1 AMÉRICA LATINA SOB NOVA ORDEM IMPERIAL Walmir Barbosa* No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, sob o impacto dos colapsos, respectivamente, do Leste da Europa e da ex-União Soviética, e a conseqüente incorporação das referidas formações sociopolíticas ao sistema capitalista internacional, chegava ao fim a ordem mundial do período da Guerra Fria. Surgia então um contexto histórico ainda mais favorável, quando comparado aos anos 1970 e 1980, para o sistema do capital repor/aprofundar o domínio sobre o mundo do trabalho e para atenuar a crise de acumulação do capital por meio do estabelecimento de uma taxa de acumulação que ultrapassasse a pura e simples reiteração econômico-produtiva, isto é, que superasse a mera reposição de estruturas, processos e dinâmicas econômicas, que não gerava acumulação de capital real. A superação da crise de acumulação significou a imposição de formas ainda mais brutais de exploração econômica, de dominação política e de opressão ideológica aos trabalhadores e aos povos das regiões periféricas e semiperiféricas do capitalismo.1 Os Estados Unidos, estrategicamente situados em termos políticos, econômicos, ideológicos e militares, assumiram, sob uma lógica de contradição/conflito e de complementariedade com a Europa Unificada e o Japão, a liderança desse processo, em escala global. * É Mestre em História das Sociedades Agrárias pela Universidade Federal de Goiás e professor da Universidade Católica de Goiás e do Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás. 1 Para uma maior compreensão da crise de acumulação do capital, na perspectiva do autor, consultar o texto O Capitalismo e o Quadro Político Internacional após o 11 de Setembro de 2001 (Barbosa, 2004). 2 As relações estabelecidas entre os Estados Unidos e a América Latina devem ser consideradas com base nestes aspectos gerais identificados. Declínio Relativo Da Hegemonia Norte-Americana As relações estabelecidas entre os Estados Unidos e a América Latina estão marcadas por um processo de aprofundamento da ordem imperial norte-americana em termos globais. Esta ordem encontra-se claramente expressa em termos político-ideológicos e econômicos. Em termos político-ideológicos, a ordem imperial norte-americana propagandeia o fim das revoluções e a eternização do liberalismo econômico e político moderno e reafirma os Estados Unidos como o fiador militar da ordem mundial. Ela é sustentada internamente por medidas como restrição de liberdades civis, plano de segurança nacional rígido, autorização para violação de correspondências, encarceramento de cidadãos estrangeiros sem acusação prévia e/ou provas de conspirar contra os Estados Unidos e autorização para tribunais militares julgarem prisioneiros dos Estados Unidos (Fernandes, 2002, p. 15-20). E, ainda, aprofunda práticas de restrição de direitos civis que sempre se fizeram presentes historicamente nos Estados Unidos em relação a grupos sociais minoritários e/ou que ameaçavam os fundamentos sociais e políticos do pacto hegemônico interno. Em termos econômicos, a ordem imperial conquista e consolida novos mercados para exportação de produtos e capitais norte-americanos e viabiliza espaços econômicos nacionais e continentais mais abertos à movimentação das corporações econômicas (industriais, comerciais e bancárias) norte-americanas. Ela é respaldada internamente por medidas de proteção da sua economia e das suas empresas, direta e indiretamente, de forma 3 aberta e oculta, por meio da implementação de barreiras tarifárias ou não e de cotas de importação extremamente restritivas; da aprovação de um pacote de subsídios à agricultura de US$ 180 bilhões; de encomendas bélicas que ultrapassam os US$ 400 bilhões; de planos econômicos especiais para o socorro de determinados setores econômicos, a exemplo do transporte aéreo e do turismo; e da acentuação do processo de liberação financeira (Fernandes, 2002, p. 15-20). Também nestes pontos encontra-se presente o aprofundamento de práticas econômicas historicamente protecionistas. As iniciativas políticas e econômicas que aprofundaram a ordem imperial norteamericana foram assumidas a partir do final do segundo mandato do governo Clinton. Elas refletiam, primeiramente, um declínio relativo do poder político e econômico dos Estados Unidos ao longo dos anos 1990 em áreas-chave do mundo. Na região do Oriente Médio/Golfo Pérsico, os Estados Unidos fracassaram na tentativa de isolar política e diplomaticamente os regimes políticos do Irã e do Iraque, de impor-lhes bloqueios econômicos que os conduzissem a uma submissão incondicional à ordem econômica internacional e de determinar a condução ao poder central, nestes países, de governos submissos a Washington. O levante Palestino, por sua vez, desmoralizou os Estados Unidos (e Israel) dentro e fora do mundo árabe. Na América Latina, a resistência aos Estados Unidos assumiu formas diversas, a exemplo da ampliação da guerrilha na Colômbia e do levante popular na Argentina de 2001. Por outro lado, assistiu-se regimes políticos e governos títeres dos Estados Unidos na América Latina mergulharem em crises, isto é, apresentarem acentuado grau de esgotamento como instrumentos de controle e subordinação do mundo do trabalho dos seus respectivos países, a exemplo do governo Mesa na Bolívia, que deu sinais de esgotamento desde 2004. 4 Na Europa, os Estados Unidos passaram a enfrentar uma intensa oposição do movimento antiglobalização neoliberal. Passaram a enfrentar, ainda, a oposição diplomática – pouco sólida, quase sempre retórica e à procura de um espaço para uma reacomodação de interesses com os Estados Unidos – estabelecida entre a França, a Alemanha e a Rússia. O declínio relativo do poder político e econômico dos Estados Unidos ao longo dos anos 1990 em áreas-chave do mundo, em decorrência do crescimento da resistência à sua política externa, foi atenuado pela ampliação desse poder nos Bálcãs, conquistado a partir da intervenção realizada por meio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1999 – influência compartilhada contraditoriamente com a Europa Unificada –, e na Ásia Central, com a presença direta dos Estados Unidos, que se beneficiou do espaço político, diplomático e militar deixado na região pelo colapso da antiga União Soviética. Este poder, materializado por meio da exploração política das contradições entre povos e Estados das referidas regiões, da construção de bases militares permanentes e da atuação privilegiada de corporações econômicas norte-americanas, visava, respectivamente, compartilhar, como pólo dominante política e econômicamente, influência com a Europa Unificada e reduzir a presença política e militar da Rússia na região, ainda hoje uma potência militar relativa, quando comparada aos Estados Unidos. Em segundo lugar, a expansão dos interesses econômicos dos Estados Unidos, via corporações econômicas ao longo dos anos 1990, enfraqueceu regimes políticos títeres, submetidos a orientações neoliberais e globalitárias. São exemplos os governos De La Rua, na Argentina, Mesa, na Bolívia, Álvaro Uribe, na Colômbia. As crises dos regimes políticos títeres e o conseqüente declínio do controle imperial ‘indireto’ sobre países empobrecidos e devastados, passaram a exigir bombas e marines para assegurar a continuidade do saque operado por corporações econômicas norte-americanas – 5 complementado pelas corporações econômicas européias e japonesas – nestes países, bem como sustentar os referidos regimes enfraquecidos. A política externa dos Estados Unidos, tendo em vista reverter o declínio relativo da sua hegemonia e reafirmar a sua ordem imperial, procura combinar pressão econômica com ação militar regionalizada. A América Latina testemunha essa política atualmente por meio da implementação do Tratado de Livre Comércio das Américas (ALCA) e da progressiva presença militar dos Estados Unidos na região sob o discurso de combate ao narcotráfico e ao terrorismo. Hegemonia Norte-Americana e América Latina Entre os anos 1930 e 1970, o imperialismo norte-americano não se consolidou na América Latina. Diversos governos latino-americanos, como os de Vargas, no Brasil, e Perón, na Argentina, expressaram manifestações nacionalistas e populistas, constituindo-se em formas de resistência aos Estados Unidos. Foram capazes de intensificar processos como a industrialização sobre bases nacionais, a criação de uma infra-estrutura razoavelmente articulada e a ampliação da participação política, sob certos limites e controlada, de amplos segmentos sociais (Petras, 2000, p. 25-27). Os regimes nacionalistas e populistas representaram avanços em relação ao pacto de elites oligárquico–imperialistas do período precedente. Ainda que sob mobilização limitada e controlada do mundo do trabalho, de um lado, e intervencionismo econômico estatal, de outro, assumiram um projeto de crescimento voltado para dentro por meio de políticas de substituição de importações. 6 A militarização da América Latina nos anos 1960, cujo batismo de fogo foi o Golpe Militar de 1964 no Brasil, representou um refluxo na resistência ao imperialismo presente nas políticas de Estado, sustentadas por blocos de poder sob alianças e articulações políticas caracterizadas, social e politicamente, pela verticalidade. Os novos blocos de poder sobre os quais os Estados latino-americanos passaram a se apoiar, sob marcada hegemonia das corporações econômicas norte-americanas e pilotadas por uma nova tecnocracia formada nas universidades norte-americanas, reorientaram as economias em favor de um liberalismo econômico atípico: planejamento e controle programado do mercado pelo Estado, preservação das empresas estatais, interdependência econômico-produtiva com as corporações econômicas internacionais e endividamento interno e externo. Após a militarização da América Latina varrer o populismo e o nacionalismo, no plano político, e encerrar o desenvolvimento sob bases nacionais, no plano econômico, teve início a recomposição das democracias liberais de massas. Concomitantemente a este processo emerge o discurso neoliberal. O discurso neoliberal garantia uma ‘realidade’ e projetava outras. Afirmava que o novo modelo asseguraria crescimento, todavia necessitaria de um período de ajuste no qual salários fossem rebaixados, empregos públicos reduzidos, poupança interna para investimentos elevada (um eufemismo que escamoteava o seu verdadeiro significado, qual seja, novo momento do processo de concentração do capital, da propriedade e de renda) e garantia de livre fluxos de capitais de curto e de longo prazos. Afirmava-se, ainda, que a conversão tecnológica e administrativa (reestruturação produtiva) das empresas, a racionalização da esfera pública (redução da máquina administrativa e privatização das empresas estatais) e a liberalização econômica (desregulação do mercado) aumentariam a competitividade das empresas latino-americanas, incrementariam o consumo privado com 7 base em menores custos de produção e de importação e elevariam a renda de forma a reduzir a pobreza. A nova ordem política e econômica apregoada pelo neoliberalismo não poderia mais, sequer, acomodar regimes políticos e governos nacionalistas e populistas. Teria chegado o momento da gestão pública organizada, moderna e racionalizada, ordenada por meio de dispositivos como controle do déficit públicos, equilíbrio previdenciário e lei de responsabilidade fiscal. Sob a nova ordem política e econômica neoliberal (e globalitária), encontrava-se em curso, nos anos 1980 e 1990, um novo momento de ‘recolonização’ da América Latina. Neste período, o imperialismo consolidava-se, de fato, na América Latina. A Extratégia Norte-Americana no Tempo Presente Atualmente, a imposição da ordem imperial norte-americana sobre a América Latina encontra-se apoiada sobre dois eixos estratégicos. Primeiramente, a remilitarização da América Latina, processo em curso por meio de uma ampliação da presença militar norte-americana, a exemplo do Plano Colômbia e da Iniciativa Andina; da pressão norteamericana em favor da aprovação de legislações nacionais que criminizem a pobreza e os movimentos sociais na América Latina, como demonstram o surgimento de leis duras contra insurgentes, grevistas, mobilizações de excluídos e invasores de terras; e da articulação entre aparatos repressivos dos Estados Unidos e dos Estados latino-americanos, na forma de intercâmbios militares, operações militares e policiais conjuntas, financiamento de instalações policiais e militares e estabelecimento de instalações norte-americanas (CIA, US Army etc) na América Latina. 8 A remilitarização da América Latina é parte de uma estratégia mais global de expansionismo militar norte-americano. Segundo Pompeu (2003, p. 4-5), O Departamento de Defesa americano, equivalente a ministério, que conta com 5700 bases maiores e menores e outras instalações militares no próprio território nacional e suas dependências, mantém no exterior 725 bases e instalações, espalhadas por 38 países, das quais 35 bases enormes, no valor, cada uma, de mais de 800 milhões de dólares – cada uma das outras vale pelo menos 10 milhões de dólares. A América Latina abriga uma parte destas instalações – na América Central e no Caribe: Antígua, Bahamas, Cuba-Guantánamo e Honduras; na América do Sul: Colômbia (4 instalações), Peru (4 instalações), Venezuela (2 instalações) – e dos 500.000 soldados que os Estados Unidos mantém em 132 países. Abriga, ainda, uma parte dos 60.000 soldados americanos que realizam manobras diariamente (Pompeu, 2003, p. 4 e 5). O outro eixo estratégico consiste na criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Ela representa o fim da soberania dos Estados latino-americanos – daqueles que ainda a possuem em alguma medida –, visto que não teriam mais política e nem destino próprios. Estes Estados estariam submetidos à lógica das grandes corporações econômicas que operam numa racionalidade internacionalizada e não levam em conta prioridades e uma racionalidade orientada por um projeto nacional (Garzon, 2003, p. 20). A ALCA visa, fundamentalmente, assegurar acesso irrestrito das corporações econômicas norte-americanas aos mercados nacionais, às matérias primas e à força de trabalho na América Latina; restringir a presença européia e japonesa no continente; liberalizar a economia regional, mas com proteção aos setores econômicos menos competitivos dos Estados Unidos e contribuir para a redução do déficit comercial norteamericano. 9 Os eixos estratégicos da ação dos Estados Unidos na América Latina fazem-se acompanhar de objetivos próximos, como sustentar regimes políticos e governos títeres em decadência; desestabilizar regimes políticos e governos independentes; pressionar a centroesquerda para que decline de programas políticos de caráter nacional, democrático e popular e se submetam ao Consenso de Washington, deslocando-se para a direita; e destruir ou isolar regimes políticos, governos e movimentos populares em ascensão que desafiem a ordem imperial norte-americana e as elites nacionais títeres. Na Colômbia e na Venezuela, a política externa dos Estados Unidos possui dois grandes objetivos. Primeiramente, impedir a formação de regimes políticos que se oponham a Washington e que se constituam em referências alternativas para outros países latinoamericanos, em especial no Caribe e na América Central. E, finalmente, assegurar o livre acesso às reservas de petróleo presentes nos subsolos da Venezuela e da Colômbia, avaliadas como as maiores do continente americano. Na Colômbia, a política externa dos Estados Unidos tem como objetivo estratégico destruir uma luta armada que teve início nos anos 1960. Luta que se desenvolve sobre uma plataforma política nacional-democrática e que se caracteriza por um conteúdo antiimperialista e antilatifundiário, isto é, contrário aos anéis políticos e econômicos que prendem um bloco de forças políticas e sociais da Colômbia – compostos por tecnocratas civis e militares, latifundiários vinculados às atividades agro-exportadoras, setores da burguesia comercial exportadora, representantes das corporações econômicas transnacionais vinculadas aos setores petrolífero, frutífero e mineral e classes médias superiores – ao imperialismo norte-americano. Esta luta armada apresenta grande base social e poder de irradiação pelas características de ação do imperialismo norte-americano da região, como evidencia El 10 Salvador, Nicarágua e Cuba. Tem, ainda, como objetivo próximo, fomentar uma guerra civil de grande escala, sob o discurso de combate ao narcotráfico. Visa, por meio de uma ‘guerra total’, fortalecer o terrorismo paramilitar de extrema-direita e destruir as plantações de coca, com o objetivo de acentuar o êxodo rural dos camponeses, de forma a desarticular as bases socioeconômicas que dão sustentação político-militar às Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARCs), tendo em vista derrotá-las. Estas iniciativas são acompanhadas da pressão norte-americana sobre os países que formam fronteiras com a Colômbia, no sentido de fechá-las e facilitar o aniquilamento das FARCs, da ‘assessoria’ militar dos EUA ao Exército Colombiano, responsável por lhe proporcionar recursos econômicos, recomposição dos centros de comando, equipamentos bélicos avançados e tecnologia para o ‘mapeamento’ dos insurgentes. Uma intervenção militar direta dos EUA e uma possível dinâmica de vietnamização da região poderá ocorrer em vista do fracasso do Plano Colômbia. Na Venezuela, os Estados Unidos implementam/coordenam um movimento cívicomilitar golpista contra o governo nacionalista e populista de Hugo Cháves. Para tanto, eles aglutinam setores das camadas sociais médias e superiores, agrupam militares golpistas, mobilizam entidades patronais e entidades pelegas dos trabalhadores e conduzem um cerco midiático dentro e fora da Venezuela. O objetivo é substituir o governo Hugo Cháves por um governo títere dos Estados Unidos. Na Venezuela, foi adotada, ainda, uma tática de criação de um quadro de anarquia política, social e militar que ‘legitimasse’ uma ação golpista e/ou, no limite, uma intervenção direta dos Estados Unidos. Por meio de recursos financeiros oriundos de Washington, da elite econômica e política venezuelana e de mafiosos e conspiradores de origem cubano-americana, foi mobilizado um grupo de quinhentos mercenários 11 paramilitares, de origem colombiana em sua maioria, integrantes das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) – força paramilitar organizada há décadas por latifundiários e empresários para combater as esquerdas revolucionárias – tendo em vista a realização de um assalto ao Comando da Guarda Nacional, com o objetivo de recolher armamento militar. A outra fase da ação consistiria na distribuição para um grupo paramilitar formado por três mil homens venezuelanos que assaltariam o palácio presidencial. A ação, frustrada pela descoberta da polícia venezuelana e pelo encarceramento de parte dos quinhentos paramilitares colombianos, evidencia a ‘recuperação’ de prática golpista e/ou contrarevolucionária largamente utilizada pelos Estados Unidos contra regimes políticos, governos e movimentos sociais latino-americanos que buscam caminhos políticos à margem da hegemonia norte-americana, a exemplo dos ‘Contras’, na Nicarágua (Costa, 2004, p. 38 e 39). Na Argentina, os Estados Unidos buscam pressionar o governo Nestor Kirchner a se submeter ao capital financeiro internacional e a adotar políticas repressivas e criminatórias dos movimentos sociais. Encontram como limite o movimento popular de massa, articulado sobre o não pagamento da dívida externa, a defesa da nacionalização dos bancos e demais setores econômicos estratégicos e a defesa da redistribuição de renda. No Brasil e no México, a política dos EUA busca conservar governos submetidos ao Consenso de Washington por meio de instrumentos político-diplomáticos e econômicos. No Brasil, a influência dos Estados Unidos é grande e indireta, operada por meio de articulações políticas e midiáticas e por meio das pressões realizadas pelo endividamento interno e externo. Todavia, encontra resistência diplomática por parte do governo Lula e do Itamaraty, sob os estreitos limites institucionais, e social, por parte de movimentos sociais, 12 a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), organizado sobre um programa político antilatifundiário e antiimperialista em termos políticos e ideológicos. No México, o controle dos EUA é maior e direto, conduzido por meio da Área de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que em certa medida constituiu uma espécie de antecipação histórica do que poderá ser a futura ALCA. A economia mexicana deixou de possuir contabilidade nacional; as exportações e importações passaram a ocorrer, majoritariamente, no âmbito das próprias empresas norte-americanas; os seus setores industriais tradicionais foram sucateados, a exemplo do siderúrgico e de autopeças; os centros dinâmicos da economia do país passaram a ser as empresas ‘maquiladoras’ estabelecidas na fronteira do México, que não passam de mecanismos acessórios da economia norte-americana e foram aprofundadas as desigualdades de poder e de renda no plano das relações de trabalho no âmbito dos próprios conglomerados econômicos (Garzon, 2003, p. 20). A relação assimétrica entre Estados Unidos e América Latina expressa a implementação de um sistema imperialista neomercantilista na região, isto tanto pelo lado da assimetria econômico-política quanto pela presença militar territorializada ameaçadora aos recalcitrantes. Do Neoliberalismo ao Neomercantilismo A economia norte-americana convive com desequilíbrios econômicos estruturais importantes. O déficit em conta corrente – que inclui as contas comercial e de capitais – ficou em torno de US$ 550 bilhões em 2003, o que representa 5% do PIB norte-americano. O déficit no orçamento do governo em 2004 – agravado pelo corte de impostos realizado 13 pelo governo Bush que recaíam sobre grandes fortunas e faturamento das corporações econômicas – ficou em torno de US$ 470 bilhões. O endividamento das famílias médias norte-americanas atingiu níveis inéditos, como demonstra a declaração de falência pessoal de 1,5 milhão de indivíduos em 2004 (Pardini, 2004, p. 38-41). O endividamento e o financiamento do déficit público norte-americano têm ocorrido por meio de deslocamentos de capitais de diversas partes do mundo para os Estados Unidos. Entre estes deslocamentos destacam-se aqueles oriundos do extremo asiático. O Japão, que possui uma economia gigantesca, atualmente estagnada, adota como estratégia de defesa do iene em relação ao dólar o deslocamento do ‘excesso’ de moeda local (iene) para fora do país. Este deslocamento ocorre por meio da compra de títulos do tesouro americano, bem como pela aquisição de ativos de empresas norte-americanas (Pardini, 2004, p. 38-41). Países como a China, a Malásia e a Coréia do Sul, que possuem economias menores, mas que têm se apresentado altamente dinâmicas, têm adotado como estratégia de desenvolvimento econômico, basicamente, a manutenção das classes operária e camponesa sob regime de superexploração econômica, a preservação de moedas desvalorizadas e atreladas ao dólar, o controle sobre os fluxos de capitais, a acumulação de reservas externas e a condução de políticas de exportação agressivas, prioritariamente voltadas para os Estados Unidos. As divisas acumuladas não podem ser plenamente incorporadas nos sistemas produtivos internos desses países, porque ainda são pequenos em termos de demanda e de instalações de bens tecnológicos de produção, e tampouco flutuar especulativamente nos seus sistemas bancário-financeiros, o que geraria dinâmicas inflacionárias e reprodução do capital sem a mediação produtiva (reprodução especulativa). Por outro lado, interessam a estes países preservar o dinamismo do gigantesco mercado 14 norte-americano, que para a sua continuidade expansiva requer um processo de contínuo refinanciamento, e recebem boa acolhida pelo governo e pela autoridade financeira norteamericana (Banco Central norte-americano). Assim, estes países têm se constituído em cofinanciadores externos da dívida e dos déficits norte-americanos (Pardini, 2004, p. 38-41). Os países de capitalismo semiperiférico do extremo asiático e o Japão converteramse em periferia financeira integrada subalternamente ao centro econômico internacional representado pelos Estados Unidos. Tendo em vista atenuar os riscos que a política de endividamento e de desequilíbrio orçamentário dos Estados Unidos e a grande massa de capitais internacionais voltados para o seu financiamento acarretam, para eles mesmos e para o mundo, os Estados Unidos têm sido compelidos a impor mais decididamente sobre as suas ‘outras periferias’. Entre estas, destaca-se a América Latina. A política econômica dos Estados Unidos para a América Latina consiste em impor aos países latino-americanos orientações político-econômicas neomercantilistas. Isso significa suprimir a autonomia monetária dos Estados nacionais latino-americanos, submeter as suas políticas econômicas ao controle das instituições econômicas multilaterais como FMI, OMC, Banco Mundial, sob hegemonia norte-americana, desmontar o que ainda resta de setores produtivos industriais articulados sobre bases nacionais em diversos países, repor a ‘vocação agropecuária’ e extrativista exportadora e/ou industrial complementar a esta vocação e ampliar os espaços das indústrias ‘maquiladoras’ dos Estados Unidos. A política econômica dos Estados Unidos para a América Latina consiste, ainda, em estabelecer uma barreira econômica à Europa por meio da ALCA, assegurada por medidas como o estabelecimento de tarifas de importações e de contratos entre consignatários. As conseqüências desta política para os países latino-americanos serão a degradação de setores das classes médias locais, de pequenos agricultores e de pequenos empresários 15 urbanos; a debilitação do emprego local nas fábricas e nos serviços públicos; a ampliação do desemprego estrutural, da exclusão e marginalidade social e da criminalidade urbana; o aprofundamento dos desequilíbrios macroeconômicos na forma do crescimento das dívidas interna e externa, da desvalorização monetária, da crise fiscal e da crise previdenciária; e a acentuação dos danos ambientais desencadeados pela pressão econômica por redução de custos dos conglomerados econômicos e do agro-negócio, mas também pela ação de segmentos excluídos urbanos e rurais. As orientações político-econômicas neomercantilistas dos Estados Unidos para a América Latina encontram-se exemplarmente expostas no setor agropecuário, sendo as atividades que o compõe especialmente importantes para a América Latina, cujas economias, ainda hoje, são marcadamente rurais. A aprovação da Lei Farm Bill, que prevê subsídios ao setor agrícola dos Estados Unidos da ordem de US$ 180 bilhões, distribuídos ao longo de dez anos, centraliza estas orientações político-econômicas. Essa lei proporcionará uma significativa redução dos preços agrícolas dentro dos Estados Unidos e uma maior presença da produção agropecuária norte-americana no mercado mundial (Barbosa, 2002, p. 30). Tal processo tenderá a provocar a redução dos espaços para as exportações latinoamericanas no mercado mundial e a queda de preços dos bens agropecuários neste mesmo mercado. Os efeitos dessa política de subsídio para o setor agropecuário dos Estados Unidos na América Latina serão amplas. Em termos econômicos, paralelamente a uma significativa desarticulação da pequena e média produção rural, ocorrerá um acentuado desequilíbrio macroeconômico nos países latino-americanos, com redução ou déficits na balança comercial e, em especial, carência de divisas para o equilíbrio da balança de 16 pagamentos, o que imporá o aprofundamento do endividamento e da dependência financeira externa destes países. No plano social, os subsídios agropecuários norte-americanos serão responsáveis, imediatamente, pela redução da oferta de emprego no campo e por uma nova onda de deslocamento de população rural rumo às cidades em diversos países latino-americanos. Em conseqüência, ocorrerão exclusão e marginalização social destas cidades, com efeitos imediatos sobre a tendência de crescimento da criminalidade e da violência social. Politicamente, ocorrerá uma maior vulnerabilidade dos países latino-americanos a pressões político-financeiras dos Estados Unidos, o que deverá reduzir, ainda mais, os espaços de independência e soberania nacionais. A instabilidade social interna dos regimes políticos e governos títeres tenderá, ainda, a obrigá-los a recorrer abertamente aos esquemas policiais e militares tutelados pelos Estados Unidos, tendo em vista a sua preservação. Conseqüências da Agenda Econômica Neoliberal A América Latina, entre os anos 1980 e 1990, transferiu quantidades vultosas de recursos por meio de pagamentos de juros sobre a dívida externa. Todavia, o montante não parou de crescer. Em 1982, a dívida externa da América Latina era de US$ 237 bilhões. Entre os anos de 1993 e 1999, a dívida externa subiu para US$ 452 bilhões, e no mesmo período foram pagos US$ 170 bilhões. No ano de 1998, a dívida chegou a US$ 698 bilhões, correspondendo a aproximadamente 45% do PIB da América Latina. Nos anos 1990, os pagamentos de juros e serviços da dívida externa foram responsáveis pela transferência de aproximadamente US$ 600 bilhões (Petras, 2000, p. 31-33). 17 Os investimentos estrangeiros diretos na América Latina, amplamente liderados por investidores norte-americanos, têm recuado em favor de investimentos em carteira – títulos e letras emitidos por governos. Esta realidade testemunha, de um lado, os desequilíbrios macroeconômicos dos Estados latino-americanos, de outro, a crescente dependência que os Estados assumem em relação aos capitais estrangeiros para o fechamento das contas dos balanços de pagamentos. Todavia, nos anos 1990, os investimentos estrangeiros diretos, que no mundo cresceram 223%, na América Latina chegaram próximo dos 600%. A participação dos investimentos estrangeiros diretos no conjunto da formação do capital bruto fixo na América Latina, que era de 4,2%, entre 1984 e 1989; de 6,5%, entre 1990 e 1993; de 8,6%, entre 1993 e 1994, superou a casa dos 11% após estes anos (Petras, 2000, p. 35-39). A participação dos investimentos estrangeiros diretos testemunharam o processo de desnacionalização das economias latino-americanas. Processo este que não se restringiu à aquisição de empresas estatais, mas que também se estendeu sobre empresas privadas. A presença dos investimentos estrangeiros diretos foi qualitativa, visto que estes se apresentaram concentrados sob a forma de propriedade das corporações econômicas de alta tecnologia. Estas, por sua vez, remeteram seus dividendos para suas matrizes. As remessas de rendimentos dos investimentos estrangeiros diretos, que eram de US$ 1,2 bilhões, em 1994, subiram para US$ 33 bilhões, em 1997 (Petras, 2000, p. 39). No Brasil, para que fossem fechadas as contas externas, em 2003, foram necessários cerca US$ 50 bilhões. Esta realidade nos remete para o irmão siamês dos investimentos extrangeiros diretos, qual seja, os compradores de títulos públicos (investimentos estrangeiros indiretos) que vêm do exterior e que permitem aos governos latino-americanos o ‘equilíbrio’ da 18 balança de pagamento. Este processo, por sua vez, reinsere o também irmão siamês da dívida externa, qual seja, a dívida interna. O processo culmina, inexoravelmente, em aspectos como o crescimento das dívidas interna e externa, a pressão sobre as taxas de juros adotadas em cada país e a dependência de acordos com o FMI para a suposta proteção do país contra ondas especulativas surgidas nos centros financeiros internacionais, em termos econômicos. Por sua vez, culmina em aspectos como a redução da soberania nacional por meio da submissão das políticas (institucionais, sociais, econômicas e culturais) dos Estados latino-americanos aos centros financeiros internacionais, em termos políticos. Os pagamentos de Royaltes e taxas de licença também assumiram grande importância nos desequilíbrios macroeconômicos. Eles foram de US$ 0,9 bilhão, entre 1985 e 1990; de US$ 1,1 bilhão, entre 1990 e 1993; de US$ 1,6 bilhão, entre 1994 e 1995; de US$ 1,6 bilhão, em 1996, e de US$ 1,7 bilhão, em 1997. Enfim, transferências líquidas sem agregar qualquer tipo de valor, cujos desdobramentos intensificam crises nas balanças de pagamento dos países latino-americanos (Petras, 2000, p. 40). O discurso neoliberal das ‘vantagens comparativas’ também representou uma armadilha para os países latino-americanos. As quedas de preços de produtos como café, petróleo e cobre ocorreram por meio de processos como a manipulação de preços de importadores e o surgimento de novos competidores internacionais. De outro lado, parte das transações comerciais ocorreram ‘intra-empresas’. Entre as transações comerciais que ocorreram fora das corporações econômicas norte-americanas, os Estados Unidos assumiram o controle sobre mais ou menos 58% delas (Petras, 2000, p. 40-43). 19 Dois Caminhos da Esquerda Latino-Americana Os anos 1990 na América Latina foram profundamente marcados por coalizões neoliberais. Carlos Menem, na Argentina, Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, e Carlos Andrés Pérez, na Venezuela, lideraram alguns dos governos latino-americanos subordinados incondicionalmente ao Consenso de Washington, em grande parte do período capitaneado pelo governo Clinton. Neste início do século XXI, ocorreram mudanças políticas profundas na América Latina. Primeiramente, mudanças na composição política entre os governos na América Latina por meio de processos eleitorais, como as vitórias de Nestor Kirchner, na Argentina, de Lula, no Brasil, de Hugo Cháves, na Venezuela, e, mais recentemente, de Tabaré Vázquez, no Uruguai. Outra mudança importante tem sido a disposição de diversos governos latino americanos – com destaques para atuação do governo Lula e do Itamaraty – na sustentação de democracias liberais latino-americanas e no estreitamento dos laços políticos e econômicos entre os países da região, por meio de iniciativas como a disposição de construir uma nova base material capaz de transformar a vontade política de integração regional numa realidade econômica concreta, começando pela montagem de uma infraestrutura (de transporte, combustível e comunicação) que integre a América Latina. Por fim, a procura pela internacionalização dos problemas do continente, sem desafiar abertamente os Estados Unidos, a exemplo da criação do G-20, nas negociações da OMC, bem como na criação de várias outras alianças e blocos transversais, envolvendo países da África e da Eurásia (Fiori, 2005, p. 24-26). Para Fiori (2005, p. 26), tais processos proporcionaram 20 [...] um passo importante na consolidação da atual política externa brasileira e, mais do que isso, na consolidação de um eixo de esquerda no comando da política externa latino-americana. Uma oportunidade sem precedente para que o continente se levante sobre as próprias pernas e se proponha coletivamente como um ator e com um tema da nova agenda internacional das Grandes Potências. Estas expectativas parecem confirmadas pela condução do processo de reestruturação da dívida Argentina conduzida, unilateralmente, pelo governo Néstor Kirchner, com franco apoio popular, expressos em pesquisas de opinião pública e em movimentações sociais, internamente, e oposição dos investidores internacionais, com tentativa de boicote e embargo de bens comerciais argentinos no mercado internacional, externamente. Essa reestruturação consistiu na troca dos títulos, conduzida entre 14 de janeiro e 25 de fevereiro de 2005, com desconto de 75% sobre o valor nominal deles (Costa, 2005, p. 18-21). A dívida, após a sua reestruturação, caiu de US$ 191 bilhões para US$ 125 bilhões. Os juros ficaram entre 2% e 5% – ao passo que no Brasil tem se mantido entre 10% e 12% – e não comprometerão mais do que 25% do orçamento da União – no Brasil, não raramente tem comprometido 40%. As condições de pagamento, por sua vez, foram alongadas (Costa, 2005, p. 18-21). O processo de reestruturação da dívida Argentina compõe um conjunto de iniciativas político-econômicas de caráter heterodoxo. Foram adotadas políticas de reajuste do salário mínimo, desde 2003, tendo em vista recompor a perda de 43,9% ocorrida a partir da desvalorização do peso, e de controle dos reajustes das tarifas de serviços públicos, sob intensa pressão de investidores internacionais, das corporações econômicas que atuam no setor e do FMI (Costa, 2003, p. 32 e 32). Tem sido desenvolvida, ainda, uma política de crescimento interno que tem se conservado em torno da casa dos 8%, desde 2003 – ao passo que no Brasil dificilmente tem chegado a 3% –, e de negociações com o FMI em 21 torno de superávit primário não superior a 3% – no Brasil, caminha para 5% (Costa, 2005, p. 18-21). A política econômica Argentina, em seu conjunto caracterizada por orientações heterodoxas e em contradição com os receituários econômicos do FMI, foi responsável pela redução das taxas de desemprego e pela melhora das balanças comercial e de pagamento, bem como preservou a estabilidade da inflação. Todavia, ainda que os efeitos positivos dessas iniciativas políticas não estejam esgotados, não poderão apresentar um desempenho muito melhor. Ir além pressupõe que os Estados latino-americanos reconstruam as suas respectivas soberanias e se coloquem como um ator coletivamente, de maneira a construir uma trajetória que passe ao largo da ordem imperial norte-americana. Em que pese as mudanças e os processos de negociações com investidores financeiros e corporações econômicas internacionais, responsáveis por contradições com o Consenso de Washington, os governos de esquerda da América Latina têm se conservado nos estreitos limites de uma oposição por dentro da ordem imperial norte-americana. A imposição da ordem imperial norte-americana na América Latina tem desencadeado mudanças políticas profundas na esquerda latino-americana. As organizações sociopolíticas, partidárias ou não, de esquerda, organizadas prioritariamente tendo em vista uma intervenção institucional, têm convivido com o deslocamento para a ‘direita’, em termos políticos, na América Latina. Esse deslocamento tem se efetivado por meio de alianças e/ou frentes políticas integradas por liberais moderados, conservadores e entidades de representação empresarial. As plataformas políticas dessas alianças, por sua vez, têm consagrado o reconhecimento dos contratos com o capital corporativo e financeiro internacional, bem como reafirmado (e efetivamente pago) os compromissos com os custos financeiros do endividamento interno e externo e dos desequilíbrios macroestruturais. 22 Uma nova esquerda surge (e/ou se faz presente) nos movimentos de piqueteiros, indígenas e camponeses. Por meio da recusa ou da secundarização da intervenção institucional, essa nova esquerda tem procurado, e efetivamente alcançado em diversos países, uma articulação sólida com movimentos sociais que se formam espontaneamente, impulsionados pelas contradições e os conflitos gerados pela nova ordem imperial. São exemplos destes encontros de acumulações políticas ‘verticais’ (organizações sociopolíticas, partidárias ou não) e de acumulações políticas ‘horizontais’ (movimentos de base formados expontaneamente) os movimentos sociais pelo não pagamento da dívida externa, na Argentina, e o movimento de camponeses e índios pela conquista da soberania nacional e pela afirmação política, social e cultural das maiorias étnicas marginalizadas, na Bolívia. Ocorre, atualmente, um processo de radicalização dos movimentos sociais na América Latina. Essa radicalização evidencia uma tendência para um enfrentamento estratégico entre as orientações político-econômicas neomercantilistas dos Estados Unidos – sustentadas em países latino-americanos por regimes e governos títeres e por segmentos empresariais rurais e urbanos integrados de forma subordinada às corporações econômicas e aos circuitos financeiros internacionais – e as grandes massas populares oriundas do mundo do trabalho, com significativos avanços organizativos e crescente radicalidade em diversos países. As grandes massas rurais camponesas (indígenas ou não) tenderão a ser decisivas nos países que ainda se caracterizam pela ruralidade, a exemplo da Bolívia e do Equador. Os movimentos sociais de massas socialmente diferenciados, mas marcadamente urbanos, tenderão a assumir a liderança política nos países em que ocorreu a conglomeração de suas populações nos grandes centros metropolitanos, a exemplo da Argentina. Em países como o Brasil e o México, nos quais a metropolização da população coabita com um mundo agrário 23 expressivo, participado por camponeses (indígenas ou não) e por pequenos proprietários fortemente integrados ao mercado, tenderão a expressar movimentos de massas ainda mais diferenciados socialmente, com sólida aliança política entre manifestações políticoorganizativas rurais e urbanas. À mediada que os fundamentos políticos e econômicos do Império Americano, oriundo da articulação entre as suas corporações econômicas e o Estado, se debilitam, o papel do Estado Imperial tende a aumentar. O enfrentamento estratégico entre as orientações político-econômicas neomercantilistas dos Estados Unidos e as grandes massas populares oriundas do mundo do trabalho, que ora se delineia, torna o Império Americano mais dependente da intervenção militar, do terrorismo de Estado e do aparato de espionagem, tendo em vista o esmagamento dos adversários e a intimidação dos recalcitrantes. O Delinear de Cenários Futuros Mais Conflituosos Atualmente, as economias latino-americanas encontram-se sob uma intensa estagnação e crise, fruto da pilhagem econômica historicamente sofrida, mas agravada a partir dos anos 1980. Entre as suas formas destacam-se a extração e o repatriamento de recursos líquidos em favor dos Estados Unidos – e, secundariamente, da Europa Ocidental e do Japão – por meio de processos como os endividamentos interno e externo e o avanço das corporações econômicas norte-americanas – entre as 500 maiores corporações econômicas que atuam na América Latina, 244 são norte-americanas; e entre as 100 maiores, 61 são norte-americanas (Petras, 2000, p. 21-25). Este quadro econômico, ao qual 24 se agrega a pulverização dos direitos trabalhistas na região, concorre para o agravamento da pobreza e da desigualdade social na América Latina. As contradições e os conflitos sociais tenderão a assumir cada vez mais relevância na América Latina. A sua canalização para um enfrentamento estratégico entre as orientações político-econômicas neomercantilistas dos Estados Unidos e as grandes massas populares oriundas do mundo do trabalho constitui-se, tão-somente, em uma tendência quando verificadas à luz de lutas conduzidas por grandes massas populares, a exemplo do levante argentino de novembro de 2002. Todavia, o crescimento vertiginoso da violência sob a forma da criminalidade, que também caminha passo a passo com os movimentos sociais, pode desencadear uma inflexão desta tendência, como se pode verificar em amplos bolsões de excluídos e marginalizados sociais de Bogotá, do Rio de Janeiro e de Buenos Aires. Referências BARBOSA, R. A. Protecionismo americano e o Brasil. Correio Brasiliense, Brasília, maio 2002. Caderno Mundo. BARBOSA, W. O capitalismo e o quadro político internacional após o 11 de setembro de 2001. Estudos – Humanidades – Relações Internacionais, Goiânia, v. 31, n. 5, maio 2004. BIHR, A. 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