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VI Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações
Públicas – “VI Abrapcorp 2012 – Comunicação, Discurso, Organizações”
São Luiz/MA – 26 a 28 de abril de 2012 MESAS TEMÁTICAS ABRAPCORP
Gestão de processos comunicacionais: uma análise sobre a
complexidade do discurso organizacional das ouvidorias públicas
Resumo
O artigo teve como objetivo analisar a comunicação como um processo de
produção de sentidos entre sujeitos interlocutores que se realiza pela produção de
discursos. Para isso, buscou-se estudar com base em pesquisa bibliográfica, o discurso
organizacional das ouvidorias públicas e sua complexidade na gestão de processos
comunicacionais, adotando a matriz do modelo mental emergente do paradigma da
complexidade como aquela que melhor se ajusta a um determinado contexto.
Palavras-chave: Comunicação nas Organizações; Discurso; Ouvidoria
1. Introdução
As transformações ocorridas nas últimas décadas do século XX trouxeram uma
nova dinâmica nas relações das organizações com o ambiente. A instabilidade
desencadeou um processo de mudança nos sistemas sociais. As variáveis econômicas,
tecnológicas, sociais e culturais atingiram as relações entre os agentes que atuam nesse
sistema, provocando a necessidade de um processo de evolução.
Diante da singularidade de tal circunstância histórica, não tardou até que
surgissem os primeiros serviços de ouvidorias no Brasil, principalmente com a
consolidação da democracia, após a Constituição de 1988, quando se estabeleceram
canais de comunicação entre as instituições e os cidadãos que facilitaram a circulação
das informações, ampliaram os mecanismos de controle indispensável ao desempenho e
aperfeiçoamento do regime democrático.
Assim, a instituição de ouvidorias é hoje uma realidade em quase todas as
empresas de médio e grande porte do país, já que, na iniciativa privada, o Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), em vigor desde 11 de setembro de 1990,
instituiu um novo paradigma nas relações de consumo, com a defesa dos direitos dos
consumidores e a exigência para as empresas da melhoria da qualidade dos seus
produtos e serviços.
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Na área pública o instituto da ouvidoria foi criado a partir de uma interpretação
da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998 – tendo conservado o
tradicional nome ouvidoria1, enquanto nas empresas privadas ganhou o nome de
ombudsman2, uma menção explícita à sua congênere sueca, cuja origem está
secularmente ligada às atividades públicas.
A relevante procura por transparência no serviço público impulsionou esse
instituto a buscar resolver rapidamente as demandas de informações recebidas pelos
cidadãos, por meio da abertura de canais de comunicação com autonomia para análise e
sugestão, prevenindo o poder público das irregularidades. Assim, mais do que uma
simples instância de comunicação com o público, a ouvidoria passou a representar,
também, uma importante forma de mídia institucional e organizacional, uma valiosa
oportunidade de marketing direto.
A atuação de uma ouvidoria pode ser resumida em dois principais focos ou
funções: a primeira função é a de registrar e dar o tratamento adequado às reclamações,
sugestões, denúncias ou elogios sobre produtos, serviços e qualidade de atendimento,
oriundos da sociedade. A segunda importante função é a de sugerir mudanças, tanto
gerenciais como de procedimento, mediante análise e interpretação das percepções dos
usuários, com produção de relatórios estratégicos destinados aos dirigentes das
instituições.
Nessa perspectiva, é preciso ressaltar que as organizações contemporâneas têm
de um modo geral, valorizado a linguagem como componente fundamental da sua
comunicação interna que visa ao alcance de suas metas e propósitos organizacionais,
maximizando fatores como produtividade, rentabilidade e a própria gestão.
As organizações, dada a transformação jurídica por que passaram, são obrigadas
a se reestruturar e a produzir discursos que lhes garantam condições de sustentabilidade,
uma vez que é na linguagem e pela linguagem que se concretizam as relações sociais.
Por isso, a exemplo de Iasbeck (2006), entendemos que a identificação da
ouvidoria com a organização que representa precisa ser intensa e verdadeira. Os
públicos devem entender que quando a ouvidoria responde, ou quando ela providencia
1O
termo ouvidoria é a corruptela brasileira do termo ombudsman. No resto do mundo, o local onde o ouvidor exerce
as suas funções de ouvidoria é chamado Ombudsman Office. (BRASIL, 2002, p. 5).
2
Ombudsman é um cargo criado na Suécia por uma das Constituições mais antigas da Europa, fortemente
influenciada pelas ideias de Montesquieu. Segundo informa Nilsson (1984, p. 33), a palavra ombudsman é bastante
comum em sueco e tem vários significados, dentre os quais ressaltamos o de representante ou advogado.
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respostas, as soluções encontradas são de responsabilidade de toda a organização e não
só dela, pois como se trata de um canal de comunicação, a ouvidoria não precisa
responder por si mesma as questões que lhe chegam pelos diversos acessos que
proporciona. Mas não pode deixar de providenciar, com urgência e eficácia, as respostas
demandadas.
É essa a função primordial dessa mídia organizacional: fazer girar o fluxo de
informações, além de ser um espaço de comunicação destinado exclusivamente a ouvir
a fala dos cidadãos e a partir das demandas recebidas fazer sua análise e promover
melhorias em vários aspectos do ambiente organizacional.
Enfim, com base nessas premissas, esse artigo objetiva analisar a comunicação
como um processo de produção de sentidos entre sujeitos interlocutores que se realiza
pela produção de discursos. Para isso, buscamos estudar por meio de pesquisa
bibliográfica o discurso organizacional das ouvidorias públicas e sua complexidade na
gestão de processos comunicacionais, adotando a matriz do modelo mental emergente
do paradigma da complexidade como aquela que melhor se ajusta a um determinado
contexto.
2. A gestão do discurso organizacional das ouvidorias públicas
A origem da palavra “gestão”, na concepção de Cury (2002), advém do verbo
latino gero, gessi, gestum, gerere, cujo significado é levar sobre si, carregar, chamar a
si, executar, exercer e gerar. Um dos substantivos gerados do verbo demonstra que
sempre implica o sujeito – gestatio – o mesmo que gestação, o ato que traz em si e
dentro de si algo inovador, diferente, um novo ente. Assim, o termo gestão tem sua raiz
etimológica em “ger” que significa fazer brotar, germinar, fazer nascer, e dessa mesma
raiz originam-se os termos genitora, genitor, gérmem.
O termo gestão pode ser compreendido como um processo estruturado para se
obter resultados positivos das interações entre as organizações e seus públicos. Portanto,
todo processo necessita de quem o gerencie na medida em que decisões são necessárias
para funcionalizá-lo, isto é, para conferir-lhe uma dinâmica operativa adequada, de
modo a colocá-lo em movimento na perspectiva de que trará os resultados esperados.
Na prática, a gestão de processos de comunicação nas organizações está
relacionada diretamente com o controle sobre a circulação de informação (dentro da
empresa; e entre empresa e esfera pública); com a formação de opinião pública (nos
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ambientes interno e externo); e com a influência a se exercer sobre as atitudes dos
públicos (por exemplo: o consumo dos seus produtos pelos clientes, o desejo de se
trabalhar nela, a admiração expressa da opinião pública, a aceitação de suas práticas
pela população, a complacência dos entes públicos, a aprovação dos seus atos pela
mídia etc.).
É importante salientar, que ao falarmos da gestão de processos comunicacionais
no contexto das ouvidorias públicas, nos referimos à expansão de uma competência
comunicativa que nos remete à possibilidade de produzir entendimento por meio do
diálogo, dos atos de fala cotidianos que acontecem nas relações face a face, bem como
nos demais processos de comunicação mediados por computador, ainda que, na
comunicação mediada por computador, o processo comunicativo das ouvidorias
dependa quase que exclusivamente de trocas textuais, subtraindo-se as possibilidades de
uso de linguagens não-verbais, gestos, expressões faciais, olhares, tom de voz etc.
Essa competência comunicativa é estratégica para a produção de sentidos entre
sujeitos interlocutores que se realiza pela produção de discursos. Entretanto, este é um
notável desafio para as ouvidorias públicas: reconhecer a fala do outro como válida.
Posto em outros termos, se a fala do usuário/cidadão é desqualificada, não reconhecida,
ou seus argumentos são sequer colocados, não há nenhuma hipótese de entendimento ou
ação comunicativa. A validade dos argumentos estaria baseada em algumas pretensões
reconhecidas: de inteligibilidade da mensagem contida; de verdade do conteúdo
proposicional; de correção, de justeza em face do mundo social; de sinceridade na
ordem subjetiva.
Todavia, para reconhecer o argumento do outro como válido, torna-se mister a
adoção de uma postura interpretativa, uma busca de conhecimento e tradução dos
referentes e contextos do mundo da vida deste outro autor, pressupondo aí o
reconhecimento de sua racionalidade. Implica, enfim, buscar conhecer as situações que
levaram o autor a enunciar aquele texto.
Em outras palavras, demanda um exercício hermenêutico. Exercício este que
depende de uma compreensão "correta" do discurso do outro, o que envolve um
processo ativo, de construção e busca de significados e interpretações e que, por conta
desta característica processual comunicativa contínua, terá sempre limitações.
Em suma, mediante as premissas expostas, entendemos que a funcionalidade do
controle da gestão comunicacional exercida pela ouvidoria pública está na conversão de
um discurso social informal em um discurso social formal e institucionalizado.
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3. A complexidade do discurso organizacional das ouvidorias públicas
Os estudos organizacionais, na atualidade, são permeados por novos paradigmas.
Kuhn (2005) conceitua o termo paradigma3 como um modelo ou um conjunto de
condições que delimitam uma comunidade científica (valores, instrumentos e métodos
de pesquisa). Em um sentido mais geral, o termo paradigma significa modelo ou padrão
no qual se pauta, por exemplo, o comportamento humano.
Tomando essa noção de paradigma, apontamos nesse artigo o paradigma da
complexidade, que introduz uma nova concepção de mundo diante dos crescentes
problemas da humanidade desde o século passado.
De modo que, para avançar no entendimento de nosso tema, parece útil
contextualizá-lo e referi-lo teoricamente à idéia de “complexidade”. A origem da
palavra, do latim complexus, diz respeito ao que “abrange ou encerra muitos elementos
ou partes”, ou ainda, ao “conjunto de coisas, fatos ou circunstâncias que têm qualquer
ligação ou nexo entre si”.
A complexidade, como conceito nuclear, vem sendo abordada na ciência
contemporânea como fundamental para a compreensão de fenômenos em diversos
campos do conhecimento. O pressuposto da complexidade aponta para o
reconhecimento de que a simplificação obscurece as interrelações de fato existentes
entre todos os fenômenos do universo e que é imprescindível ver e lidar com a
complexidade do mundo em todos os seus níveis.
Nessa direção, Morin (2000, p. 206), afirma que “a complexidade é um tipo de
pensamento que não separa, mas une e busca as relações necessárias e interdependentes
de todos os aspectos da vida humana”. Para ele, esse tipo de pensamento integra os
diferentes modos de pensar, opondo-se aos mecanismos reducionistas, simplificadores e
disjuntivos.
Na concepção de Morin (2002) o paradigma da complexidade reflete a
necessidade de uma profunda reforma no sistema de pensamento predominante na
cultura atual – uma passagem do pensamento linear, que é competitivo, excludente e
predatório, para o pensamento complexo que é cooperativo, includente e integrador.
3
O termo paradigma entrou em evidência depois que foi amplamente utilizado por Thomas Kuhn, em 1962, no seu
livro “A estrutura das revoluções científicas”.
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Esse modelo mental emergente do pensamento complexo está ancorado em um
sistema auto-regulado, onde os desvios são identificados por sinalizações de feedback4 e
então compensados, corrigidos, atenuados ou neutralizados, sempre por meio de
mudanças incrementais. Nesse novo paradigma constata-se que a própria mudança
muda, exatamente como na natureza do simples para o complexo.
Diante dessa nova visão complexa de mundo, surgem, portanto, novas
perspectivas para a ciência das organizações e novos questionamentos sobre o modelo
de gestão mais adequado para os tempos atuais.
Na concepção teórica de Morgan (2006) existe a comparação das organizações a
sistemas vivos, onde estes dependem do meio para sobreviverem. Do mesmo modo, as
organizações, assim como certos animais, dependem de um ambiente específico. A
organização, vista como um organismo vivo está sempre em movimento, influenciando
e sendo influenciada por todos os fatores que a cercam. Por isso, para entendermos as
organizações e seus públicos, temos que analisar o contexto em que elas estão inseridas
sob vários aspectos: econômico, social, político, cultural, histórico, psicológico e
geográfico.
Conforme afirma Morgan (2006), apesar de não ter cérebro como os seres
humanos, as organizações têm um tipo de aparelho cognitivo formado por sua cultura,
história, memória, rotinas, procedimentos e as pessoas que fazem parte dela. Morgan
(2006) apresenta essa metáfora5 para compreender as organizações valendo-se de
imagens de funcionamento do cérebro.
Para Coelho (2011), o uso da metáfora do cérebro, tal como proposta por
Morgan (2006), permite visualizar a ouvidoria pública como um sistema organizacional
que se insere no cenário de cidadania que hoje circunda as organizações, aprendendo e
evoluindo por meio da habilidade de processar informações que chegam do ambiente,
ou seja, a ouvidoria pode ser considerada como o resultado de diferenciação interna do
sistema organizacional fruto de sua evolução, e que surge de uma demanda pela redução
da complexidade do ambiente.
4
Feedback ou retroalimentação é entendido na teoria de sistemas como uma cadeia de eventos nos quais o último
elemento conduz de volta ao primeiro e torna a cadeia de eventos circular, e não mais linear. A retroalimentação pode
ser positiva ou negativa. Ela é positiva quando conduz a mudanças, à perda de estabilidade, e negativa quando produz
o efeito exatamente de manutenção do sistema.
A palavra metáfora deriva do grego “meta” (além) mais “phorein” (transportar de um lugar para outro). Tem a
conotação de transportar o sentido literal de uma palavra ou frase, dando-lhe um sentido figurado.
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Segundo explica Coelho (2011), nessa metáfora, privilegia-se o caráter de
autonomia da organização que favorece os indivíduos a criarem novos conhecimentos,
além de possibilitar que cada parte da organização tenha o conhecimento do todo, de
maneira que o conhecimento não se perca caso uma dessas partes apresente algum
problema.
Para Coelho (2011) a aplicação dessa metáfora à ouvidoria pública, permite
privilegiar sua autonomia como órgão estratégico interno institucional. Desse ponto de
vista, entende-se que a ouvidoria deve estar ligada à administração superior de sua
organização, mas não pode se confundir com ela, porque precisa manter uma distância
para representar os interesses dos cidadãos.
Sob este olhar, compreender as organizações como um sistema vivo significa
admitir que estão inseridas num macroambiente que gera ameaças e oportunidades a
todo o instante. Portanto, para atender a esta realidade, as organizações necessitam
efetivamente adotar uma visão sistêmica e relacional quanto aos processos
comunicativos e quanto à dinâmica institucional em seus modelos de gestão.
Nesse contexto, a teoria da autopoiese6 de Maturana e Varela (1997) apresenta
as organizações como sistemas vivos, autônomos e autorreferentes, onde por meio de
uma relação sistêmica, o organismo e o meio geram-se mutuamente.
O termo autopoiese denomina a unidade que um elemento, um processo, um
sistema é para si próprio. Por meio de auto-organização, o sistema constitui seus
próprios elementos como unidades funcionais. A relação entre os elementos se refere à
sua autoconstituição, a qual é reproduzida, assim, permanentemente.
Para Maturana e Varela (1997), o ser vivo mesmo sendo um sistema fechado7
mantém as relações constantes de trocas de energia com o ambiente. Estas relações não
necessariamente terão um mesmo significado para o sistema e para um observador
externo, sendo que para um sistema cada informação tem um significado próprio, que só
a ele faz sentido. Segundo afirmam Maturana e Varela (1997, p. 69), “o objetivo de tais
sistemas é, em última instância, reproduzirem-se a si mesmos: a sua organização e
identidade próprias são os seus produtos mais importantes”.
6
O termo autopoiese vem do grego autós = próprio e poiein = fazer. O sentido literal é, portanto (autofazer-se) ou
produzir-se a si próprio (autofazimento).
7
Para Matura e Varela (1997), enquanto sistemas autopoiéticos, os seres vivos são sistemas fechados quanto à sua
organização. Contudo, enquanto sistemas moleculares, os seres vivos são sistemas abertos ao fluxo de matéria e
energia.
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Nessa perspectiva, Luhmann (1997) aplicou essa reflexão dos biólogos chilenos
Maturana e Varela aos sistemas sociais e à sociedade, fazendo do conceito de
autopoiese um elemento fundamental do seu referencial teórico no início da década de
80. Autopoiese seria para Luhmann (1997), uma qualidade interna do sistema, intocável
de fora. Para Luhmann (1997) a autopoiese inclui a autorreferência como a capacidade
de se relacionar consigo, de refletir-se.
Para Curvello (2001), o conceito de comunicação é central na teoria dos sistemas
de Luhmann. Para ele, a comunicação é o dispositivo fundamental da dinâmica
evolutiva dos sistemas sociais, uma vez que é um processo de seleções e é pela seleção,
se bem estruturada, que se opera o processo de redução de complexidade na relação
com o ambiente. Sua análise parte da improbabilidade da comunicação, que deve
superar uma série de obstáculos antes de se realizar.
Na reflexão sobre essas questões, podemos inferir que a complexidade,
pressupõe comunicação e interação entre as partes do sistema e o todo. A comunicação
estabelece a possibilidade de sobrevivência e auto-organização dos sistemas complexos,
como as comunidades humanas.
Feitas essas considerações, destacamos o pensamento de Marchiori (2009, p.10)
ao afirmar que, “a comunicação e o discurso atuam no processo de construção e
representação do mundo, produzindo uma rede de significados e sentidos”. Para
Marchiori (2009) distinguir comunicação e discurso é entender a profundidade dos
conceitos e seu relacionamento interativo.
Seguindo essa linha de raciocínio, salientamos que, para Oliveira e Paula (2003)
os processos de comunicação dentro da organização devem ser entendidos como atos de
interação planejados ou espontâneos que se estabelecem a partir dos fluxos
informacionais e relacionais da organização. Os primeiros devem ser entendidos como
todos os atos e instrumentos utilizados na transmissão das informações institucionais e
mercadológicas. E os segundos por oportunidades de encontros que promovam o
compartilhamento de idéias entre interlocutores. Estes processos ocorrem a partir da
produção de mensagens, no contexto e nas percepções dos atores que participam da
interação.
Feitos esses apontamentos, queremos destacar que os discursos constituem as
organizações Por isso, analisar as organizações a partir dos discursos torna-se uma
perspectiva interessante para compreender os vários fenômenos que constituem a
organização.
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Na concepção de Foucalt (1986), o discurso é um conjunto de enunciados que se
apóia na mesma formação discursiva. Já para Maingueneau (1993) o discurso é o modo
de apreensão da linguagem que envolve a atividade dos sujeitos inscritos em contextos
determinados.
Segundo Maingueneau (1993), as formações discursivas devem ser vistas
sempre dentro de um espaço discursivo ou de um campo discursivo, ou seja, elas estão
sempre em relação como determinados campos de saber. Para Maingueneau (1993), a
formação discursiva deve ser vista, antes de qualquer coisa, como o princípio de
dispersão e de repartição dos enunciados, segundo o qual se sabe o que pode e o que
deve ser dito, dentro de determinado campo e de acordo com certa posição que se ocupa
nesse campo. As “coisas ditas”, portanto, são radicalmente amarradas às dinâmicas de
poder e saber de seu tempo.
Nessa perspectiva, Foucalt (1986, p. 82) compreende formação discursiva ou
sistema de formação como:
Um feixe complexo de relações que funcionam como regra: ele
prescreve o que deve ser correlacionado em uma prática discursiva,
para que esta se refira a tal ou qual objeto, para que empregue tal ou
qual enunciação, para que utilize tal conceito, para que organize tal ou
qual estratégia. Definir em sua individualidade singular um sistema de
formação é, assim, caracterizar um discurso ou um grupo de
enunciados pela regularidade de uma prática.
Daí que o conceito de prática discursiva para Foucault (1986), não se confunde
com a mera expressão de idéias, pensamentos ou formulação de frases. Exercer uma
prática discursiva significa falar segundo determinadas regras, e expor as relações que
se dão dentro de um discurso. As “práticas discursivas” envolvem tanto os fatos do
mundo verbal (das línguas naturais) quanto os do “mundo natural”, das linguagens nãoverbais.
De acordo com Bakhtin (1997, p. 261), “todos os campos da atividade humana
estão ligados ao uso da linguagem, ainda que esse uso se dê de maneiras diferentes,
tendo como elemento unificador a própria língua, mas não somente ela”. Bakhtin (1997)
afirma que, a palavra acompanha e comenta todo ato ideológico. Os processos de
compreensão de todos os fenômenos ideológicos (um quadro, uma peça musical, um
ritual ou um comportamento humano) não podem operar sem a participação do discurso
interior. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não
tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social.
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Sobre esse tema, Baccega (2000, p. 46) assim se manifesta:
A palavra só existe no intercâmbio da vida social. Ela “canta” sempre
num salão de baile, onde ‘dança conforme a música’, utiliza-se de
máscaras ou despe-se, permitindo que se veja toda sua beleza. Ou
seja: a palavra nunca está só – ela sempre aparece acompanhada. Ela
está sempre num discurso, já que é no discurso que a palavra assume
seu significado.
Para traçar um estudo sobre as relações discursivas, Bakhtin (1997) postula que
essas relações interagem por intermédio do dialogismo. O dialogismo é um conceito que
permeia toda a obra de Bakhtin (1997). A concepção dialógica contém a ideia da
relatividade da autoria individual e, por conseguinte, o destaque do caráter coletivo e
social da produção de discursos. Ele parte da suposição de que o discurso não se
relaciona diretamente com as coisas, mas com outros discursos.
Para Bakhtin (1997), o indivíduo faz uso da linguagem para estabelecer uma
relação com a realidade. Assim, o dialogismo se apresenta como princípio constitutivo
da linguagem, que corresponde ao seu funcionamento real. Um dado enunciado faz uso
de outros discursos dentro de uma esfera de comunicação verbal e mantém com estes
uma relação de sentido: A relação dialógica é uma relação de (sentido) que se estabelece
entre enunciados na comunicação verbal.
Bakhtin (1997) afirma que o reconhecimento do sujeito e do sentido é
imprescindível para a constituição de ambos. Ele coloca em crise a unicidade do sujeito
falante e atribui ao sujeito um estatuto heterogêneo. O sujeito modifica seu discurso em
função das intervenções dos outros discursos, sejam elas reais ou imaginadas. Por isso,
o sujeito não é a fonte primeira do sentido. O sujeito emerge do outro.
Desse modo, o ser humano seria considerado um intertexto, não existindo
isoladamente, já que a sua vida se tece, intercruza-se e se interpenetra com a experiência
do outro. Os enunciados de um falante estão sempre e inevitavelmente atravessados
pelas palavras do outro: o discurso elaborado pelo falante constitui e se constitui
também do discurso do outro que o atravessa, condicionando o discurso do “eu”.
Nessa perspectiva, vale também ressaltar, que na concepção teórica de Bourdieu
(1992), não se dissocia o discurso e a estrutura social em que é usado. O discurso para
ele é um bem simbólico. As relações de trocas simbólicas presentes na comunicação
lingüística definem quem pode falar, a quem e como. Dessa maneira, toda fala é
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produzida para e pelo mercado ao qual ela deve sua existência e suas propriedades mais
específicas.
Essas colocações permitem a reflexão acerca da constituição do discurso,
fornecendo elementos que podem ser utilizados na construção dos discursos
organizacionais, e na gestão de processos de comunicacionais como fomentadores dos
discursos organizacionais. Isso não implica, no entanto, ter a comunicação como um
mero instrumento de reprodução, mas como processo de compartilhamento dos
objetivos e percepções da organização que são compartilhados por intermédio dos
discursos.
Portanto, como síntese do pensamento dos autores, podemos inferir que o
discurso organizacional das ouvidorias públicas é um processo de interação social que
promove mudanças. Esse discurso organizacional é uma situação de comunicação,
elaborado a partir de uma intencionalidade prévia, mas que não está completamente
atrelado a essa intencionalidade do sujeito informante, já que sua leitura depende
também da capacidade interpretativa e de aspectos cognitivos do sujeito receptor.
O sentido produzido a partir de determinado discurso não vem pré-estabelecido
pelas escolhas do informante, mas, sim, depende das escolhas da recepção baseado em
um processo de troca, mediado pela linguagem. Este sentido é sempre uma
possibilidade, que é conformada considerando a relação estabelecida entre os sujeitos
envolvidos, o que constitui o processo comunicativo.
De forma que, por entendermos que a ouvidoria utiliza signos linguisticos, e, é
ela mesma um signo, pois intermedeia (faz mediação) entre a organização e o cidadão,
representando ambos os lados num processo comunicativo, dinâmico e ininterrupto,
podemos inferir que é também um lugar onde se embatem as linguagens. É pela
linguagem que a ouvidoria é atuada e atua. Portanto, são os signos linguísticos os mais
aparentes e óbvios condutores dos significados. A linguagem verbal predomina nas
manifestações de insatisfação, acompanhadas de uma orquestra de signos não-verbais,
mais sutis, mas nem por isso menos poderosos para gerar sentidos e provocar reações.
(IASBECK; COELHO, 2011, p. 7).
Em resumo, vista por esse ângulo, a ouvidoria cumpre um papel legal e
apaziguador, ancorado em discursos e práticas normatizados, previamente pactuados,
tendo para tanto de interferir na singularidade das situações que intermedeia.
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4. Considerações finais
Da temática em questão, buscamos compreender a comunicação como um
processo de produção de sentidos entre sujeitos interlocutores que se realiza pela
produção de discursos, a partir de um determinado contexto. De modo que, das relações
sociais, percebem-se as maneiras de comunicar-se verbalmente e destas, observam-se os
modos de enunciar-se verbalmente.
Dentro dessa perspectiva, a ouvidoria não é apenas um posto burocrático para
atendimento de reclamações; é um lugar onde os sentidos estão o tempo todo sendo
produzidos e recebidos. Nesse cenário, a comunicação não pode mais significar somente
a transmissão de informações, mas sim da produção de sentido e negociação de
significados que transforma e eleva o processo de informação a um processo
comunicacional. O desafio colocado é o de aprender, reconhecer e negociar com o
outro.
Com efeito, os processamentos das respostas que culminam na produção dos
discursos das ouvidorias públicas supõem: uma postura rigorosamente descritiva, a
análise detalhada, a seleção do conteúdo relevante de cada resposta, a busca e a
nomeação dos sentidos manifestos nas idéias centrais e latentes presentes nos conteúdos
das respostas.
Nessa direção, o ouvidor na condição de mediador ou gestor da comunicação
nesse ambiente, deve conhecer bem as novas tecnologias por meio das quais processará
sua comunicação. Só assim conseguirá planejar estrategicamente as ações
comunicacionais que servem de suporte para que a ouvidoria pública cumpra o seu
verdadeiro papel social: o de envolver emissor e receptor em um diálogo aberto e
democrático.
Nesse aspecto, importa considerar, também, como tecnologias envolvidas na
gestão de ouvidorias: o acolhimento, a escuta, a negociação, a interpretação de histórias
e a aprendizagem com a experiência do outro.
Vale lembrar, que nesse breve estudo, também verificamos que os estudos
organizacionais,
na
atualidade,
são
permeados
por
novos
paradigmas
que
desqualificaram os antigos modelos de gestão de caráter autoritário para inserir novas
formas de governança que sugerem a cooperação e participação da sociedade civil na
elaboração e execução de políticas públicas.
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Assim, outras propostas paradigmáticas têm sido desenvolvidas buscando
compreender a comunicação como um processo de produção de sentidos entre sujeitos
interlocutores, a partir de um determinado contexto.
Sob esse panorama, buscamos dar ênfase a uma proposta paradigmática que se
encaixa no que se conhece como o paradigma da complexidade, que, como já
assinalado, pressupõe comunicação e interação entre as partes do sistema e o todo.
Nesse paradigma, a comunicação estabelece a possibilidade de sobrevivência e autoorganização dos sistemas complexos, como as comunidades humanas.
Dentro desse contexto, a ouvidoria pública é um serviço especializado que
acolhe manifestações, faz a mediação entre o demandante e as áreas competentes pela
resolução da demanda e busca o equilíbrio entre os entes envolvidos a fim de dirimir
divergências.
A ouvidoria exerce, ainda e, sobretudo, o papel de mediadora entre a alta direção
da organização e os seus públicos-alvo, encurtando distâncias de comunicação,
reduzindo discrepâncias dos serviços prestados para o aperfeiçoamento da máquina
administrativa, contribuindo para a melhoria contínua e, por fim, favorecendo a
mudança de cultura da organização para uma visão sistêmica.
Vista sob esse prisma, a ouvidoria pública caracteriza-se, dessa forma, como um
sistema especialista em produções comunicativas para a manutenção da existência da
organização original, isto é, que detém condições mais apropriadas e mais
conhecimento sobre a realização de seleções para tornar mais eficazes e legítimas a
comunicação da organização.
Portanto, uma atuação efetiva da ouvidoria propicia o feedback aos órgãos
superiores da organização, constituindo uma rica fonte de informações para a
retroalimentação do sistema das atividades de planejamento institucional, tendo por fim
a correção de rumos e sintonia com as reais necessidades da organização.
Em síntese, da análise efetuada, buscamos demonstrar que o instituto da
ouvidoria pública representa uma instância privilegiada de relações intertextuais, de
construção ideológica e interação social.
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