Wolf, Martin. “Apanhando o euro na queda”. São Paulo: Folha de São Paulo, 28 de setembro de 2000. Apanhando o euro na queda MARTIN WOLF DO "FINANCIAL TIMES" A intervenção do G-7 na semana passada pode não reverter a queda do euro, mas talvez isso não seja um desastre. Na última sexta-feira, houve a primeira intervenção coordenada dos bancos centrais do Grupo dos Sete países mais ricos desde 1995. Nesse ano, o objetivo foi socorrer o dólar. A questão é se agora o G-7 terá o mesmo sucesso. Na semana passada, o diretor de pesquisas do FMI, Michael Mussa, admitiu que são raras as circunstâncias em que uma intervenção tem probabilidade de êxito. Mas "elas surgem de vez em quando e é preciso se perguntar: quando, senão agora?" Os diretores de BCs e ministros da Economia do G-7 concordaram. No comunicado da reunião, sábado, eles justificaram a decisão indicando a "preocupação mútua sobre as potenciais implicações dos recentes movimentos do euro para a economia mundial". Quatro elementos Por trás do consenso de que foi uma ação apropriada existem quatro elementos. Primeiro, o euro está muito fraco. A taxa de câmbio nominal do Banco da Inglaterra para o euro sintético (formado retrospectivamente, com o peso de cada moeda que o compõe) é quase tão baixa quanto em maio de 1985, quando o dólar atingiu seu pico com Ronald Reagan. Segundo o JP Morgan, as taxas de câmbio reais efetivas alemã e francesa estão ainda mais baixas que naquela época. Segundo, o euro continuou caindo sem parar. Na véspera da intervenção, ele foi abaixo de US$ 0,85, uma perda de US$ 0,05 no mês. Desde sua criação, o euro havia perdido 28% de seu valor em relação ao dólar. Terceiro, a fraqueza do euro está exacerbando o impacto inflacionário do aumento dos preços do petróleo na zona euro. O preço do petróleo cru em dólar está um pouco mais de três vezes maior que seu mínimo. E mais de quatro vezes maior em euros. Finalmente, o euro fraco está pressionando as balanças externas e os setores internacionalmente abertos de parcerias comerciais. Não é difícil entender por que as autoridades queriam fazer alguma coisa. Mas isso não significa que elas vão conseguir muito. Não é uma questão de capacidade. Os BCs, agindo juntos, podem garantir a estabilidade monetária. Mas eles teriam de dirigir suas políticas monetárias para as taxas de câmbio, não para a estabilidade dos preços. Nenhum dos maiores bancos centrais aceitaria isso (ou tem permissão para fazê-lo). Ao contrário, a questão é até onde intervenções sem impacto na política monetária (em outras palavras, "estéreis") poderiam estabilizar a taxa de câmbio do euro. Condições para o sucesso O motivo para acreditar que elas seriam capazes é que hoje existem duas das condições aceitas para o sucesso: o consenso de que uma moeda está fortemente desalinhada; e a cooperação dos BCs. A cooperação aconteceu. Mas o euro está fortemente desalinhado? Em seu último Relatório Econômico Mundial, o FMI enumera vários motivos racionais para sua fraqueza: crescimento mais rápido da economia americana; taxas de juros a curto prazo maiores nos EUA; enormes empréstimos estrangeiros nos mercados em expansão de eurobônus; a percepção de fraqueza na definição de políticas na zona euro; e, mais importante, a percepção de que o desempenho, as perspectivas e a possível rentabilidade empresarial da economia americana excedem os da esclerosada zona euro. Mas Mussa afirma que só assim se pode explicar a queda do euro de US$ 1,18 para, digamos, US$ 1. Entender por que caiu abaixo de US$ 0,85 é muito mais difícil. Mesmo que a intervenção cumpra os requisitos explicados acima, é falha em dois outros. O primeiro é que a política monetária deve dar apoio. Isso implicaria política monetária mais branda nos EUA, Japão, Reino Unido e Canadá, e uma política mais firme na zona euro. Esta última é provável. Mas nenhum dos outros BCs parece inclinado a afrouxar no futuro próximo. A segunda exigência é que o desalinhamento tenha sido causado pela especulação. Mas o que parece estar conduzindo a moeda não é a especulação. A zona euro tem uma conta corrente de enfraquecimento constante. Ela também tem fluxos persistentes de saída de capital de longo prazo. O chamado "balanço básico" -a soma da conta corrente e dos fluxos de saída de capital de longo prazo- é fortemente negativo desde 1998. Em 99, esse balanço era de menos 145 bilhões de euros. De janeiro a julho deste ano, foi de menos 65 bilhões de euros. Mas essa melhora modesta foi em grande parte explicada pela entrada excepcional de 146 bilhões de euros em investimentos estrangeiros em fevereiro, devido à aquisição da Mannesmann pela Vodafone. Enquanto o balanço básico continuar negativo, será muito difícil uma intervenção módica de esterilização reverter a queda do euro. A alternativa é as autoridades financiarem a maior parte da saída de capital. Acontece que o Sistema Europeu de Bancos Centrais está numa posição excelente para isso. Em junho, ele possuía reservas totais de ouro e moeda estrangeira de 386 bilhões de euros, dos quais 238 bilhões de euros eram em moeda estrangeira. As autoridades da zona euro afirmam que a moeda está subvalorizada. Nesse caso, que declarem sua intenção de vender grande parte dessas reservas supervalorizadas, principalmente dólares. Se não ousarem fazer isso, a intervenção provavelmente não conseguirá reverter a queda do euro. Para o BCE, talvez não tenha importância. Ele já atingiu o objetivo de convencer os mercados de que a intervenção é possível. Colapso do dólar Isso também não vai preocupar muito os EUA. Eles têm um pesadelo muito mais sério que o euro fraco -o de um colapso do dólar. Foi revelador o fato de o secretário do Tesouro americano, Lawrence Summers, ter insistido na última sexta-feira que a política americana continua sendo o dólar forte. Um país com déficit contábil de mais de 4% do PIB e uma economia que opera em alto nível de capacidade não deseja uma inversão do fluxo de capitais nem o enfraquecimento da moeda. Hoje existem algumas, mas não todas as condições para a reversão da queda do euro. Desde que continue a saída do capital de longo prazo, será difícil pequenas intervenções esterilizadoras porem fim à fraqueza do euro. Mas isso não precisa preocupar muito, desde que o recuo não se torne rotina. No futuro próximo, uma grande queda do dólar seria muito mais prejudicial que o euro fraco. A zona euro pode descansar e desfrutar mais um pouco a fraqueza da moeda. --------------------------------