita pela Lei 4.390/64 constituiu um grande incentivo ao ingresso de poupança externa no país, principalmente no período denominado “milagre econômico”. Um fato digno de nota e de grande importância para as transformações que a economia brasileira sofreu no período expansivo (1968-73) foi a utilização da política tributária como instrumento de política econômica, especialmente nos incentivos destinados à exportação. Isto só foi possível porque a reforma tributária acabou com os impostos em cascata e criou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM). Após o ICM, o governo pôde isentar de tributação os produtos exportados (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal). Desse modo, o governo criou maiores incentivos fiscais para a exportação: Isentou do IPI os produtos industrializados (Lei 4.502/64); e permitiu que fosse deduzido do lucro das empresas, para fins de imposto de renda, um percentual equivalente ao das exportações em relação ao total das vendas (Lei 4.663/65). Em função da nova correlação de forças políticas, foi possível ao governo Castelo Branco fazer o que Goulart não conseguiu: renegociar a dívida externa. O clima da “guerra fria” mundial e o pânico do comunismo facilitaram as negociações com os credores. Logo no início do governo, cerca de 70% da dívida externa foi renegociada, com prazo de cinco anos para pagamento e dois de carência. Em julho de 1964, o governo acertou a dívida com o Clube de Haia e, em outubro do mesmo ano, renegociou com os bancos privados americanos. A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) liberou, de forma rápida e desvinculada de qualquer projeto, US$ 488 milhões no período 1964-1967. Esse reescalonamento da dívida externa, que na época era de US$ 2,5 bilhões, associado com um crédito de US$ 125 milhões obtido junto ao FMI, melhorou a situação do balanço de pagamento. Há uma citação muito conhecida pelos economistas, atribuída a Milton Friedman: “não existe almoço grátis”. De fato, o brasilianista Thomas Skidmore (1988, p. 88-9) cita que o embaixador americano John Tuthilll, que substituiu Lincoln Gordon, constatou que, em quase todos os gabinetes brasileiros envolvidos em decisões impopulares sobre impostos, preços e salários, havia também a presença de um assessor americano. Um ponto importante foi a política salarial que, adotando uma fórmula elaborada pelo professor Mário Henrique Simonsen, produziu um extraordinário “arrocho salarial”, obtido num contexto de mudança na legislação trabalhista: a estabilidade no emprego foi substituída pelo Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS). Tal situação foi agravada pela onda de falências e concordatas de empresas nacionais que, ao contrário das multinacionais, não tinham acesso às vantagens da Resolução 289/65. Esta Resolução permitia às empresas captarem recursos no exterior para financiar capital de giro e foi criada pelo governo para aliviar a escassez de crédito em que o país se encontrava. No entanto, acabou beneficiando apenas as empresas estrangeiras (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal). O custo político do PAEG foi alto, tão alto que se atribui ao próprio ministro do planejamento, Roberto Campos, a afirmação de que nenhum governo eleito poderia aplicá-lo. O exgovernador da Guanabara, Carlos Lacerda, antes de ser cassado pelo golpe que ajudou a realizar, dizia, segundo divulgação da imprensa da época, “ou se acaba com esse plano ou esse plano acaba com a revolução”. Podemos afirmar que as condições necessárias para a expansão da economia brasileira estavam prontas, caso acrescentemos às transformações ocorridas as modificações realizadas no campo político, entre as quais: Ato Institucional nº 1; Lei Antigreve; Ato Institucional nº 2 - extinção dos partidos políticos, implantação do decurso de prazo, impedimento do poder legislativo de criar despesa; Ato Institucional nº 3 - eleição indireta para governadores e de capitais. O CRESCIMENTO ACELERADO DO “MILAGRE ECONÔMICO” Foi a fase conhecida como “milagre econômico”, período de vários anos consecutivos (1968– 1973) em que a economia brasileira, favorecida por vários fatores e circunstâncias, teve um crescimento acelerado, com taxas anuais superiores a 10%, convivendo com inflação de índices inferiores a 20% ao ano. O ex-ministro Roberto Campos costumava afirmar que milagre implica efeito sem causa. De fato, o “milagre econômico” tem causas bem conhecidas. Eis algumas das forças internas que impulsionaram o extraordinário crescimento econômico daquele período, sob a gestão do “czar” Delfim Netto (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal): Reorientação da política econômica em 1967, com tratamento mais favorável à questão do déficit público e adoção das minidesvalorizações cambiais; Financiamento da economia (setor público e privado): ampliação do crédito para o consumo de bens duráveis, criação de financeiras e de bancos de investimentos; Política tributária que aumentou o capital de investimento e consumo do governo e viabilizou o financiamento da dívida pública, elevando a capacidade de investimento do setor público; Política de realismo tarifário das empresas estatais, que deu condições para essas empresas aumentarem o nível de investimento; Estímulos à construção civil, derivados da criação do FGTS, cadernetas de poupança e letras imobiliárias; Redefinição do mercado de financiamento externo, através da Lei 4.131/62 e da Resolução 63 de 1967; e Utilização do Orçamento Monetário como fonte de financiamento de muitas despesas. A utilização desses recursos não precisava de autorização do Congresso Nacional. É interessante observar que o plano original de Delfim Netto, para o período 1968-70, consubstanciado no Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), previa uma política de crescimento acelerado e auto-sustentado, por meio da substituição de produtos importados. No entanto, posteriormente, Delfim abandonou a idéia de desenvolvimento auto-sustentado e “embarcou” na onda do modelo extrovertido, onde houve deslocamento do mercado interno para o mercado externo. Para tanto, os motivos alegados pelo governo foram muitos, entre quais destacam-se: A poupança interna não ser suficiente para atender ao ritmo acelerado de crescimento desejado; O esgotamento da capacidade da indústria nacional de substituir importados; O comércio mundial em franca expansão, à taxa de 8% ao ano; A liquidez do mercado financeiro internacional, oferecendo, a baixos juros, financiamentos para a exportação e importação, bem como poupança externa indispensável para acelerar o crescimento econômico do país; e A carência interna dos novos bens de capital, insumos básicos e tecnologia avançada. O excesso de liquidez no mundo naquele período explica, em parte, o surgimento do mercado de euro-dólares. Até então, as economias dos países subdesenvolvidos buscavam recursos externos apenas junto aos órgãos financeiros oficiais (os bancos privados participavam de forma tímida nos empréstimos externos), situação que mudou com o “mini-boom” da economia mundial, durante o governo Nixon. Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos, resolveu adotar uma política keynesiana e expandiu vigorosamente o crescimento da economia americana, que foi acompanhado pelo comércio mundial, já que os Estados Unidos são a “locomotiva” do mundo. Essa política do governo americano ficou conhecida como “negligência benigna” e foi adotada em resposta às pressões que o governo americano sofreu dos países que não aceitaram a decisão dos Estados Unidos desvalorizarem o dólar e abandonarem o sistema de livre conversibilidade com o ouro (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal). Quando a conversibilidade US$/ouro foi suspensa, em 1971, os bancos centrais europeus estavam carregados de “moedas inconversíveis”. Dinheiro parado é uma tragédia para um banqueiro, e logo resolveram emprestá-lo para os países do 3º mundo. É interessante observar que a desvalorização inicial do dólar frente ao ouro foi pequena – de US$35,00 para US$38,00 a onça troy. Porém, em pouco tempo o valor do dólar caiu tanto que a onça chegou a valer US$580,00. E isso devido ao fato de os Estados Unidos emitirem mais dólares do que poderiam, segundo o acordo estabelecido na Conferência de Bretton Woods. As causas dessa emissão maciça de dólares são muitas, porém as mais conhecidas, apesar de equivocadas, são as seguintes: a guerra do Vietnã, a corrida armamentista insuflada pela guerra fria e a corrida espacial, a busca desenfreada dos americanos em chegar à lua antes dos russos (Sandroni, 2000, p. 111 e 115). A causa da relativa facilidade de o Brasil obter recursos no mercado internacional é melhor analisada em “Euro-dólares, dívida externa e o milagre brasileiro”, de John Wells (1973, p. 8), quando as origens desse mercado são buscadas no retorno generalizado dos países capitalistas desenvolvidos à plena conversibilidade monetária e, por outro lado, na introdução de limitações, pelo governo inglês, ao uso da libra para transações internacionais. Resumindo, “a existência e a expansão do mercado de euro-dólares deve-se menos ao grande déficit básico dos Estados Unidos do que à utilização, aceitação e procura do dólar, ao longo de 25 anos, como a principal moeda do comércio mundial, papel esse que se apoia no poder global dos Estados Unidos e cujo mecanismo vem sendo lubrificado pelo déficit do balanço pagamentos desse país” (Wells, p. 10). É importante observar que o governo brasileiro vangloriava-se na época, associando a facilidade de obtenção de empréstimos externos com manifestação de apoio internacional à sua política e ao seu notável crescimento econômico. Wells (p. 17) destrói esse discurso quando afirma que os bancos se viram forçados a buscar novos tomadores de empréstimos e em que o excesso de oferta gerou a sua própria procura. Em outras palavras: as facilidades de obtenção de créditos não foram exclusividade do Brasil, mas um fenômeno generalizado, aberto a qualquer país. Os dados fornecidos pelo Banco Central revelam o extraordinário salto da dívida externa bruta no período do “milagre econômico”, quando o país elevou seu endividamento de US$3,8 bilhões, em 1968, para US$12,6 bilhões, em 1973. Esse crescimento notável da dívida confundiu a análise de muitos economistas de oposição, que chegaram a endossar a posição governista de que o capital externo teria tido fundamental importância para o crescimento econômico naquele período. O discurso do governo sofreu posteriormente crítica e as causas do “milagre” deslocaramse do investimento estrangeiro para causas internas. O aproveitamento da capacidade ociosa e os mecanismos de incentivos à exportação foram fatores de grande importância para a aceleração das taxas de crescimento. Em relação à utilização da capacidade ociosa, os números eliminam qualquer dúvida: em 1967, o sistema econômico utilizava apenas 76% da capacidade instalada da indústria e a relação Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FBKF/PIB) era de 17,6. Em 1973, o sistema eliminou a capacidade ociosa, utilizando plenamente a capacidade instalada e a relação FBKF/PIB era de 26,5%. Esses dados refletiram no PIB daquele ano com a extraordinária taxa de crescimento de 14% ao ano, enquanto setores da indústria, especialmente o de bens de consumo duráveis, ultrapassaram a taxa de 20% anuais (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal). Essa utilização da capacidade ociosa produziu vários textos de economistas que buscavam entender as causas do “milagre”. Um que ficou conhecido na época foi o artigo de Pedro Malan e Regis Bonnelli “Os Limites do Possível: notas sobre o balanço de pagamentos e indústria nos 70”. É estranho, mas Malan já foi de oposição, e, no referido artigo, sustentava que metade do crescimento havido naquele período pode ser atribuída ao aumento da utilização da capacidade produtiva, que estava ociosa entre 1963/1967, chegando a propor a substituição do nome “milagre econômico” por “crescimento fácil”. Os mecanismos de incentivos à exportação daquela época são conhecidos (Fabrício Augusto de Oliveira, informação verbal): O crédito-prêmio-IPI (Decreto Lei 491/69), que além de isentar o exportador do imposto permitia que o mesmo se creditasse do valor correspondente até uma determinada alíquota; A criação do mecanismo do “draw-back”, que consistia na isenção de tributos fiscais à matéria-prima e aos componentes incorporados ao produto exportado; Várias linhas de crédito, Finex, Fungiro, operadas pelo Banco do Brasil e Bancos Comerciais, com taxas subsidiadas para a produção de bens destinados à exportação; Implantação do Programa de Benefícios Fiscais à Exportação (BEFIEX), para atender à exportação de automóveis, máquinas rodoviárias e de construção, tratores agrícolas, etc; Estímulo à criação de “trading companies”, através da Comissão de Incentivos às Exportações; e Introdução do “crawling peg”, a partir de 1968, que, sem dúvida, produziu o maior incentivo à exportação, com o sistema de mini-desvalorização da moeda. Com este sistema, abandonava-se o esquema de taxa fixa estabelecida pelo acordo de Bretton Woods e adotou-se pequenos reajustes em intervalos de tempo. A reação do setor exportador aos mecanismos acima mencionados foi espetacular e compensou as elevadíssimas importações realizadas naquele período, especialmente de bens de capital e insumos básicos. É o que constata Paulo Davidoff Cruz (1984, p. 16), quando sustenta que, a “despeito do crescimento ‘desequilibrado’, não houve pelo comércio de mercadorias qualquer pressão indutora da tomada de capitais de empréstimo ao longo do ciclo expansivo”. Davidoff Cruz vai mais longe e renega a tese dominante na época de que o crescimento do endividamento externo naquele período foi determinado pela necessidade de poupanças externas ou por estrangulamento do setor externo. Ele categoricamente sustenta que a causa do crescimento da dívida reside muito mais nas esferas das relações financeiras da economia brasileira com o mundo externo (p. 17). ... 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