A BANCARIZAÇÃO DA ECONOMIA RURAL (1) Por António Matabele “... as pessoas não nasceram para sofrer a miséria da fome e da pobreza. Se hoje sofrem, tal como sofreram no passado, é porque desviamos os olhos do problema.” MuhammadYunus, in “O Banqueiro dos Pobres”, fundador do Banco Grameen, Prémio Nobel em Economia em 2006 Em filosofia aprendemos que o todo resulta da união dialéctica das partes. A Nação Moçambicana – como um todo dialecticamente unido – é também resultado da união política, geográfica e territorial de todas as suas partes que formam este nosso vigoroso, rico e belo País. Moçambique ganha a sua essência como País, começando das Localidades, Distritos, Províncias até chegar – como o Povo sabiamente bem o diz – à Nação. Se aceitamos esta verdade, não faz muito senso que apenas a “Nação” – neste caso o Povo quer, carinhosamente, referir-se a Maputo, Cidade Capital da República de Moçambique – e as capitais provinciais tenham bancos. Urge disseminarmos de forma ordeira e inovadora os bancos para todas as localidades do país porque é lá aonde o povo faz, também e principalmente, funcionar a nossa economia ainda muito vocacionada a ser agrária e pecuária em que o sector familiar é quantitativamente maioritário e queremos que ele evolua sob os pontos de vista social, económico e financeiro e que seja a alavanca da erradicação da pobreza em Moçambique. Mas ao pugnarmos por esta necessidade inevitável de a banca ter que estar espalhada pelo País, não devemos perder a perspectiva de que ela nunca será uma panaceia para todos os males rurais. Ela faz parte de um elo também importante no conjunto de soluções sociais e económicas que o nosso génio criador encontrará para o meio rural. Nos pontos subsequentes deste texto apresentamos a nossa visão no BMI – Banco Mercantil e de Investimentos, S.A.R.L. – acerca da problemática da Bancarização da Economia. 2. Enquadramento institucional da actividade bancária O exercício do negócio bancário em Moçambique tem consagração constitucional no seu Artigo nº. 126. Esta determinação constitucional é implementada através da Lei das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras – 15/99, de 01 de Novembro de 1999, actualizada pela Lei nº. 09/2004, de 21 de Julho de 2004. Por sua vez, o Decreto nº. 57/2004, de 10 de Dezembro de 2004 aprova o Regulamento das Microfinanças. As Microfinanças são, no nosso enquadramento jurídico legal, uma actividade para-bancária complementar à exercida pelos bancos convencionais. Por outro lado, a actividade bancária é seguida no seu dia a dia pelo Banco de Moçambique, que, no uso das suas prerrogativas de Banco Central, faz a supervisão e o acompanhamento da actividade dos bancos comerciais através da emissão de Normativos contendo regras de cumprimento obrigatório. Complementarmente, encontramos directivas sobre o exercício da actividade bancária em Moçambique nos documentos oficiosos desde o III Congresso do Partido Frelimo – Directivas Económicas e Sociais; nos Planos Quinquenais do Governo e nos Planos Económicos e Sociais Anuais do Governo ambos aprovados pela Assembleia da República, respectivamente, no começo do Quinquénio da Governação e anualmente; na Agenda 2025; nos documentos elaborados pelo Banco de Moçambique durante os seus Conselhos Consultivos Anuais; nos discursos do Chefe do Estado e outras entidades do nosso Estado e Governo, etc. WAMPHULA FAX – 10.06.2008 A BANCARIZAÇÃO DA ECONOMIA RURAL (2) Por António Matabele 3. Bancarização da economia Levar a banca, com inovação e criatividade revolucionária progressista, ao meio rural. Não vamos efectuar a transferência meramente mecânica nem apenas física dos bancos materiais – paredes, equipamentos, semoventes e pessoas – para o meio rural. Se assim o fizermos vamos falhar, vamos experimentar prejuízos de índole política, humana e financeira. E esta má experiência terá efeitos contrários aos pretendidos e as suas consequências poderão ser irreversíveis. O que vamos propor ao camponês, ao agente económico, às pessoas do meio rural, é, acima de tudo, uma nova mentalidade de fazermos, com o seu envolvimento e entusiasmo, uma banca com todos eles no seu “habitat natural”. Não vamos inventar – vamos, sim, inovar! Não vamos imitar no campo o que fazemos na cidade – vamos sim fazer, mudando o que houver a mudar, o banco rural! Levaremos para o meio rural a marca do nosso banco, a qualidade dos nossos serviços, mas temos que estudar, cuidadosamente, como adequar os nossos procedimentos às, talvez, precárias condições de elegibilidade capazes de serem apresentadas pelos nossos potenciais parceiros de negócios do campo. Será que tudo quanto ora temos que exigir na cidade para a abertura de uma conta é viável pedir no campo? Será que a charrua é garantia bastante para que o peticionário de crédito no campo veja esta sua pretensão satisfeita? Ou será que vamos fazer, perigosamente, “tábua rasa” a todos estes elementos de gestão do risco e apenas confiar na probidade do camponês que, no dizer de Muhammad Yunus, o pobre “tem medo de ficar com dívidas por pagar”. Claro que a resposta é negativa, porque não iremos para o campo como meros aventureiros. Estaremos no campo para servir às comunidades, educando-as cívica, comercial e economicamente para que haja bons ganhos recíprocos para todas as partes envolvidas neste processo da bancarização da economia: o nosso País, os nossos parceiros de negócios do meio rural e o nosso banco. Levaremos para o meio rural os aspectos técnicos essenciais universalmente caracterizantes da actividade bancária, mas uma vez lá no meio rural, teremos que ser geniais na sua implementação sob pena de impormos algo imediatamente rejeitado pelas populações aborígenes, pelos camponeses e por outros agentes económicos locais. Sem violentar os bons usos e os bons costumes e muito menos os bons hábitos ancestralmente considerados como os mais positivos pelos donos do meio rural (desde que não violem a Constituição), temos que ganhar a colaboração destes no sentido de todos assumirmos como iniciarmos a nossa actividade no campo sem desconfianças e ganharmos, em boa contrapartida, a aderência consciente das populações e agentes locais fazedores da riqueza. Trabalharemos, necessariamente com as autoridades formais e as tradicionais a quem, explicaremos cuidadosamente qual a nossa missão no terreno e de quem esperaremos receber os indispensáveis conselhos para o êxito da nossa presença no meio rural. Para além dos indispensáveis recursos financeiros para a instalação física dos nossos balcões nas zonas rurais, há um trabalho prévio muito sério que teremos que realizar com sucesso, que é a formação dos trabalhadores localmente recrutados e que porão em funcionamento os nossos bancos nas zonas rurais. Advogamos que esta formação deverá ser permanente. Priorizaremos o recrutamento da força de trabalho local a quem daremos formação inicial na sede e depois no próprio balcão de forma permanente. Inclusivamente a própria segurança física das instalações e demais património do banco ficarão sob responsabilidade da comunidade rural embora supervisada por forças especializadas nesta matéria. A bancarização da economia rural é um processo de implementação a médio e longo prazos que vai exigir muita paciência de todos nós e que não poderemos assumi-lo como sendo uma campanha passageira, pontual e esporádica. A bancarização da economia rural é uma tarefa nacional de largo espectro temporal e de implementação permanente. Tal como aprendemos de Eduardo Mondlane e com a Frente de Libertação de Moçambique, no começo da Luta Armada de Libertação Nacional, para que, a bancarização da economia rural seja bem sucedida, pressupõe-se que os fazedores das macro-políticas nacionais tracem com o Governo e com o Banco de Moçambique e os bancos comerciais planos e objectivos de natureza estratégica a médio e longo prazos, que não sejam contraditórios com os reais interesses das populações indígenas das zonas rurais suas beneficiárias e que também não colidam com os da Nação como um todo uno e indivisível. A bancarização da economia rural faz parte da integração doméstica do país e constitui um dos pressupostos para, também, lograrmos alcançar mais vantagens competitivas na nossa integração regional ao nível da SADC, por exemplo. É que não é muito racional tentarmos sair vitoriosos na nossa integração extra-muros quando intra-muros o País ainda tem bolsas não integradas, como é o caso do meio rural em relação à bancarização. Podemos resumir a bancarização da economia como sendo a maior disseminação possível da presença física dos bancos por todo o país em geral e de modo particular pelas zonas rurais. E esta disseminação não deverá limitar-se apenas à presença física dos bancos, porquanto modernamente e mercê das novas tecnologias de informação, o mais importante é o provimento dos serviços bancários por largas áreas do território nacional, abrangendo o maior universo possível da população. Assim sendo, a bancarização é também complementada através da presença indirecta dos bancos e microbancos por meio de dispositivos online tais como: A internet banking A mobile telephone banking As POS As ATM E de outras formas como são os casos da utilização dos: Serviços de outras empresas tais como Correios Correspondentes nas zonas rurais (cooperativas, associações, cantineiros, por exemplo). WAMPHULA FAX – 13.06.2008 A BANCARIZAÇÃO DA ECONOMIA RURAL (3) Por António Matabele Para que neste processo de bancarização da economia todos falemos a mesma linguagem simplificada, importa explicar alguns conceitos básicos inerentes à actividade bancária: Banco – É uma loja que faz o comércio do dinheiro. O banco adquire liquidez junto dos seus clientes (depositantes) que se tornam seus credores. Depois o banco utiliza uma parte deste mesmo dinheiro que lhe foi emprestado pelos clientes para conceder créditos a outros clientes (ou eventualmente, aos mesmos, mas num contexto diferente), os quais, por sua vez, se tornam seus devedores. Um banco é, portanto, e de uma forma simplificada, um estabelecimento de crédito para transacções de fundos públicos e particulares. É um edifício aonde se realizam tais transacções. É uma loja na qual é transaccionado o dinheiro captado sob a forma de poupanças das populações. Função de um Banco - é, por excelência e fundamentalmente, negociar uma mercadoria chamada dinheiro. O dinheiro com que o banco trabalha é proveniente, principalmente, do rendimento não consumido das pessoas em geral – singulares e colectivas. A esta parte não consumida do rendimento das pessoas chama-se Poupança. Então, a função económica primordial de um banco é, captar as poupanças das pessoas e rendibilizá-las através do crédito. O mérito da actividade bancária é fazer com que poupanças ociosas existentes na economia como um todo se tornem rendibilizadas para benefício dos seus donos e para a colectividade em geral. Os bancos criam condições para que o entesouramento primário fora do sistema bancário (por exemplo deixar o dinheiro em baús caseiros ou enterrado no quintal da casa) entre para o sistema financeiro formal da economia Poupança – é a parte não consumida dos nossos rendimentos e que a guardamos para prevenirmos (motivo precaução) o nosso futuro, ou para investirmos (motivo investimento), ou para especularmos (motivo especulação) À actividade de captação de poupança está sempre subjacente a figura jurídico-económica do crédito, porquanto o banco pede emprestadas as poupanças das pessoas (depósitos) para emprestá-las a outras pessoas (mútuo ou crédito). A concessão de crédito consiste na cedência aos outros agentes económicos dos fundos que estes necessitam para desenvolverem a sua actividade. O banco, através da concessão do crédito, exerce uma função dinamizadora da actividade económica, porquanto: Facilita as transacções comerciais; Acelera o investimento; Agiliza o crescimento económico; Permite, por consequência do que acima dissemos, o desenvolvimento económico da colectividade aonde o mesmo estiver inserido. Zona – Espaço de terreno ou região geográfica caracterizada por circunstâncias particulares. Rural – É um adjectivo de 2 géneros de origem latina que quer designar algo referente ao campo, ao meio bucólico, ou seja aquele que ainda se apresenta em estágio de desenvolvimento natural com poucas influências da acção transformadora causada pelo Homem. Por zona rural deverá entender-se, em Moçambique e no contexto da sua bancarização, todas aquelas extensões territoriais fora dos grandes centros urbanos que não estejam abrangidas pelas determinações das Resoluções 7/87 e 9/87 que criam, respectivamente, as 23 cidades e 68 vilas moçambicanas e que não tenham uma dinâmica económica própria. 7. Instituições de crédito e sociedades financeiras existentes Instituições Quantidades Bancos Comerciais 09 Bancos de Investimentos 01 Bancos de Microfinanças 03 Cooperativas de Créditos 05 Sociedades de Locação Financeira03 Sociedades de Adm. de Compras em Grupo 01 Sociedades de Investimento 01 Sociedades de Gestão de Capitais de Riscos 01 Escrit. de Rep. de Inst. de Crédito c/ sede Estr. 01 Casas de Câmbio 20 Ent. Habilit. ao Exerc. Funções de Crédito 20. WAMPHULA FAX – 20.06.2008 A BANCARIZAÇÃO DA ECONOMIA RURAL (4) Por António Matabele (*) 8.Considerações finais e sugestões O BMI acredita no desenvolvimento homogéneo do Homem e da sociedade moçambicanas, de tal modo que deixemos de dizer que em Moçambique há “zonas recônditas”. Estamos cientes que as cidades estão saturadas de bancos e que o dinheiro, com sustentabilidade, vem do meio rural aonde está, em potência, o pilar essencial do nosso crescimento e desenvolvimento económico e social. Estamos certos que a abertura de balcões fora dos centros urbanos contribuirá, sobremaneira, para melhoria dos seus resultados financeiros, bem como aumentará a sua prestação social para com as populações do meio rural. O BMI, segundo a sua visão e missão, está, também, convencido que a sua ida para o meio rural darlhe-á igualmente a oportunidade de participar na educação cívica das populações relativamente à desmistificação do papel da banca no seu desenvolvimento social e económico. O BMI priorizará o recrutamento e a formação da mão de obra local, dando assim um contributo válido para que a juventude escolarizada tenha incentivos em continuar a viver na sua própria localidade porque terá oportunidade de se empregar sem ter necessidade de emigrar para os centros urbanos. Com esta medida, está o BMI convencido que as populações assumirão que o banco é algo seu e que merece a pena promover a sua consolidação e crescimento, defendendo-o até de possíveis investidas protagonizadas por bandidos e ladrões. Continuaremos a envidar esforços para a conclusão da remoção dos constrangimentos que têm impedido a abertura de balcões nas zonas rurais, esperando que ainda no decurso do ano de 2008 possa inaugurar em pelo menos 3 localidades. O BMI continua a estudar o pacote de incentivos disponibilizados pelo BM para estímulo da bancarização da economia rural. O BMI acredita que a sua actividade creditícia será bem sucedida porque o “pobre tem medo e vergonha de dívidas” pelo que os seus mutuários das zonas rurais sacrificar-se-ão para honrar pontualmente os seus compromissos. O BMI acredita que é urgente que a legislação atinente às garantias do crédito e ao respectivo seguro dos bens dados em sua garantia seja objecto de revisão ou adequação à realidade social e económica do meio rural. O BMI sustenta a filosofia que a sua marca irá intacta para o meio rural, mas que uma vez lá terá que adequar criativamente os seus procedimentos ao meio rural, sob pena de colher resultados contrários. Deste modo, o BMI na sua actuação no meio rural vai: Rever a montante e a jusante os seus procedimentos bancários de modo a torná-los mais consentâneos com a realidade do meio rural aonde actuará Repensar os critérios de elegibilidade de acesso aos créditos Repensar as garantias reais exigidas – garantias novas, realistas e não apenas as clássicas Repensar o conceito de seguro para as garantias reais dadas pelos camponeses Pensar numa nova filosofia da actividade seguradora adequada ao funcionamento de um banco no meio rural O BMI fará a educação cívica bancária às populações do meio rural e envolvê-las-á, sempre que possível, no processo de formulação dos Manuais de Formação. Com esta postura e outras o BMI quer se sentir corpo natural no meio rural. O BMI estudará – como elemento importante a tomar em linha de conta na sua inserção no meio rural a bem sucedida Campanha Nacional de Captação de Poupança levada a cabo pelo BPD no primeiro quartel da década de oitenta e que, infelizmente, a guerra inviabilizou. O BMI sustenta que a bancarização da economia deve ser feita na esteira dialéctica da re-implantação e da reposição do tecido social e económico normal do meio rural, nomeadamente: Educação Saúde Segurança Comércio Comercialização Telecomunicações Transportes Materiais de construção O BMI, tal como o banqueiro dos pobres, Muhammad Yunus, fundador do Banco Grameen, tem uma inquebrantável e inabalável fé no Homem do meio rural e na sua criatividade.(Fim) WAMPHULA FAX – 24.06.2008