Macroeconomia – Uma construção teórica em equilíbrio de mercado* Pedro Cosme da Costa Vieira Faculdade de Economia do Porto Introdução. No seguimento de Barro(1984) vou apresentar um modelo Macroeconómico em equilíbrio walrassiano. Motivado pelas diferentes leituras que tem o conceito de equilíbrio, na literatura inglesa este modelo é denominado por Market Clearing Macroeconomics. Este quadro teórico é, na sua essência, uma substituição da macroeconomia keynesiana que é inconsistente porque, ao propor que o investimento é exógeno, caminha para situações em que o produto é inferior ao consumo mais o investimento (o que, em autarcia, não é fisicamente possível) e que, em economia aberta, leva ao endividamento sem limite dos países (e futura falência). Apresento o modelo no contexto do equilíbrio da balança das transacções correntes de uma região integrante de uma união monetária. As famílias. Em termos teóricos os gostos e preferências dos agentes económicos condensam-se numa função de utilidade. Vamos assumir que podemos agregar os gostos e preferências de todos os elementos da família numa função de utilidade e numa restrição orçamental. Assumindo que no período t os indivíduos da família trabalham lt horas (ao salário unitário Wt) e consomem ct unidades de bens e serviços (ao preço unitário Pt). A utilidade retirada do período t vem condensada na função de utilidade ut u(ct , lt ), u'c 0, u'l 0 (1) Em termos multi-períodos a utilidade é descontada à taxa por período. Assumindo um horizonte temporal infinito, teremos: u ut ut 1 (1 ) 1 ut 2 (1 ) 2 ... (2) A família detém no início do período obrigações, bt, e moeda, mt. A sua variação de período para período permitirá que a família no período corrente tenha um consumo diferente do rendimento (salários e juros). Como existem muitas famílias (em concorrência perfeita nos mercados de trabalho, de bens e serviços e no de obrigações) cada família é price taker assumindo o salário unitário, Wt, o preço unitário dos bens e serviços, Pt e a taxa de juro das obrigações, Rt. Organizando as fontes de rendimento no membro esquerdo e os destinos do rendimento no membro esquerdo, a restrição orçamental da família virá dada por lt Wt (1 Rt ) bt mt ct Pt bt 1 mt 1 (3) * Actualizado em 09 de Junho de 2009 1 Como a quantidade de obrigações pode ser negativa (dívidas), em termos intertemporais será preciso garantir que a família possa pagar as suas dívidas. Esta condição denomina-se de non-ponzi game restriction e será que a divida actual terá que ser maior que a soma dos valores presentes dos rendimentos futuros: bt lt wt lt 1 wt 1 (1 Rt 1 ) 1 lt 2 wt 2 (1 Rt 1 ) 1 (1 Rt 2 ) 1 ... (4) Assumimos, sem perda, que as obrigações detidas em t são remuneradas à taxa de juro que se verifica em t (as “contas” são feitas no fim do período). As empresas. Em termos teóricos uma empresa pode ser condensada numa função de produção. Vamos assumir que a empresa usa como factores de produção capital, kt, e trabalho ,lt, e existe um determinado nível tecnológico, At. (5) yt f (kt , lt , At ) Assumindo, sem perda de generalidade, a existência de muitas empresas price takers, o lucro da empresa resultará de subtrair à facturação os salários, os juros e a amortização do capital (em que o capital é avaliado ao preço de mercado). A tecnologia é um bem público (não tem qualquer custo). (6) t yt .Pt lt Wt kt ( Rt ) Pt Se considerar o futuro: VALt (kt , lt ) (kt 1 , lt 1 )(1 R ) 1 (k t 2 , lt 2 )(1 R ) 2 ... Assumindo o futuro sempre igual, teremos VALt (kt , lt ) (k f , l f ) / R f (7) Daqui resultará a função procura de trabalho, função investimento e função oferta de bens e serviços. Mercados. Teremos que determinar o salário unitário nominal, a taxa de juro e o preço unitário dos bens e serviços. Primeiro, teremos o mercado de trabalho em que as famílias terão uma função oferta de trabalho que resulta da maximização da utilidade sujeita à restrição orçamental. Em termos agregados, a oferta de trabalho vem crescente com o salário real de mercado (Wt/Pt) e com a taxa de juro de mercado Rt e tendo outras variáveis “menos” importantes (...): S Lt LS (Wt / Pt , Rt ,...) (8) () () As empresas terão uma função procura de trabalho que resulta da maximização do lucro sujeita À restrição tecnológica. Em termos agregados, a oferta de trabalho é decrescente com o salário real de mercado (Wt/Pt) e tendo outras variáveis “menos” importantes: D Lt LD (Wt / Pt , Rt ,...) (9) () (?) 2 Se os inputs forem complementares, a taxa de juro terá um efeito negativo, se forem substitutos, terá um efeito positivo. Vamos assumir, sem perda, que são independentes de forma que resulta da compensação do mercado de trabalho o salário real de mercado: (10) Wt / Pt : LS (Wt / Pt , Rt ,...) LD (Wt / Pt ,...) () () ( ) Fig.1 – Mercado de trabalho (L e W/P) e influência da taxa de juro (R) Segundo, teremos o mercado de bens e serviços. Assumido que o capital é indistinto do bem consumido, neste mercado também se transacciona capital. Também resulta da maximização do lucro a função oferta de bens e serviços. Assumindo o capital no período corrente fixo e que o investimento permite variar o capital do próximo período, teremos que a oferta é decrescente com a taxa de juro: S S S Yt Y S (Wt / Pt , Rt , K t ...) Yt Yt ( Rt ,...) (11) () A oferta é positiva com a taxa de juro por o capital não variar no curto prazo e a oferta de trabalho aumentar, via expressão 7, por haver uma redução do salário real, rever fig. 1, de forma que Barro considera que a função oferta de bens e serviços é crescente com a taxa de juro. O investimento vem no lado da “procura”. As famílias terão uma função procura de bens e serviços que resulta da maximização da utilidade. Em termos agregados, a procura de bens e serviços é decrescente com a taxa de juro porque o investimento é muito decrescente com a taxa de juro: D D Yt C ( Lt Wt / Pt , Rt ,...) I ( Rt ,...) Yt ( Rt ,...) (12) () () () () A função consumo é decrescente com a taxa de juro por o aumento da taxa de juro induzir o aumento a poupança (i.e., o consumo é adiado). O rendimento tem um efeito positivo no consumo mas como o salário real e o nível de emprego são determinados no mercado de trabalho onde o aumento do salário real diminui o nível de emprego (ver, fig. 1), fica a taxa de juro real como variável principal no ajustamento do mercado de bens e serviços (ver Fig. 2). Pela mesma razão, a taxa de juro não alterará significativamente o rendimento. 3 Resulta do equilíbrio do mercado de bens e serviços a taxa de juro de mercado (que tem uma influência menor no mercado de trabalho): Rt : Y S ( Rt ,...) Y D ( Rt ,...) (13) () ( ) Fig.2 – Mercado de bens e serviços (Y e R) Terceiro, teremos o mercado de monetário. A função da moeda é permitir as trocas de forma não directa. Sendo obrigatório ter moeda, a quantidade resulta de uma analise custo – benefício em que deter maior quantidade de moeda induz maior perda de juros mas menor trabalho a levantar dinheiro. Então, a função procura de moeda depende da taxa de juro e da quantidade de transacções realizadas (razoavelmente proporcional ao Y). Assumindo que uma alteração das unidades monetárias (e.g., de escudos para euros), apenas têm um efeito de escala, então em termos reais, a função de procura de moeda virá crescente com o produto e decrescente com a taxa de juro (que já foi determinada no mercado de bens e serviços). Obtém-se a quantidade real de moeda (que represento como m) dividindo o valor nominal pelo preço. D M t / Pt m D (Yt , Rt ,...) (14) () () A oferta de moeda é decidida pelo Banco Central e é desconhecida. Supondo que a quantidade nominal de moeda é determinada pelo Banco Central e publicitada: S (15) Mt M0 Como já conhecemos a taxa de juro e o nível de produto nominal (e assumimos a taxa de inflação t exógena), resulta do mercado monetário o nível de preços Pt. (16) M t M 0 Pt D M0 m (Yt , Rt t ,...) D Esta expressão tem a ver com a Teoria Quantitativa da Moeda em que o nível de preços é igual à massa monetária em circulação a dividir pela velocidade média de circulação da moeda. Adopto M0 mas poderia usar qualquer medida de liquidez (M1, M2 ou M3), 4 vindo alterado o que se entende como velocidade de circulação da moeda. Quanto mais abrangente for o agregado considerado, menor virá a velocidade de circulação. Aplicação a uma união monetária. Apesar de não ter considerado explicitamente que existem importações e exportações, emigração e imigração, posso aplicar o raciocínio a uma economia aberta em que trato a balança das transacções correntes como um desequilíbrio no mercado de bens e serviços. Quando numa região (ou país) que pertence a uma união monetária a balança das transacções correntes é deficitária (as importações de bens e serviços mais os rendimentos do capital mais as transferências unilaterais são superiores às exportações), há necessidade de a região se endividar face ao exterior exactamente no valor do déficit. Vamos chamar-lhe déficit corrente. Esse endividamento será garantido por quem se endivida (hipotecam as casas, as máquinas, etc.) que podem ser as Famílias (que tenham despesas superiores às receitas), as Empresas (para investimento produtivo ou para cobrir déficit de exploração, rumo à falência) e pela Autarquia / Estado (para cobrir o déficit público). No processo de equilibrar o déficit corrente irá aumentar a taxa de juro, diminuir os salários reais, ver Fig.1 (aumentando a oferta de bens e serviços e a emigração) e diminuir a procura interna (e aumentar a externa e diminuir a imigração), ver Fig.3. Fig.3 – Mercado de bens e serviços deficitária (Y e R) O que interessa realçar é que a principal variável de ajustamento do déficit será o salário real. Como não podemos desvalorizar a moeda da região (e subir os preços), apenas existe a diminuição em termos nominais do nível de salário como possibilidade de ajustamento. Apesar de, em termos médios, os preços da zona EURO resultarem do ajustamento pelo modelo das expressões (14), (15) e (16), uma região apenas pode corrigir o déficit corrente baixando os preços reais pela diminuição dos custo do trabalho. Por exemplo, se os preços aumentarem 1.5% em Portugal e 2.5% em Espanha, então, em termos reais, os preços em Portugal diminuem relativamente à Espanha, o que controla o déficit corrente. 5 Se o endividamento externo for para fazer investimentos que induzam ganhos de produtividade maiores que os juros e amortizações da dívida externa que é necessário pagar ao exterior, a região não terá problemas em manter um déficit corrente pois não põe em causa a sua sustentabilidade de longo prazo. Já se o endividamento for para consumo ou para maus investimentos, o mercado vai corrigir o problema (pela descida dos salários reais e dos preços reais) porque o aumento do endividamento não pode durante para todo o sempre (seria um Ponzi game). Os manuais de macroeconomia não incluíam a hipótese de a taxa de juro de uma região integrada numa zona monetária ser superior à média, mas, atendendo a que quanto mais endividada maior é o risco de falência de um região, a crise financeira tem mostrado o aparecimento de spreads de taxa de juro entre regiões. Se a taxa de juro regional fosse sempre quase igual à média da zona monetária (por ser pequena em dimensão económica), seria muito difícil o mercado corrigir os desequilíbrios regionais pelo mecanismo da subida da taxa de juro / diminuição dos salários reais de forma que esta correcção apenas poderia ser feita mediante uma “desvalorização da moeda”. Que não fique a ideia de que uma “desvalorização da moeda” seria uma solução melhor que uma “descida dos salários nominais” e que, por isso, Portugal deveria deixar a zona Euro e voltar ao Escudo. Em termos económicos, seria exactamente a mesma coisa e responderia exactamente ao mesmo: que o déficit corrente português anda na casa dos 10% do PIB (cada português consome mais 10% do que produz) e que, sendo insustentável, vai ter que ser corrigido. Mesmo que o Governo não faça nada, o mercado encarrega-se de corrigir este déficit pela subida da taxa de juro no crédito aos residentes em Portugal (e não de toda a zona Euro) e a descida dos salários nominais e reais portugueses. Conclusão. O modelo apresentado pressupõe uma fundamentação microeconómica para as famílias (maximização de uma função de utilidade sujeita à restrição orçamental) e para as empresas (maximização do lucro sujeita a uma restrição tecnológica). Partindo destes pressupostos, resulta um sistema de equações com três incógnitas que traduz a existência de três mercados: o mercado de trabalho, o mercado de bens e serviços e o mercado monetário. Aparentemente falta no modelo o mercado das obrigações mas tal não é necessário pois quando há N mercados basta que N–1 estejam em equilíbrio (teorema dos mercados de Walras). Faço um exercício de como se equilibra a balança das transacções correntes de uma região integrante de uma união monetária. No sentido de explorar o modelo de equilíbrio torna-se necessário propor formas funcionais para as funções de utilidade e de produção, sendo o mais simples o uso da função Cobb-Douglas. Também podemos “estimar” as funções agregadas Cs, I, Ls, Ld e Ys. 6