1. Contextualização - SIGRH

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XIV Encontro Nacional de Educação em Ciências. Braga, Portugal. ISSN 978-989-8525-04-8
Proposta de Discussão Experimental com ênfase CTS em Curso de
Formação de Professores de Química da UFS
Marlene Rios Melo1
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Departamento de Química, Núcleo de Pós-Graduação de Ensino de Ciências e Matemática, Universidade
Federal de Sergipe, Sergipe, Brasil
Resumo
Os licenciandos são fruto de um ensino comprometido com a formação científica apoiado no modelos
de ensino transmissivo-receptivo, com pouco comprometimento tanto com a contextualização como
com o desenvolvimento cognitivo e a formação cidadã. No entanto, uma sociedade envolvida e
comprometida com a tecnologia exige a formação de professores capacitados a entender, atuar e criticar
propostas que envolvam de forma inter-relacionada ciência-tecnologia-sociedade e ambiente, já que as
ações científicas tecnológicas geram reflexos sócio ambientais. Nossa proposta tem como objetivo
apresentar uma estratégia de discussão experimental, a priori a ser aplicada durante disciplina da grade
da licenciatura em química da UFS, que leve em consideração um modelo construtivista de ensino e as
multiplas relações Ciência-Tecnologia-Sociedade, visando colaborar com a formação de professores
que adotem predominantemente o Discurso do Analista e da Histérica (Villani & Barolli, 2006) e uma
compreensão das inter-relações CTS mais próxima do conceito de Sociedade de Risco (Beck, 1998).
1. Contextualização
Nos séculos 19 e 20 constatamos a predominância de uma Sociedade Industrializada, onde a
função da ciência era dar subsídios para a criação de tecnologias que gerariam trabalho com
conseqüente crescimento econômico e prometida distribuição de riquezas. Para atender às
necessidades sociais e a visão de ciência dessa sociedade industrializada, os conteúdos
científicos, impregnados de uma visão da ciência neutra e ausente de valores, apresentados
nas escolas eram aqueles que permitissem preparar o aluno para o trabalho, pois assim, este
teria acesso ao emprego e ao capital que lhe permitiria o consumo de bens duráveis e não
duráveis.
No entanto, a escassez dos recursos físicos não renováveis, o crescimento dos conflitos
sociais causados pela obtenção destes, a contaminação do Meio Ambiente Natural com
conseqüente reflexo na qualidade de vida humana e animal e a não concretização do sonho de
que desenvolvimento econômico implicaria em minimização das diferenças sociais, nos levou
a repensar o papel da ciência, esta não poderia mais estar ausente de valores, nem tão pouco
ser considerada neutra, já que vivemos hoje em uma Sociedade de Risco (Beck, 1998),
contemplando riscos distintos da Sociedade Industrial (SI):
Os riscos provenientes da Sociedade Industrial (SI) estavam associados à criação e distribuição de
riqueza. Encontrava-se em jogo, na SI, a luta entre capital e trabalho pelos frutos e benefícios
gerados por um sistema industrial voltado para a criação de bens materiais e serviços. Na
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Sociedade de risco (SR), ocorre um processo distinto. A principal disputa não se dá em relação ao
acesso e a distribuição desses bens, mas, antes, ao poder de evitar ou distribuir os males provindos
da própria modernização. (Lenzi, 2006, p. 133).
Tais riscos irão atingir mais efetivamente populações com baixo poder aquisitivo e ainda, as
futuras gerações. Como conseqüência de uma Sociedade de Risco, a ciência ensinada nas
escolas não pode mais estar ausente de valores, faz-se necessário formar professores capazes
de atuar eticamente no mundo real e global de tal forma a gerar discussões que possibilitem
que seus alunos decidam a quais riscos, provenientes de uma sociedade tecnológica, estão
dispostos a serem expostos.
2. Objetivos
Apresentar uma proposta para discussão experimental com ênfase CTS, baseada nos
pressupostos construtivistas com predominância do Discurso do Analista e da Histérica
(Villani & Barolli, 2006), de tal forma a minimizar as concepções alternativas sobre CiênciaTecnologia-Sociedade dos licenciandos, levando-os a uma visão mais próxima de Sociedade
de Risco. Tais concepções alternativas seriam, também, responsáveis pelas dificuldades de
implantação de um ensino CTS tanto nas escolas de ensino médio, quanto nas instituições de
formação de professores. Na análise de Delizoicov e Auler (2006), as concepções a serem
superadas seriam:
1. modelo de decisões tecnocráticas – que contempla a idéia de que os especialistas estão
melhor preparados do que a população comum para a tomada de decisões em questões
envolvendo ciência e tecnologia.
2. perspectiva salvacionista/redentora atribuída a ciência e tecnologia – compreende a
percepção de que a ciência e a tecnologia são capazes de resolver todos os problemas
da humanidade, presentes e futuros. Essa concepção desconsidera os riscos sócioambientais da C&T.
3. determinismo tecnológico – contempla a crença de que a humanidade é absolutamente
dependente da produção tecnológica. A sociedade entende que o consumo está
diretamente relacionado com o progresso, não havendo outra alternativa para a
manutenção do sistema econômico.
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3. Temas
3.1. O ensino CTS seus objetivos e conteúdos
Para atender as novas exigências sociais e educacionais surge o movimento com pretensões
de que uma nova ênfase curricular permita que professores, e conseqüentemente alunos,
consigam compreender o significado do desenvolvimento sustentável e as questões éticas
coletivas envolvidas em um mundo dependente da tecnologia. Essa perspectiva para o ensino
de ciência é chamada de perspectiva da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS):
Ciência, Tecnologia e Sociedade, CTS, corresponde ao nome que se deu a uma linha de trabalho
acadêmico e investigativo, que tem por objetivo perguntar-se pela natureza social do conhecimento
científico-tecnológico e suas incidências nos diferentes âmbitos econômicos, sociais, ambientais e
culturais das sociedades ocidentais (principalmente) (Osório, 2002, p. 1).
Para Vásquez Alonso (2010, p. 334):
A presença da Natureza da ciência e tecnologia no curriculo educativo se justifica por várias
razões (cognitivas, de compreensão, utilitárias, democráticas, culturais, axiológicas), porém, sem
dúvida, a razão mais global é a finalidade de atingir uma educação em Ciência e Tecnologia, que
promova a alfabetização em C&T para todos e que desenvolva valores e atitudes importantes para
a compreensão pública de um mundo cada vez mais impregnado de C&T.
O objetivo da educação CTS está então diretamente relacionado com a capacidade de se
entender o mundo, as múltiplas relações ciência-tecnologia-sociedade para se ter condições de
avaliar a quais riscos estamos dispostos a nos expor a partir da proposição de uma dada
tecnologia, e daí então poder agir criticamente na sociedade em que vivemos. Ou ainda, o
objetivo geral é desenvolver a capacidade de tomada de decisão, que para Santos &
Schnetzler (2003) está relacionada com:
[...] solução de problemas da vida real que envolve aspectos sociais, tecnológicos econômicos e
políticos, o que significa preparar o indivíduo para participar ativamente na sociedade
democrática. (p. 68)
Aqueles que defendem um ensino CTS voltado para a formação da cidadania consideram que
o conteúdo básico desse ensino envolve dois componentes básicos: a informação química e os
aspectos sociais, para tanto:
Tais componentes precisam ser abordados de maneira integrada, o que implica necessariamente a
adoção de temas sociais. (Santos & Schnetzler, 2003, p. 97, grifo nosso)
Santos e Mortimer (2000) discutem que para o contexto brasileiro poderiam ser discutidos
diversos temas, entre eles: exploração mineral e desenvolvimento científico, tecnológico e
social; ocupação humana e poluição ambiental; o destino do lixo e o impacto sobre o
ambiente; desenvolvimento da agroindústria; as fontes energéticas no Brasil, seus efeitos
ambientais e seus aspectos políticos; entre outros.
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As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (Brasil, 2006) que sugerem que os
conteúdos de química sejam abordados por meio de temas sociais e situações reais que
atendam as condições e os interesses da comunidade escolar, como descrito a seguir:
Pode-se trabalhar, por exemplo, a partir de temas como poluição, recursos energéticos, saúde,
cosméticos, plásticos, metais, lixo, química agrícola, energia nuclear, petróleo, alimentos,
medicamentos, agrotóxicos, águas, atmosfera, solos, vidros, cerâmicas... (p. 122)
3.2. A transposição didática e os Discursos do Professor
Entendida em linhas gerais a Educação CTS, nos falta saber que referenciais utilizaremos para
nossa transposição didática da experimentação CTS. Para Chevallard (1991:31 apud Pinho
Alves, 2001) a transposição didática consiste em:
um processo no qual, um conteúdo do saber que foi designado como saber a ensinar sofre a partir
daí, um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto para ocupar um lugar entre
os objetos de ensino. O trabalho que transforma um objeto do saber a ensinar em um objeto de
ensino é denominado de Transposição Didática.
A meta do professor é transformar um conhecimento científico em um conteúdo didático. Os
livros são incapazes por si só de efetuar essa transformação, logo a transposição didática
envolve um série de ações, efetuadas pelo professor, para que ocorra a transformação do saber
sábio, oriundo dos cientistas, em saber ensinável. Para tanto o professor se apodera de
discursos, esses Discursos do Professor para Villani & Barolli (2006) podem ser
categorizados como:
a) O discurso do Mestre é caracterizado por uma relação de domínio do professor sobre o
saber em jogo, nas vertentes científica, pedagógica e/ou disciplinar. Ele não presta conta a
Outro, nem há possibilidade de contestação por parte dos alunos. Sua posição é de
autoridade. Também há pouco espaço para escuta. O efeito é uma captura ou a manutenção
do aluno para um novo tipo de atuação ou de cultura.
b) O discurso da Universidade, quando adotado pelo professor, o coloca como mediador
entre o aluno e algum tipo de conhecimento produzido pelos especialistas. O professor, na
perspectiva desse conhecimento, desempenha o papel de guardião para que a verdade do
Outro (no caso a Ciência ou a Didática ou, até, a Burocracia) torne-se a lei do aluno. O efeito
desse discurso é introduzir no aluno uma insatisfação ou, ao menos, um confronto com algo
perfeito.
c) O discurso da Histérica é caracterizado pela insatisfação do professor em relação à
situação atual e por sua tendência à provocação contínua no campo científico, pedagógico ou
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dialógico para uma aproximação a um ideal. Podemos identificar esta posição como a de um
provocador, cujo efeito no aluno é um avanço no saber. Por exemplo, uma estratégia que
explora os ‘conflitos’ dos alunos para produzir mudanças, torna-se uma forma de discurso da
Histérica nas situações em que o atinge. O professor sinaliza para os alunos que algo está
faltando para a maestria e estes se sentem desafiados.
d) Finalmente, o discurso do Analista, quando aplicado ao ensino, procura favorecer a escolha
de uma aprendizagem autônoma por parte do aluno. Podemos identificar sua posição como a
de um assessor disponível para orientar e sustentar os alunos em suas iniciativas. Podemos
exemplificar este tipo de laço quando o professor através de suas intervenções questiona a
dependência dos alunos e produz um avanço na busca dele do saber científico.
Como a abordagem que pretendemos adotar para a discussão experimental com ênfase CTSA
é construtivista, esperamos que nas relações do professor formador com seus licenciandos, e
futuramente deste com seus alunos, ocorra a predominância do discurso do Analista e da
Histérica, no entanto a exclusividade não é desejada.
3.3. Dificuldades de formação de professores de química valorizando uma abordagem
construtivista e curriculo com ênfase CTS
Para atender as necessidades características de uma Sociedade de Risco (Beck, 1998) os
cursos de formação de professores de ciências devem preparar os licenciandos a atuarem na
perspectiva de uma educação CTS. No entanto, atuar nessa perspectiva vai além da
disponibilidade de materiais didáticos comprometidos com essa proposta, faz-se necessário
formar professores capazes de utilizá-los, e também de elaborá-los, dotados de visão
multidisciplinar do corpo teórico específico de sua área de atuação e com condições de adotar
um modelo de ensino diferente do vivenciado por ele durante toda a sua vida escolar,
capacitado a reorganizar programas de ensino de ciências para que a abordagem CTS, indo
além das ilustrações do cotidiano e rumo a conscientização política, comprometida com a
formação da cidadania.
Nos programas de licenciatura das instituições particulares e federais os licenciandos estão
expostos a modelos de ensino onde há uma grande valorização da aprendizagem de conceitos
e teorias, onde os professores formadores são predominantemente praticantes do discurso do
Mestre (Villani & Barolli, 2006), ou seja, aulas expositivas apoiadas na transmissão do
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conhecimento sem participação ativa do aprendiz, acompanhadas de avaliações focadas na
resolução de exercícios quantitativos e raramente estimulando discussões qualitativas de
temas abertos e interdisciplinares (Martins, 2002).
Além das dificuldades pesquisadas que dizem respeito às concepções dos professores e alunos
sobre ciência-tecnologia-sociedade (Vasques Alonso e col., 2010; Manassero Mas, 2004;
Martins & Freitas, 2008; Delizoicov & Auler, 2006), Melo (2010) levantou as principais
dificuldades objetivas e subjetivas na adoção da perspectiva CTS para a elaboração e
aplicação de projetos de ensino de química em uma Instituição de Ensino Superior no interior
do Estado de São Paulo, Brasil. As dificuldades objetivas mais comuns encontradas foram:
a) elaborar avaliações qualitativas fugindo dos exercícios quantitativos e migrando para
situações abertas e qualitativas;
b) relacionar problemas sócio-ambientais com conceitos químicos – os licenciandos sabiam
determinados conceitos, eram capazes de defini-los, no entanto não conseguiam utilizá-los
para explicar questões sócio-ambientais geradas por determinadas tecnologias.
c) limitar quais conceitos químicos eram pertinentes ao tema desenvolvido. Por exemplo, se o
licenciando considerava em seu projeto temas que contemplavam a química orgânica, todos
os conteúdos comumente abordados em química orgânica eram contemplados, mesmo os não
relacionados com o tema sócio-ambiental.
E ainda, apresentaram como dificuldades subjetivas mais comuns:
a) compreensão do termo conscientização - A conscientização não é obtida a partir do
Discurso do Mestre onde as idéias dos outros não são levadas em consideração; faz-se
necessário uma postura mais próxima ao discurso da Histérica considerando problemáticas
que dizem respeito ao aluno, problemas socioambientais locais, consultando os produtores de
tecnologia química, reconhecendo os impactos na vivência diária e finalmente atuando como
cidadão transformador da realidade. Conscientizar na perspectiva de Freire (2008, p. 30):
[...] a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica, implica que
os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens
criem sua existência com um material que a vida lhes oferece.
Melo (2010) encontrou utilizações equivocadas por parte dos licenciandos, pois estes
consideraram que conscientizar se limitava a informar sobre quais são os problemas
ambientais. No entanto, entendemos que conscientizar inclui saber quais problemas sócioambientais estão por traz de uma dada tecnologia, entender quimicamente porque essa
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tecnologia gera esses problemas, pensar em alternativas mais ‘verdes’ a essas tecnologias e,
finalmente, encontrar formas de estimular a participação de cada indivíduo na minimização
desses impactos através de uma atuação crítica.
b) em não contemplarem a responsabilidade pessoal de preservação ambiental através da
discussão sobre consumo responsável;
c) em estabelecer discussões com seus alunos, que permitiriam a escuta da opinião desses, ou
ainda, acrescentar outras discussões que pudessem gerar diferentes posicionamentos
facilitando a inclusão deles no processo de responsabilização sobre as questões ambientais.
Podemos interpretar essa dificuldade como a de romper com o discurso do Mestre e da
Universidade e assumir o discurso problematizador da Histérica;
d) em abordar problemas locais, preferindo escolher temas mais distantes da sua realidade
local, como não querendo enxergar a necessidade de um posicionamento mais atuante;
e) em compreender as questões sociais envolvidas nas tecnologias de produção de bens de
consumo, talvez pelo fato dos licenciandos não estarem familiarizados com conceito de ciclo
de vida e estabelecerem uma interpretação sobre questões sócio-ambientais exclusivamente na
forma como o bem de consumo impacta o Meio Ambiente Humano através de sua
degradação;
f) em pensar experimentos comprometidos com as causas ambientais. Nenhum dos
licenciandos contemplou a necessidade de pensar experimentos para a discussão de seus
temas envolvendo minimização de impactos.
Em função dessas dificuldades, que novamente foram constatadas na Universidade Federal de
Sergipe durante o ano de 2010, aprimoramos o trabalho de Melo (2010) de tal forma a atingir
resultados mais efetivos na explicitação do ensino CTS.
3.4. Uma proposta de discussão experimental levando em conta os pressupostos
construtivistas, a ênfase CTS e a predominância do Discurso do Analista e da Histérica
Um ponto a ser questionado como seria uma discussão experimental levando em consideração
o objetivo da educação CTS, ou seja, a capacidade de tomada de decisão e da formação da
cidadania, trabalhando com temas sociais de tal forma que o professor formador seja
orientador e os licenciandos o centro do processo de aprendizagem como requer as
orientações construtivistas? Como minimizar tanto as dificuldades subjetivas e objetivas
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levantadas por Melo (2010) e as concepções alternativas sobre C-T-S explicitadas por
pesquisadores?
Apoiamo-nos na concepção construtivista para mediar, ou ainda transpor didaticamente nosso
experimento, essa concepção deve ser assumida pelos futuros professores para que estes a
adotem nas relações de ensino e aprendizagem, pois como afirma Pinho Alves, 2009 (p. 2):
Será indispensável que a concepção construtivista sobre a produção de Ciência seja assumida
pelos responsáveis pela Transposição Didática correspondente e que também haja a adoção da
mesma concepção para o processo de ensino-aprendizagem. Estas duas condições devem ser
satisfeitas, pois, caso contrário se estabelecerá uma situação de conflito epistemológico, não
oferecendo condições para que se realize uma Transposição Didática adequada aos objetivos de
introduzir o laboratório didático no processo de ensino, na condição de elemento mediador para
ensinar os conteúdos e não mais o método experimental.
Para Santos e Schnetzler (2003) a orientação metodológica apoiada nos princípios
construtivistas é coerente com os objetivos da educação CTS, pois a capacidade de tomada de
decisão está associada a uma participação critica e ativa na solução de problemas da
comunidade a qual pertencem e essas condições contemplam a visão construtivista de ensino.
As razões pelas quais adotamos a experimentação para discutir a abordagem CTS para os
conteúdos químicos estão apoiadas no que Tamir (1991) considerou cinco justificativas para a
inserção da experimentação nas aulas de ciências, essas justificativas foram adequadas ao
nosso contexto de ensino como sendo:
1) as experiências práticas propiciam a indução de mudanças conceituais;
2) o ensino experimental na perspectiva construtivista estimula a participação do aluno, através
de questionamentos, em um processo de investigação de problemas que lhe dizem respeito,
problemas encontrados em seu contexto diário, no nosso caso questões sócio-ambientais
levantadas pelos licenciandos;
3) o experimental permite o desenvolvimento de habilidades e estratégias, no nosso caso
também para o ensino com abordagem CTS;
4) cria condições para que identifiquemos e minimizemos concepções alternativas dos alunos,
já que contemplamos tanto os conceitos químicos como as tecnologias envolvidas com tais
conceitos, dessa forma contextualizamos o conhecimento químico e temos a oportunidade
também de levantar e tentar minimizar concepções alternativas sobre as inter-relações CTS.
5) os estudantes se sentem motivados a trabalhar com experimentos, no caso da química essa é
sempre uma das razões para justificar a atividade experimental, tanto por parte dos professores
como por parte dos alunos.
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A utilização dos princípios da Química Verde nos pareceu uma possibilidade de abordagem
dos problemas ambientais aliados aos conteúdos científicos cujos princípios serviriam para
apoiar a elaboração de experimentos didáticos que contemplem uma abordagem CTS.
Essa escolha deveu-se ao fato da filosofia da Química Verde contemplar a modificação das
rotas sintéticas, de tal forma a reduzir ou eliminar o uso e produção de substâncias danosas ao
Meio Ambiente Humano.
Na Tabela 1 destacaremos os princípios básicos da Química Verde assim como a explicitação
de cada um desses princípios adaptados para a prática experimental no Ensino de Química.
Tabela 1. Princípios básicos da Química Verde (Melo, 2010)
PRINCÍPIOS
DESCRIÇÃO
Prevenção
A prevenção é melhor do que tratamento de resíduos indesejáveis, portanto o
professor iniciante deve planejar seus experimentos e discussões alertando para
a necessidade de prevenir contaminação, ao invés de tratá-la.
Eficiência Atômica (Trost,
1991)
As sínteses devem ocorrer de tal forma a produzir apenas o produto desejado,
ou ainda, incorporando no produto final todos os átomos dos reagentes,
evitando portanto subprodutos.
Síntese Segura
Evitar usar, ou até mesmo não usar, nem produzir substâncias tóxicas. Por
menor que seja a quantidade de substâncias envolvidas em um experimento
didático a produção de substâncias tóxicas deve ser evitada ou minimizada.
Desenvolvimento
Produtos Seguros
Uso
de
Solventes
Auxiliares Seguros
de
Produto seguro é aquele que não causa dano ao Meio Ambiente Humano.
e
Evitar solventes como benzeno, clorofórmio, etc. ou substituí-los por outros
mais seguros, de preferência água, mesmo em sínteses orgânicas. O uso de
água e dióxido de carbono como solventes supercríticos vêm substituindo
lentamente os solventes clorados.
Busca pela Eficiência de
Energia
Reformular ao máximo as rotas sintéticas, de tal forma que a maioria possa
ocorrer na temperatura e pressão ambiente. O aquecimento por microondas de
reações químicas também tem sido intensamente estudado.
Uso de Fontes de MatériaPrima Renováveis
Discutir, sempre que possível, fontes de matéria prima renovável em
substituição às não renováveis.
Evitar a
Derivados
Evitar a utilização de grupos de bloqueios, de proteção/desproteção, ou ainda,
modificação temporária da molécula por processos físicos e/ou químicos.
Formação
de
Catálise
Os catalisadores devem ser preferidos aos reagentes estequiométricos quando
da possibilidade de sua reutilização.
Produtos Degradáveis
Escolha de experimentos que produção substâncias com degradação o menos
impactante possível.
Análise em Tempo Real para
Prevenção de Poluição.
Utilizar-se de estudos sobre a análise em tempo real. O grande avanço da
nanotecnologia tem colaborado com o desenvolvimento de sensores que
previamente são capazes de detectar e controlar a geração de resíduos, essa
análise em tempo real reflete diretamente na obtenção seletiva de produtos
menos tóxicos.
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Química
Intrinsecamente
Segura para a Prevenção de
Acidentes.
A elaboração de experimentos didáticos utilizando substâncias seguras e de
fácil manuseio colabora com uma química segura.
Necessitamos ainda ressaltar que a discussão experimental por nós proposta não está voltada
para a formação de cientistas como ocorreu nas décadas de sessenta/setenta, mas para a
formação da cidadania e isso ocorre através da contextualização do tema social através do
experimento.
De acordo com Ainkenhead (1994), a forma de se planejar a instrução CTS, é explicitada pela
figura 01.
Fig. 01 – A seqüência para o ensino de ciências CTS (AIKENHEAD, 1994)
A instrução CTS se inicia na região da sociedade que traz uma questão a ser analisada,
questão essa oriunda de um tema social de relevância para aquela comunidade escolar. Na
compreensão dessa questão social, normalmente, há alguma tecnologia envolvida. A análise
tanto da questão social quanto da tecnologia envolvida criam a necessidade do conhecimento
de algum conteúdo científico. As compreensões das múltiplas relações CTS fazem com que o
aluno passe a ter uma visão crítica do problema social inicialmente levantado, fazendo-o agir
socialmente na modificação e interpretação dessa questão.
Santos e Schnetzler (2003, p. 78) sintetizam a abordagem proposta na figura 2:
1. uma questão social é introduzida;
2. uma tecnologia relacionada ao tema social é analisada;
3. o conteúdo científico é definido em função do tema social e da tecnologia introduzida;
4. a tecnologia correlata é estudada em função do conteúdo apresentado;
5. a questão social original é novamente discutida.
Explicitando essa abordagem para uma discussão experimental levando em consideração os
pressupostos da educação CTSA, teremos:
1. uma questão sócio-ambiental é introduzida – os alunos são convidados a pensar sobre
questões sócio-ambientais relevantes na comunidade na qual vivem e que estejam diretamente
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relacionada com alguma tecnologia. No estado de Sergipe, como no mundo, formas de
obtenção de energia estão cada vez mais em discussão. Em Sergipe, temos alguns exemplos,
como a possibilidade da construção de uma usina nuclear no interior do estado nas
proximidades do Rio São Francisco, um dos rios mais importantes no abastecimento de água
para a Região Nordeste do Brasil; a construção de usina hidrelétrica; a produção e utilização
de álcool como combustível alternativo à gasolina, etc. As questões iniciais que deveriam ser
levantadas pelo professor formador seriam: Quais os impactos e riscos, dentro da visão de
Sociedade de Risco, a que a comunidade estaria exposta quando adotada uma outra forma de
obtenção de energia? Os riscos se sobrepõe aos benefícios para cada uma dessas formas de
obtenção de energia?
2. pelos menos duas tecnologias relacionadas à questão sócio-ambiental devem ser
analisadas – os licenciandos são orientados na pesquisa, estudo e compreensão de pelo menos
duas tecnologias envolvidas diretamente com a questão socio-ambiental escolhida pelos
mesmos, para que distintos pontos de vista sejam apresentados e resignificados. Por exemplo:
comparar a tecnologia envolvida produção de etanol com a da gasolina a partir do petróleo, ou
ainda, comparar a tecnologia envolvida na usina nuclear com a hidrelétrica, ou mesmo a
tencologia de produção de biodiesel por catálise básica com a enzimática. Grupos de estudo
devem ser formados e discussões abertas devem ser estabelecidas na defesa e sistematização
de suas idéias.
3. o conteúdo científico é definido em função do tema social e das duas tecnologia
introduzidas – nesse momento os licenciandos são levados a pensar sobre os conhecimentos
científicos relacionados às tecnologias em discussão. Estudos mostram que os licenciandos
que se propõem a trabalhar por temas sociais (MELO, 2010) apresentam dificuldade em
limitar o conhecimento necessário para a compreensão dos temas propostos para discussão, já
que estão habituados a trabalhar conceitos de forma descontextualizada.
4. as tecnologias correspondentes são estudadas em função do conteúdo apresentado –
nesse momento os licenciandos devem pensar, pesquisar e elaborar com a orientação do
professor formador, experimentos didáticos, sejam eles de laboratório ou simulados por
computador, que contemple as duas tecnologias escolhidas e permita a transposição didática
através de uma abordagem construtivista, dos conceitos científicos relacionados tanto para a
compreensão das tecnologias, como dos seus impactos sócio-ambientais. O professor
orientador deve estimular questões que minimize as visões sobre C&T, responsáveis por
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algumas dificuldades de implementação do ensino CTS colocadas inicialmente (Delizoicov &
Auler, 2006).
5. a questão social original é novamente discutida – nesse momento a questão sócioambiental deve ser retomada, através de discussões em grupo mediadas pelo professor, agora
com uma visão mais ampla das tecnologias distintas para a contemplação da mesma questão.
Nesse momento os riscos inerentes à qualquer tecnologia são avaliados, assim como os
benefícios, propiciando a formação de pessoas com capacidade de constituir opiniões sobre
assuntos que normalmente só são discutidos na esfera do poder político. Os alunos são
convidados à elaborar material didático escrito a ser utilizado em sala de aula, deixando
evidenciado o modelo de ensino contemplado, se o tradicional ou o construtivista, ou mesmo
um híbrido; as visões das interrelações CTS apoiadas ou não na visão de Sociedade de Risco e
o Discurso do Professor predominante.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essas cinco etapas de instrução da educação CTS adaptadas para uma abordagem
experimental têm as seguintes intenções; no primeiro passo nos interessa levantar tanto as
questões socio-ambientais locais, questões essas relacionadas com outras tecno-científica,
como quais as concepções que os licenciandos apresentam em relação à essas questões. É o
momento de conhecer as concepções prévias dos alunos tanto das interelações CTS como da
problemática local. Definida a questão socio-ambiental de interesse dos licenciandos, no
segundo passo pretendemos focar nas duas tecnologias a serem estudadas, uma mais e outra
menos ‘verde’ apoiando-nos nos Principios da Química Verde e no conceito de ciclo de vida,
com o professor formador priorizando o Discurso da Histérica. No terceiro passo pretendemos
que os alunos exponham as concepções alternativas dos conceitos científicos envolvidos
nessas tecnologias escolhidas, é o momento de esclarecimento conceitual com predomínio do
Discurso do Mestre. Já no quarto passo solicitamos a contextualização desse conhecimento na
elaboração de experimentos didáticos envolvendo as tecnologias estudadas, aqui o professor
orientador prioza o Discurso do Analista. O último passo envolve a elaboração de um material
didático onde avaliaremos o quão, ou não, eficiente foi a ação na formação de professores
apoiados em um modelo de ensino construtivista, com predominio do Discurso da Histérica e
do Analista e com tentativa de minização das concepções alternativas tanto de conceitos
cientificos, quando da visão das multiplas relações CTS.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AIKENHEAD, G. & SOLOMON, J. (1994). STS Education: International Perspectives on Reform.
Teachers
College
Press,
New
York.
Disponível
em:
http://www.usask.ca/education/people/aikenhead/sts05.htm. Acessado em 25/04/2011.
AULER, D. & DELIZOICOV, D. (2006). Ciência-Tecnologia-Sociedade: relações estabelecidas pelos
professores de ciências. Rev. Electrônica de Enseñanza de las ciências. v. 5; nº 2. p. 337-355.
BECK, Ulrich. (1998). La Sociedad del Risgo – Hacia una nueva modernidad. Ed. Paidós Ibérica,
Buenos Aires, Argentina.
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