Carvalho, Marcelo. “Impactos no Brasil da situação na Argentina” Rio de Janeiro: Valor Econômica, 15 de maio de 2001. Jel: F Impactos no Brasil da situação na Argentina Marcelo Carvalho Turbulências na Argentina podem afetar o Brasil através de três canais principais: balança comercial, fluxos de capital e custo da dívida externa. O canal da balança é limitado e já vem refletindo o desempenho medíocre da economia argentina nos últimos anos. Cerca de 11% das exportações brasileiras (o equivalente a 1% do PIB) vão para a Argentina. São principalmente manufaturados, especialmente do setor automotivo. Por sua vez, a Argentina fornece cerca de 12% das importações brasileiras (também cerca de 1% do PIB). Aqui a concentração é em commodities como soja e petróleo, com destaque também para o setor automobilístico. Quanto aos fluxos de capital externo, hoje em dia esses recursos vêm ao Brasil principalmente sob a forma de investimentos diretos. Para o investimento direto, a situação da economia global é muito mais importante do que eventos na Argentina. No tocante a novos fluxos de endividamento externo, esses recursos já secaram para o Brasil (na verdade, para a América Latina em geral) desde 1998, e parece improvável que problemas na Argentina empurrariam esses fluxos para o terreno negativo. Claro, se o Brasil fosse forçado a reduzir sua dívida externa de forma abrupta - em vez de simplesmente mantê-la estável - o estrago seria sério. As amortizações externas este ano somam cerca de US$ 30 bilhões (US$ 4 bilhões no setor público). Um terceiro canal de contágio tem a ver com o custo do estoque de dívida existente. A dívida externa brasileira é grande, quase US$ 240 bilhões (40% desse total é do setor público). Portanto, uma piora de um ponto percentual no custo médio anual da dívida externa aumenta o déficit em conta corrente em mais de US$ 2 bilhões por ano. Um choque sério exigiria uma resposta firme. Caso a situação da Argentina descambasse para um colapso, o Brasil certamente sofreria, A frente fria vinda da ainda que de forma temporária. A taxa de câmbio desvalorizaria Argentina seria brisa leve, se substancialmente, e aumentaria o temor de que o repasse do câmbio para comparada com o potencial preços pode ameaçar as metas de inflação. Em resposta, o Banco Central de estrago de uma crise poderia vender reservas internacionais e oferecer mais títulos públicos global vinculados ao dólar para tentar conter as pressões sobre o câmbio. Mas esses instrumentos são apenas coadjuvantes. Um aumento de juros seria inevitável. O Copom convocaria uma reunião extraordinária, se necessário, e teria de aumentar os juros provavelmente em vários pontos percentuais, talvez com o anúncio simultâneo de um viés de baixa. Assim como aconteceu no início de 1999, a fim de inverter a curva doméstica de juros, o Banco Central teria de convencer o mercado de que o aumento de juros é suficientemente grande e apenas temporário, pronto para ser revertido em pouco tempo. Infelizmente, por causa da estrutura da dívida pública, a combinação de desvalorização cambial e subida de juros traria um prejuízo grande às contas públicas. Isso ressuscitaria as preocupações sobre a dinâmica da dívida pública. Para mitigar essas preocupações, o governo teria de fazer algum tipo de ajuste fiscal. Nesse caso, o governo federal provavelmente teria de recorrer a cortes de despesas discricionárias, já que seria difícil obter o apoio do Congresso a novas medidas de austeridade fiscal em meio a uma atmosfera política carregada. Por sua vez, a combinação de aperto fiscal e monetário machucaria as perspectivas de crescimento. O impacto econômico seria severo - mas, provavelmente, temporário. O respingo para o Brasil de uma crise profunda na Argentina seria grave logo nos primeiros meses depois do choque inicial. Mas, dentro de cerca de um semestre, os mercados seriam capazes de diferenciar Brasil e Argentina, permitindo que cada economia siga seu próprio rumo. Um desfecho desfavorável para as incertezas argentinas prejudicaria o Brasil no curto prazo, mas, ironicamente, poderia libertar o Brasil dessa espada de Dâmocles. Assim, do ponto de vista da economia brasileira, uma resolução rápida nas incertezas quanto à Argentina (para o bem ou para o mal) seria melhor que um cenário de agonia prolongada. De fato, um cenário de banho-maria também contém riscos. Se o mercado concluir que os esforços recentes na Argentina apenas ganham tempo e não alteram de forma convincente os fundamentos macroeconômicos e as perspectivas de retomada do crescimento sustentado, então melhoras no curto prazo podem se tornar alívios apenas temporários. Nesse cenário de postergação dolorosa, o risco para o Brasil é que os mercados locais de juros e câmbio prossigam estressados ou mesmo em deterioração gradual, à espera do pior. Apesar do foco recente na questão da Argentina, as perspectivas de médio e longo prazo da economia brasileira dependem muito mais do cenário global, e do desempenho da economia americana em particular. A frente fria vinda da Argentina seria uma brisa leve, se comparada com o potencial de estrago de uma crise global. Por sua vez, dificuldades econômicas podem ter implicações políticas. O impacto estritamente econômico de um desastre na Argentina seria breve. Mas com a aproximação das eleições de outubro de 2002, e dada a defasagem no tempo (cerca de dois trimestres) entre alterações nos juros e a resposta da economia, do ponto de vista político faz toda a diferença o momento no tempo em que os eventos econômicos ocorrem. Marcelo Carvalho é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois (Estados Unidos) e economista-chefe do banco JPMorgan.