Nassif, Luís. “A Internet e o xerife”. São Paulo: Folha de São Paulo, 28 de setembro de 2000. A Internet e o xerife LUÍS NASSIF A economia sempre caminha na frente do Direito. Primeiro surgem as novas formas de economia, as novas modalidades de negócio. Quando tomam forma, aparecem os juristas e legisladores, regulando e dando forma legal a essas operações. Foi assim nos anos 50, quando San Thiago Dantas e José Luiz Bulhões Pedreira desempenharam papel fundamental no desenho legal dos novos mecanismos de negócio que surgiram -como o leasing, o financiamento ao consumidor, as letras de câmbio etc. Ou, como dizia o ex-czar da economia Delfim Netto, primeiro se faz o faroeste e depois se traz o xerife. A Internet brasileira já está suficientemente madura para demandar leis e regulamentos, que garantam direitos e contratos, mas não sufoquem a criatividade do setor. No próximo mês de novembro haverá seminário internacional em São Paulo com a presença de pelo menos quatro conferencistas internacionais – destinados a lançar as bases de uma legislação ampla para o setor. Do seminário deverão participar as principais autoridades federais envolvidas com a matéria. Um dos pontos essenciais da regulação é a questão da assinatura digital – elemento essencial para acabar com o passeio de papéis pelo setor público e privado. Hoje em dia existem firmas de certificação de assinatura que garantem apenas que o e-mail que se envia de um computador chegou sem desvios no remetente. Mas não garante a identidade real do remetente. Esses certificados podem ser obtidos em certificadoras estrangeiras, como a Verysign. A assinatura digital é mais que isso. Há a necessidade de uma certificadora nacional, que, a exemplo dos cartórios, receba documentos do autor e garanta que a assinatura digital é de uma pessoa com RG e CIC identificados. Não é o único tema a ser abordado. O "spam" (envio simultâneo de mensagens) também deverá ser regulado. Nos Estados Unidos existem multas severas para que pratica o "spam". Além disso, há restrições ao uso de malas diretas de e-mail, sem o consentimento do titular. Se o "spam" visa atingir a reputação alheia, nesse caso o autor incorre em crimes já previstos no Código Penal e no Código Civil do Brasil. No caso de salas de discussão, bate-bocas entre "nicks" não são matéria penal. Mas, caso um dos internautas divulgue o nome da parte contrária com acusações, será suscetível a uma ação penal. Já existe em tramitação projeto de lei do deputado Nelson Proença regulando o "spam" eleitoral. A legislação deverá definir normas claras, que obriguem cada provedor a identificar a autoria das mensagens – seja em e-mail ou em salas de discussão- para instruir processos. Por enquanto, o e-mail ainda é uma peça frágil para instruir processos. Tempos atrás, um ex-marido injuriado foi denunciado por promover uma campanha de difamação contra a ex-mulher pela Internet. Safou-se demonstrando que o email em questão poderia ter sido montado por qualquer pessoa. Na Internet, no momento em que o usuário se "loga" no provedor, recebe um IP (um número de identificação), que o acompanhará até que a conexão seja desfeita. A grande dificuldade de regular esta área são os chamados provedores gratuitos, que, por não ter que cobrar, não identificam seus usuários. Todos os provedores terão que dispor de dados que permitam identificar quem estava usando determinado IP em cada momento. Provedores que não dispuserem desses dados poderão ser responsabilizados por eventuais crimes de calúnia, injúria ou difamação. Ponto complexo é a questão da compra de produtos estrangeiros pela Internet. Qualquer reclamação do consumidor deverá ser formulada no país de origem da venda, por meio de advogados lá constituídos. -------------------------------