A Convenção Europeia e o futuro económico da Europa Orador: Ernâni Rodrigues Lopes Introdução: Quando falamos em Convenção Europeia vale a pena clarificar alguns elementos descritivos gerais. E, assim, podemos falar em: o detonador, a origem, a composição, a finalidade e o método. O detonador da Convenção Europeia, é exclusivamente o conjunto de acontecimentos da Europa Central e Oriental de 1989. Isto é, seguramente até ao momento formal da adesão dos novos estados membros que hoje são países candidatos, estamos a dar a primeira versão, em termos institucionais, a acontecimentos que ocorreram ao longo de mais de uma década. Não estamos a resolver esses problemas, estamos a criar um quadro, que ainda não existe, um quadro institucional para chamar esses problemas à realidade interna da vida da União Europeia A origem da Convenção é aquilo a que na linguagem banal se chama a Declaração de Lacan e o mandato que o Conselho Europeu, na sua reunião de 14/15 de Dezembro de 2001, precisamente em Lacan, determinou. A composição. No que respeita à composição, a Convenção é uma entidade extremamente complexa porque no seu interior, em pé de igualdade, nós temos os governos, os parlamentos nacionais, o Parlamento Europeu, instituições comunitárias, (em particular a Comissão Europeia), temos observadores, temos convidados. E todo este leque de membros da Convenção introduz um factor que altera radicalmente os métodos tradicionais de negociação. Acresce, que na sua composição, a Convenção tem os Estados-membros (os Quinze) e os países 1 candidatos, não apenas aqueles que assinarão o contrato de adesão formalmente na primeira leva de dez, mas mais outros. A finalidade da Convenção não é um conceito óbvio, porque tem duas leituras. A finalidade da Convenção no sentido restrito é rigorosamente a apresentação ao Conselho Europeu, que é a fonte da origem do mandato, de uma proposta de Tratado Constitucional ou Constituição. Essa proposta não é dela, no sentido de ser ela a decidir; ela apresenta, dentro de um limite pré fixado por um mandato. E aqui, a designação «Tratado Constitucional ou Constituição» é algo de relativamente importante. O trivial da linguagem está a deixar entrar no léxico a designação genérica (e sublinho bem genérica) de Constituição. É que um tratado constitucional é um documento subscrito (negociado evidentemente) e assinado por estados (e por isso é um tratado) tratando e cobrindo matérias de carácter constitucional. Isto é, o substantivo é «tratado», «constitucional» é um adjectivo. Se nós dissermos «constituição» em termos genéricos, estamos a dizer que se não é igual é parecido, por exemplo, à Constituição da República Portuguesa. O que não é verdade. E é por isso que aqui, como em tantas outras circunstâncias, o jogo e a própria evolução no tempo das designações está muito longe de ser uma inocência. A Convenção produzirá um Tratado Constitucional a que muita gente vai chamar uma Constituição. O método é o aspecto mais sério, do ponto de vista técnico, destes elementos de carácter geral. Na Convenção há uma composição de forças entre estruturas tradicionais de formação da decisão comunitária e a busca, a vontade, a concretização da abertura à sociedade civil. E isso é bom porque permite à Convenção absorver uma série de elementos que, habitualmente, não são integrados no debate, na discussão, na negociação e na decisão dentro da União Europeia. Só que, este método está para lá de toda a tradição e toda a acumulação de conhecimento da negociação no seio da União Europeia. O que está ali em jogo não é uma negociação entre Estados, onde o representante do Estado Português, porque é do Estado, é o representante de Portugal. Outros portugueses representam outros componentes da realidade conjunta que é Portugal: E isto que se passa com Portugal passa-se com 30 países presentes. Segunda característica: ao contrário, do que é a metodologia tradicional da negociação, em que o jogo de poder ocorre num círculo fechado (o “power game” é 2 em versão fechada), na Convenção o “power game” está presente mas passa-se em espaço aberto. Ou seja é um “power game” que é desencadeado num contexto de 300/400 pessoas com todos os canais que existem em cada Estado, dos 30, todos voltados para o exterior. A Convenção não é decisória, mas procura, por uma dinâmica de grupo alargado, ganhar elementos próximos de decisórios. Isto é, procura configurar aquele “power game” em espaço aberto, de tal modo, que vá condicionando a evolução para a frente, a evolução para o futuro próximo, de modo a condicionar a CIG (Conferência Intergovernamental). E é na CIG que há o elemento decisório; até lá há propostas. Mas as assinaturas dos actos de adesão, que já estão marcadas, certamente a assinatura do Novo Tratado que sairá da CIG, as ratificações, que são actos formais correntes e, muito provavelmente, os referendos… Sobre isto queria dar uma nota: há referendos que serão obrigatórios (por exemplo na Irlanda) e há referendos que não são obrigatórios (por exemplo em Portugal). Eu pessoalmente não sou favorável de referendos sobre política externa. Estou a falar no caso português. Mas, dito isto, a minha avaliação a cru é que há uma alta probabilidade de este tema que quando estiver formalizado, pós CIG, já com a decisão formal da Conferência Intergovernamental, seja objecto de um referendo em Portugal, também. A seguir aos referendos haverá a concretização do Alargamento, que está previsto para 1 de Maio de 2004, e isto quer dizer um novo contexto e novas dimensões da União Europeia. As questões político institucionais A Convenção trata de um temário político institucional: obviamente tem que haver arranjos politico-institucionais quando a Comunidade faz o maior alargamento da sua história. Mas seguramente que o maior problema que temos pela frente, é precisamente o outro segmento, que a Convenção não trata, as questões económico-sociais de fundo. 3 O que é que está em jogo? Creio que podemos identificar três grandes blocos daquilo que está em jogo no âmbito político institucional. Primeiro que tudo está em jogo um verdadeiro facto novo, a saber: a arquitectura institucional para uma Comunidade a 25 ou mais. Segundo, há uma roupagem exterior que aponta três segmentos: a ideia de aproximar a Europa dos cidadãos, a ideia de tornar os textos inteligíveis e a ideia de simplificar os procedimentos. Esta roupagem exterior, devo dizer-vos que me surpreende porque, tenho alguma dúvida quanto ao que alguns membros da Convenção anunciam com grande pompa: de que o documento final pode ser lido e compreendido por um estudante do liceu. Terceiro, tornar os textos inteligíveis, em termos de o cidadão comum ler a documentação produzida pela Instituições Comunitárias, por hipótese em 2007/2010, eu suponho que terá o mesmo sucesso que a leitura do Diário da República. E em matéria de simplificação dos procedimentos, a questão é uma diferença de grau, não é uma diferença de natureza: provavelmente passaremos dos 2500 graus para os 1800, em matéria de simplificação dos procedimentos. É uma boa intenção, não é má, mas a minha ideia (não quero ser cínico) é que provavelmente depois de simplificado fica mais complicado. Porque é preciso entroncar a simplificação num corpo organizado ao longo de 50 anos. No terreno é menos fácil do que parece na declaração de vontade política. E depois, o que está em jogo e estes três objectivos são explicitamente postos, é a realidade política: A União Europeia como espaço de referência dos cidadãos. E hoje não constitui e não é óbvio que seja em função da Convenção que passará a constituir esse espaço de referência. Passará a constituir e eu desejo que sim, em função da progressiva elaboração da construção comunitária e, sobretudo, através das gerações mais novas. Não é com os europeus de mais de 60 anos que isso irá ocorrer. E finalmente, nessa realidade política haveremos de procurar sacar sobre a tripla dimensão da construção europeia: 4 um projecto (algo que mobilizou uma geração de europeus e passá-lo às gerações seguintes), um quadro (algo que está estruturado e organizado) e um processo capaz de historicamente se ir adaptando. E aqui sim, acho que a Convenção é um ponto de partida para uma fase qualitativamente superior de os europeus, nós todos da União Europeia, verem a construção europeia como um projecto, um quadro, um processo. As questões dominantes no plano político-institucional Os princípios gerais do equilíbrio institucional – Comissão, Conselho, Parlamento, Tribunal, Igualdade entre os Estados membros (nenhum membro na Convenção consegue pôr-se numa situação de dúvida, de questionamento deste princípio geral) a Solidariedade e a Coesão Económica, Social e Territorial e a Confiança Recíproca entre Estados Membros e Responsáveis Políticos. Devo dizer-vos que estes quatro princípios gerais são o núcleo duro da posição portuguesa. No quadro da Convenção, e muito por detrás do “power game” há duas questões que em termos de opções básicas convém estarmos, como cidadãos, particularmente atentos. É a contraposição (velha de meio século mas que se agudizou com o Alargamento, ou com a perspectiva do Alargamento) entre aquilo a que se chama o «método comunitário» e aquilo que se chama a «deriva intergovernamental». E aqui, estamos já não no plano dos princípios gerais, das grandes referências, estamos no terreno concreto da orientação da política, em termos de construção comunitária. A questão é esta: a Comunidade, desde a sua origem, tem estes elementos no seu interior. São feitas por estados, estados-membros, seis, nove, doze, quinze, vinte e cinco no futuro. Mas tem uma particularidade que é, precisamente, a inovação, a construção conceptual de um jogo do poder interno, onde a Comissão tem um papel decisivo, onde Comissão é a guardiã dos tratados, onde a Comissão é o elemento supra 5 nacional da construção comunitária, onde a Comissão tem o chamado direito de iniciativa, isto é, o Conselho não pode legislar sem ser sob proposta da Comissão e onde a Comissão (não escrito, não nos tratados) é o grande componente de organização geral, de condução da vida comunitária. Não é o decisório, mas é o grande referencial. E, por isso, o próprio termo o indicia daí o termo deriva «intergovernamental». Está explicado: é uma deriva, isto é, é uma deslocação em função da corrente, não é um princípio geral. É uma deriva, é uma derrapagem, o navio vai andando pela corrente. Intergovernamental, isto é, reforçará o protagonismo, o poder, a intervenção na vida do conjunto dos governos, que aqui quer dizer os estados. Ora este jogo - método comunitário, deriva intergovernamental - agudizou-se, naturalmente / compreensivelmente, no quadro dos trabalhos da Comissão. Ele estava lá (como disse é velho de meio século), mas ganhou uma intensidade acrescida. Julgo que este processo ainda não acabou. A posição portuguesa, como aliás a de vários outros países, é uma posição de preservação e aprofundamento do método comunitário. Por uma razão: é o interesse da construção comunitária e é a barreira a que, indirectamente, venha a re-emergir no interior da União Europeia o modelo do tipo, sublinho, do tipo directório na Europa. Esse modelo já foi usado várias vezes e nunca correu bem. Todos perderam e sem ironia e sem cinismo, sobretudo perderam os membros do Directório. Há aqui este jogo permanente, extremamente delicado, porque um erro por desatenção tem um factor exponencial de desenvolvimento. Um bloqueio, porque se atinge ou se põe no «não mexe de maneira nenhuma» é garantia de perder Problemas por resolver: O Conselho Europeu Alguns países, basicamente países com muita população no plano europeu, os países chamados grandes, a Inglaterra, a Alemanha, a França, a Espanha, a Itália, propugnam a eleição de um presidente, que seria o presidente, do Conselho Europeu por um mandato relativamente longo. As teses são equivalentes: ou 5 anos ou 2 vezes 6 2,5 anos, eleito no seio do Conselho Europeu, pelos pares. Nós somos absolutamente contra esta posição. Não é um problema do interesse de Portugal, é-o em termos de algo onde nós nos inserimos e que faz parte do nosso futuro chamado União Europeia. E a questão é esta: o elemento verdadeiramente criativo, verdadeiramente inovador e verdadeiramente garante da evolução da Comunidade ao longo destes 50 anos, é que ela constitui aquilo a que chamo o «império colegial». Tentativas de unificação da Europa com base no império, há várias. As mais banais, que vêm em qualquer manual de estudos europeus, são a Guerra dos 100 Anos, o conflito entre o rei de Inglaterra e o rei de França pelo predomínio político da Europa do SEC. XIV, o império francês napoleónico e o império alemão nazi. São os três casos de escola e todos tentaram a unificação europeia, todos falharam e todos tiveram uma estrutura imperial clássica. A União Europeia é um império, isto é, tem vários componentes da concepção em termos imperiais. Mas não é um estado federal. E é por isso que deste elemento, deste arquétipo império, que se manifesta hoje como a construção europeia, a chave de não ser um império na formulação historicamente clássica, é que é colegial. E no dia em que nós dissermos que «um estado-membro nunca será presidente da Comissão Europeia» estamos numa derrapagem incontrolável. A maioria dos países está connosco. Os estados de maior dimensão, todos estão a apoiar a tese de um presidente europeu. Eu espero bem que reconsiderem e não forcem essa solução. Não é só os pequenos países que vão perder. E nós próprios temos que ver se essa hipótese negativa, má para o futuro, ocorrer, temos que pensar muito bem o posicionamento estratégico. É um problema para depois. A Comissão Na Comissão há dois pontos ou três (vou falar de dois) que têm a ver com a eleição do presidente. É razoável discutir a estrutura da Comissão. Há propostas de redução do número de comissários e, no caso concreto do documento franco-alemão, há uma proposta verdadeiramente preocupante: a composição da Comissão ser feita pelo presidente já eleito e em função de «critérios geográficos e demográficos». Ou seja, é um quadrado desenhado no interior do qual se não tudo, quase tudo, cabe. O critério é tal, que não há critério, é suficientemente amplo que deixa de ser critério. 7 Ora bem, neste ponto, de novo a questão é crucial e decisiva. Na Comissão ou um estado-membro ou um comissário. E o argumento de que são muitos é um argumento que perdeu qualquer seriedade, do ponto de vista da discussão. Deixou de fazer sentido por dois motivos. O primeiro é que, quando se fala de questões essenciais, temos que perceber o que significa essencial. E a igualdade dos estados-membros não pode ser posta em discussão. Nenhum estado-membro pode estar na posição do critério demográfico ou do critério geográfico, mesmo que seja com composições. Segunda razão, porventura mais importante, é que se para governar um pequeno país são precisas 40 pessoas, atenção para governar um espaço que começa nas Ilhas das Flores e Corvo e vai até à fronteira da Bielo-Rússia, com as diferenças crescentes e a heterogeneidade crescente, eu acho que não é preciso ser particularmente sofisticado para admitir que 25 são poucos. Talvez fossem demais para a Comunidade a Seis. Agora para uma União Europeia que começa nas Flores e Corvo e vai até à fronteira da Bielo-Rússia? Com esta estrutura política, cultural, civilizacional e com esta complexidade? Não é difícil imaginar que um colégio de 25 não é demais. Quanto à organização do colégio, vamos ver como é o colégio. Que se organize! O que não é aceitável é pôr em causa a igualdade entre os estados-membros e portanto introduzir mecanismos de desigualdade, no limite sem a capacidade de votação. No Parlamento Europeu há um elemento importante que é a adopção, praticamente aceite, da co-decisão como regra. E isto é um salto importante na vida comunitária e está-se a estudar a evolução do Tribunal de Justiça. Última nota sobre as questões político institucionais: Ao passarmos de 15 para 25, a União Europeia traz para o interior da sua estrutura formal, do seu quadro institucional, praticamente todas as tensões geopolíticas seculares da Europa. Pouca coisa fica de fora e é fácil compreender que uma coisa é ter tensões geopolíticas face ao exterior, outra coisa é trazer para o interior da estrutura, da matriz institucional formal, precisamente essas tensões geopolíticas seculares do espaço europeu. 8 A matriz estrutural da economia europeia É a outra dimensão económico-social que a Convenção não trata. Mas temos que tratar. É aqui que está o problema fundamental, os outros são arranjos. Realidades actuais Uma Europa velha, rica, gorda e impotente. Velha, na estrutura demográfica, velhíssima, aliás. Rica, porque temos os melhores níveis de vida. Não é em termos só de fluxo, é em termos de stock. O padrão de vida europeu é muito alto, à escala mundial. Se têm dúvidas falem com os nossos colegas japoneses e falem com os nossos colegas americanos e comparem os padrões de vida nossos e dos nossos colegas. Na passada, se quiserem comparar o nosso estilo de vida com o dos chineses compreenderão o que eu quero significar. Gorda, isto é, níveis altíssimos de satisfação das necessidades e que dificilmente podem ser aumentados., e isso tem a ver com os nossos colegas que estão no marketing e com os mercados europeus. È um problema de estar gordo E quanto a termos de impotente, isto é, sem capacidade de projectar poder, eu aí acho que basta duas referências: o Kosovo e a Bósnia, e não me atrevo a citar o outro exemplo que certamente estará no vosso espírito. A incapacidade de projectar poder, a isso chama-se impotência. As condições de sustentabilidade do modelo social europeu Eu devo dizer que não as encontro. A minha atitude que estou pronto a discutir com todos é que é preciso mudar rapidamente de modo a preservar o modelo social europeu. Se cumprirmos as tabelas actuariais, nós vamos viver numa Europa multicultural e multiracial e vamos ter que aprender a gerir sociedades multiculturais e multiraciais. Nós temos questões fundamentais de competitividade na Europa face à pressão da competição global. E é um problema óbvio, quando o mesmo produto custa um terço no mercado global. A única nota positiva é que isto não é um caso só português, nós aqui fomos a níveis de excelência mas não é só português, é de toda a Europa. A competição global quer dizer isto. E nós não podemos produzir em termos 9 competitivos. Razão pela qual, vamos ter de reconverter, e de que maneira, as economias e os modelos sociais europeus. E é isso que eu chamo a «grande transição na Europa», que eu julgo que ocorrerá no primeiro quartel do SEC. XXI. A grande transição na Europa é a aproximação do modelo económico e social europeu à aproximação ao modelo americano. E isto é uma convulsão estrutural na Europa. Não posso excluir que haja turbulência económica e social, nomeadamente nos países maiores e mais ricos. E as minhas duas grandes preocupações, na Europa, chamam-se Alemanha e França. Há uma possibilidade de uma fase relativamente longa de estagnação na Europa. Não vai ajudar nada ao Alargamento. Perante isto o que conta é o que não há (talvez passe a haver). O que conta em termos europeus? A inovação, o dinamismo, a reinvenção das economias europeias. Ao dizer isto estou a usar linguagem dos Estados Unidos. É esse o problema. Os Estados Unidos, que tiveram a mesma dificuldade, perante o problema tentaram resolvê-lo. Nós todos, estes 400 milhões de europeus, perante o problema tentamos preservar o que há. O caso mais dramático e verdadeiramente aflitivo chama-se Politica Agrícola Comum, que é uma política pura de defesa do passado, que absorve quase metade da despesa do orçamento comunitário. Isto é uma coisa que não sou capaz de explicar a ninguém não usando o peso do lobby agrícola, porque usando está explicado automaticamente.. Por isso a inovação, dinamismo, reinvenção da economia e das sociedades, a aproximação ao modelo americano é certamente muito desejável, porventura indispensável. A Alargamento a Oriente e a economia portuguesa Uma palavra sobre Portugal O que se passa em Portugal, no último quartel do SEC. XX, é qualquer coisa de verdadeiramente importante. E não é um problema de história no sentido do descritivo do passado. É um problema da tremenda alteração em termos do posicionamento de Portugal no mundo que organizámos, rapidamente, em poucos anos nesse quartel. 10 Basta referir as roturas desse último quartel do SEC.XX: o choque do petróleo, o 25 de Abril, a descolonização, a crise económica mundial, a resposta estratégica por parte de Portugal que é o pedido de adesão às, então, Comunidades Europeias, os dois fundamentos políticos dominantes que são o objectivo de estabilizar alguma forma de estados democráticos no canto sudeste da Europa – Portugal e Espanha – e, sobretudo para Portugal, assegurar um contexto multilateral duradouro, pós período ou ciclo imperial, um contexto duradouro para a relação bilateral com a Espanha. Tudo isto, Portugal fez numa década. E na decisão de integração para aceder à Comunidade Europeia, queria referir dois aspectos que convém não esquecer. Primeiro, em 1970 Portugal tem pela frente três cenários, em termos de posicionamento estratégico: O cenário Pirinéus, O cenário Vilar Formoso e O cenário Gibraltar. O cenário Vilar Formoso era difícil de explicar aos alemães. O problema é este: é que nós percebemos, claramente, que vinte anos depois, ou Portugal estava dentro do centro da economia mundial, no quadro europeu, ou era um país irremediavelmente subdesenvolvido. O cenário Vilar Formoso era o «business as usual», era a inércia da história, era o Eça de Queiroz a mostrar o comboio de Paris que além das modas para as coquettes da época trazia uma coisa espantosa chamada livros. A barreira clássica dos Pirinéus. O cenário Vilar Formoso, era para nós um cenário de ruína e seria: a Espanha adere e nós não e ficamos albanizados. É claro que é cómodo falar nisto hoje. E o terceiro cenário, que era contra a história, contra os mecanismos, contra as estruturas, empurrar para Gibraltar a barreira histórica dos Pirinéus. E era isso fazer a adesão, contra a história, porque a inércia era outra. O segundo conceito e que foi plenamente materializado e hoje está mais que testado, aquilo a que nós chamávamos o binómio integração/desenvolvimento, isto é, 11 Portugal não se vai desenvolver se não tiver a pressão da adesão que força o País a mudar as estruturas. Caso contrário continuaria na mesma. As realidades com que nós nos defrontamos Primeiro, o quadro politico-institucional da União Europeia vai mudar. Alguns espíritos gostariam que nada mexesse, mas isso é uma fantasia mental. Vai mudar, temos é que procurar que mude numa boa direcção. Segundo, mecanicamente, o centro de gravidade da União Europeia desloca-se para o oriente. Este problema da deslocação do centro de gravidade não é uma palavra vã. Temos verdadeiros problemas de carácter técnico e político em matéria de questões financeiras. O problema do volume, isto é, a barreira de 1,27% do PIB nas perspectivas financeiras e, sobretudo, o problema da repartição dos volumes de transferências, nomeadamente em termos de coesão. Em boa verdade, para começar a funcionar em 2007, essa negociação já arrancou, discretamente, paulatinamente e eu julgo que nós temos uma base para nos batermos. Não podemos é estar desatentos. Nas questões económicas, no quadro politico-institucional, o centro de gravidade da União Europeia, as questões financeiras, nas questões económicas, não há muito por onde imaginar, improvisar. Tudo o que acontece neste momento e irá acontecer nesta matéria, já se sabe. Não há novidade. A saber, a agudização da concorrência, pelos custos, pelos preços, pela proximidade aos principais mercados. Nós estamos longe comparativamente, dos grandes mercados, por exemplo em relação à Hungria. Já não falo da Polónia ou da República Checa. Há transportes, claro, mas é preciso pagar. A re-afectação do investimento directo estrangeiro. O investimento directo estrangeiro no interior e do exterior para dentro do espaço estratégico europeu está já e vai intensificar com a re-afectação. Ou seja, os fluxos de investimentos directos estrangeiros são fortemente afectados pelo alargamento formalizado. A perspectiva formal, da entrada formal de membership da União Europeia, altera todos os quadros estratégicos do investimento na Europa. Há sempre aquela posição da estrutura legal formal: o tratado foi assinado e entrou em vigor. 12 E há um elemento importante de deslocalização industrial: com o Alargamento Portugal tem, sobretudo, um potencial de perda e esse potencial tem de ser compensado, temos de arranjar mecanismos de resposta a isso. É, por isso, que perante estas realidades, há exigências de resposta estratégica. Perante este novo contexto o essencial é a criação de capacidades de resposta. E é isso que temos de fazer na economia portuguesa porque a realidade já nós a conhecemos. E para essas capacidades de resposta serem construídas há, aquilo a que posso chamar, a matriz inexorável. A matriz inexorável chama-se produtividade, custos, mercados, preços, competitividade. Isto é verdade nas empresas, mas também é verdade nas economias. E a capacidade de resposta é, nas empresas e no conjunto da economia, pegarmos nestes problemas e resolvê-los. Isto não é um problema diplomático, não é um problema de política comunitária, isto é uma realidade elementar, a saber, o esforço e a capacidade dos actores internos. Este problema não se resolve na União Europeia. O único sítio do mundo onde podemos resolver este problema chama-se Portugal, com os portugueses. E por isso termino referindo um aspecto final Eu há pouco falei-vos da realidade inexorável da deslocação para o oriente do centro de gravidade da União. É um fenómeno pesado em termos de toda a geopolítica da Europa. E nós, perante isso, não vale a pena dizermos que estamos em piores condições porque estamos mais periféricos. Não é verdade. A periferia só se define em relação a um actor que aqui se chama Portugal, E Portugal é periférico, ou não, consoante queira Comunidade a doze, a quinze, a vinte e cinco, a vinte e oito. Nós somos periféricos ou não consoante queiramos, Se quisermos estar passivos, sem capacidade de resposta, estáticos, então sim, estamos mais longe. E nós próprios tornamo-nos periféricos. Por isso, a primeira questão em termos negociais é corrigir a perifericidade. Isto é uma das chaves, não da negociação em Bruxelas, não da Convenção, é da nossa participação na União Europeia e da nossa política, da nossa concepção estratégica. Para isso, duas ferramentas relevantes que estão na nossa mão. 13 As ferramentas da modernização Primeiro, aquilo a que eu chamo a composição entre um vector pesado, dominante, de modernização da economia portuguesa. E depois, aquilo a que quero chamar vectores de compensação. O vector de toda a estratégia portuguesa é a União Europeia Nós mudámos o posicionamento estratégico de Portugal em 1985 com a assinatura do Tratado. Agora o que não podemos é buscar e pôr em acção vectores de compensação, isto é, coisas parcelares que nos permitam, ao compensar o vector pesado, ganhar alguma margem de manobra em termos estratégicos. E não há muitos. Os vectores de compensação que nós podemos pôr no terreno e usar, basicamente são articular Portugal, África, Europa, Brasil. E os subsectores no Oriente, eventualmente, se não formos totalmente distraídos. Se nós conseguirmos e é isto o desafio, o nosso futuro passa por isto que estamos a discutir na Convenção, porque dá o molde político institucional. Não trata dos problemas que lá estão e que eu acho que Portugal vai responder melhor do que grandes economias poderosas do centro das União Europeia, somos muito mais resilientes, muito mais flexíveis, adaptáveis. Mas para ganharmos espaço de manobra em termos estratégicos, usarmos vectores de compensação e articular Europa/ África/Brasil. Isto é uma tarefa para trinta anos. Se fizermos isto corrigimos com ganho a perifericidade. O segundo aspecto é corrigir a reduzida dimensão Este, não tem solução. Nós somos mesmo 10 milhões, mas não quer dizer que estes 10 milhões se comportem como sendo objectivamente pequenos. Essa é que é a diferença. Dou um exemplo: a Holanda que é mais ou menos a nossa população. Corrigir a perifericidade, corrigir a reduzida dimensão, do ponto de vista operacional é a chave estratégica para o Alargamento, que potencialmente é uma origem de perdas, ser sublimado Para concluir, o nosso futuro passa por, sim ou não, sabermos fazer esta articulação entre estes dois vectores dominantes da nossa geopolítica. 14