EXCENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO CARLOS - SP. TEREZINHA MARIA DE AZEVEDO SILVA, brasileira, RG nº. 10.487.528, CPF nº. 033.098.088-23, residente na Rua Aurora Godoy Carreira, nº. 497, São Carlos VIII, quadra 15, nesta cidade e Comarca de São Carlos, Estado de São Paulo, assistida pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO, dispensada de apresentar instrumento de mandato, nos termos da lei, vem propor a presente AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA em face do MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS, pessoa jurídica de direito público interno, com sede no Palácio Conde do Pinhal, situado na Rua Conde do Pinhal, nº 2.017, Centro, São Carlos/SP, representado juridicamente pelo Prefeito Municipal, e em face de seu filho ODAIR DE AZEVEDO SILVA, brasileiro, RG nº. 28.936.720-7, CPF nº. 290.330.618-48, residente na Rua Sizenando Toledo Porto, nº. 452, Jardim das Torres, São Carlos, SP, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos: DOS FATOS O requerido Odair de Azevedo Silva é filho da autora e conta atualmente com trinta e um anos de idade (nascido em 22 de março de 1977). Odair de Azevedo Silva é toxicômano, possuindo dependência em grau avançado de álcool e drogas. Por ser usuário de drogas há vários anos (desde a adolescência), e em razão disso ser pessoa que apresenta comportamentos agressivos, Odair já fora internado compulsoriamente várias vezes. O estado de saúde do requerido Odair é grave, a ponto de sua vida estar constantemente em risco, em virtude das mazelas que seu vício acarreta. As pessoas que estão ao redor do requerido, principalmente a sua mãe, também sofrem risco de vida, diante das constantes ameaças de morte por parte dele, o que comprova ainda mais a necessidade do deferimento do pedido de internação, para que, em estabelecimento adequado, possa o filho da autora receber os tratamentos necessários. Ressalte-se que o requerido Odair demonstra ser pessoa completamente transtornada em razão de sua toxicomania, já tendo agredido fisicamente sua genitora, que teve que mudar para a casa da filha, para ficar longe da agressividade do filho. Pelos documentos em anexo percebe-se que o requerido apresenta alto grau de dependência química, sendo ele pessoa agressiva e sem o discernimento necessário para entender a necessidade de um tratamento médico para sua melhora. Como a requerente não possui condições para custear tratamento adequado em clínica de resuperação de viciados em drogas, procurou a Defensoria Pública para que fosse providenciada a internação compulsória do filho. Dessa forma, foi providenciada ação de internação compusória que teve trâmite perante a 2ª. Vara Cível desta Comarca, feito nº 316/2008, cuja cópia integral dos autos segue em anexo. O referido processo foi extinto, visto que as internações compulsórias se mostraram inúteis, considerando as reiteradas fugas do requerido do estabelecimento no qual fora internado (Hospital Psiquiátrico Cairbar Schutel), que se mostrou flagrantemente despreparado para o recebimento e tratamento de Odair. É de conhecimento de Magistrados, Defensores Públicos e membros do Ministério Público da Comarca de São Carlos que as internações compulsórias determinadas no Município são cumpridas pela Secretaria Municipal de Saúde com envio dos pacientes ao Hospital Psiquiátrico Espírita Cairbar Schutel, na vizinha cidade de Araraquara – SP. Para tal estabelecimento são encaminhados tanto os pacientes internados em razão de enfermidades psiquátricas (acometidos de transtornos bipolares em geral, como esquizofrenia, depressão, etc.) quanto dependentes químicos que necessitam de tratamento para desintoxicação química. Ocorre que o Hospital Cairbar Schutel é destinado ao tratamento de doentes mentais, e não de dependentes químicos, de forma que não o estabelecimento não tem condições de ofertar um tratamento adequado aos toxicômanos. Na realidade, os dependentes químicos são para lá encaminhados em virtude de ser tal hospital o único da região conveniado com o SUS. A situação se agrava ainda mais considerando que de regra o SUS custeia apenas 15 dias de internação no Hospital Cairbar Schutel. Assim, o tratamento que vem sendo propiciado aos dependentes químicos pelo Município de São Carlos é ineficaz, não só em razão da exigüidade do tempo de tratamento ofertado, mas também porque o é em entidade que não dispõe de infraestrutura para a desintoxicação, nem de segurança adequada que impeça a fuga dos internos. Na busca de entidades que pudessem propiciar tratamento adequado a dependentes químicos a Defensoria Pública expediu diversos ofícios às clínicas e comunidades terapêuticas da região, e mesmo ao Hospital Cairbar Schutel, sendo que alguns foram respondidos. Das respostas obtidas verifica-se que o prazo mínimo de duração do tratamento, tempo este indicado por entidades especializadas no tratamento de dependentes químicos, é de 4 meses, podendo chegar a 12 meses, ou seja, tempo em muito superior ao atualmente oferecido pelo Município (apenas 15 dias). Dentre as cinco entidades que responderam aos ofícios da Defensoria Pública, duas delas, quais sejam, a DAREVI – Descalvado Ajudando na Recuperação da Vida, e Comunidade Terapêutica “Luz à Vida”, informaram que não realizam a internação compulsória. Duas outras entidades, “Saber Amar Comunidade Terapêutica” e “Clínica Via Saúde”, realizam o tratamento de desintoxicação, mesmo contra a vontade do interno, e dispõem de aparato e pessoal para impedir a fuga. Portanto, em São Carlos a entidade “Saber Amar Comunidade Terapêutica” oferece tratamento adequado às necessidades do requerido Odair. Conforme informado pela “Saber Amar” à Defensoria Pública, o tratamento ali tem custo diário de R$ 60,00, e pode estender-se de 6 a 12 meses. Da mesma forma, também é adequado o tratamento ofertado pela Clínica Via Saúde, localizada na vizinha cidade de Descalvado, que tem custo total de cerca R$ 7.800,00, e se estende de 6 a 9 meses, sendo que em caso de eventual convênio o preço poderá ser negociado em R$800,00 mensais. A “Comunidade Terapêutica Saber Amar” e a “Clínica Via Saúde” foram pessoalmente visitadas por membros da Defensoria Pública. Na ocasião alguns Defensores Públicos, dentre eles o que subscreve esta petição, tiveram contato com as instalações físicas das entidades, com os profissionais que ali trabalham e com dependentes químicos em diversos estágios de recuperação. Pode-se constatar que ambas dispõem de infra-estrutura para abrigamento involuntário de dependentes químicos, inclusive para dificultação de fugas, e de vasta experiência no tratamento e recuperação de toxicômanos, e possibilitam, além da desintoxicação, a conscientização e reinserção social dos drogaditos, razões pelas quais são as mais indicadas, na região, para o internamento do requerido Odair. Sendo que a internação em entidade de desintoxicação constitui medida de alto custo, e não tendo a família do requerido Odair condições financeiras de arcar com o pagamento, deve o Município de São Carlos custear o tratamento, ou disponibilizar tratamento equivalente e igualmente eficaz, em clínica pública especializada. A interdição do requerido Odair já está sendo providenciada em ação própria, a qual tem trâmite perante a 2ª. Vara Cível desta Comarca, feito n. 2033/2008, com cópias dos autos em anexo. No processo de interdição supra mencionado foi deferida a curatela provisória em favor da autora, bem como foi deferida a internação compulsória do requerido Odair, que atualmente encontra-se internado Hospital Cairbar Schutel. Importante ressaltar que a internação compulsória realizada no processo de interdição foi deferida em caráter provisório e emergencial, tendo em vista que o Juízo da 2ª Vara Cível local já reconheceu que o estabelecimento no qual o paciente se encontra não possui aptidão para acolhê-lo. Conforme constou na decisão de fls. 128 dos autos do processo de interdição, “o grau de toxicodependência do requerido é elevado e o Hospital Cairbar Shutel já demonstrou não estar à altura das necessidades do requerido”. A mesma decisão indeferiu pedido de internação compulsória formulada na inicial da ação de interdição, “na medida em que se mostrou inútil nas 5 anteriores vezes concedidas e materializadas por ordem judicial”. De fato, o requerido Odair já foi várias vezes submetido a internações compulsórias no Hospital Cairbar Schutel, sem nenhum resultado útil. Toda a documentação inclusa demonstra esse fato, principalmente o conteúdo dos autos 316/08 – 2ª Vara Cível (cópia em anexo). Assim, a intervenção do Judiciário é imprescindível para que se determine ao Poder Público Municípial que custeie a internação e o tratamento do requerido Odair em estabelecimento de custódia e recuperação de viciados em drogas. DA NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA Conforme esclarecido, o requerido Odair é dependente químico em estágio avançado, e já tem sua capacidade de discernimento comprometida. Ele não aceita submeter-se a de forma espontânea a tratamento para desintoxicação, e, sem consciência de que coloca sua vida em risco permanente, prefere dedicar-se ao uso das drogas. Por não ter a autora condição financeira de arcar com os custos do tratamento de desintoxicação, tanto que é assistida pela Defensoria pública, o Município de São Carlos é parte legítima para figurar no pólo passivo da presente ação, vez que a ele cabem as providências necessárias para disponibilização de tal tratamento. Desse modo, tanto é possível a internação compulsória involuntária do requerido Odair como incumbe ao Município figurar no pólo passivo da ação para que seja reconhecida sua responsabilidade e dever de providenciar ao paciente o tratamento que necessita. seguintes julgados: Consagrando as idéias até aqui expostas, citamos os INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA PARA TRATAMENTO CONTRA DROGADIÇÃO REQUERIDA PELA COMPANHEIRA DO DEPENDENTE. MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. AGRAVO. 1. Em casos como o dos autos, em que o dependente químico encontra-se em surto psicótico, é responsabilidade do Município assegurar-lhe o direito à vida e à saúde, providenciando a internação compulsória em Hospital Psiquiátrico para tratamento contra drogadição. 2. Manifesta improcedência do recurso que autoriza julgamento monocrático. Art. 557 do CPC. NEGADO PROVIMENTO EM JULGAMENTO MONOCRÁTICO. (Agravo de Instrumento nº 70020624540, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RX, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 04/09/2007). (grifo nosso). FAMÍLIA. INTERNAÇÃO HOSPITALAR COMPULSÓRIA. TRATAMENTO DE INDIVÍDUO MAIOR, DEPENDENTE QUÍMICO. AÇÃO MANEJADA PELO PAI. INDEFERIMENTO DA INICIAL. ORDEM JUDICIAL IMPRESCINDÍVEL PARA A OBTENÇÃO DO TRATAMENTO, POR SE TRATAR DE PESSOA MAIOR E NECESSITADA. DIREITO À SAÚDE, GARANTIA DE TODOS E DEVER DO ESTADO. RESPONSABILIDADE PARTILHADA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. OBRIGAÇÃO QUE DECORRE DA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NÃO PODENDO A RESPONSABILIDADE PELA SAÚDE PÚBLICA SER VISTA DE MANEIRA FRACIONADA, CABENDO A QUALQUER DOS ENTES FEDERADOS. EXEGESE DO ART. 23, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70020394284, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 29/11/2007). (grifo nosso). AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. TRATAMENTO PARA DROGADIÇÃO. CUSTEIO DA INTERNAÇÃO EM ENTIDADE PRIVADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. DESNECESSIDADE DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DOS PODERES. 1) O custeio de tratamento em entidade privada para menor dependente químico constitui-se em dever e, por tanto, responsabilidade do Estado in abstrato (CF, art. 23, II), considerando-se a importância dos interesses protegidos, quais sejam, a vida e a saúde (art. 196, CF). Desta forma, tem-se a competência comum dos entes federativos, seja o Estado ou o Município, para assegurar tal direito. 2) Comprovada, cabalmente, a necessidade de recebimento de assistência médico-hospitalar a portador de dependência química, e que seus responsáveis não apresentam condições financeiras de custeio, é devido o fornecimento pelo Município de Novo Hamburgo, visto que a assistência à saúde é responsabilidade decorrente do art. 196 da Constituição Federal. 3) Não há falar em violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto ao Judiciário compete fazer cumprir as leis. 4) Tratando-se, a saúde, de um direito social que figura entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, impende cumpri-la independentemente de previsão orçamentária específica. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70021804620, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 29/11/2007). (grifo nosso). Assim, visando a consagração do direito magno à saúde, é razoável a intervenção do Poder Judiciário a fim de determinar, de um lado, a internação compulsória do requerido Odair e sua submissão ao tratamento de desintoxicação e recuperação, e, de outro, que o Município de São Carlos tome as providências que se fizerem necessárias para disponibilização de um tratamento adequado e eficaz. DO DIREITO AO TRATAMENTO Em que pese não esteja o direito à saúde previsto expressamente entre os Direitos e Garantias Fundamentais, o certo é que o caput do artigo 5º da Constituição da República garante o direito à vida. Óbvio que o direito ali previsto refere-se a uma vida digna e saudável, e engloba, via de conseqüência, o direito à saúde. O dever dos entes estatais de disponibilizar adequado tratamento de saúde vem expresso no artigo 23 da Constituição Federal, e é compartilhado pela União, pelos Estados e pelos Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis. Vejamos o texto legal: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; (...)” Em relação aos Municípios, ainda, há previsão expressa na Constituição da República de atribuição e responsabilidade a prestação do atendimento à saúde. Diz o artigo 30, inciso VII, que “Compete aos Municípios: (...) prestar, em cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população” (CF, art. 30, VII). Não se deve perder de foco que a questão ventilada nesta ação está diretamente relacionada com o direito à saúde, bem de todos e dever do Estado, que por mandamento constitucional está compelido a assegurá-lo em caráter de universalidade. O direito à saúde, em discussão no caso vertente, é daqueles que integram o mínimo existencial garantidor da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República (artigo 1º, III, da Constituição da República), e previsto em diversos outros dispositivos: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]”. “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (grifos nossos). A Constituição Paulista também reconhece a saúde como direito de todos e obrigação do Estado, nos seguintes termos: “Artigo 219 - A saúde é direito de todos e dever do Estado. Parágrafo único - O Poder Público estadual e municipal garantirão o direito à saúde mediante: (...) 4 - atendimento integral do indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação de sua saúde”. O Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 791/95), no que concerne ao tema em pauta, estabelece que: “Artigo 2º. - A saúde é uma das condições essenciais da liberdade individual e da igualdade de todos perante a lei. § 1º. - O direito à saúde é inerente à pessoa humana, constituindo-se em direito público subjetivo”. Artigo 18 - Compete à direção municipal do SUS, além da observância do disposto nos artigos 2º e 12 deste Código: I - Planejar, organizar, controlar e avaliar os serviços de saúde de âmbito municipal e gerir e executar os serviços públicos de saúde; (...) III - Executar ações e serviços de: a) assistência integral à saúde; (...)” (grifos nossos). E além de todos estes preceitos constitucionais e legais invocados, constantes em nosso ordenamento jurídico, é de se ressaltar também a previsão do direito à saúde na esfera internacional, em tratado internacional sobre Direitos Humanos incorporado ao direito pátrio. Com efeito, o Protocolo Adicional à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador, adotado em São Salador, El Salvador, em 17 de novembro de 1988, ratificado pela República Federativa do Brasil em 21 de agosto de 1996, dispõe em seu artigo 10 sobre o Direito à Sáude, destacando o seguinte: Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto bem-estar físico, mental e social. Assim sendo, o descumprimento do dever estatal em propiciar ao paciente condições adequadas ao exercício do direito à saúde constitui infração a disposição de direito internacional contida em Tratado de Direitos Humanos. Além disso, a dispositivo invocado é claro ao expor que direito à saúde constitui direito ao gozo de bem estar físico, mental e social. A permanecer nas condições em que se encontra o requerido Odair não está em condições de gozar de bem estar físico, visto que seu vicio em drogas provoca indiscutíveis prejuízos ao seu corpo; de bem estar mental, visto que sua drogadição está a lhe acarretar até mesmo a incapacidade civil; e tampouco de bem estar social, visto que nas condições em que se encontra ele além de estar incapacitado de ter vida social também está a provocar riscos em prejuízo do corpo social que o cerca. Incontestável, pois, a obrigação estatal em propiciar ao requerido Odair o tratamento médico adequado à sua desintoxicação e libertação do vício, em consagração ao direito fundamental à vida digna e saudável. DO TRATAMENTO ADEQUADO Incontestável, outrossim, que o tratamento de saúde a ser fornecido pelo Município não é qualquer tratamento, mas um tratamento adequado e eficaz. Cediço que o Município de São Carlos encaminha os dependentes químicos que necessitam de tratamento ao Hospital Psiquiátrico Espírita Cairbar Schutel, na vizinha cidade de Araraquara, SP. Ocorre que o tratamento disponibilizado pelo Hospital Cairbar Schutel é inadequado e ineficaz ao tratamento de drogaditos. Ora, tal estabelecimento é especializado ao tratamento de doentes mentais, e não de toxicômanos, e, ainda, o tratamento ali custeado pelo SUS o é por tempo insuficiente. Comforme documento em anexo, em resposta a ofício desta Defensoria Pública o Hospital Cairbar Schutel informou que: “A duração do tratamento custado pelo SUS é de 15 dias, sendo posteriormente encaminhado para atendimento extra-hospitalares. O período de desintoxicação varia de trinta a quarenta dias, portanto o período de internação adequado irá variar de acordo com o tempo de abstinência percorrido antes da internação. O hospital não disponibiliza infra-estrutura para um tratamento adequado e completo” (grifamos). Como já ressaltado, o direito à saúde está intimamente ligado ao direito à vida, o mais básico de todos os direitos, consagrado pela Constituição de República e por todas as declarações de direitos humanos. Não é razoável, portanto, que o requerido Odair seja submetido a tratamento médico que visa à desintoxicação e a conservação de sua vida, em estabelecimento hospitalar que não disponibiliza tratamento adequado. Vale dizer, realizando a internação de Odair no Hospital Cairbar Schutel, o Município de São Carlos estaria “tapando um buraco” da rede pública de saúde, de forma irresponsável, e colocando em maior risco a vida e a segurança do requerido. Conforme documentos que instruem a presente, existem em São Carlos e na cidade de Descalvado ao menos duas entidades especializadas no tratamento de dependentes químicos, que dispõem de infra-estrutura para um tratamento adequado e eficaz, quais sejam, “Saber Amar Comunidade Terapêutica” e “Clínica Via Saúde”. Insista-se que, conforme prevê o Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 791/95), são direitos dos cidadãos: “Artigo 3º. - O estado de saúde, expresso em qualidade de vida, pressupõe: (...) IV - Reconhecimento e salvaguarda dos direitos do indivíduo, como sujeito das ações e dos serviços de assistência em saúde, possibilitando-lhe: a) exigir, por si ou por meio de entidade que o representante e defenda os seus direitos, serviços de qualidade prestados oportunamente e de modo eficaz; (...) c) ser tratado por meios adequados e com presteza, correção técnica, privacidade e respeito; (...)” (grifos nossos). Não há outra forma, conclui-se, de atendimento aos princípios constitucionais e aos dispositivos insculpidos em Tratados Internacionais de Direito Humanos, e mesmo da legislação infra-constitucional, que salvaguardam a vida e a saúde, que não a internação de Odair em uma das mencionadas entidades, arcando o requerido, Município de São Carlos, com os custos do tratamento. Neste sentido, a título meramente exemplificativo, citamos os seguintes julgados: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INTERNAÇÃO HOSPITALAR PARA TRATAMENTO DE DEPENDENTE QUÍMICO, INDISPENSÁVEL À SAÚDE E VIDA DO AUTOR. OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO. DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA E INVIABILIDADE DE PROVA PRÉVIA A RESPEITO DA INEXISTÊNCIA DE LEITO NA REDE PÚBLICA. PROVIMENTO LIMINAR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NA FORMA DO QUE DISPÕE O ART. 557, § 1.º-A, DO CPC. É dever e responsabilidade da União, Estados e Municípios, por força de disposição constitucional e infraconstitucional, o fornecimento de medicamentos, assim como, quando indispensável, a internação hospitalar, indispensáveis à saúde e à própria vida do autor. O direito à saúde, pela nova ordem constitucional, foi elevado ao nível dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo direito de todos e dever da União, Estados e Municípios. Aplicabilidade imediata dos princípios e normas que regem a matéria. Não se faz necessário, para o ajuizamento da demanda, o esgotamento da via administrativa e nem é possível exigir do autor, face à urgência reclamada, que traga prova préconstituída a respeito da insuficiência ou inexistência de leitos na rede pública. AGRAVO PROVIDO LIMINARMENTE. (Agravo de Instrumento Nº 70008949828, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 03/06/2004). (grifo nosso). Sendo evidente, assim, a obrigação do Município de São Carlos, ora requerido, em fornecer ao também requerido Odair, tratamento médico adequado à sua desintoxicação, a procedência da presente ação é a única via a ser trilhada, com condenação do Ente Público Municipal a disponibilizar em favor do paciente tratamento médico em clínica especializada à recepção e recuperação de toxicômanos. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA Justifica-se a concessão da tutela, antecipadamente, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil, eis que a obrigação legal do requerido, Município de São Carlos, somada à gravidade do estado de saúde e do perigo constante a que está submetida a vida do co-requerido Odair, circunstâncias estas aliadas a condição financeira da requerente, autorizam a medida. Assim, a plausibilidade do direito ameaçado de lesão — fumus boni iuris — está demonstrada pelo reconhecimento do direito à saúde como direito público subjetivo de todos e pela correlata obrigação estatal de garantir e efetivar esse direito; e o periculum in mora manifesta-se na necessidade de se prover, urgentemente, o tratamento especializado de que carece o co-requerido Odair, que é imprescindível à manutenção de sua vida e de sua saúde. Autorizando a antecipação dos efeitos da tutela, a fim de, liminarmente, realizar-se a internação do dependente químico que necessita de tratamento, seguem os seguintes julgados: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. INTERNAÇÃO HOSPITALAR. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. Presentes os requisitos autorizadores para a concessão da antecipação de tutela, deve ser reformada a decisão que indeferiu o pedido de internação em hospital especializado para dependentes químicos. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70011541109, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 06/07/2005). (grifo nosso). AGRAVO. DIREITO À SAÚDE. PEDIDO DE AVALIAÇÃO E ENCAMINHAMENTO A TRATAMENTO CONTRA DROGADIÇÃO SOB PENA DE BLOQUEIO DE VALORES NAS CONTAS DO MUNICÍPIO. 1. Consagrando o direito à saúde, de matriz constitucional, não somente é admissível como é recomendável a antecipação de tutela, diante da omissão de poder público em providenciar avaliação e - se necessário - tratamento adequado a drogadito na rede conveniada ao SUS ou, na falta desta, em nosocômio particular. 2. O bloqueio de valores é medida legalmente prevista que visa a assegurar a tutela específica da obrigação quando o obrigado permanece inerte diante da determinação judicial. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70014040356, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 12/04/2006). (grifo nosso). PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – SERVIÇO ÚNICO DE SAÚDE – SISTEMÁTICA DE ATENDIMENTO (LEI 8.080/90) 1. A jurisprudência do STJ caminha no sentido de admitir, em casos excepcionais como, por exemplo, na defesa dos direitos fundamentais, dentro do critério da razoabilidade, a outorga de tutela antecipada contra o Poder Público, afastando a incidência do óbice constante no art. 1º da Lei 9.494/97. 2. Paciente tetraplégico, com possibilidade de bem sucedido tratamento em hospitais da rede do SUS, fora do seu domicílio, tem direito à realização por conta do Estado. 3. A CF, no art. 196, e a Lei 8.080/90 estabelecem um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, União, Estados e Municípios, responsabilizando-os em solidariedade pelos serviços de saúde, o chamado SUS. A divisão de atribuições não pode ser argüida em desfavor do cidadão, pois só tem validade internamente entre eles. 4. Recurso especial improvido. (REsp 661.821/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12.05.2005, DJ 13.06.2005 p. 258). (grifo nosso). Por fim, em caso de descumprimento, por parte do Município, da obrigação de custeio de tratamento adequado de desintoxicação ao requerido Odair, espera a autora o bloqueio da quantia necessária ao financiamento do tratamento médico, nas contas do Município. Importante ressaltar que a Jurisprudência vem se solidificando no sentido de que é perfeitamente possível tal bloqueio, quando da inércia do ente estatal na disponibilização do tratamento, por ser este o meio mais eficaz de realização e efetivação do direito do cidadão à saúde. Vejamos: PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 182/STJ. CUSTEIO DE MEDICAMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, § 5º, DO CPC. 1. "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada" (Súmula n. 182 do STJ). 2. A Constituição Federal excepcionou da exigência do precatório os créditos de natureza alimentícia, entre os quais incluem-se aqueles relacionados à garantia da manutenção da vida, como os decorrentes do fornecimento de medicamentos pelo Estado. 3. É lícito ao magistrado determinar o bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico indispensável, como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde. Nessas situações, a norma contida no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil deve ser interpretada de acordo com esses princípios e normas constitucionais, sendo permitida, inclusive, a mitigação da impenhorabilidade dos bens públicos. 4 - Agravo regimental não-provido. (AgRg no REsp 795.921/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 14.03.2006, DJ 03.05.2006 p. 189). (grifo nosso). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTA ESTATAL. CABIMENTO E ADEQUAÇÃO. 1. O fornecimento gratuito de realização do exame postulado constitui responsabilidade do Estado. 2. O bloqueio de valores faz-se necessário quando permanece a inadimplência do Estado. O objetivo é garantir o célere cumprimento da obrigação de fazer diante da imperiosa necessidade de imediato atendimento da decisão judicial. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70012032967, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 28/09/2005). (grifo nosso). O fato é que no presente caso, a necessidade de concessão da tutela antecipada é medida extremamente necessária, visto ainda que conforme documentos em anexo (fls. 128, 136-verso e 152 dos autos n. 2033/08 – 2ª Vara Cível – Interdição), foi deferida a internação compulsória do requerido Odair, mas em caráter provisório, atendendo à necessidade de urgência até que a presente ação judicial fosse promovida. E, ainda conforme consta às fls. 152 dos autos n. 2033/08 – 2ª Vara Cível – Interdição, o Hospital Psiquiátrico Cairbar Schutel, onde o requerido Odair foi internado, possui previsão de manutenção do paciente por apenas quatro semanas. Desse modo, segundo informação do nosocômio no qual o paciente se encontra internado, a internação será mantida por apenas mais alguns poucos dias. Necessário, pois, o deferimento imediato da tutela antecipada, em decisão liminar (inaudita altera parte), para que o Município seja compelido a recolher o paciente no Hospital Psiquiátrico em que se encontra e ato contínuo o encaminhe a clínica de tratamento de toxicômanos, pois em caso de liberação do paciente ou mesmo de fuga do nosocômio onde se encontra (fato este que já ocorreu e está documentado nos autos 316/08 – 2ª Vara Cível, fls 67), haverá solução de continuidade no tratamento, fato que acarretará dano irreparável ou de difícil reparação. Assim, espera a autora a antecipação dos efeitos da tutela, nos moldes do já exposto, a fim de que seja determinada a internação compulsória do requerido Odair em clínica especializada no tratamento de dependentes químicos, clínica essa a ser disponibilizada pelo co-requerido Município de São Carlos, sob pena de bloqueio do valor necessário ao custeio de dito tratamento em clínica particular. DO PEDIDO Considerando os fatos narrados, amparados em sólida e farta prova documental, posutla-se julgamento de integral procedência dos pedidos formulados na presente ação, a fim de que seja determinada a internação compulsória do requerido Odair em clínica especializada no tratamento de dependentes químicos, clínica essa a ser disponibilizada pelo co-requerido Município de São Carlos, ou na rede pública de saúde, ou em clínica particular, sob pena de bloqueio do valor necessários ao custeio de dito tratamento. REQUERIMENTOS Diante de todo o exposto, requer-se: 1) seja o Ente Público Municipal condenado providenciar, às suas expensas, a internação compulsória do requerido Odair em clínica especializada em tratamento adequado de dexintoxicação e recuperação de toxicômanos, seja na rede pública de saúde, seja em clínica particular, sob pena de bloqueio do valor necessário ao custeio de dito tratamento, mantendo-se o requerido Odair em tratamento pelo período que for necessário à sua dexintoxicação e recuperação; 2) a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional de mérito a fim de que seja determinada a internação compulsória do requerido Odair em clínica especializada no tratamento de dependentes químicos, clínica essa a ser disponibilizada pelo co-requerido Município de São Carlos, em estabelecimento da rede pública de saúde, ou em clínica particular, sob pena de multa diária no valor de R$500,00 (quinhentos reais); 3) a citação dos requeridos; 4) a condenação dos requeridos ao pagamento das custas processuais, inclusive honorários sucumbenciais; 5) a intimação do Ministério Público. Para fins de internação do requerido Odair em clínica particular às expensas do Município, indica-se desde já os seguintes estabelecimentos especializados em dexintoxicação e recuperação de toxicômanos: - Saber Amar Comunidade Terapêutica, com escritório situado na Rua Humberto de Campos, n. 37, Jardim Luftfalla, Município de São Carlos - SP - Clínica Via Saúde, CNPJ 08.399.845/0001-03, com escritório na Rua Pedro Alcântara Camargo, 468, Bairro Morumbi, Município de Descalvado – SP Requer-se, outrossim, os benefícios da assistência judiciária gratuita, por ser a autora pessoa pobre na acepção jurídica do termo. Protesta a autora pela produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente pela prova documental, testemunhal e pericial Atribui-se à causa o valor estimativo de dez mil reais. Nestes termos, Pede deferimento. São Carlos, 29 de dezembro de 2008. DANILO MENDES SILVA DE OLIVEIRA Defensor Público do Estado