CURSO PARA CAPACITAÇÃO DE COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA AULA: O CÓDIGO DE NUREMBERG E A DECLARAÇÃO DE HELSINKI Profa. Gabriela Guz CASOS PRÁTICOS SITUAÇÃO 1 Estudo de segurança e eficácia de medicação tópica para tratamento da Leishmaniose Tegumentar Americana* *Projeto simulado de pesquisa elaborado pela Professora Elma Zoboli, com finalidade exclusiva de uso didático no curso de Especialização em Bioética da FMUSP - 2002 Introdução A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) é uma doença infecciosa causada por protozoários do gênero Leishmania, que acomete pele e mucosas. Está em franca expansão geográfica no Brasil, sendo uma das infecções dermatológicas mais importantes, não só pela freqüência, mas principalmente pelas dificuldades terapêuticas, deformidades e seqüelas que pode acarretar. Ela vem ocorrendo de forma endêmico-epidêmica, apresentando diferentes padrões de transmissão, relacionados não somente à penetração homem em focos silvestres, freqüentemente em áreas de expansão de fronteiras agrícolas. Tem-se evidenciado a ocorrência de doença em áreas de colonização antiga. Nestas, tem-se discutido a possível adaptação dos vetores e parasitas a ambientes modificados e reservatórios. É importante problema de saúde pública pela sua magnitude, transcendência e pouca vulnerabilidade às medidas de controle. Na apresentação cutânea da LTA, as lesões da pele podem caracterizar a forma localizada (única ou múltipla), a forma disseminada (lesões muito numerosas em várias áreas do corpo) e a forma difusa. Na maioria das vezes, a doença apresentase como uma doença ulcerada única. Há diferentes subgêneros e espécies de Leishmanias, sendo que as mais importantes no Brasil estão distribuídas pelas florestas da Amazônia (Amazonas, Pará, Rondônia e sudoeste do Maranhão), particularmente em áreas de igapó e de florestas tipo “várzea”. Sua presença amplia-se para o Nordeste (Bahia, Ceará e 1 Piauí), Sudeste (Minas Gerais), e Centro-Oeste (Goiás e Mato Grosso). A transmissão ocorre através da picada de várias espécies de flebotomíneos (mosquito palha, cangalhinha, tatuquira etc), pertencentes a gêneros (Lutzomyia), dependendo da localização geográfica. Desta forma, a Leishmaniose Tegumentar é, fundamentalmente, uma zoonose de animais silvestres, que pode atingir o homem ao entrar em contato com os focos zoonóticos. Neste caso, o maior número de acometidos e de adultos jovens, do sexo masculino, que desempenham atividades de risco (garimpo, desmatamento, atividades extrativistas), nas regiões Norte e Centro-Oeste. O tratamento feito com droga injetável tem muitos efeitos colaterais, como artralgia, mialgia, inapetência, náuseas, vômitos, plenitude gástrica, epigastralgia, pirose, dor abdominal, prurido, febre, fraqueza, cefaléia, tontura, palpitação, insônia, nervosismo, choque pirogênico, edema, insuficiência renal aguda (IRA). É necessária a abstinência de bebidas alcoólica durante o período de tratamento, devido a alterações hepáticas. Também é recomendado o repouso físico durante o tratamento. Devido a essas dificuldades, uma agência governamental desenvolve uma medicação tópica para tratamento das lesões ulcerosas da forma cutânea da doença. Para atestar o medicamento, propõe parceria com o exército. Objetivo Avaliar a segurança e eficácia do tratamento tópico do LTA. Procedimento metodológicos Serão enviados para treinamento militar na Floresta Amazônica, por trinta dias, no período de chuvas, soldados entre 18 e 20 anos que prestam serviço militar obrigatório. Eles serão acompanhados e os que desenvolverem a doença na forma tegumentar serão tratados com o medicamento em teste. Como o tempo de incubação da doença varia de 1 a 12 meses, eles serão acompanhados por 1 ano. Critérios éticos Os sujeitos serão incluídos após assinarem termo de consentimento livre e esclarecido. Não há riscos para os sujeitos de pesquisa, pois não será necessário nenhum procedimento invasivo. 2 SITUAÇÃO 2 Desenganado, banqueiro paga cirurgia experimental FERNANDA BASSETTE da Folha de S.Paulo (18 de setembro de 2005) Aos 53 anos, portador de uma doença incurável e que lhe dá uma expectativa de vida de apenas mais três anos, um banqueiro paulista decidiu se submeter a um transplante experimental de células-tronco autólogas (retiradas dele mesmo). E também vai pagar pelo procedimento. A única cirurgia do gênero no país foi realizada em janeiro deste ano em Ribeirão Preto (314 km de São Paulo), mas não houve tempo de avaliar a eficácia do transplante porque o paciente morreu três meses depois. O hospital diz que a morte foi decorrente de outros problemas de saúde. O banqueiro --que pediu para ter o nome preservado-- sofre de esclerose lateral amiotrófica, uma doença neurológica, degenerativa, progressiva e até hoje letal em todos os casos conhecidos. A esclerose, conhecida como ELA, ataca os neurônios responsáveis pela conexão com as fibras musculares --como conseqüência, provoca atrofia contínua dos músculos. Aos poucos, o doente vai perdendo todos os movimentos e pára de respirar. Não há tratamento específico, e os pesquisadores ainda não sabem a origem da doença. A expectativa de vida a partir do diagnóstico --que pode demorar até um ano-- é de três anos e meio. O banqueiro descobriu a doença há nove meses. Desde então, segundo o neurologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Acary Souza Bulle Oliveira, ele já perdeu os movimentos da mão direita, apresenta episódios freqüentes de engasgo e está com a respiração mais curta. A mão esquerda começou a perder a motricidade e, às vezes, ele precisa de cadeira de rodas para se movimentar. O transplante para a doença ainda não é reconhecido pelo Conep (Comitê Nacional de Ética em Pesquisas), vinculado ao Ministério da Saúde. Também não existem protocolos de estudo aprovados para isso. Assim, nenhum hospital está autorizado a fazer a cirurgia. Diante da situação burocrática e da rápida evolução da doença, o paciente procurou respaldo na Justiça para conseguir autorização para que o Hospital Israelita Albert 3 Einstein, de São Paulo, realizasse o transplante. Isso porque um grupo de pesquisadores do Einstein, em parceria com a USP de Ribeirão Preto e com a Unifesp elaboram, há um ano e meio, um protocolo de pesquisa para conseguir autorização para realização desse transplante em caráter experimental. A liminar foi concedida pela Justiça Federal em 9 de setembro e é inédita nesse tipo caso. O hematologista Nelson Hamerschlak, que será o responsável pelo transplante, confirmou que o hospital foi notificado da decisão judicial na quartafeira e que o paciente foi internado na quinta-feira para iniciar o pré-operatório. "O transplante é a única esperança dele para tentar retardar o avanço da doença. Não tínhamos tempo para esperar burocracias", diz o advogado Raul Peris, autor da ação. O neurologista Oliveira acrescenta que, apesar de ainda não existir comprovação científica da eficácia do transplante de células-tronco para esse tipo de doença, o procedimento, em tese, melhora um pouco a evolução da doença. "Um dia a mais de vida para essas pessoas não é como um dia a mais para as outras pessoas. Sempre estou a favor do paciente e sei que há pontos positivos e negativos. Ele [o banqueiro] sabe de todos os riscos", afirmou Oliveira. A geneticista da USP Mayana Zatz também reforça que não há evidências de que o transplante de células-tronco seja eficiente. "A doença é grave e letal em todos os casos. Apesar disso, ainda não sabemos se o transplante é a melhor alternativa", afirma. A doença A ELA atinge os neurônios e provoca o envelhecimento precoce das células. A doença costuma atingir mais os homens com idade média de 50 anos. O primeiro sintoma da ELA é a fraqueza muscular. Isso faz com que os pacientes procurem primeiro um ortopedista e, conseqüentemente, há uma demora de até um ano no diagnóstico. "Há também tremor nos músculos [coxas e braços], reflexos exaltados, cãibras e atrofia muscular. Quando isso começa a acontecer, cerca de 60% dos neurônios estão comprometidos. As células nervosas envelhecem e os nervos morrem, deixando o paciente cada vez mais limitado." 4 SITUAÇÃO 3 Uma pesquisa clínica sobre o HIV, realizada na África do Sul e em outros países em desenvolvimento, teve como proposta determinar a eficácia da administração de várias drogas novas na prevenção contra a transmissão vertical de HIV, na esperança de desenvolver um protocolo de drogas de menor custo, porém igualmente eficiente. Na época, o tratamento à base de zidovudina (AZT), regularmente utilizado em países desenvolvidos, custava aproximadamente US$ 1.000. A pesquisa estava voltada para a utilização de drogas possíveis de serem introduzidas nos países em desenvolvimento. Os estudos comparavam a utilização das novas drogas com placebo, ou seja, metade das mulheres grávidas participantes do estudo recebia a nova droga testada e a outra metade, placebo. 5